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N.º 17.

SESSÃO DE 19 DE MARÇO.

1853.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES,

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia e um quarto.

Ao lêr a acta disse:

O sr. Vellez Caldeira: — Parece-me que não está bem exacta na neta a declaração que eu fiz na sessão passada, riu não disse que pedia a v. ex 1 a escusa da commissão para que me tinha nomeado (e tanto me não escusava que eslava servindo na commissão de petições) mas que tendo a commissão para que v. ex.ª me nomeou relação intima com a de legislação, e tendo assentado a camara não me nomear para esta commissão, intendi que nisto houve um pensamento politico, e que v. ex.ª não podia contravir esse pensamento politico. Por tanto, pretendo que se faça esta declaração na acta.

O sr. Secretario, (Tavares de Macedo): — Não ha duvida em fazer-se a rectificação; mas será talvez conveniente que v. ex.ª mande a declaração por escripto; porque o seguimento que eu dei á proposta foi como o de um requerimento em que se pedia a escusa.

Mandou-a nos seguintes termos:

Rectificação. — « Na parte em que se diz — pediu a escusa — diga-se = intendia que a mesa não o podia nomear » — Vellez Caldeira.

Foi logo a acta approvada com esta rectificação

O sr. Presidente — Sou prevenido de que nos corredores se acha o sr visconde de Castro e Silvo, já proclamado deputado. Os srs. Pinheiro Ozorio, e Almeida Pessanha, terão a bondade de o introduzir na sala.

Foi assim introduzido o sr visconde de Castro e Silva, que prestou o juramento, e tomou assento.

CORRESPONDENCIA.

Declarações. — 1.ª Do sr. Roussado Gorjão, de que o sr. Antonio Emilio não póde assistir á sessão de hoje. — Inteirada.

2.ª Do sr. Soares de Azevedo de que o sr. Antonio Feyo de Magalhães Coutinho por justo impedimento não comparece á sessão de hoje — Inteirada.

3.ª Do sr. Rezende de que não póde comparecer à sessão de hoje por motivo de molestia. — Inteirada.

4.ª Do sr. Mello e Carvalho de que o sr. Moraes Pinto continúa a soffrer incommodo de saude, e por isso não comparece. — Inteirada.

5.ª Do sr. Palma de que o sr. Garcia Peres ainda não póde comparecer hoje, por doente. — Inteirada.

6.ª Do sr. Frederico Guilherme de que o sr. Torcato Maximo não póde comparecer á sessão de hoje por motivo justificado — Inteirada.

OFFICIOS. — 1.º Do ministerio do reino, participando que se estão imprimindo as consultas das juntas dos districtos do reino e ilhas, para serem enviadas brevemente a esta camara, a fim de se distribuirem; e então será assim satisfeito o requerimento do sr. Castro e Lemos, em que pedia as duas ultimas consultas da junta geral do districto de Béja. — Para a secretaria.

2.º Do ministerio da justiça, participando que foram dadas as competentes ordens para ser presente a esta camara uma nota dos processos de contrabando de sabão e tabaco, a fim de ser satisfeito um requerimento do sr. José Estevão. — Para a secretaria.

3.º Do mesmo ministerio, participando que foram dadas as ordens precisas para ser remettida á camara uma nota dos processos de liquidação e contas altinentes ao contracto do tabaco e sabão, a fim de se satisfazer a um requerimento do sr. José Estevão. — Fora a secretaria.

4.º Do ministerio das obras publicas, acompanhando alguns documentos relativos ao melhoramento da barra de Villa-Nova de Mil-fontes, satisfazendo assim a um requerimento do sr. J. M. de Andrade. — Para a secretaria.

5.º Do mesmo ministerio, no qual satisfazendo a um requerimento da commissão de fazenda, informa (pie no Diario do Governo do corrente mez vem descripta a extenção das estradas, e a despeza feita com a sua reconstrucção durante o anno findo; e que em quanto á conta do imposto para as estradas foi requisitada ao ministerio da fazenda para ser enviada a esta camara. — Para a secretaria.

6.º Do ministerio da marinha, acompanhando por cópia dois officios do commandante que foi, da náo Vasco da Gama, Pedro Alexandrino da Cunha, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Sampaio, — Para a secretaria.

Representações. — 1.ª De 123 eleitores do circulo eleitoral do Funchal, queixando-se do governador civil do districto por ter prorogado e alterado os prazos dos actos para a eleição de deputados. (Com esta representação vieram tambem cópias das resoluções do governador civil, e das actas das sessões das commissões recenseadoras dos concelhos do Funchal, Santa Cruz, e Machico, em que se tractou daquelles objectos.) — Á commissão de verificação de poderes.

2.ª Da camara municipal de Rio-Maior, pedindo o edificio do extincto hospicio dos religiosos arrabidos para estabelecimento das repartições administrativas e judiciaes. — Á commissão de fazenda

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3.ª Da camara municipal de Valladares, pedindo que seja approvado o projecto de lei do sr. Honorato Ferreira, que concede o sello á alfandega de Vianna do Castello — Ás commissões de fazenda, commercio e artes.

4.ª Da camara municipal de Faro, pedindo que seja approvado o projecto do sr. Honorato Ferreira para ser concedido o sello á alfandega de Faro. — As mesmas commissões que a antecedente.

Deu-se pela mesa destino ao seguinte:

1.º Requerimento. — «Requeiro que o governo envie, pelo respectivo ministerio, as cópias das seguintes representações, queixando-se da exorbitancia e violencias praticadas pelo barão de Ourem, actual governador geral da India:

«1.º A da representação assignada por um grande numero dos mais conspicuos e principaes habitantes do estado da India, que pessoalmente entreguei em abril do anno passado ao sr. ministro da marinha.

«2. A da representação da camara municipal da capital do mesmo estado de Goa, que eu nos principios do mez de dezembro ultimo enviei á respectiva secretaria, coberta com um officio meu ao sr. ministro da marinha.

3.º A da representação da camara municipal de Salsete, que me consta fôra entregue, tambem em dezembro ultimo, ao sr. ministro da marinha por um bacharel meu patricio.» — Jeremias Mascarenhas.

Foi remettido ao governo.

2.º Requerimento. — «Requeiro que se peçam ao governo, pelo ministerio da marinha, os seguintes esclarecimentos:

«1.º Em quanto importou a despeza extraordinaria feita para combater os sublevados de Satari, chamados officialmente quadrilha dos salteadores.

«2.º Em quanto importou a contribuição ou emprestimo forçado, lançado por occasião, ou pretexto da sublevação de Satari, tanto aquella que se impoz em julho do anno passado, unicamente sobre alguns proprietarios e negociantes do concelho das ilhas, como outra que se lançou sobre os proprietarios e negociantes das velhas conquistas.

«3.º Se, por não terem entrado com a quota lançada no sobredito julho aquelles 21 proprietarios ou negociantes das ilhas, foram presos alguns delles, e quanto tempo o estiveram.

4.º Que meios se empregaram para se arrecadar o emprestimo forçado, lançado sobre as velhas conquistas; se teve logar o emprego da força militar, conforme o respectivo governador geral havia ameaçado por uma portaria; se foram presos e conduzidos debaixo de escolta alguns dos collectados: se se puseram sentinellas ás portas de alguns, e se foram presos filhos de alguns, por se não encontrarem em casa os pais; tudo individuando o numero, duração do tempo, e outras circumstancias explicativas.

«5.º Qual foi o producto dos rendimentos das alfandegas de Sanquelim e Doromarogo das raias seccas no estado da India, durante o anno de 1852, e se houve alguma diminuição relativamente aos tres annos anteriores, e em quanto ella importa.

«6.º Se durante o sobredito anno se arrecadaram as rendas de Satari, e em quanto importa o desfalque das da dita provincia.

N.B. Quando algum, ou alguns dos esclarecimentos pedidos o governo não possa subministrar, sem as informações das auctoridades locaes, peço que se lhes enviem os respectivos quesitos deste requerimento, — Jeremias Mascarenhas. Foi remettido ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS.

1.º Participação. — «A commissão de marinha, achando-se sem presidente e secretario, por ter deixado de pertencer a ella o sr. barão de Lazarim, e se achar ausente do reino o sr. Salvador da França, nomeou para seu presidente o sr. Frederico Leão Cabreira, e para seu secretario D. Antonio de Mello Brayner. — Arrobas.

Inteirada.

2.º Proposta. — «A commissão ecclesiastica pede que a mesa requisite da secretaria da camara todos os papeis que alli existirem dependentes de resolução, e que na sessão legislativa ultima foram remettidos á mesma commissão, para que de novo sejam submettidos ao seu exame.»

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — O sr. Alves Martins mandou para a mesa esta proposta, por parte da commissão ecclesiastica: como o sr. deputado não está presente, não sei se a camara quererá já dar-lhe andamento.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Na secretaria estão muitos negocios pertencentes á commissão ecclesiastica, que na transacta camara não tiveram resolução; a commissão actual pede — que pela secretaria se lhe remettam esses papeis. Parece-me que não ha cousa mais justa; e talvez fosse escusado fazer em fórma esse requerimento.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Tenho algumas observações a fazer sobre este pedido da commissão ecclesiastica. Os papeis a que se póde referir o requerimento, ou são propostas do governo, ou projectos de leis, que não tendo sido resolvidos na sessão passada, caducaram, e não podem reviver sem agora se renovar sobre elles a iniciativa; e se o requerimento se refere a papeis de particulares, a respeito desses já a camara, approvando uma proposta do sr. D. Rodrigo de Menezes, resolveu que fossem remettidos á commissão de petições, para lhes dar a direcção devida. Não vejo pois utilidade alguma no requerimento da commissão ecclesiastitica.

O sr. Presidente: — Entrando em duvida se o expediente deste requerimento era da competencia da mesa, e julgando que a discussão se limitaria a este ponto, não tinha consultado a camara sobre a admissão delle á discussão; como porem se suscitam duvidas, e muitos srs. deputados pedem a palavra, é preciso seguir as regras regimentaes: vou, pois, perguntar á camara se o admitte á discussão.

Foi admittido.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Este pedido não se refere a projectos de leis, que ficaram caducos por virtude da dissolução da camara passada, e sim a negocios que re acham pendentes e sem resolução. Parece-me que é complicar, irem estes papeis á commissão de petições, para da commissão de petições serem remettidos á ecclesiastica. Seja porém como fôr, o que se pretende é que estes papeis vão para a commissão ecclesiastica.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Sr. presidente, a commissão ecclesiastica deseja que lhe sejam remettidos não só os papeis de particulares, mas os que existirem de outra natureza, porque os quer consul-

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tar, e ver se algum dos seus membros, ou a commissão, quer renovar a iniciativa sobre algum delles.

O sr. Palmeirim: — Não se póde approvar o requerimento na generalidade em que está concebido; porque dizendo — os papeis que ficaram dependentes de resolução na sessão passada — involvem-se neste pedido propostas de leis e projectos, que não podem reviver sem sobre elles se renovar a iniciativa. E necessario saber a camara o que vota.

O sr. Cardozo Castello Branco: — A commissão quer só os pareceres.:

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — E preciso que a commissão fixe bem que papeis quer. (Vozes. — É verdade) porque a mesa ha de embaraçar-se na satisfação desta proposta. Eu já declarei, se são propostas apresentadas pelo governo, ou projectos dos srs. deputados, é necessario renovar a iniciativa; se são requerimentos de particulares, já se lhes deu destino. Agora, se ha alguns outros papeis, que a commissão quer que lhe sejam remettidos, tenha a bondade de declarar quaes são para a mesa poder dar seguimento á proposta.

O sr. Santos Monteiro: — E escusado accrescentar cousa alguma ao que acaba de dizer o sr. Custodio Rebello. O sr. D. Rodrigo fez um requerimento para que todos os -negocios de particulares que foram apresentados na sessão passada, e que se achavam na secretaria, fossem remettidos ás commissões. Creio que assim se tem feito, porque á commissão de fazenda tem ido muitos. Mas o requerimento da commissão ecclesiastica, aliás digno de elogio, porque prova o seu zelo, e vontade de trabalhar, não inclue só os negocios de particulares, inclue tambem as propostas do governo, e os projectos dos deputados, que não podem ter andamento regular, sem se renovar a iniciativa: e se forem á commissão, ha de haver muita difficuldade quando algum deputado a quizer renovar. Eu não me opponho a que sejam remettidos: mandem-se todos; mas não poderão ter andamento regular.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sr. presidente, tenho só a dizer que, em quanto aos requerimentos de particulares, já está decidido por esta camara que vão ás commissões. Em quanto ás propostas e projectos, eu sei que elles caducaram; mas recusar-se a sua remessa á commissão ecclesiastica, parece-me que é ter um respeito demasiado ás formulas regimentaes. A illustre commissão podia ler interesse em vêr algumas propostas de leis que estão na secretaria, sem com tudo lhes dar andamento. Que mal faz pois que ellas vão á commissão, e que mesmo se slivá dellas para tirar alguma idéa que possa aproveitar? (Apoiados) Por consequencia approvo a proposta.

O sr. Cardozo Castello Branco: — Eu não me opponho a que todos esses papeis vão á commissão de petições; mas parece-me, como já disse, que é dobrado trabalho. A razão porque a commissão ecclesiastica pede estes papeis, é para os examinar, para ver se entre elles ha algum negocio de que ella toda, ou alguns de seus membros possa tomar a iniciativa. Pois é isto objecto que mereça impugnação? Se a camara não permittir que lhe sejam remettidos estes papeis, quem lucra com isso é a mesmo commissão que se livra do trabalho de os examinar. Mas parece-me que não ha inconveniente nenhum, ante» talvez proveito em que elles lhe sejam remettidos. (Apoiados)

E pondo-se logo á votação a Proposta da commissão ecclesiastica — foi approvada.

O sr. Pinto de Almeida: — Na sessão de 25 de fevereiro fiz eu uma proposta para que em conformidade com o artigo 109. do decreto eleitoral de 20 de setembro de 1852 se officiasse aos differentes deputados eleitos do continente, a fim de declararem se acceitavam ou não o logar de deputado; e hoje em conformidade com o mesmo artigo mando para a mesa a seguinte proposta, e peço que seja declarada urgente.

Proposta: — «Proponho que se officie pela segunda vez aos deputados do continente do reino que ainda não compareceram, e não responderam no primeiro officio dirigido pela mesa, em virtude da resolução da camara dos deputados em sessão de 25 de fevereiro do corrente anno.) — Pinto de Almeida.

Foi julgada urgente.

O sr. Santos Monteiro: — Eu approvo a proposta, mas approvo-a na conformidade da lei, isto é, em conformidade do § 1.º do artigo 16.º Tem de se marcar um praso, e esse praso não se póde marcar de repente; por isso approvo a proposta para ir a uma commissão para ella marcar esse praso; (Vozes: — É melhor a mesa) pois seja a mesa.

O sr. Pinto de Almeida: — Eu intendo que o artigo 16.º citado pelo illustre deputado não tem applicação para este caso, porque o artigo 109.º, § 1.º diz assim. (Leu) Intendo que á vista do paragrafo deste artigo, o que v. ex. tem a fazer é officiar segunda vez aos srs. deputados que foram eleitos, e que não appareceram ainda, para que declarem se acceitam ou não; e depois deste segundo officio, é que se ha de cumprir o que diz o mesmo artigo. (Leu) Então é que tem logar a nomeação da commissão. Por consequencia o artigo indicado pelo illustre deputado não tem logar para agora, que só se tracta de officiar pela segunda vez para saber se querem ou não acceitar o logar de deputado. I

O sr. Santos Monteiro: — O sr. deputado tem razão; mas eu é que não sabia que havia aqui dois artigos um combatendo o outro; estou de accôrdo com o illustre deputado, e voto pela sua proposta.

E pondo-se logo á votação a.

Proposta do sr. Pinto de Almeida — foi approvada.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa o seguinte parecer da commissão de marinha. (Leu)

Ficou sobre a mesa para opportunamente se tomar em conta.

O sr. Santos Monteiro: — Mando para a mesa uma representação dos escrivães da comarca de Santo Thyrso, pedindo a revogação de uma portaria..

Ficou para se lhe dar destino na sessão immediata.

O sr. Rivara: — A commissão de saude publica instalou-se nomeando para seu presidente o sr. Andrade, secretario o sr. Peres, e relator Rivara.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Ficou para ter destino na sessão immediata.

O sr. Justino de Freitas: — A commissão de infracções nomeou para seu presidente o sr. Frederico Guilherme; para relator Justino Antonio de Freitas, e para secretario o sr. Pinheiro Osorio.

(Continuando); — Sr. presidente, o anno passado

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o governo movido pelas representações das differentes camaras do districto de Coimbra e mais auctoridades trouxe á camara uma proposta de lei n. 26 para o encanamento do Mondego, e para melhorar as suas obras. Esta proposta foi a uma commissão; essa commissão examinou-a, e não concordando com a base da proposta, quanto aos meios para se levarem a effeito esses melhoramentos, que consistiam no meio dizimo, comtudo tinha já formulado o seu parecer que não chegou a apresentar á camara, porque foi dissolvida nesse meio tempo. Eu dei-me agora ao incommodo de examinar esse trabalho, de aproveitar delle muitas das idéas que alli tinham vogado, e juntas.com outras que intendi conveniente addicionar-lhe, venho hoje submetter á camara o seguinte projecto de lei. (Leu) Já disse que este projecto é com poucas alterações o mesmo que o governo apresentou na camara transacta. É provavel que seja remettido á commissão de obras publicas; e eu pediria portanto a essa commissão que se esforçasse quanto antes a dar o seu parecer sobre este objecto de urgente necessidade para aquelles campos, que estão sendo um fóco de molestias, que todos os annos vão dizimando vidas, e fazendo muitas victimas. Peço pois a urgencia, e que seja impresso no Diario do Governo. O sr. Presidente: — A practica seguida é que todos os projectos de leis apresentados na camara ficam para segunda leitura; entretanto, como o sr. deputado pede a urgencia, eu consulto a camara.

O sr. Justino de Freitas: — Póde ficar para a sessão immediata.

Foi introduzido na sala com as formalidades do estilo o sr. deputado J. J. da Silva Pereira — prestou o juramento, e tomou assento.

O sr. Corrêa Caldeira: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Peço a v. ex.ª que esta proposta seja tomada em consideração, e expedida com a maior brevidade possivel, de modo que pelo menos o sr. ministro na proxima discussão dos actos da dictadura possa dar resposta cabal a este respeito.

Ficou para ter destino na sessão immediata.

ORDEM DO DIA.

Discussão do seguinte

Projecto (n.º 12.) — Foi presente á commissão de legislação o projecto renovado pela iniciativa dos srs. deputados Antonio dos Santos Monteiro, e Custodio Manoel Gomes, em sessão de 18 de fevereiro ultimo, que já fôra approvado com varios additamento na sessão de 31 de março na camara de 1850, no qual foi declarado que as associações denominadas — monte-pios — por isso que não são corporações de mão morta, não carecem de licença do governo para adquirirem, conservarem e alienarem bens de raiz, fóros e pensões, ou quaesquer outros direitos dominicaes.

A commissão, fazendo suas as rasões expendidas em o parecer junto, que foi apresentado á camara de 1850, intende ser de utilidade a approvação daquelle projecto, reduzido aos seguintes termos:

Artigo 1.º As associações auctorisadas pelo governo com a denominação de monte-pios, que não formarem parte, nem forem dependentes de irmandades, confrarias, ou outras quaesquer corporações de mão morta, podem livremente adquirir e alienar bens de raiz, seja por acto entre vivos, ou por disposição de ultima vontade; salvo se pelos seus estatutos não estiverem devidamente habilitadas, para fazerem similhantes transacções, em cujo caso carecem do impetrar a reforma dos mesmos para esse effeito. Art. 2.º Fica derogada toda a legislação em contrario. Sala da commissão, 12 de março de 1853. =: Antonio de Azevedo Mello e Carvalho, presidente = Vicente Ferreira Novaes — João de Mello Soares e Vasconcellos = Basilio Alberto de Souza Pinto =. Justino Antonio de Freitas — João Feio Soares de Azevedo — Frederico Guilherme da Silva Pereira = Elias da Cunha Pessoa, relator.

O sr. Nazareth: — Sr. presidente, a illustre com missão de legislação, assentando como principio, que os — monte-pios — não eram corporações de mão morta, deduziu dahi a conclusão consignada no artigo 1.º do projecto. Eu não posso conformar-me com o principio, e por isso rejeito a disposição do artigo em quanto concede áquelles a permissão de adquirirem bens de raiz.

Sr. presidente, sempre foram consideradas como corpos de mão morta todas as instituições permanentes, que tinham algum fim religioso, de piedade, beneficencia e instrucção. Ora os monte-pios têem por fim a beneficencia, e alem disto na essencia, e nos effeitos são verdadeiros corpos de mão morta; e a acquisição de bens de raiz por estas sociedades importa n'uma verdadeira e rigorosa amortisação, no que vai de encontro aos interesses da sociedade, e aos principios economicos.

Nem, sr. presidente, estes principios e idéas são de hoje, datam de muitos seculos. Não contarei a historia das leis da amortisação; bastará lembrar a carta de lei de 3 de agosto de 1770, em que se acham consignados inconcussos, e luminosos principios contra a amortisação dos bens de raiz.

Demais as necessidades, e as idéas da sociedade actual reclamam modificações no modo de ser da propriedade, e neste sentido se tem apresentado nesta camara diversos projectos de leis, tendentes a desamortisar a propriedade, e a remover os obstaculos que no estado actual da legislação se oppõem á livre permutação dos bens de raiz, fazendo-os entrar no giro commercial. Na presença, pois, destas circumstancias não é admissivel a doutrina do projecto.

Sr. presidente, não é mesmo conveniente aos — monte-pios — a acquisição destes bens. Além de outras rasões, a administração delles ha-de necessariamente ser-lhes damnosa.

Eu tomo todo o interesse pela consolidação e prosperidade destas instituições — os monte-pios —: concorrerei com o meu voto, para todas as providencias em seu beneficio, mas não para a acquisição de bens de raiz propriamente dictos. E por isso rejeito esta provisão do projecto.

O sr. Mello Soares. — Sr. presidente, na falta do illustre relator da commissão, que não se acha presente, eu não posso deixar de tomar a palavra para sustentar o parecer da mesma commissão quanto o permittirem a natureza do objecto e as minhas fracas forças para entrar na sua discussão.

Eu intendo que a liberdade de comprar, reler, e vender é um direito que não póde pôr-se em duvida a respeito dos monte-pios, e a não ser para uma

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causal, eversiva dos bons principios, mal se póde prohibir aos monte-pios o uso deste direito, que em regra geral assiste a todos os cidadãos, e a toda e qualquer associação, e nesse sentido a commissão, adoptando como suas as rasões do parecer antecedente, apresentado nesta camara em outra sessão sobre o mesmo objecto, e já remettido para a camara dos dignos pares, intendeu (o a meu vêr intendeu bem) que o» monte-pios civis não podiam considerar-se corporações de mão morta para lhes ser prohibida a acquisição, conservação, e venda de bens de raiz, no comprehensão amplissimo desta designação.

Que os monte-pios não são corporações de mão morta é um facto consignado em toda a nossa legislação, e tanto que desde a origem da monarchia até hoje não ha uma unica lei que classifique os montepios como corporações de mão morta. Não posso concordar com a opinião do illustre deputado que me precedeu de que todas as instituições com caracter permanente são consideradas como corporações de mão morta. Se este principio fosse verdadeiro e applicado em toda a sua extensão não havia hoje corporação nenhuma permanente que podesse comprar, reler e vender bens de raiz. Eu sei bem que se hade dizer que na época em que se ameaça a existencia dos vinculos, se vão formar uns como vinculos de nova especie, mas isto não póde ter applicação nenhuma ao caso de que se tracta, por que os vinculos por sua naturesa são inalienaveis, e por este projecto ao mesmo passo que se sancciona o principio legal da acquisição, por compra, aos monte-pios, igualmente se proclama o direito de poderem alienar; por conseguinte não ha paridade nenhuma.

Ora a respeito dos monte-pios não existem as mesmas razões, que se davam nas corporações de mão morta ás quaes era permittida a acquisição; mas não a retenção de bens de raiz por mais de anno e dia. E sabido que no principio da monarchia, e mesmo antes da lei estabelecida pelas córtes de Coimbra em 1211 já era prohibido ás corporações de mão morta comprarem bens de raiz e dizia essa lei — para que estas corporações se não enriquecessem com prejuiso dos vassallos destes reinos — Ora nas circumstancias presentes a respeito dos monte-pios não se dá este inconveniente, porque estas corporações não têem um fundo de que possam dispor para um uso de compra de bens em grande quantidade. E de mais a mais esses fundos que têem, provenientes das quotas e joias dos seus associados têem uma despeza annual, e por conseguinte não ha receios de accumulação que assuste.

Por consequencia não acho razão aos nobres deputados que combalem o projecto, em dizerem que os monte-pios podem comprar fóros, e que não podem comprar os outros bens de raiz, quando pelas nossas leis os fóros são considerados como bens de raiz, e estão nas mesmas circumstancia, e só póde haver uma differença, e vem a ser, que quanto aos fóros não ha necessidade de administração, e a respeito dos outros bens de raiz ha; mas quanto aos fins a cousa vem a ser a mesma.

Ora eu peço á camara licença para ler o outro parecer a que me referi, para se ver a justiça, a razão e os principios economicos em virtude dos quaes a commissão de legislação fundamentou este projecto (Leu).

Dizendo sempre que esta disposição era só relativa aos corpos de mão morta, os corpos de mão morta foram considerados o clero regular e secular.

A lei de 1 de junho de 1768 que applicou esta prohibição, falla especialmente destes corpos, e ainda assim por dois alvarás restrictivos se permittia a estes corpos a acquisição em dois casos; o primeiro — quanto ás ordens militares, e o segundo com relação ás ordens monacticas na qualidade de donatarios de bens da corôa. Por consequencia estou persuadido que não ha nenhuma razão para que estes monte-pios de natureza civil se possam considerar corpos de mão morta.

Ora agora pergunto eu. Não estando classificados por lei corpos de mão morta estes monte-pios, por que razão os quererão classificar taes só para lhes impôr a privação de um direito, que se dá a qualquer outra associação?! Pois eu como particular posso comprar, reter, e vender; associado a outro posso comprar, reter e vender; por que motivo não ha de conceder se isto a outros associados dos monte-pios? Temos nós receio que estas corporações venham a ser o mesmo que, em tempos caliginosos, foram as do clero regular, e secular?! Ou estaremos nós nessa época em que o fanatismo religioso fazia crer que quem morria sem deixar legados aos frades ou aos clerigos não se salvava?! Felizmente que até esse cabeçalho testamental — pro bono animae = no sentido fradesco caiu em desuso. Não haja receio de que os monte-pios assombrem os poderes do estado com a riqueza accumulada pelo direito de comprarem, relerem, e venderem bens de raiz.

Nem se diga que taes corporações não podem bem administrar esses bens porque, em verdade, não se dão a respeito dellas os mesmos inconvenientes administrativos, que militavam quanto ao clero regular. Em summa o projecto, como está concebido, não faz mais que sanccionar um direito, que assiste aos monte-pios, e assim como se lhes não dá mercê, tambem se lhes não deve tolher a liberdade de comprarem, relerem, e venderem esses bens: voto pelo projecto.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, não me levanto para combater os monte-pios, antes pelo contrario intendo que estas associações, cujo fim e formar de pequenas deducções de ordenados, que não fazem uma falta sensivel aos contribuintes, um grande capital que possa com o seu juro assegurar uma parca subsistencia ás suas viuvas, ás suas filhas, ás suas irmãs desamparadas; livra-las da miseria, da fome, e talvez da prostituição, são excellentes instituições que o governo, que as camaras, que todos os homens intelligentes e patriotas devem proteger e propagar. (Apoiados) Estas instituições são inspiradas pelo mais nobre, menos egoista, e mais caracteristico sentimento da especie humana — a previsão do futuro, o cuidado pelos que lhe são caros ainda além do tumulo (Apoiados — Muito bem). Estas instituições, protegidas, desenvolvidas, radicadas como o devem ser, podem e devem livrar o estado do pesadissimo onus das pensões que elle deve por ora, quer, e não póde pagar. (Apoiados) Estas instituições applicadas a todas as classes proletarias, que vivem de um salario, que acaba quando o braço cessa de poder trabalhar, estancariam muitas lagrimas, valeriam a muitas miserias, acudiriam a muita perdição. (Apoiados) Todos os systemas que agitam a humanidade, têem um fundo verdadeiro; e este é fundo verdadeiro do socialismo, (Apoiados)

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Não combato pois os monte-pios — Deos me livre disso — combato o projecto em discussão; porque intendo que o peior emprego que aquellas associações podem lazer dos seus capitaes e a acquisição de bens de raiz; fallo de bens de raiz propriamentos dictos, e não de fóros, censos, pensões, e quaesquer outros direitos dominicaes, que ainda que sejam considerados bens de raiz por uma ficção juridica, o não são economicamente fallando. (Apoiados)

E para sustentar a minha opinião não necessitarei combater a doutrina estabelecida pelo illustre orador que acaba de sentar»e — de que os monte-pios não são considerados pelas nossas leis como corporações de indo morta; porque não se tracta de applicar essas leis, mas de fazer outras; e por isso não deve importar o que está constituido, sim o que deve constitue-se!

Porém sempre direi, que a ordenação do liv. 2.º tit. 18 falla sómente das igrejas e ordens, e que a despeito disso a sua disposição se tem sempre applicado a todos os estabelecimentos analogos. As leis posteriores fallam em geral de corporações de mão morta sem em nenhuma parte definir o que ellas são, deixando assim aos juizes e á practica do fôro o direito, e impondo-lhes mesmo a obrigação de deduzir a definição das analogias juridicas, e da natureza das cousas.

Um distincto jurisconsulto, que desgraçadamente já não vive, de quem fui discipulo e particular amigo, e cujas cinzas e cujos escriptos respeito muito — o sr. Manoel: Antonio Coelho da Rocha, no § 72.º da 1. edição das suas Instituições de Direito Civil, que peço licença para lêr á camara, diz assim: — Todos os estabelecimentos ou fundações permanentes, que tem um fim publico religioso, de piedade, beneficencia, ou instrucção são tambem pessoas moraes; e por «conseguinte susceptiveis de direitos e obrigações desde «que foram legitimamente auctorisadas. Destes uns são sociedades ou communidades como as collegiadas, os cabidos, as confrarias, as irmandades; outras não, como as igrejas, as capellas. Todas são na «nossa jurisprudencia designadas pelo nome de corpos de mão morta por estarem sujeitos ás leis da autorisação as quaes lhes prohibem adquirir ou possuir bens de raiz sem dispensa do rei, hoje do poder legislativo.

Sr. presidente, conforme esta definição, que eu faço minha, são corpos demão morta para todos os effeitos legaes quaesquer estabelecimentos ou fundações permanentes que tiverem um fim publico religioso, de piedade, beneficencia ou instrucção. Os mosteiros, as igrejas, as irmandades, as confrarias são corporações de mão morta, por que são estabelecimentos ou fundações permanentes com um fim publico religioso de piedade, beneficencia e instrucção, creados para durar um tempo indefinido, aspirando mesmo á perpetuidade, tanto quanto a ella pódem aspirar as creações dos homens. Quaesquer outros estabelecimentos ou fundações permanentes, que tiverem o mesmo fim, a mesma natureza ainda que com differente nome, são igualmente corporações de mão morta tão real e verdadeiramente como estas. (Apoiados)

Tenho diante de mim os estatutos do montepio, cujo requerimento deu origem ao projecto em discussão. No artigo 5.º destes estatutos diz-se que o seu capital será sempre intacto. Sempre intacto! Querem mais claramente formulada a pretenção á permanencia, á perpetuidade? Não ha ahi nenhum artigo em que ainda remotamente se alluda á idéa da dissolução. Nem podia alludir-se, porque é tal a organisação, o instituto, e o fim destas associações que passado pouco tempo depois da sua installação, e sempre tanto mais quanto mais della se separam, os socios activos, permitta-se-me a frase, administram fundos que não são seus, administram em nome alheio fundos que estão debaixo da salva-guarda da sociedade, e aos quaes tem principal direito as pessoas que nenhuma ingerencia tem na sua administração — as viuvas, as filhas, as irmãs desvalidas dos socios que morreram. (Apoiados)

Assim pois não só não se allude á dissolução, mas nem póde alludir-se, porque os socios encarregados de administrar os fundos da sociedade não podem ter direito de dispor do que não é seu; porque a mais leve desconfiança de que a associação não seria permanente, a malaria logo á nascença. Assim pois, a permanencia, a aspiração a perpetuidade não só está claramente formulada na letra dos estatutos, mas, o que mais vale, é tão inseparavel da instituição, tão essencial á sua natureza, que não póde conceber-se uma sem a outra. (Muitos apoiados). Sendo pois estas associações estabelecimentos permanentes, como acabo de mostrar pela analyse dos seus estatutos, por elles tambem se vê, que têem um fim publico de piedade, e de beneficencia esclarecida; têem os dois caracteres essenciaes dos corpos de mão morta, são reaes e verdadeiros corpos de mão morta.

Sr. presidente, quando se folheam os institutos das irmandades e outros estabelecimentos pios expressamente classificados nas nossas leis como corpos de mão morta, encontram-se muitos, que são verdadeiros monte-pios — menos em nome — que têem por fim prover á miseria e curar as enfermidades dos socios ou irmãos, e de suas familias. Todos as misericordias e hospitaes são tambem verdadeiros montepios mais humanitarios, ainda menos egoistas. Não ha outra differença entre aquelles estabelecimentos e os monte-pios moderno, senão o nome, a forma, e não sei tambem se o não se terem estes abrigado debaixo do patrocinio religioso. Mas nenhuma destus differenças seria razão para que aquelles sejam considerados com mais desfavor, e se conceda a estes o que aos outros se nega. Pelo contrario acreditaria mais na prosperidade, no florescimento dos montepios modernos, se os visse tomar a fórma tão catholica, tão encarnada nos nossos costumes, tão portugueza — de irmandades.

Sr. presidente, acredito no progresso, nas novas instituições, quero-as, desejo-as vêr introduzidas no meu paiz, mas folgaria muito de as vêr casadas com as antigas tradições, vestidas com as velhas fórmas, por que assim inspiravam mais fé, mais esperança, mais respeito aos povos, e eram delles mais bem acceitas.

Um respeitavel magistrado, o procurador gerei da corôa, viu a questão como eu, e pelas mesmas razões foi de parecer que os monte-pios eram pela legislação existente verdadeiros corpos de mão morta, e como taes não podiam adquirir bens de raiz. (Apoiados)

Já vê poiso seu illustres amigo, deputado por Vizeu, que acaba de sentar-se, que a questão, mesmo no terreno legal não póde deixar de decidir-se contra o parecer da commissão; mas ainda quando fosse duvidosa nesse terreno, seria isso indifferente; porque

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não é, como tenho dicto, do que está constituido, que se tracta, mas sim do que deve constituir-se. Os monte-pios não poderão nunca administrai por si os bens de raiz que adquirirem; sempre os hão de administrar por via de procuradores, que, salvas honrosas excepções, procuram para si. Para as terras melhorarem, para produzirem na proporção das suas forças creadoras em proveito do paiz e de seus donos, e necessario que estes as vejam muitas vezes, donde vem o dictado — casas quanto caibas, terras quantas vejas. —.Só a vista interessada e intelligente do proprietario póde pela applicação constante da sua attenção descobrir os reparo» indispensaveis, os melhoramentos proveitosos, o emprego conveniente do trabalho e do capital, que fecundam a terra, e a convertem de charnecas safaras e estereis em fecundas varzeas. O proprietario melhora, o procurador explora. As terras possuidas pelos monte-pios hão de ser sempre administradas por procuradores, hão de ser sempre exploradas, o nunca melhoradas. (Apoiados)

Não estão aí os exemplos de todas as corporações similhantes? Carece-se por ventura de outros novo.? Quando no anno passado se discutiu aqui o projecto das colonias, do sr. Soure, não disseram por ventura os deputados do Alemtejo, que os bens das religiosas estavam por toda a parte n'um estado lastimoso, que se conheciam de todos os outros pelo seu máo estudo de cultura?

Não apresentaram aqui ha pouco os deputados por Gôa um projecto para se venderem os bens de raiz de certas irmandades daquellas nossas possessões, dando como razão o muito mal que eram administrados? (Apoiados)

Lembrem-se os illustres deputados signatarios do parecer da commissão do modo como em toda a parte são administrados os bens de raiz das camaras municipaes, das juntas de parochia, das irmandades, e em geral de todas as corporações; e vejam se querem que mais uma grande porção da propriedade do paiz se ponha naquelle estado. (Apoiados)

Sr. Presidente, a venda dos bens nacionaes tem demonstrado quanta razão houve para publicar em muitos reinados successivos as leis contra a amortisação. Os bens dos frades e das ordens monasticas, que foram excellentemente cultivados quando elles o faziam por suas mãos, ultimamente quando andavam pela mão de procuradores e de criados, rendiam muito pouco em proporção da despeza que faziam, se é que não davam perca: hoje que passaram para a mão de particulares, estão muito melhorados. (Apoiados)

Acredito pois, que seria um glande erro economico consentir em novas amortisações de bens de raiz propriamente dictos, quando o que convém, é extinguir os que existem.

E respondendo aos que perguntam, em nome de que principio se póde estorvar que os monte pios adquiram bens de raiz propriamente dictos, digo que é em nome do mesmo principio que dictou as leis da amortisação; em nome do interesse politico e economica, em nome dos principios que dictaram o artigo 516.º do nosso codigo commercial, e o artigo 37.º do codigo comercial francez; em nome da tutela de protecção que o governo deve a todas as sociedades anonymas, e em especial aos monte-pios, para que os fundos economisados com tantos sacrificios não sejam malbaratados, dissipados, comidos por especuladores. (Apoiados)

Se porém, sr. presidente, tenho combalido a acquisição de bens de raiz, propriamente dictos, pelos monte-pios, não me opporei a que elles adquiram fóros, censos, e quaesquer outros direitos dominicaes — que embora, como disse, por uma ficção juridica sejam considerados bens de raiz, não o são na realidade, nem economicamente fallando.

A terra, o dominio util, o direito de cultivar, de reparar, de rotear, de irrigar, de plantar, de bemfeitorisar, lá fica livremente entregue á disposição do foreiro, vivamente activado pelo incentivo do seu interesse pessoal — a juncção do trabalho e do capital com a terra não lêem embaraços — as transacções fazem-se facilmente. Aos monte-pios só fica pertencendo o direito de receber o fóro, e os outros direitos dominicaes; e para administrar ela especie de bus está demonstrado pela experiencia, que estas corporações que não morrem, teem mais capacidade que os outros proprietarios — talvez pela regularidade da escripturação — e pela fiscalisação mais constante; e em fim porque é um trabalho que se póde fazer bem no gabinete e de longe. Ha muitos particulares, que teem perdido os seus fóros — poucas corporações a que isso haja acontecido. (Apoiados)

Concluo, pois, mandando para a mesa a seguinte emenda ao artigo 1.º

Emenda. — Artigo 1.º «As associações denominadas monte-pios podem adquirir e alienar fóros, censos, pensões, prasos, e outros direitos dominicaes, na fórma de seus estatutos depois de approvados pelo governo.» — Nogueira Soares.

Foi admittida

O sr. Justino de Freitas: — Sinto não vir mais preparado para esta questão, e não vim porque intendia que o digno relator seria sufficiente para produzir os argumentos que a commissão de legislação teve em vista para fundamentar o seu projecto; mas por outro lado o sr. Mello Soares expoz tão bem as razões em que se fundava o projecto que quasi, para assim dizer, estou dispensado de entrar profundamente nesta materia. Entretanto não posso abster-me de fazer algumas considerações para mostrar que o meu illustre amigo que acabou de fallar, não tem toda a razão nos fundamentos que expendeu.

Primeiramente quem tem o direito de propriedade, tem o direito de dispor livremente della á sua vontade, e por consequencia para que se attenda qualquer restricção, é necessario que ella esteja expressamente designada na lei; nós não podemos dar uma interpretação extensiva ás leis em materia de propriedade, havemos de dar lhe uma interpretação restrictiva, e não a podemos ampliar para casos aonde as leis não chegaram. O que se vê é que todas as leis de amortisação tiveram em vista prohibir a acquisição de bens territoriaes ás communidades, igrejas, etc. em consequencia de razões bem sabidas, porque todos sabem os abusos que se fizeram, e o fanatismo que veiu em apoio das mesmas corporações ecclesiasticas para ellas adquirirem bens indevidamente; e foi por isto que os nossos imperantes tiveram em vista coaretar-lhes o direito de adquirirem a propriedade. Mas querer agora argumentar com o principio restrictivo que teve razões politicas, e razões racionaes para a sua applicação, e vir traze-lo para as associações de montepio, é levar muito longe as conclusões que se podem derivar desse principio; além de que não vejo nos monte-pios senão umas verdadeiras associa

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ções que se devem regulai mais pelas regras da sociedade do que por essas regras a que se quer ampliar uma lei restrictiva. Não vejo inconveniente nenhum em se conceder isto que está no projecto, aos monte-pios; mas os collegas ponderam inconvenientes, e não se lembram de que neste projecto está tambem consignada a faculdade de alienar, podem adquirir e alienar do mesmo modo, e ainda está consignado outro principio para que chamo a attenção da camara, e é muito importante: assim mesmo a commissão não andou tão de leve neste negocio que não quizesse restringir e por pêas a qualquer abuso que houvesse, porque estas associações não podem ler existencia sem que sejam os seus estatutos approvados pelo governo, e lá se diz no projecto — salvo se pelos seus estatutos não estiverem devidamente habilitadas, para fazerem similhantes transacções, em cujo caso carecem de impetrar a reforma dos mesmos para esse effeito Pois que quer isto dizer? Querem uma limitação maior? Pois se o governo intender que essa acquisição é extraordinaria, lá tem os meios para coagir, é não lhe dar auctorisação nos seus estatuto. Por consequencia vê se por aqui que a commissão conciliou tudo, conciliou o principio geral da acquisição e o da alienação dos bens, porque não quiz ferir o direito de propriedade, e teve em vista acautelar esse unico abuso, se é que disso se podia abusar

Ora agora o meu amigo e collega o sr. Nogueira Soares fez algumas considerações, pretendendo tirar argumento do que aqui se disse a respeito das freiras, quando se tractou de um projecto de lei sobre colonias do Alemtéjo; mas não se quiz lembrar que não ha similhança e paridade alguma entre a administração destes bens pelas religiosas, e a administração delles pelos monte-pios; os monte-pios podem fiscalisar por si e seus procuradores, as religiosas não podem sair, nem vigiar os bens, hão de administra-los infallivelmente pelos procuradores; estão distraidas com as suas funcções religiosas, o que não acontece a essas pessoas que estão encarregadas da administração do monte-pios. O argumento do meu nobre collega provaria demais, porque provaria que os proprietarios ricos não podiam adquirir, porque não administram os seus bens; administram os seus bens tambem pelos procuradores; não ha nenhum que o não faça; um homem que tem uma casa muito grande collocada em differentes partes, não póde administrar em toda a parte. Por consequencia não ha a mesma paridade nos institutos religiosos, que ha a respeito dos monte-pios civis.

Mas demais a mais o meu collega quer levar as restricções em maior ponto a respeito dos monte pios que das corporações de mão moita, porque as corporações de mão morta podem adquirir em legados uma vez que obtenham a licença do governo. De maneira que a restricção do meu collega a respeito dos monte-pios collocava-os ainda inferiores mos corpos de mão morta!

Veiu-se argumentar com o codigo commercial relativamente ás sociedades anonymas; a acquisição nessas póde ser perigosa por isso que senão conhece quem são os socios; estam adquirem porque não podem ler existencia senão pelos seus estatutos. Por consequencia a que vem o applicar-se o artigo do codigo commercial que não tem applicação para este caso?

Por consequencia intendo que o projecto da maneira porque está redigido, não ha inconveniente nenhum em que possa ser approvado; no projecto, assim como está, consigna-se o direito de propriedade, mas tem este direito a limitação na inspecção que o governo tem a respeito destas associações.

Por consequencia não ha o mais pequeno inconveniente em concedei este direito de acquisição e de alienação aos monte-pios.

Porém o sr. Nogueira Soares admitte, que senão comprehendam os fóros, porque os fóros não são considerados bens de raiz por toda a nossa legislação. A isto responderei, que não ha legislação nenhuma que faça differença entre fóros e outra propriedade, e os foros são uma propriedade geral como qualquer outra. Portanto não vejo razão para se restringir este direito de propriedade, muito mais quando a commissão, como já disse, teve em vista acautelar, como era possivel, para que estas acquisições não possam ser abusivas; lá fica o governo auctorisado para cortar esses abusos não permittindo o uso deste direito em grande escala — nem elles podem abusar porque as circumstancias hoje são muito diversas, não estão, por modo algum, no caso ou circumstancias das corporações de mão morta que estavam ligadas por estatutos que o governo não podia, nem tinha força para poder destruir: estas associações são permanentes, em quanto que os monte-pios não tem esse caracter de permanencia. Por consequencia não acho a menor conveniencia em restringir o direito de propriedade a respeito destes monte-pios. (Apoiados)

O sr. Cardoso Castello Branco: — Sr. presidente, eu tenho todo o respeito e consideração para com as opiniões dos illustres deputados, signatarios do projecto em discussão. Mas, sr. presidente, eu tenho tambem opiniões minhas, assentes e invariaveis; tenho convicções que são contrariadas no parecer da illustre commissão de legislação, e por isso, não posso deixar de combater esse parecer.

Sr. presidente, o projecto estabelece a seguinte proposição — as associações denominadas montepio, por isso que não são corporações de mão morta, podem adquirir e alienar por actos entre vivos, e disposições de ultima vontade, bens de raiz. Não intento apresentar á camara a historia das leis de amortisação, que prohibiam ás corporações de mão morta a acquisição de bens de raiz, tanto por successão e legados, como por titulo oneroso; direi, com tudo, que desde o principio da monarchia se publicaram leis que prohibiram ás corporações de mão morta a acquisição de bens de raiz, e ainda que estas leis eram restrictas e limitadas ás igrejas, mosteiros, pelo andar dos tempos esta prohibição estendeu-se a outros estabelecimentos e corpos de mão morta, como misericordias, hospitaes, confiarias, irmandades, universidades, e outros muitos estabelecimentos, que não tinham nem tem nada de corporações ecclesiasticas, e emfim a todas que em conformidade das leis são consideradas a corporações que nunca morrem.» É e certo que ultimamente as leis que se foram promulgando, especialmente no reinado do sr. D. José, não só designaram como corporações de mão morta todas aquellas que acabo de enumerar, mas accrescentava in sempre — que ficavam prohibidas estas acquisições a todos e quaesquer corpos de mão morta por qualquer titulo ou oneroso, ou gratuito. — E qual seria o fim desta prohibição?.. O fim desta prohibição foi o evitar a amortisação dos bens de raiz, porque os bens de raiz adquiridos e administrados pelas corporações de mão morta ficavam fóra

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da comunham social, e da circulação, e commercio; (Apoiados) e os inconvenientes que resultavam desta amortisação, de todos nós são bem conhecidos. (Apoiados)

Agora pergunto — serão realmente corporações de mão morta as associações que tem o titulo de montepio?.. Eu intendo que sim. (Apoiados) As corporações denominadas monte-pios que differença fundamental fazem de uma confraria ou de uma irmandade?.. Não fazem differença senão no titulo; (Apoiados) mas a natureza e o fim é o mesmo, neste concordam perfeitamente.

Que e uma corporação denominada confraria ou irmandade?.. E uma associação de homens reunidos para se soccorrerem mutuamente, para gosarem de certas graças e indulgencias abem da sua alma, para terem o que é respectivo aos soccorros espirituaes, e em fim para darem esmolas e outros soccorros aos que estão impedidos, e isto mediante uma joia que dão quando entram para estas associações, e uma quotisação temporaria ou permanente, e pagar dentro de certo espaço de tempo. Que é uma associação de montepio!.. É exactamente a mesma cousa; (Apoiados) só com a differença, que esta e uma associação de homens que se reunem para soccorrerem os individuos daquella associação nas suas necessidades, e molestias, é a que se limitam os seus soccorros; e isto mediante uma joia que dão á entrada, e mediante uma quotisação mensal ou annual. — Por tanto é a mesma cousa; e se ha razão para prohibir ás confrarias e irmandades a acquisição de bens de raiz, não sei porque motivo se hade conceder as associações denominadas monte-pios a faculdade da acquisição dos bens de raiz?.. Em umas e outras se dão os mesmos inconvenientes.

Ora na verdade, sr. presidente, maravilhou-me que tendo-se reconhecido desde o principio da monarchia, e antes mesmo della começar a necessidade e conveniencia de prohibir a acquisição de bens de raiz, ás corporações de mão morta; e que lendo-se constantemente sustentado esta prohibição desde que a monarchia começou até ao dia de hoje por leis que se teem renovado e que tem complicado as antigas, todas com o fim de prohibirem esta amortisação pelos inconvenientes que residiam de ficarem estes bens fóra da comunhão e transacções sociaes; digo, maravilhou-me, que hoje que a civilisação é maior, que as idéas tendem a estabelecer a maior e a mais ampla liberdade da terra, se propozesse nesta camara um projecto tendente a pedir a concessão da acquisição de bens de raiz para certas corporações de mão morta, da qual resulta uma verdadeira amortisação!! isto quanto a mim não se póde fazer. (Apoiados)

Sr. presidente, como disse já um dos meus collegas, o sr. Mello Soares, o montepio geral que existe em Lisboa, tem já um capital superior a 80 contos, esse capital póde, com o andar dos tempos, augmentar, e isto que acontece nesta associação póde acontecer em todas as outras associações de montepios, e já são muitas as que existem no reino, e o que se segue é, que, dentro de alguns annos, pódem accumular com estas acquisições uma immensa quantidade de bens de raiz, que ficam fóra do commercio, e da communhão geral. (Apoiados)

Mas dizem os defensores do projecto — nelle vai o remedio a esse mal — ahi se diz «que pódem vender ou alienar. — Ora, sr. presidente, uma cousa é poder

Vender e outra cousa é impôr a obrigação de vender ou prohibir a acquisição. — Qual será a associação que tendo comprado venda depois?.. As leis de amortisação prohibem aos corpos de mão morta a acquisição de bens de raiz, e no caso que ella tenha logar por qualquer titulo oneroso ou gratuito impõe-lhes logo a obrigação de vende-los dentro de anno e dia; prohibe-lhes a retenção delles além deste prazo. Pergunto: quer a commissão isto?.. Se o quer, é necessario sugeitar-se ás consequencias. Permittir ás associações denominadas monte-pios poderem comprar ou adquirir bens de raiz, e impor-lhes logo ou ao mesmo tempo a obrigação de os venderem, era, na verdade, um absurdo muito grande

Mas disse o meu illustre collega, o sr. Mello Soares, que se a todo e qualquer individuo é permittido adquirir bens de raiz, e vende-los, não sabia a rasão porque se ha-de fazer disto uma questão a respeito dos monte-pios? Eu respondo — É por uma rasão muito clara. O individuo póde adquirir, porque póde vender quando quizer, e porque por sua morte os bens que adquiriu, se transmittem à seus herdeiros, e sempre estão no giro e circulação social; pelo contrario os adquiridos por associações que se renovam constantemente, e que não morrem, ficam amortisados, e fóra da communhão social.

Nem póde argumentar-se com as sociedades p companhias temporarias As sociedades que não são permanentes, que morrem, por esse mesmo facto que acabam com a morte dos socios, deixam em liberdade a terra que adquiriram. Não acontece o mesmo com estas associações — monte-pios — porque estas renovam-se constantemente, e não morrem.

Mas ha mais; ha neste projecto uma provisão que não posso attribui-la senão a lapso de penna, qual é a de permittir a estas associações que possam alienar por disposição de ultima vontade. Pois associações que não morrem, podem fazer disposições de ultima vontade? Pois uma associação de montepio ha-de fazer testamento?

Disse mais o illustre deputado que a rasão porque se prohibiu ás corporações, ou corpos de mão morta, a acquisição de bens de raiz, foi porque estas corporações podiam empregar a seducção para adquirir em testamento herança de bens de raiz. Não foi esse o motivo; a verdadeira rasão porque os corpos de mão morta foram inhibidos de poder adquirir bens de raiz, foi porque se intendeu sempre desde o principio da monarchia que era prejudicial ao estado a acquisição destes bens por estas corporações, porque os tirava da communhão social, com grave prejuizo do estado.

Diz-se — Os que combatem este projecto, querem, que se conceda a estes estabelecimentos poder adquirir foros, quando os foros tambem são bens de raiz, — é verdade que são equiparados aos bens de raiz; mas não são considerados taes pelas leis que prohibem aos corpos de mão morta adquirir bens de raiz; porém & respeito dos foros não se dão os mesmos inconvenientes. A terra que paga o fôro, não é tirada do giro e circulação local.

Por consequencia, por todas estas rasões, intendo que se deve deixar ficar tudo no estado em que está actualmente; a associação dos monte-pios é uma associação de mão morta como todas as outras, e por consequencia não vejo rasão nenhuma para que este projecto possa ser approvado, e para que vamos conceder a uma associação o direito de adquirir bens

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de raiz, o que desde o principio da monarchia sempre se considerou como prejudicial no estado. Voto pois contra o projecto.

O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, principio por declarar que hontem indo ao supremo tribunal de justiça não sube que tinha sido dado para ordem do dia este projecto de lei, e por isso não estava hoje bastante habilitado para poder dar uma certa direcção ás minhas idéas; entretanto direi alguma cousa para sustentar a opinião que manifestei na commissão, que é a que se acha exarada no parecer em discussão. Sr. presidente, a philosophia juridica vai a par de todas as sciencias sociaes progredindo, e se vão adquirindo mais e exactas idéas, e estabelecendo os verdadeiros principios. Ha um equivoco, quanto a mim, muito notavel; confundem-se corporações de mão morta com corpos juridicos e associações humanitarias. O que sejam corpos juridicos bem o demonstrou um distincto jurisconsulto moderno alemão da escóla historica e philosophica moderna, doutissimo jurisconsulto que grandes serviços tem feito á sciencia do direito.

Examinando-se o que eram os corpos de mão morta, segundo o nosso direito, pela sua indole, pela sua natureza, pelos seus fins, claramente se vê e conclue que os monte-pios, e todas essas associações de soccorros, não tem alguma similhança ou analogia com as antigas instituições de corpos de mão morta.

Para chegar a esta conclusão não é preciso referir agora aqui a historia do que foram, e com que idéas foram instituidas, e em que tempos, essas corporações chamadas de mão morta, e quaes foram as rasões politicas que levaram os governos de todos os tempos, até mesmo do tempo do paganismo, a prohibir que estes corpos adquirissem sem reserva, nem limite, bens de raiz, estabelecendo a maneira porque elles podiam adquirir e alienar, sem que todavia esta prohibição fosse ião absoluta como se quer inculcar. Estes corpos de mão morta tinham por fim principal satisfazer a devoções religiosas e pias, segundo as idéas dos tempos, e todos sabem qual era a influencia que essas corporações tinham no espirito dos povos, sendo necessario fazer que o fanatismo, e mesmo a superstição não fossem tão adiante, que podesse ser prejudicial á causa publica. Nesses tempos os legisladores foram sollicitos em obviar que houvesse uma agglomeração de bens de raiz que podesse prejudicar a sociedade; esta agglomeração tirava da circulação uma grande porção de bens de raiz.

E o que são os monte-pios ou associações de soccorros? São associações de pessoas pobres, ou pouco abastadas, que passando a sua vida no trabalho ou no serviço publico, passando com a maior frugalidade e economia, esforçam-se para juntar um pequeno capita], quotisando-se mensalmente, e entrando com uma joia estabelecida com maximo e minimo.

E para que, e com que fim?

Para sustentar-se na sua velhice, ou no caso de qualquer outra impossibilidade de ganhar pão para comer; para alimentar sua consorte em sua viuvez; para deixar alguns meios para educação de seus filhos, ensinando-se-lhes algum officio.

Em todos estes fins, não respira senão o sentimento da honra, da virtude e da moralidade, em vantagem da sociedade.

Ora peço a todos que tem fallado em sentido contrario ao parecer, que comparem a legislação antiga, que penetrem no seu fim, vejam qual é o seu espirito, em que tempos e porque razões se fizeram todas essas leis, e digam que analogia, que paridade, que ponto de contacto ha entre essas antigas corporações de mão morta, e as modernas associações de soccorros, ou monte-pios, como commummente se lhes chama.

Os fins são outros, são eminentemente uteis á sociedade, e aos que gastaram a sua vida no trabalho, ou serviço publico, para não morrerem á mingoa, fallando-lhes todos os recursos, quando delles mais carecem, quando já não podem trabalhar; para sustentar as suas viuvas, e educar a seus filhos. Oh! Sr. presidente! Pois isto póde-se confundir com os antigos corpos de mão morta? Mão morta! — Mão morta, geralmente fallando, são aquelles que não trabalham, que entregues á ociosidade, mettem as mãos debaixo dos braços; mão morta são aquelles que vivem á custa do suor alheio. Dizer-se, porém, d'aquelle que se associa com outros para do producto do seu trabalho, da sua frugalidade, depositando em commum as suas quotisações para prover ás suas futuras necessidades, de sua mulher e de seus filhos, quando deixados em orfandade, que é entrar e constituir um corpo de mão morta, confesso que excede toda a minha comprehensão. Como confundir instituições tão diversas por sua natureza, objecto e fins?

Mas diz-se: estes estabelecimentos não morrem; não morrem? Pois eu digo que morrem logo que não possam preencher os fins da sua creação, logo que lhes faltem as condições da sua existencia; logo que o governo conheça que abusam da sua instituição em damno da sociedade. Outro tanto acontecia com esses grandiosos corpos de mão morta, que formavam um estado no estado e que por muitas vezes resistiam ao poder temporal, que tinha de ceder ou de transigir.

Sr. presidente, se este parecer não fôr approvado, qual será o resultado. Não havendo em que se empreguem com segurança esses fructos do trabalho, da frugalidade e da economia, esses capitaes ou tem de ir buscar emprego fóra do paiz, ou ninguem curará de fazer taes economias: quer numa, quer n'outra hypothese, o mal é grave. Póde tambem acontecer perder-se o amor ao trabalho, o que não é menor mal.

E igualmente necessario dizer-se que, entre nós, actualmente, não ha facil e prompto emprego para quaesquer capitaes, ainda não sendo de grande importancia (O sr. Avila — Apoiado; essa é que é a questão) e se não puder ser empregado em alguns bens de raiz, tudo o mais é muito precario, pelas continuas oscillações em que temos constantemente andado de tempos a esta parte. O emprego de capitaes em papeis de credito, e em acções, tem desgraçadamente arruinado a esses que assim os tem empregado. Não quero chamar para aqui o deploravel estado das nossas finanças; mas direi de passagem, que em Portugal, com segurança, é muito difficil o emprego de qualquer capital, e porque? Porque não se respeitam as leis, nem os contractos por quem mais deviam ser respeitados...

Os monte-pios que se tem estabelecido, não são muitos, e os meios que constituem a sua dotação e os seus fundos, não devem causar receio, de que se engrandeçam a ponto de agglomerarem uma grande quantidade de bens de raiz. O que eu receio, sr. presidente, é que o trabalhador e o empregado deixe a

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sua familia na miseria; o que não succederá com a instituição de taes associações. Todos os economistas fallam com louvor destas associações de monte-pios, não ha um só que as considere como corpos de mão morta. Eu já disse que não estava sufficientemente preparado para entrar nesta discussão; mas tenho desde ha muito formado a este respeito as minhas convicções, e em outra occasião darei mais amplo desenvolvimento ás minhas idéas. Sustento o parecer da commissão, e por elle hei de votar; porque no que tenho ouvido, em nada o considero desmerecido.

O sr. Bordallo: — Sr. presidente, é para mim summamente desagradavel o ter de me levantar para impugnar o parecer que está em discussão, porque, attendendo a que os illustres: e eximios jurisconsultos que o assignaram, e aquelles que o tem sustentado, são, sem duvida nenhuma, as maiores auctoridades, não só desta casa, mas até mesmo do paiz, n'esta materia, não posso deixar de entrar na discussão com receio e pear; e se eu houvesse de votar attendendo sómente ás auctoridades e não a doutrina, de certo que não poderia procural-as melhores; entretanto, não obstante a amisade e outras muitas considerações que devo ter, e realmente tenho para com tão illustres jurisconsultos, eu animo-me a impugnar o parecer pelos fundamentos que vou expender. Tem-se sustentado o parecer por dois systemas. O primeiro, dizendo que os monte-pios não são corpos de mão morta, recorrendo-se para este fim á legislação geral, á sua indole, natureza e fins; e não obstante, parece-me que os argumentos produzidos pelos nobres oradores, que tem sustentado o parecer, para mostrar que os monte-pios não são corpos de mão morta, peccam tanto na materia como na fórma, e se eu quizer demonstrar que os monte-pios são corpos de mão morta, não tenho mais do que recorrer ao mesmo parecer, que se acha em discussão. Estou persuadido que com um dilemma posso demonstrar que os montepios são corpos de mão morta, ou o projecto é superfluo e desnecessario: e estas associações de montepios não são corpos de mão morta, e n'este caso podem adquirir e alienar bens de raiz, e o projecto é inutil, ou são corpos de mão morta e não podem adquirir bens de raiz, segundo a nossa legislação. Senão são corpos de mão morta, qual é a razão porque se pede o direito dellas adquirirem bens de raiz, quando elles tem esse mesmo direito? Se são corpos de mão morta, e se se lhes quer conceder esse direito, então é sem duvida nenhuma um privilegio que se lhes quer dar, e concluo eu d'aqui, que a commissão tambem intendeu, que os monte-pios são corpos de mão morta, embora ella diga o contrario. E se assim é, sr. presidente, qual é o motivo porque se quer dar a estes estabelecimentos um direito, que se nega a outros? Não o intendo, visto que são corpos de mão morta os monte-pios, segundo se colhe do proprio parecer da commissão. É verdade que II a nossa legislação não se acham comprehendidos, na especificação dos corpos de mão morta, os estabelecimentos de que tracta este projecto; mas tambem é certo, que não se póde dizer que aquella qualidade pertença sómente aos estabelecimentos de irmandades ou corporações que tenham fins religiosos, porque na applicação constante do direito, se tem reputado corpos de mão morta todos os que tem fins religiosos, e muitos outros que os não tem, como universidades, hospitaes, confrarias, etc. (Uma voz — Não ha lei nenhuma que diga que os monte-pios são corpos de mão morta.) Não ha lei que o diga, mas todas as associações que tiverem natureza e indole de corpos de mão morta, são e devem ser sujeitos á legislação sobre corpos de mão morta. Tem-se dicto que os corpos de mão morta são sómente aquelles que tem um fim religioso, e que os monte-pios, não tendo este fim, não se deve receiar delles: parece-me que ninguem teria medo de monte-pios, ainda que tivessem um fim religioso: ninguem ainda mostrou similhante receio. Pois haverá alguma cousa a receiar do que é tão sagrado e tão respeitavel como a religião? De certo não. Eu tenho toda a consideração e toda a contemplação para com os monte-pios, porque elles tem um fim util e humanitario, mas não quero d'aqui Concluir que nós lhes devamos dar direitos que negamos a outros estabelecimentos ainda mais respeitaveis.

Demonstrado, portanto, que a mesma commissão em quanto quer se lhes conceda direito de adquirir bens de raiz, direito que actualmente não teem, está tambem convencida que estes estabelecimentos são corpos de mão morta, vou apresentar ainda outras considerações que me levam a votar contra o parecer. Não me demorarei muito com argumentos que poderia deduzir das leis de amortisação, porque todos quantos podia apresentar, já foram adduzidos pelos srs. deputados que me precederam, e de certo eu não podia reproduzil-os, já não digo melhor, mas mesmo Ião bem como os illustres deputados o fizeram; por isso quero só dizer quaes são os fundamentos pelos quaes voto contra o parecer da commissão.

Sr. presidente, eu já disse que me parecia ter-se recorrido a dois systemas para sustentar o parecer, fundando-se o primeiro no falso supposto, de que os monte-pios não são corpos de mão morta, supposição que, se me não engano, tenho demonstrado carecer de fundamento, mormente considerando, que em tal caso não seria necessario converter em lei a proposta em discussão; mas além deste, ha um segundo systema, que ainda menos me convence: funda-se em que os monte-pios, como pessoas moraes, têem direito de propriedade como as pessoas fysicas, e não podem delle abusar; accrescendo pôr-se-lhes a restricção de adquirirem bens de raiz Segundo os seus estatutos que hão de ser approvados pelo governo.

Estes argumentos nada provam, porque provam de mais e pugnam entre si. Se os monte-pios têem direito a adquirir bens de raiz, como destes principios se quer concluir, é necessario levar a consequencia até onde o comportam as premissas estabelecidas; é necessario reconhecer que o mesmo direito compete a todas as pessoas moraes; isto é, ás igrejas, irmandades, confrarias, hospitaes, misericordias, e em geral a todos os estabelecimentos publicos religiosos, de piedade, beneficencia, instrucção e soccorros. Esta consequencia parece exaggerada, mas é logica, contem-se nos principios. Bem sei que se objecta, que estes estabelecimentos podem abusar do direito de adquirir bens de raiz, abuso, que não ha motivo de recear que venham a commetter os monte-pios, muito mais tendo o correctivo nos seus estatutos. E uma contradicção flagrante, em que eu nunca pensei se pudesse caír; pois se a illustre commissão intende, que os monte-pios têem direito a adquirir bens de raiz, sem que possam abusar deste direito, para que lhes poz restricções?

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Sr. presidente, não sei, nem trácio de saber, se os monte-pios podem ou não abusar da acquisição de bens de rail; creio que hoje não póde recear-se que estes ou outros quaesquer corpos de mão morta absorvam uma enorme massa de bens immoveis; mas e Certo, que os muitos ou poucos que adquirem, são postos fóra da circulação, d'onde resulta a amortisação com todos 05 seus inconvenientes.

Menos curo de saber se os monte-pios têem ou não em que, empregar os seus capitaes, sem ser em bens de raiz. Tudo o que se tem dito a este respeito, se reduz a uma questão de conveniencia para estas associaes, que nos não compete avaliar.

Não recorrerei portanto aos argumentos que contra este se tem produzido, se bem me lembro; mas hei de recorrer a outros, sem deixar de repelir, que se pede para os monte-pios um privilegio, que se nega a outros estabelecimentos em igualdade de circumstancias, e os privilegios, como v. ex. sabe, sr. presidente, são prohibidos pela lei fundamental do estado; motivo por que não se póde conceder aos monte-pios um direito que não tem outros estabelecimentos similhantes. Embora se diga que se se negou a outros estabelecimentos, foi por certas razões politicas, que se não dão hoje, e que os monte-pios não são umas corpo rações importantes e temiveis para o estado; assim será; mas se nós não temos que allegar razões politicas para não concedermos o que estes estabelecimentos pedem, temos, sr. presidente, razões economicas que me levam a votar contra o parecer; e tanto e verdade que essas razões economicas aconselham que nós neguemos aos monte-pios, os direitos de adquirir bens de raiz, que me parece se pretende limitar esta faculdade á acquisição de dominio directo, sómente aos fóros. Aqui está a commissão, admittindo mais esta importante restricção, a reconhecer outra vez que os monte-pios são corpos de mão morta, ou pelo menos que não podem possuir bons de raiz, segundo o direito commum, se e, como me parece, que algum dos illustres membros da commissão abraçou a idea emittida pelo nobre deputado por Amarante, que propôz, que se limitasse á acquisição de fóros, censos e pensões a faculdade que se quer conceder aos montepios. Não só este illustre deputado limitou tal faculdade a acquisição de dominios directos; mas tambem ouvi emittir esta idea a mais alguem, não me recordo bem se da commissão ou estranho a esta, o que prova que se reconhece que os monte-pios não tem a faculdade de adquirir bens de raiz, e é muito prejudicial o conceder-se-lhes, não só em attenção aos principios economicos que já aqui se adduziram, mas tambem porque e sabido que estes estabelecimentos não podem administrar perfeitamente os seus bens. Mas dir-se-ha, sr. presidente, que já não acontece assim a respeito dos dominios directos, porque a sua administração e mais facil.

Sr. presidente, a cobrança dos fóros está sujeita a certas contingencias, que obstam a que ella se faça regularmente, e um anno que elles se deixem de receber, e depois muito difficil o recebe-los; portanto, e evidente, sr. presidente, que se apresentam os mesmos inconvenientes em relação ao dominio directo, para a sua administração, que apparecem a respeito dos outros bens de raiz. Todas as vezes que se falla em fóros, lembra-me uma anedocta que se conta n'uma terra notavel d'uma das nossas provincias, anedocta a que acho muita graça, e que peço licença á camara para a contar. Havia uma notabilidade que. fallando de dominios directos, ainda que se exprimia sem exactidão, comtudo intendia-se bem o que queria dizer, mesmo pelo modo que o dizia, a saber: que não dava de aforamento bens, porque não queria vende-los de graça, e deixando de receber o foro arriscava-se a perde-los.

Sr. presidente, um illustre deputado que se senta a meu lado, disse, que aquelles que atacavam o projecto, eram inimigos dos monte-pios; nao e assim, porque pela minha parte declaro, que sou um dos seus partidarios, e muito enthusiasta, mas o que eu não posso e conceder aos monte-pios aquillo que se nega a outros estabelecimentos de beneficencia, piedade, caridade e soccorros, como por exemplo os hospitaes, aonde os doentes pobres vão receber soccorros. E que differença ha entre os hospitaes e os monte-pios? Uns e outros prestam soccorros, com a differença de que aquelles os ministram aos enfermos, e estes aos sãos e tambem aos doentes.

Sr. presidente, não e só a nossa legislação que prohibe os monte-pios de adquirirem bens de raiz, porque em França e outras nações, onde existe a lei de amortisação acontece o mesmo, e só lhes é permittido o poderem adquirir titulos de divida consolidada, fundos publicos. Os nossos monte-pios não têem, porem, nem de adquirir padrões de juros reaes, inscripções e mais titulos de divida fundada, porque estes são considerados bens de raiz, ainda que não acho inconveniente, antes me parece vantajoso permittir-se-lhes a acquisição e alienação dos titulos de divida publica, seja qual fôr a sua natureza.

As rasões que tenho ponderado, e a camara melhor avaliará em sua sabedoria, levam-me a votar contra o parecer da illustre commissão, mas convenho em que os monte-pios possam adquirir titulos de divida publica, conservando-os, ou alienando-os como lhes parecer; e neste sentido mandarei uma proposta para a mesa, ainda que em parte fui prevenido pelo illustre deputado por Amarante.

Esta doctrina não e nova, antes se acha reduzida a direito em uma das mais civilisadas e das maiores nações da Europa, como-a França onde pela lei de 29 de maio de 1816, que, foi depois ampliada pela de 21 de outubro de 1832, se determinou que os monte-pios da gente de mar e invalidos da marinha podessem adquirir titulos de divida consolidada, para immobilisarem a sua propriedade.

Desta maneira ficam mais tranquillos os monte pios em quanto ás inscripções que já possuem, o que não passa de um facto, donde lhes não resulta direito, mórmente não se achando consignado nos seus estatutos; e ninguem desconhecerá que é muito conveniente que os monte-pios tenham este meio de empregar em grande escala os seus fundos ou capitaes, já porque d'aqui deve resultar maior procura de inscripções, e desta fórma augmentar-se o seu valôr, já porque e um meio que se proporciona a estes estabelecimentos, de obter um rendimento. Já que eu fallei no emprego de capitaes, vem a proposito responder ás observações, de que os monte-pios não tinham em que empregar os seus fundos. É notavel que quando os capitaes tem aqui, e fóra de Lisboa, o juro de 5 por cento, e mais, não encontrem os monte-pios quem lhes tome os seus capitaes a este juro. (O sr. Santos Monteiro: — E as demandas?) O Orador: — E as demandas na cobrança do fóros? Acaso

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são menos frequentes e intrincadas, principalmente depois do decreto de 13 de agosto de 1832, e ainda depois da lei de 26 de agosto de 1846? Não se lembra o illustre deputado dos processos que ainda hoje empacham os tribunaes, produzidos pela incerteza do direito emfiteutico, relativos aos prasos que foram da corôa ou da fazenda, ou dos pessoas a que esta succedeu? Nunca affluiram ao foro tantas demandas pelos capitaes mutuados, como pelos fóros, censos e pensões. Não se cuide pois que os monte-pios hão de tirar grandes vantagens desta propriedade.

E cumpre accrescentar que assim como a amortisação de bens de raiz é prejudicial, e obsta ao emprego de capitaes no seu grangeio, ao melhoramento da cultura, á producção, e consequentemente ao desinvolvimento da população, tambem a amortisação dos dominios directos origina os mesmos Inconvenientes, ainda que em menor escalai

Nem se diga que os monte-pios não amortisam bens, podendo adquirir e alienar os de raiz; porque se não amortisam de direito, existirá a amortisação de facto, se os adquirirem. A alienação nunca a poderão fazer, nem a farão, senão por titulo oneroso, e inter vivos, com as solemnidades e difficuldades que resultam da natureza de taes estabelecimentos; e a consequencia e a amortisação, que me parece não puder sustentar-se hoje seriamente.

Não sei se algumas susceptibilidades se offenderam com as minhas expressões, e se alguem se persuade que estas foram dictadas por algum motivo occulto e menos nobre; mas eu declaro alto e bom som, que nem foi minha intenção offender pessoa alguma, nem obedeci senão aos dictames da minha consciencia, que não me permittiram ficar callado, tractando-se de materia tão importante, o que espero me sirva de desculpa, por ter abusado da paciencia e indulgencia da camara.

O Sr. Gomes: — Sr. presidente, não costumo commetter o abuso de occui ar a tribuna, que só e para os oradores; mas não pude deixar de pedir a palavra, porque se tractava de monte-pios, e estando este nome casado com o meu, não queria que o meu silencio agora parecesse divorcio; e mais ainda porque um dos oradores que me precedeu, aproximou o projecto em discussão de um outro, ha pouco apresentado a camara, no qual por um pensamento opposto aos do projecto dos monte-pios, se quer que certos corpos de mão morta não possuam bens de raiz.

Este projecto alludido é meu, e o meu nome tambem figura no que faz objecto da discussão.

Sr. presidente, apezar das apparencias não estou em contradicção. E não o estou, porque n'um tracta-se de corpos de mão morta, e no outro, de monte-pios, que na minha opinião não teem tal natureza.

Quanto aos monte-pios serem ou não corpos de mão morta, respeito a opinião competente dos oradores que impugnam o projecto; acato Coelho da Rocha citado pelo sr. deputado Nogueira Soares; mas permitta-me que lenha fé na minha convicção, porque tenho por mim um nome mui o respeitado, Borges Carneiro; segundo elle, reportando-se á lettra das leis de amortisação, o nome de corpos de mão morta vem dos bens de raiz que possuem, serem subtrahidos ao giro da circulação, ficarem como mortos para os usos da sociedade civil, e para as rendas do thesouro.

Esta é que é a feição característica desses corpos e não como se quiz lazer crer aqui, a de serem instituições de sociedade. Ora, sendo os monte-pios instituições pias, mas sendo os bens que possuem, plenamente alienaveis, segue-se na opinião de Borges Carneiro, que não são corpos de mão morta.

Sr. presidente, tenho presente os estatutos de tres monte-pios de que sou socio, e em todos elles se vê a disposição de que a assembléa dos associados designa annualmente o emprego de seus fundos; póde por conseguinte este anno mandar vender os foros que possue, e empregar o producto em inscripções.

Estas sociedades são permanentes, mas não o são os objectos em que o seu fundo é empregado.

Sr. presidente, oppoz-se ao projecto a letra da lei que, dizem, comprehende os monte-pios. Eu fui obrigado a compulsar a legislação a este respeito, e nunca lá encontrei disposição alguma que comprehendesse e especificasse os monte-pios; e em verdade seria difficil que a legislação das épocas em que o poder temporal arcava com o poderio do clero, fallasse de uma instituição de ha dois dias.

Dois dos impugnadores do projecto trouxeram a questão ao terreno da conveniencia para os monte-pios, de possuir bens de raiz. Parece-me que isso não é questão para a camara, mas para as assembléas dessas corporações. Mal dessas instituições se lhes faltar o criterio necessario para essa escolha. Será esse o unico ponto em que possam errar e prejudicar a instituição?

Mas alguns dos cavalheiros que se oppoem ao projecto, transigem em que os monte-pios adquiram e possuam fóros, censos, e pensões.

Parece-me que era isso o que se requereu ao poder legislativo; nem eu como membro destas associações votaria nas suas assembléas pelas acquisições de casas e terras; mas confiando no bom senso das assembléas dos monte-pios, acceito o que as commissões desta casa tem concedido a este respeito, que é mais lalo.

Sr. presidente, fui fortemente impressionado pelo que ouvi ao meu particular amigo o Sr. Castello Branco, quando aproximou e mostrou tanta similhança entre algumas confiarias, e os monte-pios; e por isso mesmo que meditei muito este argumento, o continuei, e aproximei tambem os monte-pios das companhias de segui os, que por certo não são corpos de mão morta, e nas quaes entre milheiros de combinações, a que se prestam, ha a de receberem certa somma por uma vez, ou annual, para entregarem uma quantia maior por uma vez ou annualmente a determinada pessoa; o que é quasi sem differença o systema dos monte-pios. E a conclusão que tiro é o de ser mui exacto o exioma de Linneo: Natura non facil saltus.,

Não assuste o progressivo crescimento do fundo permanente, isto e do capital dos monte-pios. Pelos seus estatutos esse capital tem um limite; só nos primeiros annos o crescimento avulta, porque então as pensões são menos, e urge crear recursos para as que depois vem em mais força.

Sr. presidente, o orador que me precedeu, considerou esta concessão como um privilegio, e por isso odiosa, e contra a caria. Permitta-me S. Ex.ª o dizer que não ha privilegio especial, por isso que na legislação actual já existe a excepção de possuirem bens de raiz as corporações, áquem foi concedido especial privilegio. Generalisar um privilegio é destruil-o. E essa concessão só depende de haver justa causa.

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Quanto aos interesses do thesouro, não ficando esses bens inalienaveis não se dá tal prejuizo de direito; mas se houvesse algum de facto, era elle bem compensado pela vantagem de evitar ou pelo menos de rarear esse espectaculo de desgraçados pertendentes, que pejam as avenidas desta casa.

Sr. presidente, tenho visto nestes ultimos dias propostas de pensões de 1:440$000 réis, e muitas de quantias menores. O prejuizo das sizas perdidas pela amortisação não chegará por certo em dez ou vinte annos á somma de uma dessas pensões de 1:440$000.

Concluo dizendo que não me opponho individualmente a que a concessão se limite, como foi lembrado, a fóros, censos e pensões; mas em todo o caso é necessario salvar tambem as inscripções que, como é sabido, teem pela legislação a natureza de bens de raiz. E intendo que o que ha a votar, é unicamente a declaração de que os monte-pios não são corpos de mão morta, mas não reduzo isto a escripta por a devida deferencia aos dignos membros da commissão, que lavrou este parecer.

O sr. Rivara: — Sr. presidente, a discussão desta materia vai já longa, e os illustres jurisconsultos desta camara que nella têem tomado parte, tem apresentado a este respeito opiniões tão encontradas sobre a definição de corporações de mão morta, que eu me vejo um pouco embaraçado para interpôr a minha opinião entre a de tão respeitaveis auctoridades. Todavia direi, em quanto á definição de monte-pios ou corporações de mão morta, que escuso de repelir quanto se tem dicto para sustentar que os monte-pios não pódem deixar de ser considerados como corporações de mão morta, e como taes não pódem deixar de ser incluidas no numero daquellas a quem é prohibida a acquisição de bens de raiz, salvo nos casos em que pelas leis vigentes é permittido ás corporações de mão morta o poderem adquirir taes bens.

Um illustre deputado foi de opinião que era escusado fazer uma lei para dar aos monte-pios o direito de comprar e vender bens de raiz, porque era este um principio que não podia pôr-se em duvida; e a mim parece que ha um grande inconveniente em fazer unia lei para permittir aos monte-pios o comprarem bens de raiz, dando-lhes certa preferencia sobre as outras corporações de mão morta, porque eu, como já disse, intendo que corporações de mão morta são os monte-pios apesar de todas as opiniões em contrario que se têem apresentado; e que não convem á economia publica e até á economia particular destes estabelecimentos o adquirirem bens de raiz, porque a administração de bens de raiz não é tão vantajosa a estas corporações como se cuida.

Ha porém uma proposta do sr. Nogueira Soares, para que os monte-pios possam adquirir e manter-se na posse de fóros etc. A isto mesmo eu me opponho. Eu não concordarei em que as corporações de mão morta e monte-pios possam continuar a gozar ou estejam no gozo permanente dos fóros. Os fóros que estão na mão das corporações de mão morta, têem grandes inconvenientes para a liberdade da terra e para a sua cultura e melhoramento. E eu faço tenção de apresentar nesta camara um projecto de lei para a remissão de todos os fóros em poder das corporações de mão morta, e com alguma utilidade para estas corporações e estabelecimentos, pela fórma e maneira que proporei. E como eu tenho esta idéa, já se vê que não posso de nenhuma maneira approvar que fiquem os fóros salvos da rejeição deste artigo, ou por outra que fiquem os fóros permittidos a associações dos monte-pios como corporações de mão morta.

Mas não se persuadam os illustres deputados que, porque eu não voto que os monte-pios possam adquirir bens de raiz, sou opposto aos monte-pios e inimigo delles; ao contrario desejo muito a sua prosperidade neste paiz, e parece-me que pódem chegar a ser melhorados sem possuirem bens de raiz; parece-me que pódem preencher os fins da sua instituição, sem que contra as leis do estado lhes seja permittido fazer o que é prohibido ás corporações de mão morta poderem fazer desde os principios da monarchia até hoje. Intendo que os seus capitaes pódem ler grandes applicações vantajosas para elles e seus associados sem se offenderem os principios de economia publica com a posse de bens de raiz e fóros.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, a hora em que me chega a palavra, não é a melhor; está a sala deserta, e o relogio não tarda muito em annunciar o termo da sessão. Como tenho de principiar, será pelo fim, para responder ao que acabo de ouvir ao sr. Rivara.

Se eu tivesse alguma duvida a respeito da necessidade absoluta de passar o projecto tal qual o apresentou a illustre commissão de legislação, essa duvida desapparecia depois que ouvi o discurso do nobre deputado que me precedeu. Agora é que eu reconheço que é de absoluta necessidade que o projecto passe; porque até aqui lembrava-me que na falta da faculdade para possuir o dominio util, poderia o dominio directo compensar essa falta. Mas o sr. Rivara não só não quer que os monte-pios (O sr. Rivara: — As corporações todas) aos quaes chama corporações de mão morta, possuam o dominio util, mas até o dominio directo, e já nos ameaça com um projecto de lei que obriga (Õ sr. Rivara: — Não obrigo, deixo a faculdade) a remir os fóros de que forem proprietarias as corporações de mão morta, em cuja nomenclatura quer incluir os monte-pios. Ora passado o projecto annunciado, ficarão os monte-pios sabendo que lhes falta mais um meio dos que tinham até agora, para empregarem os seus fundos; e como uma das grandes vantagens desses estabelecimentos é que tem muitos meios de empregaremos seus fundos para poderem satisfazer ás suas obrigações, e não se verem nas circumstancias como infelizmente alguns delles já se viram, de não poderem satisfazer integralmente as pensões a que eram obrigados em conformidade com os seus estatutos. Sendo limitados os meios de emprego, e conseguintemente mais precarios, e menores os rendimentos, seguir-se-ha que ou esses estabelecimentos hão de acabar, e diminuir de credito, ou então em vez de lhes apertarem os meios de emprego devem alargar a esfera, e consentir que possuam propriedades, como pódem possuir segundo a natureza da instituição. Eu não me inclino muito para a posse dos predios rusticos, e nisto não estou de accôrdo com a opinião do meu illustre amigo e collega o sr. Custodio Manoel Gomes. Acho mais conveniencia quanto aos predios urbanos para os montepios os poderem administrar do que os predios rusticos.

Foi pois o sr. Rivara como disse, que me tirou alguma duvida se por ventura a linha, a respeito do projecto.

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Sendo os monte-pios de uma conveniencia incalculavel; e estando eu capacitado que do projecto em discussão vem para elles grande vantagem; apezar da minha insufficiencia, hei-de empregar todas as forças para ver se consigo que elle passe.

A questão que mais se agita, é entre os jurisconsultos nesta casa. Dividiram-se em dois bandos. A commissão de legislação sustenta que os monte-pios não são corporações de mão morta. Outros senhores opinam pelo contrario. Leigo na materia, devo observar, que o voto deste anno não e novo; é o voto que já aqui foi dado, e que já passou com uma grande maioria.

Não só o projecto da actual commissão de legislação, mas o projecto da commissão de legislação de 1850, approvado em sessão de 31 de março desse anno, estão assignados por jurisconsultos, que nessa qualidade todos elles se devem respeitar, jurisconsultos que devem saber o que seja corporação de mão moita, e o que deixa de o ser. Nessa questão é que eu não posso entrar, porque não estudei direito; mas posso e devo decidir-me pela maioria, e a maioria é por ora da minha parte; isto é, recenseando os jurisconsultos que teem escripto o seu voto, a maioria delles concorda em que os monte-pios não são corporações de mão morta.

Fique esta parte da questão para aquelles que a podem tractar: no que posso fallar com pleno conhecimento de causa, é do que são estas instituições; da conveniencia e utilidade dellas; lamentando, que não sejam ainda tão conhecidas, como convinha que o fossem. O montepio geral tem só 280 socios, ou subscriptores; mas existindo apenas ha onze annos, já distribuiu de pensões a individuos, que sem a existencia deste estabelecimento, a maior parte delles tinham pedido esmola, 13:337$000 reis. E quer a camara saber com quanto contribuiram as pessoas que legaram as pensões? 4:222$425 réis, e ainda ficaram as suas familias com direito á pensão por muitissimos annos; uns em quanto viverem, outros em quanto não chegarem a certa idade, e outros em quanto não mudarem de estado. E ainda que, como disse, estes estabelecimentos não são muito conhecidos, ainda assim, felizmente, já se não conhecem só em Lisboa; já tambem são conhecidos em Coimbra, Porto, Elvas, Faro, Béja, e em muitas outras terras do reino e ilhas aonde tem subscriptores.

Disse-se que este montepio era só de empregados publicos; não é exacto, é de todo o genero humano; foi um pequeno capricho da parte dos instituidores, que foram effectivamente empregados publicos, em querer que lhes coubesse essa pequena gloria; dizendo-se montepio geral, creado por empregados publicos; mas não é só para esta classe, é para todos, e tanto, que hoje denomina-se, como disse, montepio geral. E sabe a camara porque nós creámos este montepio? Eu o vou dizer, é uma verdade dura, mas não duvido dizê-la. É porque, de cada cem familias de empregados publicos, oito dias depois da morte do empregado, noventa estavam a pedir esmola, e no anno seguinte estavam quasi todas; além disto, os filhos ficavam infelizmente sem educação, e não quero dizer o mais que por ahi ía; a camara póde avaliá-lo, e nós temos obrigação como representantes da nação, de procurar por todos os meios, que essas desgraças não voltem ou acabem, e não conheço nas nossas circumstancias outro meio de acabar com ellas, ou de as minorar, senão este.

Quer a camara saber quanto distribuiram de pensões o anno passado o montepio geral, o montepio das alfandegas, o montepio da marinha, etc, etc.? Eu lhe mostro (Leu).

São nada menos de cinco estabelecimentos desta ordem em Lisboa, que não teem arrancado á desgraça, desde a sua instituição, menos de tresentas familias. Se todos os servidores do estado fizessem parte destes estabelecimentos, se fossem obrigados a isso, como intendo que o deviam ser, de certo a camara e o governo se veriam livres, na quasi totalidade, dessa quantidade enorme de pretenções, que todos os dias nos perseguem para pensões.

Dizem que os monte pios devem ser facultativos e não obrigativos, e eu respondo-lhe com uma dura verdade. Neste nosso paiz é necessaria a coacção, o emprego da força para fazer o bem. Podia citar muitos exemplos, mas bastará alludir á propria liberdade. Nos estatutos do montepio das alfandegas do reino estabeleceu se uma disposição, obrigando todos os empregados a fazerem parte do montepio; pois, senhores, dos empregados fóra de Lisboa nenhum ou quasi nenhum pertence ao montepio, e mesmo dos de Lisboa, muitos ha que tambem a elle não pertencem; mas eu acredito que a culpa não é delles, é que os nossos administradores olham de muito alio para estas cousas, suppondo que são bagatellas.

O que eu posso asseverar á camara, é que se a estes monte-pios pertencessem tudo quanto são empregados do estado, a sorte das familias destes individuos não seria tão precaria como é. Intendo, pois, que n'um paiz, onde quasi todas, ou todas as boas

Instituições é preciso estabelecerem-se á força, o montepio não deve, nem póde ser excepção.

Sr. presidente, tem-se dito muita cousa, e quem ouviu os illustres deputados que teem fallado contra o projecto, e que não souber o que são estas instituições, ha de dizer, que fallaram mais a favor dos monte-pios, que só querem que elles prosperem; pois, senhores, talvez assim seja, talvez esses sejam os seus desejos; mas o que é verdade, é que não propõem senão a sua morte; querem que elles prosperem, mas não querem que elles tenham para os seus fundos mais do que uma qualidade de emprego. Ora, isto, quando não fosse outra cousa, era contra todas as regras da boa economia. Foi o sr. Bordallo quem mostrou mais enthusiasmo pelos monte-pios, e é s. s.ª que não quer que elles possuam, nem ao menos inscripções; pois não lhe pedimos licença para isso; o montepio geral já possue inscripções, e já possue fóros que recebe annualmente. (Uma vo: — E um abuso.) Será; e é por medo da opinião dos doutores que nós trouxemos esta questão á camara, porque temos medo dessa palavra denuncia, que eu nunca quizera ver empregada, e muito menos aqui: não a queria ouvir empregar em parte nenhuma, e aqui nunca. Pois agora nós o vamos já denunciar, eu como subscriptor do montepio, e assignado no fim dos estatutos, digo bem alto que o montepio, aqui bem perto, na rua de S. Bento, possue o dominio directo de tres propriedades de casas, na frente das quaes se lê em caracteres bem grandes Montepio Geral.

O que nós queremos é livrar-nos de chicanas. (É frase que ouvi outro dia empregar, por isso a emprego hoje); o que queremos é saber a lei em que havemos

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de viver; se podemos possuir ou não; desejava mesmo que fizessem um concilio juridico, que resolvesse sim ou não. Tenho tido sempre duvidas em consentir que se comprem foros; não porque suppozesse que nos íam denunciar, porque púnhamos na rua immediatamente os orfãos, viuvas e aleijados a quem soccorremos, e mandavamos fusilar, os taes denunciantes. (Riso) Mas disto não lemos medo. O que queremos é consolidar o montepio, e queremos o emprego dos nossos fundos de tal maneira, que não aconteça o que já aconteceu um anno, e mais de um anno.

Ora agora a prova de que a associação deseja dividir muito os seus fundos, está em que o montepio geral tem acções da companhia Fidelidade, da companhia Firmeza, da companhia Unido Commercial, ele. etc, e infelizmente tambem do Fundo de Amortisação. Nós o que desejámos, é dividir tanto o emprego dos fundos, que nos chegue sempre para satisfazer as pensões, e para matarmos a fome a quem a não deve ter, e para evitarmos muitas desgraças, que este estabelecimento tem evitado.

Quanto á acquisição de foros e de predios, eu hei de sempre, ainda que a lei permitte que os possamos adquirir, levantar a minha voz na assembléa geral, em quanto puder, para que se não comprem foros, e a comprarem-se predios, só os urbanos. Mas contra a conveniencia de adquirir e possuir levanta-se aqui uma certa idéa que não é applicavel para os montepios, nem o é, nem o foi, nem o póde ser nunca: confunde-se a administração dos monte-pios com a administração das misericordias; mas deve notar-se uma cousa, e é que o interesse dos administradores das misericordias (infelizmente esta é a verdade) está só em administrar aquellas casas, e então administram mal em proveito seu; mas não é assim nos monte-pios: o grande interesse dos mutuatarios dos monte-pios é que se administre muito bem, e a este respeito ha nos monte-pios todos os annos uma questão muito debatida, de maneira tal que são umas cortes em ponto pequeno, aonde se dizem muitas cousas boas, e aonde se descobre um zelo bem digno de ser imitado.

Não tenham medo nenhum da administração dos monte-pios; a administração dos monte-pios ha de ser sempre boa, porque os administradores interessam na boa administração; não administram para si, administram em proveito de suas mulheres, e de seus filhos, administram para o futuro; e os administradores das misericordias administram para si: esta é que é a verdade.

Diz-se: ha muito em que empregar os fundos — podiam dar dinheiro a juros. Se assim se quizesse fazer, eu gritava logo — aqui del-rei; porque então precisavamos de tres letrados, de sete procuradores, etc. e até agora temos lido sempre quem aconselhe e procure de graça; em os monte-pios se mettendo em questões que possam trazer demandas, Deus nos acuda! lira melhor irmo-nos embora, e deixarmo-nos de monte-pios. Isto é que nós queremos evitar.

O que é verdade, é que os monte-pios já lêem direito para adquirir e alienar; porque o montepio a que especialmente me tenho referido, tem comprado foros e vendido foros; ha já foros comprados, e tem havido foros que depois de comprados foram vendidos; porque foi tal o interesse que a venda apresentava á sociedade, que a assembléa geral resolveu que se vendessem, porque se ganhava nessa transacção.

Em quanto a serem ou não os monte-pios corporações de mão morta, eu digo que os monte-pios não são outra cousa mais que sociedades, e sociedades que têem tanto direito para gerir os seus fundos, como qualquer outra. Se uma sociedade qualquer, por exemplo, a Unido Commercial, comprar um predio, faz alguma cousa que lhe seja prohibida? (Fozes. — Não.) Pois então não é isso tambem prohibido aos monte-pios. São sociedades todas da mesma natureza, a sua base é um contracto bilateral. Eu sei que o banco commercial do Porto tem um predio, e ainda ninguem lhe disse que não o podia ter, que o havia de vender.

Eu, como já disse, fui um dos andores do montepio geral, e sentiria que, tendo eu instado muitas vezes para que se requeresse ao corpo legislativo de modo que certas transacções que nós fizemos, ficasse bem definido que não offendiam lei nenhuma, suppondo eu que vinha aqui buscar a vida do estabelecimento, viesse buscar a morte; porque a morte é o que me foi annunciado pelo sr. Bordalo, e outros senhores, que fizeram como um certo animal que abraça tanto o filho que o mata; o sr. Bordalo julgando fazer-lhe bem, taes ataques lhe fez que o esmagou completamente.

Acaba de dar a hora. Peço a v. ex. que me deixe reservada a a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente; — Fica-lhe reservada.

A ordem do dia para segunda feira é, logo que se lêa a acta, constituir-se a camara em sessão secreta; depois, tornando-se publica, continua a discussão do projecto n.º 12. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. GASTÃO

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