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Não combato pois os monte-pios — Deos me livre disso — combato o projecto em discussão; porque intendo que o peior emprego que aquellas associações podem lazer dos seus capitaes e a acquisição de bens de raiz; fallo de bens de raiz propriamentos dictos, e não de fóros, censos, pensões, e quaesquer outros direitos dominicaes, que ainda que sejam considerados bens de raiz por uma ficção juridica, o não são economicamente fallando. (Apoiados)

E para sustentar a minha opinião não necessitarei combater a doutrina estabelecida pelo illustre orador que acaba de sentar»e — de que os monte-pios não são considerados pelas nossas leis como corporações de indo morta; porque não se tracta de applicar essas leis, mas de fazer outras; e por isso não deve importar o que está constituido, sim o que deve constitue-se!

Porém sempre direi, que a ordenação do liv. 2.º tit. 18 falla sómente das igrejas e ordens, e que a despeito disso a sua disposição se tem sempre applicado a todos os estabelecimentos analogos. As leis posteriores fallam em geral de corporações de mão morta sem em nenhuma parte definir o que ellas são, deixando assim aos juizes e á practica do fôro o direito, e impondo-lhes mesmo a obrigação de deduzir a definição das analogias juridicas, e da natureza das cousas.

Um distincto jurisconsulto, que desgraçadamente já não vive, de quem fui discipulo e particular amigo, e cujas cinzas e cujos escriptos respeito muito — o sr. Manoel: Antonio Coelho da Rocha, no § 72.º da 1. edição das suas Instituições de Direito Civil, que peço licença para lêr á camara, diz assim: — Todos os estabelecimentos ou fundações permanentes, que tem um fim publico religioso, de piedade, beneficencia, ou instrucção são tambem pessoas moraes; e por «conseguinte susceptiveis de direitos e obrigações desde «que foram legitimamente auctorisadas. Destes uns são sociedades ou communidades como as collegiadas, os cabidos, as confrarias, as irmandades; outras não, como as igrejas, as capellas. Todas são na «nossa jurisprudencia designadas pelo nome de corpos de mão morta por estarem sujeitos ás leis da autorisação as quaes lhes prohibem adquirir ou possuir bens de raiz sem dispensa do rei, hoje do poder legislativo.

Sr. presidente, conforme esta definição, que eu faço minha, são corpos demão morta para todos os effeitos legaes quaesquer estabelecimentos ou fundações permanentes que tiverem um fim publico religioso, de piedade, beneficencia ou instrucção. Os mosteiros, as igrejas, as irmandades, as confrarias são corporações de mão morta, por que são estabelecimentos ou fundações permanentes com um fim publico religioso de piedade, beneficencia e instrucção, creados para durar um tempo indefinido, aspirando mesmo á perpetuidade, tanto quanto a ella pódem aspirar as creações dos homens. Quaesquer outros estabelecimentos ou fundações permanentes, que tiverem o mesmo fim, a mesma natureza ainda que com differente nome, são igualmente corporações de mão morta tão real e verdadeiramente como estas. (Apoiados)

Tenho diante de mim os estatutos do montepio, cujo requerimento deu origem ao projecto em discussão. No artigo 5.º destes estatutos diz-se que o seu capital será sempre intacto. Sempre intacto! Querem mais claramente formulada a pretenção á permanencia, á perpetuidade? Não ha ahi nenhum artigo em que ainda remotamente se alluda á idéa da dissolução. Nem podia alludir-se, porque é tal a organisação, o instituto, e o fim destas associações que passado pouco tempo depois da sua installação, e sempre tanto mais quanto mais della se separam, os socios activos, permitta-se-me a frase, administram fundos que não são seus, administram em nome alheio fundos que estão debaixo da salva-guarda da sociedade, e aos quaes tem principal direito as pessoas que nenhuma ingerencia tem na sua administração — as viuvas, as filhas, as irmãs desvalidas dos socios que morreram. (Apoiados)

Assim pois não só não se allude á dissolução, mas nem póde alludir-se, porque os socios encarregados de administrar os fundos da sociedade não podem ter direito de dispor do que não é seu; porque a mais leve desconfiança de que a associação não seria permanente, a malaria logo á nascença. Assim pois, a permanencia, a aspiração a perpetuidade não só está claramente formulada na letra dos estatutos, mas, o que mais vale, é tão inseparavel da instituição, tão essencial á sua natureza, que não póde conceber-se uma sem a outra. (Muitos apoiados). Sendo pois estas associações estabelecimentos permanentes, como acabo de mostrar pela analyse dos seus estatutos, por elles tambem se vê, que têem um fim publico de piedade, e de beneficencia esclarecida; têem os dois caracteres essenciaes dos corpos de mão morta, são reaes e verdadeiros corpos de mão morta.

Sr. presidente, quando se folheam os institutos das irmandades e outros estabelecimentos pios expressamente classificados nas nossas leis como corpos de mão morta, encontram-se muitos, que são verdadeiros monte-pios — menos em nome — que têem por fim prover á miseria e curar as enfermidades dos socios ou irmãos, e de suas familias. Todos as misericordias e hospitaes são tambem verdadeiros montepios mais humanitarios, ainda menos egoistas. Não ha outra differença entre aquelles estabelecimentos e os monte-pios moderno, senão o nome, a forma, e não sei tambem se o não se terem estes abrigado debaixo do patrocinio religioso. Mas nenhuma destus differenças seria razão para que aquelles sejam considerados com mais desfavor, e se conceda a estes o que aos outros se nega. Pelo contrario acreditaria mais na prosperidade, no florescimento dos montepios modernos, se os visse tomar a fórma tão catholica, tão encarnada nos nossos costumes, tão portugueza — de irmandades.

Sr. presidente, acredito no progresso, nas novas instituições, quero-as, desejo-as vêr introduzidas no meu paiz, mas folgaria muito de as vêr casadas com as antigas tradições, vestidas com as velhas fórmas, por que assim inspiravam mais fé, mais esperança, mais respeito aos povos, e eram delles mais bem acceitas.

Um respeitavel magistrado, o procurador gerei da corôa, viu a questão como eu, e pelas mesmas razões foi de parecer que os monte-pios eram pela legislação existente verdadeiros corpos de mão morta, e como taes não podiam adquirir bens de raiz. (Apoiados)

Já vê poiso seu illustres amigo, deputado por Vizeu, que acaba de sentar-se, que a questão, mesmo no terreno legal não póde deixar de decidir-se contra o parecer da commissão; mas ainda quando fosse duvidosa nesse terreno, seria isso indifferente; porque