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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

É triste e tedioso ter um de fallar de si proprio, mas a necessidade obriga e talvez desculpa. Embora o meu illustre amigo o sr. Antonio Augusto Teixeira de Vasconcelos, cujo senso politico, qualidade rara, muito respeito, haja assentado que a questão que se ventila não é religiosa mas ecclesiastica, mas de relação de igreja com o estado, sem por isso deixa de ser verdade que muitos espiritos primeiro se elevam com ella á altura das crenças, para depois se descerem d'ahi a tratar menos desfavoravelmente os que não desejam solta e sem peias a acção do cléro. Entendamo-nos. Vou fallar contra algum ponto d'esta pastoral, e principalmente contra o procedimento que a subtrahia ao beneplacito, mas daqui são infira ninguem que em mim não existam sentimentos religiosos. Os que não approvámos o acto censuravel do illustre bispo de Algarve sentimos bem vivas, bem radicadas no espirito e no coração as santas verdades do christianismo (muitos apoiados).

Educado á luz dos principios catholicos desde cedo lhes prestei o obsequio racional de que falla o texto sagrado. No estudo da historia aprendi a ser-lhes agradecido pelos grandes serviços que lhes deve a civilisação. Eu creio firmemente na celeste doutrina que ensina a unidade de Deus na mais sublime trindade, que tem a immortalidade com a recompensa para o merito e o castigo para o demérito, que tem o perdão para a arrependimento, que é tão divinamente perfeita e bella, que ensina o homem a subir-se acima de si mesmo recommendando lhe e exigindo-lhe o amor ao proprio inimigo! O progresso é necessario e constante na humanidade, mas a ultima palavra em materia de fé foi dita pelo Filho de Deus, e está acima dos tempos. Por isso os seculos passarão curvando-se respeitosos perante ella. Resta só faze-la ouvir por todos os povos, realisada em toda a redondeza da terra. Será a tareia do futuro. A divina figura de Jesus Christo domina e dominará toda a historia! (Muitos apoiados)

São sinceras estas declarações que faço perante a camara e o paiz. Os meus sentimentos são estes, por elles lamento e lastimo que este documento saisse da penna do sr. bispo do Algarve.

Do que tenho dito, sr. presidente, deduz-se com facilidade que sendo catholico não sou reaccionario — não! Partidario das paixões mundanas da jerarchia ecclesiastica que faltando aos seus deveres vem procurar na agitação das consciencias soluções convenientes ás suas idéa» e aos seus interesses terrenos, usando mal do grande podér da que dispõe, e influindo perigosamente no andamento do estado — nunca Í O meu sentimento, a minha intelligencia e a minha palavra são humildes, bem o sei, mas jámais estarão ao serviço de qualquer idéa reaccionaria (muitos apoiados). A reacção é um abuso horrivel, é um grande attentado, é a negação completa da doutrina em que pretende basear-se, é a desordem na vida social, a inquietação no seio das familias, e a guerra á liberdade. Contra a reacção, protesto em nome da minha, consciencia de christão, em nome, doa grandes exemplos do passado! Representante do povo, protesto contra a reacção por amor delle, e por amor do seu paiz (muitos apoiados).

Ouço que estas idéas, lá fóra, gratas a uns são muito desagradaveis a outros. Que importa? Se a popularidade é a estima do povo contagiada ao se» representante pela exactidão das doutrinas que defende, pela consciencia com que elle falla tendo por unico objectivo a verdade a o interesse publico, se é este enlace moral ordenado pela communhão das idéas verdadeiras e estreitado pela sympathia e para gratidão, preza-la parece dever do homem a quem Deus não nego alguma intelligencia e algum coração. Se é porém a estima popular obtida á custa do despreze de que ha de mais nobre, comprada a preço da condescendencia criminosa com as falsas opiniões posto geralmente aceites, se é essa estima enganada e illudida, recusa-la não póde ser menos que incontestavel mandamento.

O contrario fôra trahir a causa do povo, fazendo-o pagar em ilimitado credito a mais refalsada perfidia!

De mim espero que hei de ter a valentia civica precisa para responder negativamente á falsa popularidade todas as vezes que ella pretenda attrahir-me com os seus acenos e convites, chamando-me da recta que deve ser o meu caminho para a curva prohibida a todo o homem de bem. (Muitos Apoiados)

Rejeitemos todos os meios de agradar que não se fundam na rasão, na consciencia e no dever! — todos os meios illegitimos da apraser seja a quem for. (Muitos apoiados.)

Antes de proseguir, sr. presidente, devo declarar que te a minha phrase se tornar mais viva ou mais calorosa, não significa isso em mim promessa de concluir requerendo a aplicação de penalidades contra o reverendo bispo do Algarve, não significa falta de respeito pelo signatario d'esta pastoral — triste documento onde leio os seguintes periodos:

«O Santissimo Padre Pio IX, o representante de Jesus Christo sobre a terra, o chefe visivel d» igreja, ementada esta o sangue precioso do seu Divino Fundador, Pastor dos Pastores, ha seis mezes que foi sacrilegamente despojada dos seus pequenos estados por um governo que se diz catholico e faz publicos protestos de lealdade e amor filial para com o chefe augusto da religião santa, que felizmente professamos. Factos d'esta natureza é bastante narra-los para julgar da moralidade dos seus auctores e complices.»

Nem a palavra real empenhado no convivio de 15 de setembro de 1864, pela qual o governo de Florença se obrigara a manter a ordem nos estados pontificios, e a não atacar mas antes defender em caso de necessidade, a integridade dos mesmos estados; nem as promessas feitas pelo ministro dos negocios estrangeiros ao de França, por occasião da retirada das tropas francezas; nem a triste situação em que a guerra franco prussiana lançara a mesma França; nem finalmente consideração alguma de honra, lealdade e pundonor vingaram reprimir a infrene ambição, que desde 1859 dominava o govêrno subalpino de se assenhorear de Roma por todos os meios!»

Estas palavras são de um ministro da religião de Jesus Christo!

Estas palavras são de um alto funccionario portuguez! Acaso está decretado entre nós o insulto á corôa de Italia?!

Isto póde ser permittido? Póde consentir-se isto?

Á entrada do documento, a que pertencem os trechos lidos, diz-se: «Assim como o coração se nos alvoroça e enthusiasma com a narração de acções nobres a gloriosas, assim tambem se aos opprime e confrange quando temos de recordar metas tristes e dolorosos».

Sr. presidente, sinto o coração oppresso e confrangido quando recordo esta pastoral, que é um facto triste e doloroso (apoiados). Negue quem quiser diante de taes provas a necessidade do beneplacito!

Na ultima sessão da camara tres oradores me precederam no estudo da questão. O illustre deputado interpellante, o nobre deputado o sr. Ornellas, que sinto não ver presente, e o meu amigo e contemporaneo na universidade o sr. Alves Matheus.

Ouvi com profundo acatamento o sr. Ornellas, cujas idéas jámais poderei compartilhar. O teu discurso, cortado de exclamações, foi antes soluçado que proferido! A sua fé ardente e cega revelou se em manifestações successivas acima de toda a duvida! Os seus receios, alem de declarados verbalmente, manifestos no accento vacillante das palavras, na tremura e no estremecimento da phrase, foram expostos com verdadeira dor! Saudei o illustre deputado pela sua oração. Pensando sobre o assumpto mui differentemente de s. ex.ª, não fez isso fôrça no meu animo para que o não cumprimentasse com verdadeira estima. Presto grande respeito á convicção sincera, vehemente e profunda, «inda quando a tenho por exagerada inexacta, ou infeliz. Enten-