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SESSÃO DE 3 DE ABRIL DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios — os srs. Francisco Augusto Florido da Mouta

Vasconcellos Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Apresentação de requerimentos, representações e nota de interpellação. — Na ordem do dia continuou a discussão do artigo 3.º do projecto n.º 47, em que tomaram parte diversos srs. deputados, sendo a final approvado este e es restantes artigos do projecto. — Passou-se ao projecto n.º 47, auctorisando o governo a levantar até á quantia de 1.706:000$000 réis as sommas necessarias para a continuação e conclusão dos caminhos de ferro do Minho e Douro, o qual depois de algum debate foi approvado. — Foi approvado sem discussão o projecto n.º 48, auctorisando o governo a papar aos herdeiros do José Tavares dos Santos a verba de 994$400 réis, levantada dos cofres da extincta junta dos depositos por meio de precatórias falsas.

Presentes á chamada 37 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano de Sampaio, Rocha Peixoto (Alfredo), Pereira do Miranda, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, Carrilho, Zeferino Rodrigues, Vieira da Mota, Conde da Graciosa, Custodio José Vieira, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Pinheiro Osorio, Palma, Jeronymo Pimentel, J. M. de Magalhães, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, Namorado, Pereira Rodrigues, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Faria o Mello, Alves Passos, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde de Sieuvo de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, A. J. Boavida, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Carlos Testa, Conde da Foz, Forjaz de Sampaio, Filippe do Carvalho, Francisco de Albuquerque, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Illidio do Valle, J. Perdigão, Jayme Moniz, Ferreira Braga, Vasco Leão, Matos Correia, Dias Ferreira, José Luciano, Ferreira Freire, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Pinto Basto, Julio de Vilhena, Freitas Branco, Manuel d´Assumpção, Pires do Lima, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel Coutinho (D.), Pedro Roberto, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde do Moreira do Rey.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, A. J. de Seixas, Mello Gouveia, Barão de Ferreira dos Santos, Conde do Bertiandos, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, José de Mello Gouveia, Nogueira, Mexia Salema, Luiz de Campos, Rocha Peixoto (Manuel), Mello e Simas, Mariano do Carvalho, Ricardo Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Abertura—ás duas horas e um quarto da tardo.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Representações

1.ª Dos empregados da administração central do correio do Santarem, pedindo melhoria de situação.

(Apresentada pelo sr. deputado Palma, e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de fazenda.)

2.ª Da corporação dos conductores de obras publicas, pedindo para serem equiparados para todos os effeitos aos officiaes das armas de cavallaria ou infanteria, e regulamentando-se emquanto á admissão dos auxiliares no corpo, segundo as suas habilitações e aptidão.

(Apresentada pelo mesmo sr. deputado e enviada ás mesmas commissões.)

3.ª Da camara municipal do concelho de Santarem, pedindo que se providenceie com uma medida legislativa que realise o melhoramento da canalisação e desobstrucção do alto Tejo.

(Apresentada pelo mesmo sr. deputado e enviada ás mesmas commissões.)

4.ª Da camara municipal do concelho de Santarem, pedindo a construcção de um caminho de ferro de Vendas Novas a Peniche, por Sant'Anna do Mato, Coruche, Raposa, Almeirim e Santarem, seguindo pela Azambujeira, Rio Maior e Óbidos, com uma linha complementar desde Sant'Anna do Mato até Ponto do Sor.

(Apresentada pelo mesmo sr. deputado e enviada ás mesmas commissões.)

Nota de interpellação

Desejo interpellar os srs. ministros da guerra e obras publicas ácerca da concessão do denominado ramal do Caceres á companhia real dos caminhos de, ferro portuguezes. = Alberto Osorio de Vasconcellos.

Requerimentos

1.° Sendo necessario que se conheça qual foi a despeza feita com a compra do cereaes por ordem do governo para as ilhas dos Açores em 1877, requeiro com urgencia que pelo ministerio das obras publicas se mandem os seguintes esclarecimentos;

I. Qual foi o numero do sacas de milho remettidas por ordem do governo para cada um dos districtos do Angra, Ponta Delgada o Horta em 1877;

II. Qual foi o preço por que esses cereaes foram comprados n'esta praça em differentes epochas das cearas para, cada um d'esses districtos;

III. Qual foi a casa commercial encarregada d'esta operação;

IV. Qual foi até agora a despeza que o governo fez, e que se acha liquidada, attendendo ao custo dos cereaes e á venda do mesmo genero, entrando n'essa quantia as commissões das compras, se as houve, e os juros poios adiantamentos feitos, se existiram, pela casa exportadora.

V. Qual é a porção de cereaes, que ainda está por vender. — O deputado por Ponta Delgada, Visconde de Sieuve de Menezes.

2.° Requeiro que seja pedida ao governo a remessa urgente de uma nota circunstanciada das gratificações, ajudas de custo, ou de quaesquer abonos pessoaes, não mencionados no orçamento, concedidos pelo ministerio das obras publicas desde 1 de julho do 1877 até 3 de fevereiro de 1878. —O deputado, Antonio Maria Pereira Carrilho.

Declaração

Declaro que em uma das primeiras sessões do mez de janeiro requeri com urgencia, pela secretaria dos negocios da fazenda, uma nota de todos os empregados das alfandegas do reino o ilhas, que não se acham exercendo os logares para onde foram despachados, e qual a gratificação que cada um d'elles accumula. Declaro outro sim, que por mais tres vezes reiterei este meu pedido, o sem embargo d'isso o dito meu requerimento não foi satisfeito. A camara o o publico aprecie e explique os motivos de tal procedimento.

Sala das sessões, 2 do abril de 1878. = Paula Medeiros. O sr. Placido de Abreu: — Mando para a mesa o seguinte requerimento: (Leu.)

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Mando tambem a seguinte nota de interpellação ao sr. ministro da marinha:

(Leu.)

Espero que v. ex.ª dará a este documento o devido destino.

É muito provavel que, pelo pouco tempo que o parlamento (em de funccionar, não possam vir estes esclarecimentos que peço, a fim de eu poder realisar a minha interpellação, e tambem é provavel que o sr. ministro não tenha na sua secretaria todos os documentos que eu exijo; entretanto póde ser que elles lá existam, e que venham ainda em occasião de eu poder realisar a minha interpellação.

Em todo o caso, se eu a não poder realisar agora, realisal-a-hei para o anno, se eu cá vier, e se não vier, alguem me fará o obsequio de se encarregar d'este assumpto.

O sr. J. J. Alves: — Mando para a mesa um requerimento da sr.ª D. Maria Adelaide Albuquerque e Castro, em que pede para receber a pensão que pertencia a sua mãe, e que deixa do receber actualmente.

Este requerimento vem acompanhado de todos os documentos com que a requerente julga poder comprovar as circumstancias desfavoraveis em que se acha, e a justiça que tem pela sua parte.

Apresento tambem outro requerimento da sr.ª D. Maria da Luz Madeira, filha de Antonio Baptista da Luz Madeira, a qual, me parece, já fez no anuo passado requerimento identico a este para obter uma, pensão.

A requerente allegou da primeira vez, como agora, 03 serviços prestados por seu pae á causa da liberdade, e por isso parece-me tornar-se digna da consideração da camara.

Peço a v. ex.ª que dê a estes requerimentos o devido destino.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 47

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia. Continua a discussão do artigo 3.º do projecto n.º -17.

Tem a palavra o sr. Alves.

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, eu não estava na sala hontem quando se discutia o artigo 1.°; apesar d'isso vi que alguns srs. deputados faliavam ainda sobre elle embora estivesse já votado, e por esse motivo tnrnbcm havia pedido a palavra quando se tratava do artigo 3.º que não tem relação com o assumpto de que quero fallar.

Desisto portanto agora da palavra, o peço a v. ex.ª que m'a reservo para quando se discutir o artigo 4.º

O sr. Pereira de Miranda,: — -Pedi a palavra para agradecer ao sr. ministro da fazenda a resposta que teve a bondade de me dar a algumas observações que fiz com relação ao projecto em geral, porque, como v. ex.ª sabe, só quando se tratava do artigo 3.º é que a camara deu pelo projecto em discussão.

Eu louvo o governo pela resolução do ter trazido á camara este projecto; porque effectivamente não ha nada mais inconveniente do que a pratica dos ultimos annos, ou começar obras que não estavam auctorisadas, obras do grande importancia, e em que se tem despendido capitães avultados.

Uma tal pratica causa graves embaraços o difficuldades á gerencia financeira.

Por consequencia, é sempre conveniente que todas estas obras, e sobretudo quando ellas tem tal importancia, sejam auctorisadas pelo parlamento para que elle saiba, as difficuldades que vae crear votando essas auctorisações o para que não tenha depois duvidas em crear as receitas necessarias para lhes fazer face.

Mas desejava chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para algumas das verbas que vem indicadas n'este projecto.

Por exemplo: tratarei agora da verba de 48:000$000 réis destinados a continuar as obras do caes e pontes da alfandega do Lisboa.

Creio que o governo ha de ter tido informações officiaes sobre quaes as vantagens ou inconvenientes que se têem encontrado nas obras já construidas e nas quaes, segundo me consta, se despenderam grossas sommas sem correspondente proveito.

O nobre ministro poderá confirmar ou rectificar o que eu digo.

Nas obras até hoje feitas tem-se despendido sommas avultadíssimas, e essas obras não correspondem ao fim que se teve em vista.

As pontes do ferro que se construiram em frente da alfandega de Lisboa, não offerecem todas as condições de segurança; foi necessario até, segundo me consta, revestil-as, em parte, de. madeira para poderem assim resistir ao impulso das pequenas embarcações que. a ellas atracam, e por consequencia tomos de perder a esperança de poderem ali atracar as grandes embarcações, não correspondendo finalmente de modo algum aquella obra ao fim que se teve em vista.

Não sei se se elaborou o plano d´estas pontes e das outras obras, não sei se esse plano se tem cumprido ou se se introduziram n´elle modificações e se essas modificações foram approvadas pelas estações competentes; o meu fim é chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para o modo de se applicar esta nova verba que vamos votar para aquellas obras, e se continuar a ser inutil e mesmo prejudicial ao serviço publico, quasi que vale mais a pena não as continuar.

Pelo que diz respeito á verba, para compra das propriedades da, camara municipal de Lisboa, effectivamente o illustre ministro da fazenda declarou que não podia prescindir d'esta auctorisação, por isso que a alfandega municipal não tem armazens sufficieníes para guardar os generos que vem destinados aquella casa, fiscal, e vê se na necessidade do conservar na rua, ao rigor do tempo, o vasilhame com o azeite e o vinho.

Dá se com effeito essa falla de armazens na alfandega municipal do Lisboa, mas com a auctorisação que votámos nada, se remedeia, porque 03 edificios que vão da alfandega de Lisboa até á alfandega municipal, que pertencem á camara municipal do Lisboa, o que se podem prestar á armazenagem do vasilhame do vinho e azeite, estão já occupados pela alfandega de Lisboa, emquanto que os restantes edificios da camara não podem servir para esse destino sem passarem por uma transformação completa, para o que se precisava do meios ainda mais valiosos do que os que nós agora vutâmos.

Alem d'isso o sr. visconde do Moreira de Rey fez unia objecção judiciosa e o governo achou tão justa a proposta apresentada por s. ex.ª que acceitou uma emenda n'osse sentido, e é que a camara não póde, a não se determinar expressamente n'essa lei, alienar essas propriedades senão pela lei da desainortisacão.

E eu pergunto se o producto da venda dVssas propriedades ha de ter a applicação determinada pela lei da desamortisação, ou se podemos marcar-me, como se pretende, uma applicação diversa, o que me parece pouco regular, o por ser isso da exclusiva competencia do municipio,

Fico por aqui, aguardando as explicações dadas pelo nobre ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda. (Serpa Pimentel): — Sr. presidente, o illustre deputado pediu-me algumas explicações ácerca do projecto que se discute, e em primeiro logar em relação ás pontes da alfandega.

Infelizmente é verdade que as pontes construidas não produzem o resultado vantajoso que se esperava. Comtudo ellas foram feitas conformo os projectos approvados pelas estações technicas competentes.

Não é só n'este paiz que obras hydraulicas não correspondem ao fim que d'ellas se esperava. Por consequencia, não é em desabono dos nossos engenheiros que essas pontes não correspondam ao resultado que se desejava. E que não

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correspondem é um facto que eu não posso negar, o por isso é que sobretudo me empenho, não na continuação das pontes, mas na continuação do caes. E foi exactamente para a continuação do caes que consultei o director d'aquellas obras ácerca da despeza que deveria ser feita no anno futuro, e é essa que proponho.

Emquanto aos edificios da camara municipal que o governo vao adquirir, é verdade que uma parto já está occupada, par meio de aluguer, pela alfandega do Lisboa, mas na que resta ainda ha espaço que póde ser aproveitado para a alfandega municipal.

E por outro lado tambem é certo que em virtude de uma lei, que foi ha pouco tempo approvada na outra camara, o governo fica com dois armazens importantes na alfandega do Lisboa, e por consequencia poderá mesmo ceder já uma parte das casas occupadas por essa alfandega nos edificios da camara para ahi se poder acudir á necessidade mais urgente, que é recolher os generos da alfandega municipal, que por falta de armazens lêem estado espostos á intemperie das estações.

Emquanto ao modo de proceder á venda, pela acecitacão da proposta apresentada pelo sr. visconde de Moreira de Rey, parece-me que ficou esse negocio completamento regulado. No entretanto se for necessario tornal-o mais claro, não tenho duvida nenhuma.

Esta lei não foi apresentada senão com o fim de estabelecer um bom princio financeiro; o não faço questão, antes estou disposto a acceitar qualquer emenda que se queira inserir na lei a respeito do que se refere ao modo de offectuar a acquisição das propriedades da camara municipal.

Quanto a melhoramentos na cidade, parece me, que Lisboa tem necessidade urgentissima de muitos; mas o que entendo tambem é que esse assumpto poderá ser tratado em projecto de lei especial.

O sr.Francisco de Albuquerque: — Ainda não fiquei satisfeito com as explicações que hontem deu o sr. ministro da fazenda, ácerca da verba de 84:000$000 réis para os trabalhos do pesquiza o encanamento das aguas de Delias, por isso proponho que seja eliminada esta verba.

Mão ouvi apresentar outra rasão para, justificar esta verba senão a de que. iriamos deixar inutilisados, pelo menos em grande parte, os capitães empregados na pesquiza e encanamento das aguas de Bellas, e por consequencia que era impreterivel que se fossem gastar mais 84:000$000 réis para aproveitar a maior despeza já feita.

Primeiramente eu precisava que o illustre ministro dissesse a rasão por que é impreterivel gastar a verba de 84:000$000 réis n'uma obra util, em que o governo é exactamente aquelle, e por consequencia o paiz, que menos utilisa com ella?

Eu não quero censurar o governo, porque n'uma epocha do estiagem, o por consequencia de instante necessidade publica, gastou, embora sem auctorisação legal, uma quantia importante para abastecer Lisboa de agua; não quero censural-o por isso, posto que fosse mais regular ter pedido ao parlamento a precisa auctorisação; mas o que vejo é que nenhuma urgente necessidade publica justifica a proposta que o governo hoje apresenta. (Apoiados.)

No estado em que tomos as nossas finanças, parece-me que não devemos ir aggravar esse estado com mais esta verba do 81:000$000 réis, o por contcqucucia com o encargo permanente de 14.000$0O0 réis annuaes. Parece-mo que sem o governo ser propheta, sem prever que haverá uma estiagem no corrente anno, igual áquella que justifica a medida extraordinaria que tomou, procurando abastecer Lisboa de agua, não devia apresentar esta proposta. (Apoiados.)

Em ultima analyse cotos 81:000$000 réis parece-me que não redundam senão em directo e immediato proveito da companhia das aguas, (Apoiados.) e isto só emquanto não chega a Lisboa a agua do Alviella.

A rasão, apresentada pelo illustre ministro, do aproveitamento da despeza feita, não é procedente n'este_caso.

Se tratassemos de um caminho de ferro começado ou de uma estrada ordinaria em que fosse necessario, para não inutilisar a parte já feita, concluir o resto; se tratassemos da construcção de uma casa, que não se acabando, ficariam inutilisados os capitães empregados sem a casa ser destinada ao uso para que se pretendia construir, eu então estaria do accordo com o illustre ministro. Mas na questão sujeita não aconteco assim.

Creio que este dinheiro foi gasto em abertura de poços e tambem na expropriação de terrenos para essa abertura. Parece-me que esses poços continuam abertos e por consequencia o dinheiro empregado n'esta obra continua utilisado. (Apoiados.) Pois a agua adquirida não póde utilisar-se, como já se utilisou? Não se diga, pois, que ficam inutilisados os capitães empregados nas obras da pesquiza e encanamento das aguas de Bellas, não se gastando mais esta verba. A pesquiza das aguas é para adquirir mais, e o encanamento tem servido o servo e da companhia.

Nas circumstancias financeiras em que nos achamos, precisámos olhar um pouco mais para o futuro.

A companhia das aguas tem feito trabalhos importantes, tem gasto quantias valiosas no encanamento do Alviella, para abastecimento da capital.

Pois eu pergunto ao governo o que ficam valendo estes trabalhos, estas despezas, desde o momento em que a companhia consiga o seu desideratum de trazer á cidade as aguas do Alviella? Que pretende fazer o governo depois a estas aguas, que applicação têem depois os capitães que foram destinados a estas obras? Pois o governo não sabe que depois estas aguas de Bellas ficam quasi sem valor? Que quer o governo fazer a estas aguas?

O governo foz algum contrato com a companhia, de que a camara não saiba, em virtude do qual garanta a propriedade e uso das aguas que até hoje têem sido pesquizadas?

Eu não sei se o ha nem a camara o sabe. Era indispensavel que o houvesse; se acaso o governo não tem feito contrato com a companhia, a companhia está utilisando á custa do thesouro. Parece que sendo obrigada a companhia ao fornecimento das aguas é real monto um presente que se está fazendo á companhia, não digo isto com sentido de offender o sr. ministro da fazenda, porque tenho a maior consideração e estima, particular por s. ex.ª, mas é um presente que se dá á companhia. (Apoiados.)

Não acho rasão alguma, no estado da nossa situação financeira, que justifique estes 84:000$000 réis para estas obras, não em proveito do governo, mas em proveito da companhia, o pequeno porque é fomento até chegarem as aguas do Alviella, e depois fica uma despeza improductiva.

Eu entendo que a companhia das aguas é uma d'aquellas companhias que deve merecer a attenção dos poderes publicos, o por consequencia que me pareço que toda a equidade para com ella é bem acceita; mas acima d'esta consideração ha uma outra que devo ser considerada, em primeiro logar, são os interesses do thesouro.

Quem zela os interesses do paiz, e é procurador d´elles, deve preferir estes interesses ao beneficio do qualquer companhia. (Apoíados.)

Mando para a mesa a minha proposta.

O sr. Ministro da Fazenda: —O motivo por que o governo pede esta somma é porque segundo a opinião dos homens competentes, não sou eu que não sou engenheiro, o dinheiro que ali se. gastou ficava inutilisado se aquellas obras se não concluíssem.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Esqueceu-me perguntar a v. ex.ª se houve algum orçamento feito para esta despeza.

O Orador: — Não se trata só de pesquiza, trata-se da

Sessão de 3 de abril de 1878

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canalisação necessaria para que aquellas aguas possam entrar no aqueducto de Bellas.

E respondo desde já á pregunta que acabou de fazer o illustre deputado.

Eu pedi á repartição das obras publicas informações, não um orçamento na fórma como costuma ser feito technicamente, sobre quaes eram as sommas a gastar; deram-me esta importancia de 84:000$000 réis. Esta quantia não é arbitraria, mas o resultado das informações officiaes, que me foram fornecidas.

O illustre deputado diz, que quem tem lucrado é a companhia. A companhia não tem lucrado; quem tem lucrado é a cidade de Lisboa na occasião das estiagens.

Diz o illustre deputado que seria mais regular que o governo trouxesse um projecto antes das obras. Estou completamente de accordo; mas na occasião da grande estiagem, em 1875, não estavam as camaras reunidas, e em presença d'essa grandissima estiagem tomou o governo a responsabilidade de mandar proceder a estas obras, que preservaram a capital de grandes privações o desastres.

Insistiu ainda o illustre deputado que o governo está alliviando a companhia de um encargo, que a companhia está utilisando as aguas.

Não, senhor; a companhia não vende estas aguas; por consequencia não utilisa nada.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Quem fiscalisa?

O Orador: — Fiscalisam empregados nomeados para esse fim.

Diz o illustre deputado que o governo fez um presente á companhia. O presente que o governo fez á companhia foi uma multa por não cumprir a sua obrigação.

O sr. Francisco de Albuquerque: — E foi levada a

effeito?

O Orador: — Não, senhor, porque o tribunal decidiu a favor da companhia e contra o governo. Nós respeitámos a decisão. Por consequencia a questão é esta, e não póde ser outra.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Quando vem as aguas do Alviella?

O Orador: — As aguas do Alviella não vem este anno ainda, nem sei se virão antes do estio do anno futuro; por consequencia o governo deve estar prevenido, para que a cidade não soffra sede.

E por isso que o governo trouxe este projecto, o em segundo logar porque ficariam inutilisadas as obras que se fizeram se não se concluissem.

O sr. Pereira de Miranda: — Poucas palavras apenas em resposta ao sr. ministro.

Com respeito ao caes e pontes da alfandega, sou o primeiro a lamentar que o sr. ministro da fazenda tivesse do me dar rasão.

E triste ver despender sommas valiosas, do emprego das quaes se esperavam resultados uteis e que pelo contrario as dão imiteis e até prejudiciaes.

Estimo muito a declaração, que o sr. ministro fez, de que a verba que pede agora será applicada exclusivamente á construcção do caes. E a respeito dos armazens da alfandega municipal concordo com o sr. ministro que é indispensavel construir os telheiros para guarda do vasilhame; e por isso mesmo não é de absoluta necessidade a acquisição de todos os edificios da camara municipal. E direi que convinha mais que esses telheiros fossem feitos nos terrenos conquistados ao rio, porque o vasilhame, que entra na alfandega municipal, vem todo pelo rio ou pelo caminho do ferro; o em todo o caso tem do entrar na alfandega pelo lado do mar. S. ex.ª sabe que a remoção de volumes tão pesados em grandes distancias é um prejuizo, perda de tempo e do dinheiro.

Por conseguinte a construcção dos telheiros é do toda a conveniencia que seja feita proximo do logar do desembarque.

Nada mais tenho a dizei.

O sr. Luciano de Castro: —Depois de acabada a sessão de hontem, fui ver o contrato feito com a companhia das aguas e parece-me que, em virtude das condicções 10.ª e 13.ª d'esse contrato, a verba do 84:000$000 réis que se nos pede é completamento inutil ou perdida.

A condicção 10.ª do contrato com a companhia das aguas diz o seguinte.

(Leu.)

Por esta condição tem a companhia o direito exclusivo de introduzir novas aguas em Lisboa. A condição 13.ª diz o seguinte: (Leu.)

Por esta condição tom a companhia o direito exclusivo da venda da agua em Lisboa.

Ora, se a companhia tem o direito exclusivo de introduzir novas aguas em Lisboa, e exclusivo da sua venda n'esta cidade, para que servem ao governo estas aguas do Bellas?

O governo emprehendeu estas obras em circumstancias extraordinarias, para acudir a uma necessidade urgentissima. Isso foi irregular e illegal; mas pertence ao passado. Vamos a considerar agora as circumstancias normaes, e a ver para que se fazem estas despezas cuja votação agora se pede.

O governo deu á companhia o exclusivo do introduzir novas aguas em Lisboa, o o exclusivo da venda das aguas n'esta cidade, quer dizer, o governo não póde introduzir nem vender agua em Lisboa. Por consequencia para que serve esta despeza?

Por isso digo á camara que era conveniente que o governo nos dispensasse d'este encargo, e que se não fizesse uma despeza que não serve para nada. (Apoiados.)

Levantei-me só para fazer esta observação ao sr. ministro da fazenda e á commissão, e foi por isso que insisti em usar da palavra pela terceira vez, do que peço a V. ex.ª que me desculpe.

O sr. Avelino: — Não hei de cançar por muito tempo a attenção da camara, mas é preciso narrar os factos que se passaram com relação ás pesquizas do agua em Bellas, porque me parece haver um certo equivoco dos illustres deputados que têem questionado a conveniencia e a necessidade da verba pedida pelo governo.

As disposições do contrato citadas pelo sr. José Luciano de Castro são verdadeiras.

Effectivamente o contrato garante á companhia o exclusivo da venda do aguas em Lisboa; concede lho a administração de todas as aguas que existiam na capital ao tempo que foi feito esse contrato, e o exclusivo du introduzir n'esta cidade todas as aguas que á sua custa e com os seus proprios esforços poder adquirir.

Mas, como o sr. José Luciano de Castro tambem notou já, o governo foi determinado a proceder como procedeu por circumstancias urgentíssimas, isto e, pela necessidade impreterivel de acudir a uma estiagem extraordinaria, que está de certo na memoria do todos, porque não passou ha muitos annos.

Effectivamente o governo emprehendeu essas obras na presença d'essa necessidade urgente, e então não houve tempo, nem a occasião se prestava, para se mandar proceder a um projecto e a um orçamento, projecto e orçamento que abrangessem todas as obras que eram absolutamente indispensaveis para o completo aproveitamento das aguas que havia n'essa região.

Seria até impossivel fazer esse projecto e orçamento, porque os engenheiros, com excepção de um, não tinham completa fé em que n'aquelle sitio se encontrassem as aguas, que os trabalhos posteriormente mostraram que havia e que se podiam aproveitar.

Desde que se começou com essas obras e desde que se reconheceu que ellas eram emprehendidas com vantagem, porque davam uma quantidade do agua bastante para n'aquella conjunctura augmentar a quantidade destinada ao abastecimento do Lisboa, o governo não duvidou tomar a

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responsabilidade de mandar proseguir as pesquizas não só em Bellas mas em outros sitios, cujos nomes n'este momento me não lembram.

Todos os trabalhos a que se procedeu n'este sentido foram coroados de bom resultado, e a camara, em eu lhe citando o nome do sr. Carlos Ribeiro, engenheiro distincto que está á testa d'esses trabalhos, ha do reconhecer que elle, não só pela sua intelligencia e pela especialidade dos seus estudos, como tambem pelo seu caracter, era incapaz de aconselhar ao governo que proseguisse n'aquellas obras, se | não estivesse convencido, pelas previsões da sua sciencia, de que os trabalhos dariam bons resultados, e com a experiencia não fosse successivamente demonstrando que os resultados eram como elle esperava exactamente, e como desejava que fossem, para que a cidade de Lisboa podesse com isso aproveitar, como effectivamente aproveiton.

A companhia não tem o dominio nem a posso d'essas aguas, embora ellas passem pelos seus encanamentos.

O sr. Francisco de Albuquerque perguntou com uma certa insistencia que proveito tirava o governo d'esta quantidade do agua que lhe custava já centenares do contos de réis; eu vou explicar a s. ex.ª e á camara como e que esse proveito resulta de se introduzir em Lisboa uma quantidade de agua independentemente d'aquella que a companhia tem.

Pelo contrario, a companhia é obrigada a dar de toda a agua, que tem, um terço para os usos publicos. Como em occasião do estiagem esse terço era inferior ao que exigiam os serviços publicos e municipaes, o governo de 1868, creio que sendo ministro das obras publicas o sr. Calheiros, fez um accordo com a companhia para que esse terço, qualquer que fosse a quantidade total de agua que a companhia tivesse, nunca podesse ser inferior a 72 ou 73 anneis.

Assim se estipulou; mas as necessidades dos estabelecimentos publicos, hospitaes, cadeias, chafarizes, e outros serviços, eram superiores, exigiam maior quantidade que os 72 ou 73 anneis que estavam estipulados, e o governo o a camara municipal, para satisfazer a essas necessidades, compraram e pagaram á companhia a agua que, alem do terço, era indispensavel.

A companhia não se oppoz a que o governo, obrigado d'aquella urgente necessidade publica, emprehendesse a exploração d'aquellas aguas e as introduzisse em Lisboa. E eu, sendo ministro das obras publicas, em nome do governo declarei na camara dos dignos pares, que áquella agua, qualquer que fosse a sua quantidade, acresceria sempre ao terço a que o governo tinha direito.

No inverno esta agua póde não ter valor apreciavel: quando, porém, o governo e a camara municipal carecem de maior quantidade que o terço lixado no contrato e no accordo, a que me referi, essa agua tem, pelo menos, o valor de dispensar o governo e a camara de pagarem á companhia a agua que, em muitas estiagens, lho compraram e pagaram. Digo pelo menos, porque é incontestavel, que a satisfação de necessidades publicas, urgentes e impreteriveis tambem tem valor.

De certo que se a companhia, no praso que já tem decorrido, tivesse cumprido exactamente as obrigações do sou contrato, o governo não se veria forçado a fazer esta despeza, porque teriamos hoje as aguas do Alviella que, até onde se podem calcular, são bastantes para satisfazer a todas as necessidades de Lisboa, (Apoiados.)

Mas o governo de que fiz parte ou antes o estado, porque é elle o outorgante no contrato, impoz a multa a que a companhia estava sujeita se no praso de quatro annos não tivesse terminado as obras do encanamento do Alviella. A companhia, no uso do seu direito, recorreu para o tribunal arbitral e o estado perdeu a questão!

Essa questão é conhecida de todo o publico o foi debatida na imprensa, que sem distincção de côr politica d'ella se occupou, apreciando a sentença como entendeu que era mais conforme ao direito, á justiça e aos interesses do estado. Mas v. ex.ª comprehendo que o poder legislativo não póde fazer outra cousa senão respeitar as sentenças dadas pelos tribunaes compostos de juizes integerrimos, tribunaes constituidos pelas leis e que, como um poder independente dos outros poderes do estado, tinham o direito de decidir o letigio como julgassem que era justo e equitativo. Ao governo de que fiz parte não póde imputar-se a responsabilidade de não ter propugnado pelo cumprimento do contrato.

Eu não podia obrigar a companhia a usar do exclusivo que lhe dá o contrato sobre a introducção das aguas em Lisboa; o governo não podia forçar a empreza a ir tirar agua de outro ponto que não fosse o Alviella, cujas aguas eram conhecidas em quantidade e qualidade.

O governo, portanto, aproveitou o meio do mandar explorar a agua onde a havia e introduzil-a em Lisboa. Ao principio abriram-se poços, e assim começou a exploração: a agua dos poços era extrahida por partidos de homens que se substituíam de quatro em quatro horas; e a camara comprehende bem que este modo de aproveitar a agua era muito custoso, muito dispendioso, não dava toda a utilidade que podia dar, porque o trabalho dos homens não era igualmente energico e efficaz.

Mas desde que o governo tem gasto 200:000$000 réis, quaes são as as obras que fazem hoje? Note bem a camara que as obras que se tem de fazer não são para descobrir agua, são para introduzir de um modo constante e permanente nos encanamentos da companhia as aguas que já se descobriram, e em quantidade que compensa os sacrificios feitos. Na secretaria das obras publicas existem documentos que demonstram a verdade das minhas asserções.

N'estas circumstancias entende a camara que o thesouro, que o estado, que o paiz, deve perder todo o dinheiro que já gastou? que deve poupar 84:000000 réis, privando a cidade de Lisboa do aproveitamento d'aquellas aguas? Julga a camara que é util e economico perder tudo quanto ali se gastou, e não despender mais alguns contos do réis, em trabalhos que completem e consolidem as obras emprehendidas, e assegurem á capital o goso permanente d'aquella agua? Não o creio.

Não quiz discutir, sr. presidente. A camara sabe que tenho assistido silencioso a todos os debates; mas tratando-se, n'esta questão, de factos da responsabilidade da administração de que fiz parte como ministro das obras publicas, entendi dever dar á camara estas explicações, e peço-lhe, me desculpe de ter por tanto tempo abusado da sua paciencia.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — O sr. Francisco de Albuquerque mandou para a mesa uma proposta para se eliminar a verba de 84:000$000 réis para a exploração das aguas de Bellas; lembro porém ao sr. deputado que esta verba está incluida no artigo 1.°, e que esse artigo já foi approvado. Não sei se v. ex.ª requer uma nova votação sobre este artigo?

O sr. Francisco de Albuquerque: — Creio que a camara, se approvou o artigo 1.°, foi porque não sabia o que estava a votar.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Estou em pouca disposição de espirito para tomar parte em quaesquer discussões, porque um acontecimento doloroso me af-fecla bastante e me obriga até a interromper a minha pro-sença nas sessões d'esta casa; no entretanto, emquanto me acho presente, julgo do meu dever não me dispensar de entrar nas discussões levantadas n'esta casa, e por consequencia na que agora se ventila ácerca das pesquizas da agua em Bellas.

Creio que o meu illustre collega e amigo o sr. Avelino deu, em relação ao passado, explicações tão cabaes quanto satisfactorias, que não deixam a menor duvida, debaixo do ponto de vista da vantagem, que nas estiagens anteriores

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a cidade de Lisboa tirou, das providencias adoptadas pelo governo.

Essas circumstancias, porém, passaram, e desapparcecu para o futuro, ainda que alguma estiagem nos ameace, a unica rasão que o sr. Avelino mostrou que tinha levado o governo d'aquella epocha a encetar, á sua custa, os trabalhos em Bellas.

O governo fez esses trabalhos, porque a companhia, disse s. ex.ª, não podia ser obrigada a despender os seus capitães na pesquiza do aguas de cuja existencia duvidasse; foi por isso que o governo tomou a si a despeza, mas desde que ella o fez, e desde que se demonstrou a existencia de agua n'aquella localidade e se demonstrou a ponto que não é licito nem á companhia nem a ninguem duvidar da sua existencia, cessou a rasâo apresentada pelo meu illustre amigo o sr. Avelino, como causa que determinou o governo a mandar lazer á custa do estado aquelles trabalhos.

Vindo uma nova estiagem, o em a companhia não querendo aproveitar á sua custa as aguas de cuja existencia já lhe não é licito duvidar, a responsabilidade já não é do governo, é da companhia.

Eu creio que com as companhias devo haver toda a justiça e toda a equidade, mas tambem entendo que nunca se deve passar alem d'essa equidade e d'essa justiça.

Nas considerações, que hontem fez o sr. ministro da fazenda n'esta casa, disse s. ex.ª que as aguas tinham sempre um valor que o estado não podia perder; que as aguas tinham sempre valor venal, quer fosse em Bellas, quer fosse em Lisboa.

Mostrou se hoje, porém, aqui, que o governo não póde intraduzir aguas em Lisboa, pelo privilegio que concedeu á companhia; e muito menos vendel-as, pelo exclusivo que deu a essa mesma companhia.

(Aparte.)

Para vendel-as fóra creio que não precisa de cncanal-as para ali, pela rasão clarissima de que, quando chegarem ao aqueducto que foi concedido á companhia, ella está no direito de lhes negar a entrada ali.

Que lucra, pois, o estado, com lazer uma despeza que leva ao aqueducto da companhia aguas que a mesma companhia tem o direito de se oppor a que entrem lá?

Pense a camara bem no que vota. Veja bem as consequencias que póde ter o seu voto. (Apoiados.)

Eu estou expondo simplesmente os factos como elles se apresentam, e esforço-me por expor esses factos com toda a clareza e com toda a exactidão.

Desde que o governo não póde introduzir aguas em Lisboa, nem as póde fazer passar pelo aqueducto que foi cedido á companhia, eu creio que é inutil qualquer despeza que se faça para introduzir no aqueducto aguas que para o governo não representam utilidade alguma, porque não póde dispor d'ellas. (Apoiados.)

Pôde o governo dizer que podemos ter uma estiagem antes de se terminar o canal do Alviella. Essa hypothese já eu a preveni na minha argumentação. Se vier uma estiagem, a responsabilidade principal é da companhia, se se recusar a fazer as despezas necessarias para introduzir no aqueducto aguas de cuja existencia já não póde duvidar, aguas que pertencem ao governo e que o governo lhe concede gratuitamente para essas occasiões de estiagem, para essas occasiões extraordinarias.

MaS consideremos a questão para o futuro.

Parece hoje indubitavel que, pelo adiantamento dado ás obras do canal do Alviella, em pouco tempo esses trabalhos estarão concluidos e que em Lisboa não haverá falta de agua.

Quando se terminarem esses trabalhos, ficamos, segundo a expressão do sr. Avelino, em inverno permanente; isto é, em circumstancias nas quaes as aguas de Bellas são absolutamente inuteis, porque não são necessarias pera o abastecimento de Lisboa. (Apoiados.)

Se essa occasião está proxima, que destino ha do dar o governo ás aguas de Bellas? 11a de dar-lhes o destino que lhes dá actualmente no inverno, reconhecendo que não são ellas precisas nem para o governo nem para os usos publicos da cidade, porque a agua que a companhia é obrigada a fornecer, é mais que suificicnlc durante o inverno, e porque a companhia não precisa da agua e o governo tambem não precisa d'ella.

Por consequencia esses 84:000$000 réis, que se vão gastar, parecem-me absolutamente perdidos.

Hontem eu disse ao governo, respondendo ao sr. ministro da fazenda, que se queria a agua para lhe aproveitar o valor venal era necessario que n'esta lei ou n'outra providenciasse para que o governo tantas vezes quantas quizer tenha direito de fazer passar a agua no aqueducto concedido á companhia, e para juntamente dar á agua a applicação que quizer dar.

Fora d’estas condições a camara póde votar a despeza, mas creio que vota despeza completamento inutil, e francamente entendo que não faz bem serviço ao paiz.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço do Carvalho): — Não tomarei muito tempo á camara nem procurarei do modo algum ampliar as explicações tão duras e tão categoricas que sobre este assumpto deu o meu particular amigo o sr. Antonio Cardoso do Avelino, porque pedi a palavra sómente para dizer ao illustre deputado, o sr. visconde de Moreira do Rey, que estes 81:000$000 réis não têem por fórma alguma applicação a novos trabalhos de pesquizas do agua, não lêem por fim se não consegnir que um certo numero de trabalhos em andamento não fiquem de modo algum em estado do se arruinarem.

Por exemplo, as galerias do differentes poços que ainda não estão empedradas e que é necessario empedrar, e emfim outras obras da mesma natureza que convem concluir para seu computo aproveitamento.

Direi ainda que os capitães não sei de quantos contes de réis gastos n’estas obras não se podem reputar perdidos ou mal despendidos, porque a applicação (Folies derivou de uma necessidade impreterivel, serviram para occorrer a uma deploravel calamidade publica; e oxalá que aquella agua não seja chamada de novo a satisfazer igual necessidade.

Por consequencia, nós não temos em vista, isto é, o governo não tem vista promover trabalhos do novo, o governo não tem em vista senão completar os trabalhos encetados para os consolidar e tornar mais duráveis o sem risco de perderes capitães que temos empregado e ano representam um valor incontestavel, e de o puder fazer valer desde o momento em que a agua possa ser fornecida ou vendida na localidade ou nas proximidades de Lisboa, e não vejo mesmo que seja impossivel fazer um accordo qualquer com a companhia (Apoiados.)

(Aparte.)

Mas isso não é uma questão para o parlamento. E muito possivel que aquella agua, antes mesmo do entrar em Lisboa, onde o exclusivo pertence á companhia, seja vendida nos arredores de Lisboa.

Outra ponderação que me parece importante é a de que, comquanto nós estejamos nas vesperas de ter as aguas do Alviella em Lisboa, porque, segundo os calculos da companhia, embora as obras não possam estai concluidas em 1878, á everão comtudo eslar promptas até á estiagem do 1870, temos sempre n'aquellas aguas um recurso contra qualquer eventualidade que se póde dar, alem da vantagem de poderem ser vendidas na localidade ou nas proximidades de Lisboa.

Portanto, esta verba de 84 contos, que o projecto indica, não tem por fim senão consolidar os trabalhos já leitos, concluir os encanamentos e empedramento das galerias; nada absolutamente de obras do arte.

(O orador não reviu este discurso.)

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O sr Francisco de Albuquerque: — Nós já apurámos alguma cousa d'esta discussão, e vem a ser que no projecto se poz inutilmente a palavra pesquizas, porque os 84 contos não são para pesquizas, mas sim para os encanamentos das aguas. É a declaração do illustre ministro das obras publicas.

Depois da vigorosa argumentação do illustre deputado, o sr. visconde de Moreira de Rey, pouco tenho a acrescentar, porque não vi respondido nenhum dos vigorosos argumentos apresentados por s. ex.ª

Desde que o sr. ministro da fazenda declarou que dentro de um ou dois annos estavam em Lisboa as aguas do Alviella, fica perfeitamente claro que nessa epocha se acharão completamente inutilisados os capitães empregados nestas obras. (Apoiados.)

Portanto, melhor seria que o governo fizesse desde já um accordo qualquer com a companhia, em virtude do qual ella indemnisassc o estado da despeza feita e ficasse com a propriedade d'estas aguas. (Apoiados.) Pois porque não procura o governo fazer este accordo com a companhia? Era este um bom serviço que o governo podia fazer, e assim ficavam salvaguardados os interesses do thesouro. Pois o governo, depois do ler despendido tão grandes verbas, ainda quer despender mais 84 contos sem necessidade nenhuma? Pois não vê que é um capital perfeitamente deitado á rua?

Pois não é certo que as aguas do Alviella hão de inutilisar por força a despeza que se vae fazer e a já feita? Unicamente o sr. ministro das obras publicas imagina uma hypothese possivel de haver uma ruptura no canal do Alviella, ou uma interrupção, para depois serem aproveitadas, as aguas de Bellas. Já é subtileza! Já é falta do argumentos! Tal hypothese, o a outra que está no mesmo caso, a da possivel venda das aguas nas proximidades de Lisboa, não justiíica uma despeza certa de 81:000$000 réis. (Apoiados.)

Diz o illustre ministro das obras publicas, que não têem applicação para a pesquiza das aguas, mas para algumas obras publicas, como, por exemplo, o empedramento das galerias. Em todas as corporações, incluindo as juntas de parochia, para toda e qualquer obra se exige um orçamento preciso e perfeitamente explicito. (Apoiados.)

Mas o governo para esta despeza, que não é de 84 réis ou 84$000 réis, mas sim de 84:000$000 réis, não pediu ao engenheiro o orçamento, para a camara votar com conhecimento do causa os 84:000$000 réis. (Apoiados.)

Se estes empedramentos custam 84:000$000 réis, voto contra taes empedramentos. (Apoiados.)

Isto não é questão politica, nem quero fazer questões politicas d'esta ordem; (Apoiados.) é uma questão financeira. São 84:000$000 réis que se desperdiçam o unicamente podem beneficiar a companhia, unica que aproveita dentro d'estes dois annos. Quer dizer, nós vamos ainda agora votar, alem das despezas já feitas, mais 84:000$000 réis, porque é possivel que até ao proximo anno haja falta de agua.

Pedia ao illustre ministro da fazenda, sem querer considerar como questão de governo esta questão de gastar mais 84:000$000 réis n'estas obras, que se limitasse a pedir uma pequena verba para conservação das obras existentes.

Pedia a s. ex.ª que tratasse por todos os meios, para utilisar os capitães que tem despendido, de vir a qualquer accordo com a campanhia; porque todo e qualquer accordo que se faça com a companhia é de vantagem para o paiz, porque ainda que se venda por 100:000$000 réis, sendo a despeza de 200:000$000 réis, creio que faz um beneficio ao thesouro, porque ao menos aproveita 100:000$000 réis.

Peço ao illustre ministro da fazenda, em nome do interesse publico, que não insista no pedido de 84:000$000 réis, despeza inutil e que só serve para aggravar mais o estado deploravel do nosso thesouro.

Foi approvado o artigo 3.°, e bem assim a proposta do sr. Van-Zeller, apresentada na sessão anterior.

Entrou em discussão o

Artigo 4.°

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, quando hontem se discutiu o artigo 1.° do projecto não me achava na sala, aliás teria apresentado as considerações que agora passo a fazer, por ver que o artigo 4.° em parte tem referencia com o artigo 1,°

Antes de tudo desejava fazer uma pergunta ao sr. ministro da fazenda com respeito ás propriedades sitas entre a alfandega grande e a do consumo, que o governo se propõe comprar á camara municipal do Lisboa.

Ha ali uns predios e barracas na margem do Tejo, e ha outras propriedades, onde se contem diiferenlos estabelecimentos qúe começam na rua dos Arameiros, com frente para as ruas da Alfandega e dos Bacalhoeiros, o que terminam no campo das Cebollas.

Parece-me que o projecto se refere ás propriedades situadas nas margens do Tejo, que vão da alfandega grande á alfandega do consumo.

O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.

O Orador: — -Muito bem: devo porém dizer á camara que não concordo, por emquanto, na venda total d'aquelles predios feita pela camara municipal ao governo.

Em primeiro logar talvez o governo não saiba, e bom é que fique sabendo, no que me parece ver um obstaculo para a venda, que todas as propriedades da camara de Lisboa estão hypothecadas ao banco do Portugal em virtude dos contractos do 1 do março do 1859, e do 23 de fevereiro de 18G8, sobre os emprestimos contrahidos para a construcção do matadouro.

O primeiro emprestimo foi de 115:000$000 réis e o segundo de 61:000$000 réis, o que perfaz o total de réis 176:000$000.

Eu passo agora a ler um periodo da copia dos referidos contratos para provar a minha asserção. (Leu.)

E isto o que dizem as condições 8.ª, 9.ª e 10.ª com relação ao primeiro emprestimo, e com relação ao segundo contrato ha mais, que passo também a ler.

(Leu.)

Ora, sendo a camara municipal ainda devedora ao banco do Portugal da quantia de 77:500$000 réis, ella só póde vender as suas propriedades depois do as libertar, o que me não parece possa fazer de prompto pelas circumstancias apuradas em que se acha.

Tambem não concordo que a camara applique o producto da venda d´estas propriedades a obras o melhoramentos; isto seria um prejuizo, porque ella perderia uma parte do seu rendimento que não póde dispensar, e que, segundo informações exactas, monta á quantia de 6:700$000 réis annuaes.

Não vejo tambem uma grande necessidade que o governo tenha do adquirir de prompto todos estes edificios.

Parece-me que o governo satisfaria ás necessidades do serviço das alfandegas, adquirindo tão sómente uma parte d'este 3 edificios, isto é, os comprehendidos entre o Boqueirão dos Funileiros e o Boqueirão do Vero-Peso.

Procedendo assim, preenche as necessidades do momento, e evita de alguma fórma prejudicar differentes individuos que ali se acham estabelecidos, o os quaes não é facil de prompto alcançarem casa para novamente montarem os mesmos estabelecimentos. Paliando assim, entendo que fallo em nome do interesse do governo, e em nome tambem do interesse publico.

A camara municipal tem as suas propriedades e d'ellas recebo pontualmente as rendas, as quaes ella, por isso que não está inhibida do usar desse direito, vae augmentando gradualmente para crear receita.

Sessão de 3 de abril de 1878

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Ora, como me parece conveniente que a camara não perca de prompto este rendimento sem ter outro que o substitua, e que a camara, quando mesmo se chegue a realisar a venda, empregue o producto em titulos de divida publica, por este motivo faço a seguinte proposta:

(Leu.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Substituição aos artigos 1.° e 4.°— O governo fará acquisição tão sómente das propriedades da camara municipal do Lisboa, sitas entre o boqueirão dos Funileiros e o boqueirão da mesa da fructa, que presentemente são as indispensaveis, deixando para mais tarde e quando o serviço da alfandega o exigir a acquisição das restantes.

Dado o caso de se realisar a venda, quer ao governo, quer a particulares, a camara empregará o producto liquido em titulos de divida publica. = J. J. Alves.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda: — Darei ao illustre deputado alguns esclarecimentos a este respeito.

Começo por declarar que as propriedades, de que se trata, são as que estão entre as duas alfandegas; as propriedades separadas d'estas não são das que trata o projecto.

Quanto ao facto de estarem hypothecadas algumas propriedades, não me parece que seja motivo para se alterar o projecto, porque, se a camara tem dividas de que paga juros, no momento do vender as propriedades paga o capital em divida. Nem se póde dizer que diminuo o rendimento, por isso que, tendo a camara de pagar os juros das propriedades hypothecadas, esses juros cessam desde que se pagar ao banco o seu capital.

Emquanto á proposta do illustre deputado, digo que a lei é apenas uma auctorisação para o governo poder pagar á camara até aquella somma, e o governo não ha de usar d'essa auctorisação senão até onde for necessario e conveniente: se o governo não precisar de todas aquellas propriedades não as compra.

A alfandega precisa de grandes armazens, em vista sobretudo da afluência das mercadorias: esta affluencia cresce todos os dias, o hade crescer muito principalmente depois de se construir o caminho de ferro da Beira Alta.

É pois uma auctorisação de que o governo póde usar na parte que julgar conveniente, e eu não tenho duvida em dizer que se o governo não precisar já de toda a auctorisação não a cumpre senão na parte de que carecer.

São estas as explicações que tenho a dar.

O sr. Luciano de Castro: — Pedi a palavra para dizer ao sr. ministro da fazenda e á illustre commissão, que este artigo me parece inutil, porque se determina n'elle qual é a applicação que ha de ter o producto da venda dos predios, que o governo adquirir.

Ora, o artigo 136.° do codigo administrativo diz que constituem receita extraordinaria das camaras municipaes as vendas de quaesquer propriedades pertencentes as mesmas camaras.

Portanto, desde que o governo faça esta compra á camara municipal, a consequencia legal é que o producto da venda entra no orçamento como receita extraordinaria.

Diz este projecto:

(Leu.)

Determina tambem o codigo administrativo que os orçamentos das camaras municipaes, quando excedam a réis 10:000$000. têem de ser approvados pelo governo. Não ha por isso rasão para alterar as leis geraes.

Passando á questão das hypothecas dos bens da camara municipal, todos sabem que todas ou a maior parte das suas propriedades estão hypothecadas ao banco de Portugal. Algumas d'ellas têem sido vendidas, em virtude das leis da desamortisaçâo, e o banco tem requerido para transportar a hypotheca para as inscripções.

Quando o producto dos bens não seja convertido em inscripções, ha sempre o recurso da expurgação da hypotheca permittido pela legislação civil.

Parece-me, pois, que não ha rasão para se adoptar uma disposição especial a este respeito, porque creio que nas leis geraes está providenciado o que se deve fazer.

O sr. Ministro da Fazenda: —Eu já disse na sessão antecedente que ha urgente necessidade de alguns melhoramentos para a capital, e por isso apresentei este projecto que se discute, e por esta occasião declaro que estou do accordo com o illustre deputado em que se supprima este artigo, confiando em que a camara, se tirar alguns recursos, usará d'elles de maneira a satisfazer as necessidades que julgo urgentes.

O sr. Carrilho: — Por parte da commissão de fazenda, declaro que não tenho duvida em que seja eliminado o artigo 4.º do projecto.

Considerada a camara, declarou que fosse eliminado o artigo, ficando prejudicada a proposta do sr. J. J. Alves.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eliminado este artigo, e não se tendo proposto disposição alguma para saber qual o meio por que o governo ha de proceder á acquisição dos prodios que pretendo adquirir, pergunto ao governo como é que pretende ficar auctorisado a despender 200:000000 réis em uma compra para que não está auctorisado, o que a camara municipal está, pela legislação vigente, inhibida de realisar? (Apoiados.)

Peço ao governo que me responda clara e categoricamente.

Fiz hontem ver ao governo que o projecto, que o auctorisa a empregar certa importancia na acquisição de certos e determinados predios, não auctorisa a camara municipal a vender esses predios o não retira á camara a inhibição que está imposta pela legislação vigente de não os poder alienar, já em harmonia com as leis da desamortisação.

Se o governo vae á praça com o limite de não poder adquirir aquelles predios senão até á quantia de 200:000$000 réis, é claro que qualquer particular, que imagino que o governo não póde deixar, de adquirir aquelles predios, compra-os por mais da quantia para que o governo está auctorisado, corto de que os venderá depois ao governo com lucro, e assim vamos dar margem a uma especulação particular que redunda em immediato prejuizo do estado, que, ou ha de prescindir dos predios de que não póde prescindir, ou os ha de comprar por um preço superior.

Ponhamos as questões com clareza. O governo não tem meio algum legal pelo qual possa adquirir predios por contrato particular com a camara municipal de Lisboa, não tem meio nenhum, que não seja usar do recurso legal que é pedir auctorisação a esta camara para ser auctorisado a expropriar por utilidade publica os prodios pertencentes á camara, ou aquelles que o governo entenda que não póde dispensar.

(isusurro.)

Realmente tenho a voz bastante forte, mas não posso com a conversação dos meus collegas, que estão muito esclarecidos a respeito de uma questão que se me apresenta duvidosa, fallar muito alto em uma occasião em que não estou disposto a fazer grande esforço de voz.

Nas expropriações por utilidade publica, a fixação do preço estabelece-se de uma maneira certa. Tem recursos os interessados para os tribunaes ordinarios, onde se debatem quaesquer reclamações.

Por outro qualquer meio é absolutamente impossivel, e eu não creio que a camara possa auctorisar o governo a fazer uma despeza sem elementos nenhuns para saber qual é o valor dos predios que se vão comprar. Eu pelo menos não tenho a certeza de que, auctorisando a compra por réis 200:000$000, os predios possam valer 400:000$000 réis ou sómente 40:000$000 réis.

A expropriação por utilidade publica fixa o valor de uma maneira inevitavel. Da maneira como o contraio se executa ninguem póde suspeitar, tudo se passa publica e legalmente.

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D1AB10 DA CAMARA IDOS SENHORES DEPUTADOS

Sou informado tambem que entre os predios, que o governo pretende, existem dois predios particulares.

Não; se existem ou não. Se por acaso existem, o governo, quando fizer a compra para ali fazer um edificio adequado ao fim a que o destina, talvez lhe seja indispensavel adquirir alguns predios particulares. Seria bom que a lei preveniam esta hypothese. Se ha predios particulares a adquirir, realmente parece impossivel que venha unia proposta a esta casa n'estas circumstancias, e, que estejamos a discutir n'estes termos e com esta pressa.

Eu creio que é melhor para os que votam o projecto, auctorisar o governo a expropriar os predios pertencentes á camara municipal e outros que n'elles estejam encravados, conforme as regras geraes de direito. Isto para os meus collegas, para a maioria que vota o projecto: eu, como não o voto, desejo apenas que do mal se faca o menos, e polisse faço nina proposta.

(O orador vão revia, este discurso.)

O sr. Carrilho: — Para tirar todas as duvidas proponho que seja inserida tio projecto a seguinte proposta.

(Leu.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

É declarada a utilidade publica para as expropriações que o governo tiver de decretar para a acquisição das propriedades pertencentes á camara municipal de Lisboa nos termos do artigo 1.°.-=A. Carrilho.

O sr. Visconde de Moreira de Rey. — Não sei soo governo quer incluir no projecto alguns predios que lhe seja preciso adquirir para quaesquer obras no edificio que pretende.

No entretanto, o certo que nas disposições geraes da expropriação por utilidade publica, o governo póde encontrar, creio eu, remedio para este caso, para applicar a lei sem necessidade de. auctorisação especial. E por consequencia não insisto mais ífeste ponto.

O sr. J. J. Alves: — Sr. presidente, pedindo a palavra iiara dar esclarecimentos, aproveito a, occasião para agradecer ao sr. ministro as explicações que acabou de dar-me, bem como a certeza de que os predios que o governo tiver a adquirir são strictamente os necessarios para o fim a que são destinados.

Agora, só para esclarecimento ao sr. visconde do Moreira do Rey o alguns srs. deputados que pediram a palavra, direi que na direcção que o governo tem a seguir nas obras ha predios que pertencem a particulares, e que não podem deixar de ser expropriados; um d'elles liga immediatamente com a alfandega municipal, e é o predio do case de Santarem.onde existe um armazem de ferro.

Por esta occasião direi tambem que o governo já fez a acquisição de alguns predios particulares. De dois tenho eu conhecimento, um denominado o da parreicinha, e outro no estaleiro do Caldas, ambos juntos aos armazens do jardim do tabaco; predios de que o governo está de posse ha muito tempo, mas une até hoje pouco ou nenhum uso tem feito d'elles.

Isto vem em abono do que acabei de dizer, e que prova, que por emquanto não ha, necessidade de fazer a acquisição de todos, mas sim dos que as necessidades do serviço exibirem.

Desta fórma evitar-se-ha um gravissimo transtorno a perto de 80 inquilinos que. ficam prejudicados com a mudança de seus estabelecimentos, e isto n'uma epocha em que é difficil encontrar habitações nas condições exigidas, e que quando as encontrem serão por preços fabulosos. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta que veiu para a mesa para se votar.

Leu-se e foi approvado, salva, a redacção.

O artigo 5.° foi approvado.

Entrou em discussão o projecto n.º 49.

E o seguinte:

Projecto de lei n.º 49

Senhores. — As vossas commissões reunidas de fazenda e de obras publicas foi presente a, proposta de lei n.º 30—U, tendente a auctorisar a nova emissão de obrigações necessarias para com o seu producto se concluírem as obras dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Considerando que é urgente ultimar essas obras de manifesta utilidade publica, e que portanto está plenamente justificada a creação de obrigações proposta pelo governo; entende que essa emissão deve ser approvada em vista do seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.º E o governo auctorisado a levantar até á quantia de 1.706:000$000 réis as sommas necessarias para a continuação e conclusão dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Art. 2.° O levantamento d'esta quantia será realisado por emissão de obrigações, nos termos e pela fórma consignada na carta du lei de 2 de julho de 1867.

Art. 3.º Fica revogada, a legislação em contrario.

Sala da commissão, aos 27 demarco de 1878. = José Dias Ferreira —Joaquim de Matos Correia —A. C. Ferreira de Mesquita— Custodio José Vieira — João Maria de Magalhães — João Freira Braga— Illidio do Valle= Pedro Roberto Dias da Silva— Visconde da Azarujinha = Visconde de Guedes Teixeira == Lopo Vaz de Sampaio e Melo — Antonio José Teixeira = Antonio M. P. Carrilho, relator.

N.º 30-H

Senhores. — As quantias despendidas na construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro eram em 30 de setembro do anno passado, segundo o relatorio e contas mandadas ao ministerio das obras publicas e que para vosso mais amplo conhecimento acompanham esta proposta, no caminho de ferro do Minho 5.590:326$030 réis e no do Douro 4.596:992$727 réis, perfazendo uma somma de réis 10.193:318$757.

Segundo os calculos apresentados pelo direc0tor dos mesmos caminhos, a sua despeza total até completa conclusão deverá, ser para o do Minho 6.796:565$055 réis, para o do Douro 6.639:092$727 réis. O que dá para as duas linhas a importancia de 13.435:557$782 réis. O capital realisado pelas cinco emissões é calculado muito approximadaniente em 11.729:000$000 réis, e a differença em numeros redondos entre estas verbas é. de 1.706:000$000 réis e, esta é a quantia que terá de ser levantada por uma nova emissão do obrigações, comquanto n'ella podesse ser feita a deducção de despezas effectuadas ou a effectuar por conta d'aquellas linhas e que em rigor a lei de 2 de julho de 1867 expressamente excluia da despeza computada e auctorisada para a construcção dos dois caminhos.

Taes são as sommas despendidas ou a despender com os estudos e pessoal technico, que importam nas seguintes verbas:

Despeza effectuada até 30 de setembro de 1877:

“Ver o Diario Original”

A esta verba deveria ainda juntar-se o custo das seguintes obras, que são inteiramente estranhas a estas linhas e cuja despeza poderá ser lançada a cargo da viação ordinaria:

Sessão e 3 de abril de 1878

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver Diário Original]

A deducção de todas estas verbas reduziria a nova emissão muito proximamente a 1.400:000$000 réis; como porém aquellas despezas estão na maxima parte já feitas, e por qualquer fórma o thesouro teria de as pagar, pareceu ao governo preferivel incluil-as na nova emissão, que para tal effeito deve ser elevada a 1.706:000$000 réis. A necessidade imperiosa e urgente de concluir estas linhas, cuja benefica influencia ninguem contesta, dispensa de adduzir quaesquer argumentos em favor d'esta proposta, que não póde deixar de merecer a vossa illustrada approvação.

Senhores, o governo na futura sessão legislativa apre. sentará ás côrtes um relatorio desenvolvido e circumstanciado, pelo qual podereis apreciar a construcção d'aquellas duas importantes linhas sob o duplo ponto de vista administrativo e technico. Confia o governo que, do vosso acurado exame d'esse documento ha de resultar, não só a approvação do systema de administração seguido na execução d'aquellas linhas, como tambem a convicção de que o estado, construindo-as por sua conta, se por um lado fez sacrificios maiores do que se calculara, por outro lado encontrará na exploração dos dois caminhos um resultado muito superior a todas as expectativas e conjecturas. É certo que a lei de 2 de julho de 1867 computava o custo kilometrico das duas linhas em 30:000íí000 réis, e que na realidade é este limite consideravelmente excedido. As causas, d'onde deriva esse facto importante, são publicas e notórias, e têem sido reconhecidas e justificadas por todos aquelles que examinam quão diversas são as condições technicas e economicas em que as duas linhas foram presuppostas d'aquellas em que se acham realmente construidas.

Vejamos, porém, sem visar desde já um resultado de exactidão e rigor mathematico, qual é o custo kilometrico medio dos dois caminhos de ferro. Na despeza total calculada em 13.435:000$000 réis comprehendem-se verbas, que não podem de modo algum ser contadas para o apuramento exacto do custo kilometrico; taes são:

[Ver Diário Original]

Não mencionamos aqui a verba gasta com o pessoal technico de 153:581$910 réis, porque não obstante a disposição da lei de 1867, é este um encargo proprio da construcção, que não póde ser deduzido para a determinação do custo kilometrico effectivo.

Tambem não abateremos da despeza feita, a que se refere á estação do Porto, comquanto se deva observar que uma parte tem de ser lançada á couta da companhia dos caminhos de ferro portuguezes, e que o encargo que resulta d'essa estação deve ser distribuido pela extensão total das duas linhas, depois de completas, até ás fronteiras de Hespanha.

Deduziremos, pois, apenas a quantia de 597:000$000 réis da verba dos 13.435:000$000 réis, o que a reduz a 12.838:000$000 réis. Dividindo esta importancia pelos 267 kilometros das duas linhas, encontraremos um custo kilometrico de 48:082$647. Se fossemos determinar o custo proprio de cada uma das linhas, veríamos que o do Minho é consideravelmente inferior ao do Douro, o que aliás não podia deixar de ser na presença das difficuldades excepcionaes que caracterisam esta ultima linha.

Se é, até certo ponto, facil a determinação approximada do custo medio das duas linhas, não acontece outro tanto com respeito á apreciação dos resultados da sua exploração, que apenas podem ser conjecturados pela comparação com as outras linhas do paiz e do estrangeiro em condições analogas, e pela sensata inducção a que se prestam os elementos já conhecidos da exploração dos primeiros troços dos dois caminhos.

O rendimento kilometrico illiquido em relação ao anno de 1877 foi de 2:854$000 réis, e qual elle deve ser depois de entregues á exploração as duas linhas até Valença e Pinhão, é licito conjectural-o em presença dos dados estatisticos que a actual exploração já fornece.

O movimento de passageiros apresenta-se com uma intensidade que é facil de explicar, attenta a densidade de população das regiões que as duas linhas têem de servir. Este movimento foi em 1876 de 5:611 passageiros por kilometro explorado na linha do Minho e de 5:119 na do Douro.

O percurso medio n'aquelle caminho foi de 30 kilometros e de 31k,5 no do Douro.

Bastará que o movimento de passageiros se renove nas actuaes proporções, e que o percurso medio seja o dobro do actual em attenção á extensão completa das linhas, para que o producto d'essa origem nas duas linhas pela. tarifa media pratica ascenda no Minho a 644:000$000 réis e no Douro a 467:000$000 réis.

Com referencia ao movimento de mercadorias é elle por agora muito difficil de calcular pelos resultados da actual exploração.

No anno de 1876 foram trasportadas no Minho 294 toneladas por kilometro explorado, no Douro 290; estes numeros subiram em 1877 no Minho a 483 toneladas e no Douro a 387.

Quão longe ficarão estes numeros da realidade, e particularmente na linha do Douro, desde que as duas linhas cheguem ao interior das provincias sobre as quaes têem de exercer a sua acção e influxo?

Que proporções tomará o trafego d'este caminho, quando mais tarde seja ligado com a rede dos caminhos da nação vizinha?

Dentro do paiz mesmo, qual não deve ser o movimento de passageiros e mercadorias, quando da linha principal emergirem pelos valles tributários do Douro as linhas economicas que hão de servir os districtos de Villa Real e Bragança ao norte do Douro, e ao sul uma parte consideravel dos de Vizeu e Guardar?

Esperámos que n'um futuro não remoto os centros mais importantes de população—Villa Real, Chaves, Mirandella e Bragança se acharão ligados pela viação accelerada e economica com o resto do paiz e especialmente com a cidade do Porto, centro principal das suas relações commerciaes e industriaes.

Considerando bem as condições geraes das duas linhas, e por uma lei de analogia perfeitamente fundada, póde estabelecer-se com segurança que o movimento de mercadorias na linha do Minho ha de no minimo attingir um algarismo de 80:000 toneladas annuaes, cujo percurso não será inferior a 70 kilometros.

No caminho do Douro a tonelagem deve ainda ser superior, attendendo ao caracter especial d'aquella linha, e não póde ser computada em menos de 100:000 toneladas, com um percurso medio de 80 kilometros, attento o percurso total obrigado para uma maxima parte das mercadorias transportadas, entre as quaes avultam por certo os vinhos.

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A applicação a estes numeros de uma tarifa media de ]8 réis por tonelada e kilometro, e esta é muito proximamente a tarifa media pratica da companhia dos caminhos de ferro portuguezes, daria para o Minho uma receita bruta de 101:000$000 réis, e para o Douro de 141:000$000 réis.

A somma de todas as verbas anteriores daria para os dois caminhos uma receita illiquida, proveniente de passageiros e mercadorias, de 1.355:000$000 réis.

Não augmentaremos esta cifra com a receita procedente do transporte de bagagens, recovagens, gados, etc. e de baldeações e registos, que em todos os caminhos de ferro póde ser proximamente calculada em um decimo da sua receita total.

E não se julgue, senhores, que ha exageração nos numeros que servem de base a estes calculos, em relação a passageiros e mercadorias.

Se compararmos com as linhas de norte e leste, e sul e sueste, encontraremos resultados que comprovem as nossas apreciações. O movimento de passageiros no ultimo anno civil de 1877, foi n'estas linhas o seguinte:

Norte e leste 943:933.

Sul e sueste 177:404.

Estes numeros, divididos pela extensão explorada de 502 e 312 kilometros, dão por cada kilometro explorado: Norte e leste—1876 passageiros. Sul e sueste—568 passageiros.

Para que estes numeros sejam comparáveis com os do Minho e Douro, é necessario corrigil-os, em attenção á densidade de população das provincias que estas linhas atravessam.

A população especifica da região servida pelas linhas de leste e sul e sueste, é de 14,4 habitantes por kilometro quadrado, a da região atravessada pela linha do norte, desde Lisboa até ao Porto, é de 55,4 habitantes, e a densidade media de população das zonas servidas pelas linhas do Minho e do Douro é de 130 habitantes por kilometro quadrado.

Separando o movimento de passageiros de norte e leste por cada uma das linhas, teremos que os do norte são 845:941 e os de leste 95:992; d'onde resulta para a linha do norte 2:540 passageiros por kilometro explorado, suppondo que o movimento propriamente de leste é igual ao de sul e sueste.

Para tornar comparáveis estes resultados é necessario multiplical-os pelos coefficientes: 2,34 para a linha do norte e 9,02 para as de leste, e sul e sueste, porque nessas proporções se encontra a população d'estas diversas regiões.

O numero de passageiros assim determinado seria respectivamente de 5:943 e 5:123, dentro dos quaes se encontram os numeros reaes e praticos da exploração.

A comparação com o movimento do paiz vizinho justifica ainda mais as nossas conjecturas e apreciações.

A media do trafego das linhas hespanholas nos annos de 1870 a 1872 é a que consta do seguinte quadro:

[Ver Diário Original]

Estas medias, porém, são consideravelmente excedidas para certas linhas, que justamente apresentam maior analogia com as do Minho e Douro sob o ponto de vista, quer de passageiros, quer de mercadorias. Assim, com respeito a passageiros, são frisantes os exemplos seguintes:

Mappa do numero de viajantes por kilometro explorado Nalgumas linhas hespanholas e densidade de população das provincias que atravessam — 1872

[Ver Diário Original]

Com relação a mercadorias os resultados minimos da exploração das linhas de norte e leste são, em relação a 1877:

Norte e leste—toneladas transportadas 289:193, por kilometro explorado 576.

Sul e sueste — toneladas transportadas 102:070, por kilometro explorado 327.

É muito mais complexa a relação entre este movimento e o da população, comquanto seja axiomaticamente verdadeiro que o augmento de producção e de consumo levam naturalmente ao incremento do trafego commercial. Notemos, pois, apenas que a applicação do algarismo encontrado para a linha de norte e leste, ás do Minho e Douro dariam as seguintes toneladas annuaes:

Minho 85:248 -Douro 74:304

A differença que se póde notar em relação á linha do Douro explica-se pela feição característica d'aquella linha; devendo observar-se que, nas provincias que ella serve, é muito mais importante a exportação dos seus productos e a importação dos artigos do seu consumo, do que em qualquer outra região do paiz.

Bastará que o trafego d'esta linha attinja a media da rede hespanhola, 872 toneladas por kilometro para que a tonelagem ascenda a 106:000 toneladas annuaes.

E na rede hespanhola citaremos as duas linhas de Tudela a Bilbau e Alar d'El-Rei a Santander, que tanta analogia e similbança ofierecem com a linha do Douro na maneira por que funccionam com respeito ás provincias que d'ellas se servem.

O numero de toneladas por kilometro explorado foi numericamente nos annos citados, Tudela e Bilbau 741, 800 e 1:003 — Alar d'El-Rey a Santander 1:386,1:670 e 2:485.

Não devem, pois, ser taxadas de exageradas as presumpções de que partimos para a apreciação do resultado economico da exploração das duas linhas, que em poucos mezes estarão abertas á circulação publica, e darão rasão e realidade, esperamos, ao que a alguem poderia parecer um devaneio optimista. Seja como for, senhores, o que por agora é preciso, acima de toda a contestação, é concluir a parte das linhas que hoje se acha em construcção. Em seguida é forçoso, por obviar considerações, ligar uma e outra linha com a rede do paiz vizinho, e n'esse intuito o governo não deixará de tomar, de accordo com o da nação vizinha, as resoluções que precisas se tornem, para realisar esse melhoramento no mais curto praso.

As informações que constam dos documentos juntos e a confirmação dos engenheiros d'aquelles caminhos dão toda a esperança de que a linha do Minho se ache em junho aberta á exploração até Caminha e seguidamente até ás proximidades de Valença. Na do Douro deverá ser aberta a exploração até á estação do Marco ou ao Juncal

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por todo o mez de julho o até á líegua, quando não seja até Pinhão, por todo o mez de setembro.

A proposta que submettemos á vossa approvação é a seguinte:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a levantar até á -quantia de 1.706:000$000 réis as sommas necessarias para a continuação e conclusão dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Art. 2.º O levantamento (Posta quantia será realisado por emissão do obrigações, nos termos e pela fórma consignada na carta de lei de 2 do julho de 1867.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio o industria, 22 de março de 1 878. = Antonio de Serpa Pimentel = Lourenço Antonio de Carvalho.

O sr. Sousa Lobo: — Começarei por notar uma falta importantissima que vejo no relatorio d'este projecto. Diz o relatorio:

(Leu.)

Estranho, o estranho profundamente, que as considerações que o sr. ministro prometto aqui fazer no anno seguinte não sejam feitas actualmente, com relação ao ponto de vista da administração; e estranho o porque essas considerações faziam parte dos ataques mais fortes e mais inergicos que os homens do governo actual, quando eram opposição, faziam ao gabinete caido,. e. por consequencia parece-me que deviam tambem fazer parte da defeza d'elles na actualidade..

O sr. duque d'Avila tinha aqui o anno passado o apoio de todos os partidos. Antes da abertura da camara perdeu o apoio do partido regenerador. Porque? Sobretudo por dois motivos. O primeiro foi por cansa do processo mandado instaurar ácerca das obras da penitenciaria; o segundo foi por causa das alterações que fez na administração dos caminhos do ferro do Minho e Douro.

Se o sr. Barros e Cunha não tivesse ousado tocar n'estas duas arcas santas; se por um lado não tivesse procurado syndicar das obras da penitenciaria, se. por outro lado não tivesse alterado no sentido da maior o mais prudente economia a administração dos caminhos de ferro de Minho e Douro, inquestionavelmente aquelle ministerio teria continuado a ter o apoio do partido regenerador. (Apoiados.)

Isto prova-se até á evidencia, quasi que seria desnecessario proval-o.

Quando a guerra, antes da abertura do parlamento, se declarou por parto do partido regenerador, quando a imprensa atacava aquelles dois pontos, combalia-se, note-se bem, não o gabinete inteiro; atacava-se um ministro apenas, o sr. Barros e Cunha! Continuava-se, porém, a dar apoio ao gabinete! Quer dizer, se o sr. duque d'Avila tivesse a fraqueza de pôr de lado aquelle seu collega, o partido regenerador continuaria apoiando o sr. duque d'Avila; se não, não; e n'este. sentido iam-se-lhe fazendo avisos com ataques ao sr. Barros o. Cunha. (Apoiados.)

Depois chegou a hora da abertura do parlamento, e o partido regenerador com o -sr. Sampaio á frente foi declarar em reunião da maioria, que prestava ao governo apoio condicional, quer dizer, apesar dos conegos que já estavam creados; apesar do muro nos cemiterios, que já estava levantado; apesar da cadeira de sãoskrito que já estava creada; apesar de todas estas cousas com que depois, e só depois, atiraram á cara do sr. duque; estavam promptos a prestar-lhe apoio condicional!.

Qual era a condição?

Afastar de si o auctor da syndicancia á penitenciaria, o auctor das modificações na administração dos caminhos de ferro do Minho o Douro.

Mas o sr. duque de Avila com a maior dignidade de cara? éter reeusou-se a excluir o seu collega, o homem que tinha procedido com toda a legalidade. Então veiu a guerra, guerra a todo o transe; e o pomo da discórdia foram aquellas duas medidas. (Apoiados.)

Fallando eu agora só das modificações introduzidas no systema administrativo regenerador das linhas ferreas de Minho e Douro constituiam ellas assumpto de tanta gravidade aos olhos do partido da regeneração, que logo em seguida á abertura, do parlamento, o sr. Lourenço de Carvalho veiu annunciar cheio de impaciencia e de paixão uma interpellação ao governo; o pedir com a maior urgencia os ' documentos em. que devia bazear essa interpellação. Vejo agora porém que a guerra era unicamente para derrubar a situação, o que as impaciencias e as paixões eram exclusivamente politicas. Hoje áquella situação está caida; s. ex.ª é poder; traz á discussão este projecto o promette-nos para o anno esclarecimentos que, quando era opposição tinha tanta soffreguidào de prestar á camara e que portanto deviam vir já. Para o anno!

Mas para o anno tem este governo a certeza de estar n'essas cadeiras; ou terá desapparecido como costuma; isto é, qual grupo de.: sombrinhas da lanterna magica? (Risos e apoiados.)

São estas aa ultimas considerações, que faço n'este ponto. Entrando agora em outro assumpto, direi que me surprehendeu muito este pedido de dinheiro para construir os: caminhos de ferro do Minho e Douro, porque, tendo o governo obrigação de ter idéas lixas e pensamentos definidos,; vejo comtudo que lhe faltam esses pensamentos definido e essas idéas fixas n'este ponto.

Ainda ha pouco veiu aqui o governo propôr a alienação de uma importantissima propriedade nacional, o caminho de ferro do sul e sueste, tambem como este incompleto, tambem como este de um futuro altamente promettedor. Pois bem, dos principios de onde o governo concluia hontem as vantagens da alienação e os inconvenientes da construcção directa por conta, do estado; d'esses mesmos principios concluo o governo n'este momento as vantagens da construcção directa por conta do estado o os inconvenientes da alienação.

Qual é a rasão d'isto? Eu sei-a, sr. presidente, é a teguinte:

O governo, em logar de nos apresentar projectos de lei com relatorios desenvolvidos, fundamentados, traz-nos aqui projectos de lei com ausencia de pensamentos definidos, relatorios, meros complexos de generalidades occas ornados de narizes de cera.

Isto não é porque o governo não saiba, não tenha homens notaveis, e com especialidade n'estes assumptos o sr. ministro das obras publicas; é porque assim lhe convem para mais á vontade fazer o que lhe parece.

Sr. presidente, o governo podia muito bem começar e continuar desde já todos os caminhos de ferro votados pelo parlamento; e como ha meios determinados para todos se construírem, menos o da Beira Baixa, o qual se diz que não se construo por escassez de recursos; eu comprehendia, como expediente financeiro, uma proposta que, alienando uma ou mais vias ferreas do estado, formasse d'este modo conveniente dotação á primeira, e á mais importante das nossas linhas internacionaes.

A não ser n'estas condições e para este fim, reprovo a alienação de qualquer caminho do ferro do estado; assim como declaro que não entendo os argumentos que o sr. ministro das obras publicas aqui nos trouxe, para propôr a alienação das linhas de sul e de sueste, e a sua não continuação por conta do estado; quando, em perfeita identidade de circumstancias, nos propõe agora a continuação da construcção por conta do estado das linhas do Minho e Douro, cuja alienação o relatorio da proposta de lei de s. ex.ª nem sequer suppõe possivel, o que, se se realisar algum dia, parecerá decerto ao nobre ministro uma profanação.

A verdade, relativamente ao caminho de ferro da Beira Baixa, é que não ha vontade de o fazer. Faz-se o caminho do ferro da Beira Alta, porque vae entroncar com a linha de leste, e enriquecel-a; fazem-se os caminhos de ferro do Minho o Douro, porque vão entroncando com a linha do

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norte na estação do Porto, alimentar tambem aquella linha; fazem-se caminhos de ferro do sul e sueste, porque com elles lucra tambem a linha de leste: não se faz o caminho de ferro da Beira Baixa, porque mata a linha de leste, de Abrantes para cima; e porque, por conseguinte, o quarto poder d'este paiz, a altíssima e poderosíssima companhia dos caminhos de ferro de norte e leste, o prohibe.

Passo á apreciação do emprestimo.

Confesso a v. ex.ª, sr. presidente, e á camara, que fiquei surprehendido de que o governo nos viesse fazer este pedido em taes condições, quer dizer, completamente desacompanhado de todas as bases em que o deviam fundamentar. (Apoiados.)

No relatorio que precede a proposta de lei, diz-se apenas, segundo me parece, que é necessario mais dinheiro, muito mais dinheiro, 1:700 contos mais (conta redonda), e isto porque assim o affirmam as pessoas encarregadas de dirigir esses trabalhos; mas não se apresentam as provas que demonstram essa necessidade.

Até aqui tinhamos a confiança politica, isto é, a confiança das maiorias nos governos. Nada mais natural. Um governo, por exemplo, pedia á maioria que o apoiava que lhe manifestasse a sua confiança, votando-lhe uma auctorisação politica n'um certo sentido, e a maioria que tinha confiança no governo dava-lhe essa auctorisação. Agora temos tambem a confiança o as auctorisações scientificas, e não só ao sr. ministro, como aos empregados do seu ministerio.

Pela minha parte declaro que tenho toda a confiança scientifica no illustre ministro das obras publica, mas arvorar-se este facto em principio e em systema de governação, parece-me que é ir demasiadamente longe. (Apoiados.)

Votar uma auctorisação na importancia de 1:700 contos, simplesmente porque um engenheiro, embora distinctissimo, diz que é necessaria essa quantia, é realmente rebaixar muito o systema parlamentar. (Apoiados.)

Lembro-me de ter lido n'um livro ha algum tempo, que no parlamento dinamarquez se discutiu durante muitas sessões uma verba de 10 contos com destino á compra de barretinas. Isto era dado como uma prova do interesse e da seriedade com que aquelle parlamento trata os interesses do seu paiz.

Nós, porém, fazemos o contrario. Quando se trata, não do dezenas, mas de milhares de contos, passámos por isso como cão por vinha vindimada, segundo vulgarmente se costuma dizer. (Riso — Apoiados.) Votámos com a maior facilidade uma somma tão importante como esta. (Apoiados.)

Parece-me porém que, se ha occasião em que este voto illimitado se não deva conceder, é de certo a actual. (Apoiados.)

O projecto, que se discute, colloca o sr. ministro das obras publicas, até certo ponto, n'uma situação pouco favoravel.

O sr. Barros e Cunha, quando ministro, fez-nos o anno passado o pedido de 3.271:000$000 réis, para a continuação e acabamento das obras dos caminhos de ferro do Minho e Douro, e note-se que não era o sr. Barros e Cunha, já guerreado e combatido, mas o sr. Barros e Cunha ainda identificado com o partido regenerador, e apoiado pelo sr. Lourenço de Carvalho, actual ministro das obras publicas, que concordou, como membro da respectiva commissão, que aquella somma era a sufficiente para o acabamento dos caminhos.

As condições de construcção, os salarios dos obreiros, os preços das expropriações, não soffreram alteração do anno passado para cá: como se pedem pois ao parlamento mais 1.700:000$000 réis, alem da somma que as pessoas competentes, incluindo o sr. Lourenço de Carvalho, entenderam, depois de maduro exame, que era muito bastante para a conclusão d'aquellas vias ferreas?

Estou convencido que o sr. ministro das obras publicas ha de dar explicações cabaes á camara, para ella votar com conhecimento de causa.

Mas não as deu ainda, e temos o direito e o dever de lh'as pedir.

Declaro a v. ex.ª, sr. presidente, que n'este ponto não levanto nenhuma questão politica. Desde o momento, em que me convençam de que as verbas pedidas são reclamadas para interesse do paiz, eu terei tanta facilidade em votar este projecto de lei, como teria em o votar a um governo que eu politicamente apoiasse.

Tenho dito.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Eu acredito na declaração que acaba de fazer o illustre deputado que acaba de fallar, dizendo que não considera este projecto como questão de confiança politica.

Estimo muito ouvir essa declaração, com quanto me pareça que ella briga um pouco com o resto do seu discurso, mas em fim ainda que assim seja eu não quero senão declarar tambem a s. ex.ª que não vejo n'esta questão uma questão politica.

Eu não sou aqui o funccionario technico, o engenheiro que durante um certo tempo dirigiu os caminhos de ferro do Minho e Douro, sou o ministro das obras publicas que vem pedir ao parlamento a quantia que julga necessaria para se concluírem aquellas linhas ferreas.

N'este empenho, n'esta obrigação, procurei, como sempre tenho procurado, na minha modesta vida parlamentar, documentar o esclarecer o assumpto sobre que tinha do dar o meu voto deliberativo ou meramente consultivo com tudo quanto estava na minha mão para tornar clara a questão.

Entendo que isto é uma obrigação de todos os homens publicos, que é uma obrigação impreterivel o um dever indeclinavel do todos os governos, por isso fiz quanto em mim cabia, fiz todos os esforços, para cumprir este dever.

Lamento que o illustre deputado, o sr. Sousa Lobo, viesse censurar o governo por ter apresentado os esclarecimentos que apresentou, isto é, todos os que tinha em seu poder, e por não apresentar aquillo que não era dado a homem nenhum apresentar, porque era nada mais o nada menos do que a revelação de um futuro que nos é completamente desconhecido.

S. ex.ª queria que eu apresentasse aquillo que só para o anno proximo o governo, qualquer que elle seja, póde apresentar á camara.

Como queria s. ex.ª que eu desse contas do que ainda é desconhecido, que eu fizesse um relatorio d'aquillo que ainda está por terminar? Era inteiramente impossivel. (Apoiados.)

N'esta conjunctura fiz juntar a esta proposta de lei todos os esclarecimentos que podia ministrar a esta assembléa, para ella estar habilitada a julgar, fóra de toda a apreciação politica, a questão dos caminhos de ferro ao norte do Douro.

Por isso acompanhei esta proposta de lei de um relatorio do qual eu quero acceitar a classificação que s. ex.ª fez, quando disse que elle era um complexo de generalidades, um nariz de cera.

Declaro a v. ex.ª que, se podesse escolher a materia para qualquer nariz sujeito aos raios de eloquencia do illustre deputado, tanto se me daria que fosse a cera como o aço, porque não creio que se considerasse infusivel diante de uma elevada temperatura. Eu não trago narizes de cera, aprecio os factos como são e presumo aquelles que não são conhecidos pelas indicações dos conhecidos.

O custo kilometrico dos caminhos de ferro do Minho e Douro, se estes caminhos se completarem com a somma declarada, será do 48:000$000 réis para as duas linhas. E compraso-me de ver que este algarismo é muito inferior

Sessão de 3 de abril de 1878

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áquelle que alguns jornaes politicos apaixonados não tiveram receio de affirmar da maneira mais solemne que custariam. Os caminhos de ferro do Minho e Douro por muito tempo passaram a custar 67:000$000 réis, 72:000$000 réis, e não sei quanto mais por kilometro.

E este o computo exacto, a definição mathematica, arithmetica, da cifra que custa? Não, mas é a approximação, tanto quanto póde ser fundada, categorica, do custo d'este mesmo caminho.

E note v. ex.ª que esta questão está apresentada com a maior clareza e sem subterfúgio. Eu não procurei diminuir a verba gasta com o pessoal technico dos dois caminhos o que é muito inferior ás asserções da imprensa politica; e acrescentarei que é tão inferior a cifra, que é para estranhar não só em Portugal, onde o pessoal é mal remunerado, mas muito mais nos outros paizes, onde é remunerado mais largamente.

Mas onde estão aqui as generosidades? Se s. ex.ª ao menos m'o indicasse!

Ainda ha pouco s. ex.ª se soccorreu á minha informação para eu lhe mostrar onde o engenheiro indicava certo facto que convinha á sua argumentação. Não posso ir tão longe. Quando apresento documentos á camara, espero merecer-Ihe, não por mim, mas pelo interesse do assumpto, a leitura d'esses documentos.

Como s. ex.ª não conhece 0 relatorio publicado pelo actual director dos caminhos de ferro do Minho e Douro, ao qual vem annexos os mappas da despeza feita o da despeza calculada, eu peço licença para o ler.

O sr. Sousa Lobo: — Leia.

O orador leu o seguinte:

«A despeza real vae pois alem do todas as previsões, e forçoso é confessar que assim devia acontecer. As grandes e repetidas obras do arte, que ha nos dois caminhos de ferro, e principalmente no do Douro, não permittiam que um orçamento tão limitado satisfizesse a todas as despezas da construcção. Esta é de certo a primeira e principal causa para que a despeza real exceda muito a despeza dos primitivos orçamentos.

«No caminho do ferro do Douro ha dez tunneis, todos revestidos, com a extensão de 4:231 metros, doze viaductos e grandes pontes com a extensão do 1:923 metros, e altura desde 12 até 56 metros, dezoito estações, o os muros de supporte são quasi sem interrupção, desde que o caminho entra no valle do Douro.

«No caminho de ferro do Minho ha seis tunneis com a extensão do 2:152 metros, um viaducto com a extensão do 180 metros, onze grandes pontes com a extensão de 1:325 metros, vinte o tres estações.

«Dentro do poucos dias apresentarei dados mais precisos sobre estas grandes obras do arte, para bom se poder apreciar a questão fundamental da despeza real dos dois caminhos de ferro, comparada com a dos orçamentos. A segunda causa da elevação do preço kilometrico foi a elevação dos salarios, consequencia inevitavel de uma grande obra emprehendida n'um pequeno paiz.

«A terceira foi o elevado custo das expropriações, muito mais sensivel na linha do Minho.

«A quarta foi o elevado custo do material de tracção e circulante, e do material de via permanente na occasião em que se contratou.

«A quinta causa tem sido o elevado custo do transportes, muito mais sensivel na linha do Douro.

«A sexta causa é devida á perfeição com que as duas linhas estão executadas. Das grandes obras de arte parece-me que nenhuma deixa no espirito á os engenheiros que as executam, e do quem as examina, a mais pequena duvida sobre a sua estabilidade, não só pelo que diz respeito a fundações, como á natureza dos materiaes empregados. E quanto á sua execução ahi estão as obras todas, tanto as construidas como as que estão em construcção, attestando o apuro e o esmero com que foram delineadas e acabadas.

«A sétima causa provém de se não ter emprehendido por conta do estado, antes d'esta grande obra, outra analoga, e portanto ter sido indispensavel comprar um immenso material de construcção que vale centos de contos de réis, e que, applicado a outra grande linha, representará para esta uma grande economia.

«Outras causas, ainda que de menor importancia concorreram de certo para elevar um pouco o preço kilometrico. Sendo estes dois caminhos de ferro construidos em paiz muito povoado e cultivado, só na occasião da construcção se podia avaliar a grande quantidade de pequenas obras que havia a fazer além das do projecto. Não ha só os aqueductos para passagem dos pequenos cursos de agua, ha alem d'isso uma infinidade de canos e syphões para as aguas de rega, obras que os proprietarios exigem na occasião da construcção, o que uma grande parte d'ellas não tinha sido incluida nos projectos. Alem d'isto ha uma grande quantidade de passagens superiores e de nivel, avenidas para todas as estações o muitas servidões para as propriedades.

«Tenho visto em alguns caminhos de ferro trabalhos imperfeitos e mal estudados e o seu custo final ser muito elevado por causa das obras que, por mal projectadas e mal executadas, tiveram de ser reconstruídas.

«Nos caminhos de ferro do Minho e Douro, se póde ser censurada a demasiada perfeição de mão de obra e de paramentos, é certo que esta circumstancia tem concorrido para que nem uma unica obra tenha sido reconstruída por desastre proveniente de má execução.

«Se em logar de estarem em activa construcção 81 kilometros no caminho do forro do Douro e 79 kilometros no caminho de ferro do Minho, houvesse apenas a construir uma pequena secção em cada uma das linhas, facil seria observar e fazer cumprir os antigos regulamentos em vigor para as estradas ordinarias, obrigando então os trabalhadores e fornecedores de materiaes a submetterem-se aos preços das localidades; mas quando ha perto de 200 kilometros em construcção, e quando se fazem todos os esforços possiveis para a sua rapida execução, é impossivel subordinar um trabalho d'esta ordem a regulamentos que foram feitos para fins muito diversos. O grande desenvolvimento do trabalho traz a grande necessidade de operarios e portanto a elevação do preço dos salarios.

«Conviria mais ao estado fazer a obra pouco a pouco, para obter mais barato? Seria um gravissimo erro. Se os resultados fossem de pequena importancia, seria licito sustentar similhanto idéa, mas quando são tão extrardinarios, não seria simplesmente um erro, seria um crime.»

(O orador continuando.)

Este relatorio é feito pelo engenheiro, actual director das obras dos caminhos de ferro do Minho e Douro, o sr. Boaventura José Vieira, a 30 de novembro de 1877. É um documento que me parece acima de toda a suspeição, pela capacidade e pelo merecimento d'este engenheiro, (Apoiados.) e sobretudo pela occasião em que este trabalho foi apresentado.

Não deve a camara admirar-se do que eu no principio da sessão legislativa, como deputado, solicitasse este o outros documentos, sabendo que sobre esta questão se baseia a maiar responsabilidade. Não desejo nunca subtrahir-me á responsabilidade dos meus actos.

Pedi a attenção da camara para a leitura de um periodo especial, e não posso, n'esta occasião nem paraphraseál-o nem commental-o; entendo, porém, que elle responde cabalmente a uma celebre portaria expedida pelo ministerio das obras publicas, na qual se achava consignada a mais lamentavel theoria economica e de administração, (Muitos apoiados.) que ha muito tempo foi publicada em qualquer sociedade que se presa de ser civilisada.

Não direi mais sobre isto. Mas póde o governo ser censurado por falta de esclarecimentos, quando juntou estas pe-

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ças a tão importantes   proposta de lei e desenvolveu o relatorio que a precede

Não sei que arguição possa merecer o governo, que, para assim dizer, sem obrigação de o fazer, veiu fundamentar a sua opinião com todos os elementos de estatistica e calcular pelo processo de indicações, sensatas o rendimento dos dois caminhos de ferro do Minho o Douro. Não sei que se possa exigir mais. Talvez o governo não devesse fazer tanto.

Eu digo sinceramente qual a conta em que tenho aquellas duas linhas.

Ninguém ignora que de ha muito tempo prophetisei para aquellas duas linhas uma exploração immensamente vantajosa.

Todos sabem que, com relação aos caminhos de ferro do Douro o Minho, eu professo as idéas do mais brilhante futuro e da prosperidade mais avultada, talvez, do todos os caminhos de ferro portuguezes.

Queria s. ex.ª passando agora, para outro ponto, que o governo alienasse estas linhas, para com o producto da venda construir a linha da Beira Baixa?

Parece-me que é inutil formular resposta.

Quando nós temos duas linhas apenas entregues á, exploração, e dois diminutos troços nas condições as mais promettedoras de excellentes resultados, e quando dentro do alguns mezes devem estar concluidas, póde e deve aconselhar-se uma tal medida como expediente financeiro.

Confesso que me maravilha ouvir taes proposições, ainda mesmo quando as corrija com a attenuante do enthusiasmo decidido, sem limites, que o illustre deputado professa pela linha da Beira Baixa.

Não era necessario recorrer a asserções d´essa natureza, e inculcar expedientes que só podiam ser adoptados em verdadeiro detrimento do interesso publico.

Queria talvez s. ex.ª inculcar as idéas do governo, já confirmadas pelo voto das duas casas do parlamento, a respeito das linhas do sul o sueste, com uma pretendida incoherencia e contradicção, quando o governo se apresenta, hoje a pedir 1.700:000$000 réis para concluir as linhas do Minho e Douro. Não ha contradicção. e quando a houvera, é necessario que nos convençamos que em administração não ha principios absolutos e invariáveis, que se appliquem geometricamente;, ha uma immensidado de circnmstaueias de toda a ordem, circumstancias de tempo, circumstancias de logar, circumstancias finalmente que não é possivel mesmo nem sequer indicar summariamente, ás quaes todos os poderes publicos têem obrigação de subordinar as suas resoluções.

Mas colloquemos a questão no campo onde devo ser collocada, que é exactamente economico, mas não politico. E digamos a verdade...

O sr. Sousa Lobo: — A questão em si, não; mas do modo como a estão tratando...

O Orador: — -É simplesmente de administração, e não preciso que s. ex.ª tenha, confiança; entretanto, agradeço muito que. s. ex.ª a tenha na minha competencia technica e scientifica, como teve a bondade de dizer, por entender que tenho direito a merecer um voto de, confiança n'uma medida d'esta natureza.

Ainda que esta medida exige sacrificios, não significa senão encargos momentâneos; e até certo praso do tempo terá, em primeiro logar, compensado esses encargos com larguissimo augmento de receita publica; e em segundo logar, e esse argumento é na minha opinião ainda mais para attender, augmentará os interesses economicos das provincias interessadas.

Portanto, o illustre deputado póde recusar o seu voto a esta medida, e entendo que devo collocar a questão fóra do terreno politico. Já digo que. por sentimento proprio, poderia collocal-a n'este terreno, mas não venho aqui de maneira, nenhuma tomar desforra de nenhuma desconsideração, ou não sei como lhe chame... de nenhuma vingança praticada contra mim, quando desempenhei funcções meramente administrativas.

Espero que, concluidas aquellas linhas e conhecidas bem do publico as circumstancias e condições em que ellas foram construidas e administradas, ha de fazer justiça e ha-de sobretudo convencer-se de que, se houve qualquer erro por parto dos engenheiros que dirigiram ou executaram áquella obra, esse erro só podia vir da sua intelligencia e nunca da sua probidade. (Muitos apoiados.)

Mas sem estar a reproduzir algarismos que já por outras vezes tenho apresentado á camara, compare o parlamento o custo kilometrico d'este caminho, nas condições especialissimas em que elle se encontra, de difficuldades, não digo só em relação ao nosso paiz, mas em relação á peninsula, e mesmo em relação ao geral dos caminhos de ferro europeos, compare, digo, sobretudo o caminho do ferro do Douro, e verá que a media de todos os caminhos de ferro de todo qualquer paiz excede consideravelmente a cifra que não se dá em resultado a companhia.

Não sei se deixo de responder a alguns pontos que s. ex.ª tocasse, e de que eu por lapso não tivesse tomado nota, mas em tal caso peço ao nobre deputado que tenha a bondade de o dizer e eu responderei.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Sousa Lobo: — Surprehendeu-me um pouco que o sr. ministro das obras publicas, no seu excellente discurso, dissesse, entre outras cousas, que eu pedia que no seu relatorio nos viesse fallar sobre cousas que ainda estão por terminar; eu pedi-lhe unicamente que me falhasse sobre cousas perfeitamente terminadas, é, que são indicadas n'esse relatorio, embora não sejam desenvolvidas. Diz o relatorio.

(Lea.)

Ora, que o sr. ministro nos não possa desde já fazer um relatorio technico completo, com relação ás linhas ainda a construir, é claro e evidente; mas que s. ex.ª, sustentando sobre a administração geral dos caminhos em discussão (ao que parece) theoria opposta á do sr. Barros e Cunha o do gabinete residido pelo sr. duque d'Avila, que, constantemente neste ponto atacou, não venha agora, -que é occasião opportuna, fazer a explicação das doutrinas que prefere, é o que não posso comprehender.

Não comprehendo que s. ex.ª, tão prompto a fazer a luz. sobre este assumpto quando era opposição, não esteja prompto igualmente a fazel-a quando é ministro.

Para este ponto é que chamava a attenção de s. ex.ª, e era a este respeito que desejava que o seu relatorio fosse mais explicito, e que esta materia se debatesse largamente n'esta camara, para entrarem n'esse debate todos os deputados que têem estudado a fundo esta questão.

Vejo que este meu desejo, aliás rasoavel, não será satisfeito..

Diz s. ex.ª que não vem aqui tirar desforra com relação a, injustiças. Permitta-me s. ex.ª que não estando aqui o ex-ministro das obras publicas que apoiei, levante esta palavra injustiça, porque não me consta que a s. ex.ª se fizesse injustiça alguma, nem grande nem pequena, nunca ninguem o desconsiderou nem injuriou. (Apoiados.)

Desde que havia duas direcções separadas, e que foram fundidas n'uma só pelo sr. Barros e Cunha; era de prever que um dos engenheiros directores se havia de rei irar. Qual devia ser?! O sr. Matos ou o sr. Lourenco de Carvalho? Havia de ser um d'elles.

Foi o sr. Lourenço de Carvalho, transferido para a direcção de outra linha de igual categoria. Aonde esta aqui a desconsideração, aonde está o aggravo?

Portanto nem s. ex.ª tem que tirar desforras, nem ninguem lhe fez injustiças. (Apoiados.)

O que s. ex.ª podia aqui apenas fazer, era atacar um systema de administração que julgava mau; e agora, que -se lhe offerece occasião opportuna para se discutir esse ponto, s. ex.ª não quer a discussão d'elle.

Sessão de 8 de abril de 1S78

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Quanto ao relatorio do sr. Boaventura, de que o illustre ministro nos leu alguns trechos, e que declarou não ser conhecido por mim; respondo a s. ex.ª que o conheço perfeitamente. Não foi, porém, a esse relatorio, relatorio extensíssimo e que nem todos os deputados estão habilitados para apreciar, relatorio baseado em considerações altamente technicas que não estão ao alcance de cada um, que eu me referi.

São pouquissimos os que estão no caso de estudarem esse documento, e a missão do governo era, consubstanciando-o e resumindo-o em termos claros e terminantes, apresentar aqui, no relatorio que acompanha esta proposta de lei, a questão de uma maneira que facilitasse a sua apreciação. (Apoiados.)

Ora, isso, que eu considero indispensavel para o esclarecimento d'esta discussão parlamentar, é exactamente o que falta ao relatorio que precede a proposta de lei do sr. Lourenço de Carvalho; e é d'essa falta que eu me queixei e me queixo.

Diz o sr. Lourenço de Carvalho que o relatorio, que vem junto á proposta de lei, explica a rasâo. do seu pedido? Não é exacto, não tem a menor explicação.

No anno passado justificou-se o pedido de dinheiro com considerações positivas que toda a camara póde apreciar, mas este anno não se faz isso.

A minha pergunta categorica é a seguinte: «Estando no anno passado estudada esta materia, e dando esse estudo em resultado a necessidade de nm certo e determinado pedido de dinheiro para concluir as obras dos caminhos de ferro do Minho o Douro, qual a rasão por que este anno se vae alem d'esse pedido na quantia de 1:700 contos de réis?»

De tudo isto era necessario que se tratasse nas considerações, não de um relatorio completamente scientifico, mas de um relatorio que estivesse mais ao alcance da camara toda, mais ao alcance dos que, não se achando nas condições de estudarem tão technicamente o assumpto, podem comtudo comprehendel-o exposto em mais faceis condições.

E isto o que não se fez.

Disse mais o sr. Lourenço de Carvalho que é para estranhar que eu me lembrasse da alienação dos caminhos de ferro do Minho o Douro.

Porquê? Pois então a alienação dos caminhos de ferro do sul e sueste não está nas mesmas circumstancias? (Apoiados.) Se s. ex. estranha que eu me lembrasse da alienação dos caminhos de ferro do Minho e Douro, estranhe tambem a sua propria obra, estranhe a proposta de lei para a alienação das linhas do sul e sueste, que trouxe a esta camara e que a sua maioria lhe votou. (Apoiados.)

Dito isto, parece-me que tenho respondido ás principaes observações do sr. ministro das obras publicas.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Pinheiro Osorio (por parte da commissão de legislação penal): — Mando para, a mesa um parecer da commissão de legislação penal, o qual peço a v. ex.ª que mande imprimir com urgencia.

O sr. Luciano de Castro: — Pedi a palavra apenas para dizer em resumidos termos os motivos do meu voto.

Eu entendo que a camara não póde deixar de approvar este projecto, porque a construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro não póde nem deve interromper-se.

Seria um grande prejuizo para o estado e para o publico, se aquelles caminhos deixassem de chegar á sua conclusão

Mas sinto que o governo continue no systema que até agora tem adoptado de não crear os rendimentos precisos para pagar os encargos dos emprestimos que se votam.

Lamento, e mais uma vez deploro, que s. ex.ªs não se convençam de que é preciso pôr termo a este systema que tão pernicioso e funesto será para o paiz, (Apoiados.) assim como lamento e deploro que s. ex.ªs deixem encerrar a actual sessão sem chamarem a attenção do parlamento para este assumpto e proporem as providencias que julgassem indispensaveis para crear receita a fim de fazer face aos encargos pesadíssimos que se estão creando. (Apoiados.)

N'isto fariam muito melhor serviço ao paiz do que o que lhes estão fazendo. (Apoiados.)

Não se illudam com o credito. A camara, votando emprestimos, vota igualmente o imposto. É necessario que os srs. ministros se não illudam, nem procurem illudir o paiz.

Todas as vezes que a camara vota um emprestimo, sem ter meios para o pagar, vota o appello ao contribuinte. (Apoiados.)

Têem sido grande os encargos que a camara tem approvado, e insignificantes ou quasi nullos os meios para lhes occorrer. (Apoiados.) Continuando n'este caminho, não póde vir longe a ruina que nos espera.

Ouvi fallar o sr ministro das obras publicas na construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro e no seu custo kilometrico.

Não serei eu quem se levante para defender n'este particular a s. ex.ª. Não estou habilitado para apreciar as condições da construcção d'aquelles caminhos de ferro. Deixo essa tarefa aos homens technicos. Deixo-a ao sr. ministro das obras publicas, que é muito compretente, e ao sr. Boaventura José Vieira, que é um funccionario muito versado n'estes assumptos e muito illustrado. (Apoiados.) Ponho pois de lado a questão das condições technicas de construções boas ou más dos caminhos de ferro do Minho e Douro. Mas o que não posso deixar de lastimar, é que aquella construcção, cujo custo foi no respectivo orçamento calculado em 30:000$000 réis por kilometro, quaesquer que fossem as circumstancias que se deram para elevar aos termos a que foi elevada, a sua despeza, custasse extraordinariamente mais do que o que fóra orçado.

Nós votamos aqui a, construcção d'aquelles caminhos na idéa de que cada, kilometro custaria 30:000$000 réis, e a, despeza subiu, termo medio, a perto de 50:000$000 réis.

Este desvio entre as despezas orçadas e as despezas realisadas não acredita muito as previsões dos engenheiros, que, respeito, mas que são sempre desmentidas pelos factos. Por onde se vê, que pouca ou nenhuma confiança poderemos ter nos seus orçamentos.

O que é inquestionavel, é que a camara auctorisou a construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro, e para esse fim a despeza de 30:000$000 réis por kilometro, e que o certo foi, termo medio, de 50:000$000 réis por kilometro.

Isto é deploravel.

Lamentando porém a differença que ha entre os orçamentos e o preço por que nos ficou a construcção d'aquelles. caminhos de ferro, não me atrevo comtudo a dizer que elles não constituem, como inquestionavel constituem um vantajosíssimo melhoramento para o paiz.

Agora, sr. presidente, tendo alludido o sr. ministro das obras publicas á administração do seu antecessor, e aos actos que este praticou em relação aos caminhos de ferro do Minho e Douro, direi que o sr. Barros e Cunha tem assento n'esta camara, tem uma voz muito auctorisada aqui, e não me deu procuração nem auctorisação para o defender n'este momento. Nem eu me levanto com intenção de advogar a sua causa, porque s. ex.ª na primeira occasião, que se lhe proporcione, levantará de certo as asserções do sr. ministro das obras publicas, e responderá como julgar conveniente; mas levanto-me unicamente para fazer justiça a quem a merece, para fazer justiça aos actos da administração anterior que eu tive a honra de apoiar, e que o partido regenerador apoiou tambem até certo tempo. (Apoiados.)

Os actos d'aquella administração foram por tal maneira aplaudidos pelo paiz inteiro, que o sr. ministro actual das obras publicas não teve ainda animo de os annullar. (Apoiados.)

O primeiro acto praticado pelo sr. Barros e Cunha, e

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posso dizer que com summo bom senso e geral aprazimento da opinião publica, foi a reunião da direcção dos dois caminhos de ferro em uma só.

E qual foi o crime do sr. Barros e Cunha n'este particular? Quem tinha dado o exemplo d'esta aggregação? Foi o sr. Lourenço de Carvalho, que, tendo ascendido ao ministerio, pelos seus merecidos creditos, e pelos seus dotes e qualidades que todos admiramos, tinha provisoriamente unido as duas direcções n'uma só, entregando-as ao distinto engenheiro o sr. Matos. (Apoiados.)

Pois, se o sr. Lourenço de Carvalho praticou este acto quando subiu ao ministerio...

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Peço licença para interromper o illustre deputado só para uma pequena rectificação.

Eu só reassumi a direcção d'aquelle caminho de ferro a repetidas instancias do sr. ministro das obras publicas de então, em seu nome, e em nome do governo. Não a sollicitei; não fui para lá senão muito instado pelo sr. ministro das obras publicas, que cedeu ás reiteradas instancias de um elevado personagem.

O Orador: — O ministro que fez essas rogativas a s. ex.ª fez muito bem; mas não era a esse facto que eu alludia. S. ex.ª equivocou se, o parece-me que se precipitou um pouco. Eu alludi ao facto praticado por s. ex.ª, quando entrou no ministerio pela primeira vez, em reunir as duas direcções em uma só.

Parece-me que é de s. ex.ª, ou do ministerio de que s. ex.ª fez parte, a nomeação do sr. Mattos para as duas direcções, reunindo-as ambas em uma só. Não alludi ao facto de ter s. ex.ª reassumido a direcção do caminho de ferro do Douro. Nem lamento a resolução do sr. Barros e Cunha, nem as instancias d'esse personagem elevado a que s. ex.ª alludiu e que não tenho a honra de conhecer, que tantas vezes instou com o sr. Barros e Cunha para que s. ex.ª fosse dirigir aquelle caminho.

O sr. Barros e Cunha fez n'isso um bom serviço, e eu congratulo-mo com elle por annuir ás reiteradas instancias d'aquelle elevado personagem, que se não discute n'esta casa e não sei quem é; mas não era a isso que eu alludia.

Digo pois: se o sr. Lourenço de Carvalho, quando assumiu a direcção dos negocios publicos, sendo chamado ao cargo importante que está hoje confiado á sua elevada intelligencia e apurado zêlo, não teve duvida em ordenar, posto que provisoriamente, a união das duas direcções, como é que podia ser motivo de reparo que o sr. Barros e Cunha, succedendo no ministerio ao sr. Lourenço de Carvalho, praticasse aquelle mesmo delicto?

O sr. Barros e Cunha fez um bom serviço. Uniu as duas direcções n'uma só, e encarregou um distinctissimo engenheiro de desempenhar aquelle cargo. Por este facto não merecia de certo o sr. Barros e Cunha ser censurado.

Se a união das duas direcções não era um serviço conveniente, uma reforma de manifesta utilidade publica, qual é a rasão por que o sr. Lourenço de Carvalho, que está no ministerio ha dois mezes, não emendou o mal praticado pelo seu antecessor, desannexando as duas direcções?

Já se vê que o sr. Lourenço de Carvalho convenceu-se de que o sr. Barros e Cunha poz em pratica uma providencia de utilidade publica, reunindo as duas direcções. Por tanto, não deve s. ex.ª estranhar que eu invoque o seu proprio testemunho e até o seu procedimento para tirar argumento a favor dos actos praticados pelo seu illustre antecessor.

Outras providencias adoptou ainda o sr. Barros e Cunha com relação aos caminhos de ferro do Minho e Douro.

S. ex.ª fez uma reforma no pessoal. Alterou o numero e vencimentos dos empregados. Consta de uma portaria que está publicada no Diario do governo. O sr. Lourenço de Carvalho já alterou a portaria do sr. Barros e Cunha? Não me consta.

Creio que a reforma que o sr. Barros e Cunha fez em quanto ao pessoal do serviço das duas linhas ferroas do Minho e Douro está em execução, e o sr. Lourenço de Carvalho conserva-o tal e qual. Penso, pois, que s. ex.ª não póde censurar o procedimento do seu antecessor.

O sr. ministro das obras publicas o que censura, ou pareceu querer censurar, foi uma portaria em que o sr. Barros e Cunha parecia censurar o modo por que se faziam as obras do caminho de ferro do Douro, começando-se ao mesmo tempo em pontos extremos, e por tal modo distantes, que se tornava a construcção mais difficil e mais cara.

O sr. Barros e Cunha tinha rasão, a meu ver. Não sou engenheiro, mas acho essa providencia rasoavel. Parece-me que era melhor não começar a construcção de uma estrada ou de um caminho de ferro n'uns poucos do pontos ao mesmo tempo. (Apoiados.)

Construir por secções ou lanços, e dispor a construcção por maneira que uns fossem facilitando os transportes de materiaes para os outros, affigura-se-me o melhor e mais economico expediente. E isso era o que recommendava, áquella portaria.

Repito, não sou engenheiro. E questão de opinião. Respeito muito a sciencia do sr. Lourenço de Carvalho o não respeito menos a de homens tão competentes e illustrados como o sr. Boaventura José Vieira. (Apoiados.) Mas esta é a minha opinião obscura e humilde.

Diz-me o bom senso que é melhor, mais barato e mais facil começar uma estrada, e ir successivamente construindo os seus differentes lanços, ou secções, do que emprehender a construcção simultanea em diversos e afastados pontos, tornando-se por isso muito mais custosa a conducção de materiaes.

A sciencia diz, porém, o contrario!

Respeito-a e passo adiante.

O fim principal para que pedi a palavra foi para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, ou antes para pedir explicações claras e precisas a respeito da estação do caminho do ferro do Porto.

Tenho lido em varios jornaes e visto demonstrar por differentes auctores, que a estação do caminho de ferro do Porto custára ao paiz uma somma muito superior áquella em que foi orçada.

Dizem que se fizera primitivamente um projecto de estação, e que por esse projecto a construcção não ascendia alem de 240 coutos, se me não engano. O sr. ministro rectificará o meu erro, se a minha memoria n'este ponto me for infiel.

Dizem que se tinha accordado e ajustado, entre a companhia e o governo, fazerem de commum accordo a estação e repartirem depois por metade a despeza entre si.

Parece que durante algum tempo se levou á pratica este accordo em boa paz, mas que depois houve desaccordo entre os engenheiros da companhia e os do governo, e que levada a questão á superior decisão do sr. ministro das obras publicas, que então ora o sr. Avelino, resolveu o governo tomar por sua conta a construcção da estação e determinou que a companhia se desligasse de toda a intervenção n'essa construcção, deixando para depois da conclusão o ajuste de contas sobre a despeza da mesma construcção.

Isto é o que consta; póde ser que não seja verdade e por isso peço explicações.

Parece que depois do governo ter tomado por sua conta a construcção da estação, tão desmedidas foram as despezas, que tendo sido a estação orçada em 240:000$00O réis, se me não engano, as despezas de construcção sobem a mais de 600:000$000 réis.

(Interrupção do sr. ministro das obras publicas que se não percebeu.)

O Orador: — Mas creio que d'esses documentos consta que a estação, incluídas as despezas feitas, e as que ha a fazer, custa mais de 600:000$000 réis.

Segundo o accordo feito entre o governo e a companhia,

Sessão de 3 de março de 1878

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ha de o governo pagar metade e a companhia outra metade.

D'aqui resulta que o governo, que originariamente, isto é, segundo o projecto definitivo, teria de pagar 120:000$000 réis, terá agora de pagar mais de 800:001$000 réis.

Ora isto é despeza que não foi comprehendida no orçamento e persuado-me que o governo, ao pedir á camara auctorisação para novas despezas na construcção da linha térrea do Douro e Minho, tem obrigação de dar explicações categoricas a respeito da construcção da estação do caminho de ferro do Porto, que póde a muitos affigurar-se um •enorme desperdicio. (Apoiados.)

Quem fez o orçamento, segundo me consta, foi o sr. engenheiro Pedro Ignacio Lopes, cuja capacidade é notoria, cuja competencia n'esles assumptos é attestada por toda a gente; e é tão incontestavel a sua competencia n'estas maiorias, que, tendo aquelle engenheiro feito igualmente o orçamento da 5.ª secção da linha do norte, esta construcção, incluindo a ponte do Douro, não excedeu a despeza que estava orçada.

Este engenheiro que é tão seguro em materia de orçamentos foi o que fez o orçamento da estacão do caminho do ferro do norte; e apesar d'isso, tendo elle orçado em réis 240:0003000 a despeza da construcção, approxima-se esta de 600:000$000 réis, e para a sua conclusão é necessario jgastar ainda mais.

Aqui ha uma differença tão grande «imo aquella que vae de 240:000$000 réis para, mais de 600:000$000 réis. Forque se fez isto? Porque rompeu o governo o accordo com a companhia.

Pois, se a companhia linha tomado sobre si o encargo de fazer a construcção, obrigando-se o governo a dar metade via despeza, se essa despeza, tinha de ser só de 1 20:000$000 réis, na hypothese do ser feita a construcção dentro do orçamento, como é que o governo prescindiu das vantagens «qne lhe dava aquelle accordo e assumiu a responsabilidade da construcção, mandando ordem á companhia para Fe desliga de toda a intervenção na mesma construcção V Que rasâo obrigou o governo a, proceder d'este modo?

É possivel que esteja, enganado; não tenho outras informações do que os documentos que foram hontem apresentados á camara, a respeito dos caminhos de ferro do Douro e Minho, e não tive occasião de os ler todos. Mas v. ex.ª sabe a multiplicidade de assumptos que todos os dias se ¦discute nVsla camara, que mal ha tempo do se lerem os pareceres; portanto, facilmente poderá comprehender o sr. ministro, que, se por acaso commetter algum lapso, ou for errada a apreciação que. estou fazendo, é porque não tive tempo de ler todos os documentos.

Por esta occasião permitia-me v. ex.ª que eu lamento que estes assumptos sejam discutidos no meio da agitação e da indifferença da camara; (Apoiados.) permitta me V. ex.ª que eu lastime que, quando se tratam assumptos tão graves, como são estes, de empenhar o futuro do paiz, de augmentar os encargos publicos sem cuidar dos meios de prover ao seu custeamento, que os eleitos do paiz, aquel-jes que se dizem os seus genuínos representantes, os procuradores dos seus interesses, se deslembrem da responsabilidade do seu mandato, a ponto de deixarem votar estes assumptos no meio da indifierença geral, esquecendo o que  devem a si e ao paiz.

A censura é feita a mim proprio, porque muitas vezes serei tambem culpado.

(Interrapção.)

A censura, não é individual, é para todos. A molestia, é da epocha. E mais lamento ainda, que façamos isto nas vesperas em que todos temos de, nos apresentar a dar contas aos nossos constituintes do uso que fizemos do nosso maneia to, e porventura muitos de nós de solicitar a sua recon-ducçâo.

Lastima é quando um deputado se levanta a pedir contas ao governo por ter permittido que houvesse um excesso

de despeza superior a 200 contos na construcção de uma estação, quando esse deputado pede a devida responsabilidade ao governo; lastima é que estas accusações se façam, não digo no meio do silencio, mas, o que é peior, no meio da geral indifferença. (Apoiados.)

Seja dito sem accusar ninguem, que é para sentir que nos ultimos dias da sessão parlamentar sejam accumulados tantos assumptos, e tão ligeiramente discutidos e votados!

Dê, pois, a camara actual um exemplo ao paiz, e antes de se apresentar perante os collegios eleitoraes, dê documento da gravidado com que sabe exercer as suas funcções, do respeito que tem a si propria e da consideração que lhe merecem os interesses do paiz, provando assim que é digna do seu mandato e que sabe elevar-se á altura, dos seus deveres, o á comprehensào das suas responsabilidades.

Declara que não é meu proposito, dizendo isto, irrogar censura aos presentes em ausentes. O meu fim é chamar a attenção da camara, pedindo n todas as pessoas que me fazem a. honra de me ouvir, que, quando se discutirem assumptos de notoria gravidade, façam o facil sacrificio do prestar a, devida e indispensavel attenção ao debato de providencias tão graves e importantes como aquella que se está a discutir. (Apoiados.)

Tenho dito.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Muito poucas palavras direi, mas não posso deixar de responder a algumas observações que o illustre deputado apresentou.

Eu não quero, como disse a v. ex.ª, fazei politica n'esta questão. E n'esta declaração creio que está bem expressa a rasão por que eu pretendi que. de maneira alguma se dissesse que pelo facto de ascender «os bancos do poder tinha revogado todas as medidas que tinham sido adoptadas por outros ministros.

E desgraçada me parece que seria, a politica, que na applicação dos preceitos <• das normas administrativas se deixasse inspirar pelos resentimntos e por divergencias meramente de natureza politica para as inverter em factos sómente em cumprimento de conveniencias politicas. Deus me livre de pensar assim; não acho que nenhum homem que comprehenda a sua missão como ministro de estado, missão que apropria designação perfeitamente define, digo, que um homem que comprehenda a missão de ministro de estado, se deixe arrastai por taes Impressões, que, são propriamente paixões.

Com respeito á medida do meu antecessor não posso deixar de reconhecer, como o illustre deputado, a, iniciação d'essa idéa; e ou direi a s. ex.ª a rasão por que na pratica d´aquella administração eu entendi que tudo quanto era a alteração do pessoal superior representa sempre um estado do hesitação prejudicial ao andamento dos trabalhos, e unia perturbação na direcção que, ainda, que se queira reduzir ao minimo, é sempre inconvenientíssima.

Por consequencia entendia que, emquanto se não resolvia completamento a administração d'aquelles caminhos de ferro, devia reunir-se tudo n'nma só administração dividida em tres direcções: a, da construcção do caminho de ferro do Minho, a da ooustrucção do caminho de ferro do Douro, e a. da exploração.

Aqui tem s. ex.ª como eu entendia que, pela minha retirada d'aquellas obras, aquelle serviço se podia organisar sem perturbação sensivel nos trabalhos.

Devo dizer que fui violentado na minha natura! propensão para acceitar uma tal posição, e por consequencia, se o meu antecessor entendêra, como preceito de boa administração, que era conveniente,.a unificação das direcções, pareceu-me que o que era natural era conservar o estado em que tinha encontrado os trabalhos..

Aqui está como me pareceu que se, resolvia a questão.

Mas desde o momento em que reassumi a direcção do caminho de ferro do Douro e em que aquelles trabalhos começaram portanto a marchar independentemente do conhecimento do director do caminho de ferro do Minho, desde

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esse momento entendi que era de toda a conveniencia para a conclusão d'aquelle caminho de ferro, que estava por tão pouco tempo, que continuassem assim as cousas.

Aqui está o que eu entendia que era perfeitamente regular, natural o conducente á satisfação dos interesses d'aquelle caminho de ferro e dos interesses do estado.

Não succedeu, porém, assim. O resultado foi a reunião das duas linhas sob a superintendencia de um homem technico de toda a consideração, um homem por quem eu professo a maior estima e respeito, pela sua capacidade technica e scientifica, pela sua actividade e zêlo administrativo, pela sua honestidade, em fim por todas as feições do seu caracter nobilissimo.

A primeira cousa que este funccionario entendeu do seu dever fazer, quando tomou conta d'aquella administração, foi expedir uma circular a todos os engenheiros chefes das secções, recommendando-lhes instantemente que continuassem na mesma marcha de administração, no sentido de evitar a menor perturbação no andamento dos trabalhos.

S. ex.ª comprehendeu, e comprehendeu muito bem, que na situação difficil em que se achava isto era o melhor.

A marcha dos trabalhos continuou, pois, exactamente como estava determinada anteriormente; as condições do serviço ficaram perfeitamente iguaes e constantes em relação ao seu estado anterior; o pessoal technico ficou preci sãmente nas mesmas condições em que estava anteriormente, nas condições de numero e do vencimentos.

Não obstante uma portaria instante para que o pessoal technico fosse reduzido, continuou o mesmo pessoal e continuaram os mesmos vencimentos.

N'esse ponto não tenho nada que alterar, porque o que hoje é, e o que foi sempre, desde que saí do ministerio o anno passado, e antes de ter entrado para o ministerio actual.

Por consequencia já s. ex.ª vê que não tenho o mais pequeno motivo para afastar da superintendencia d'aquelles trabalhos o funccionario que lá está dirigindo-os com toda a proficiencia, com todo o zêlo e actividade, o quando eu tambem estou convicto do que a alteração de pessoal em trabalhos desta natureza é inconveniente e que é preciso evitar tanto quanto for possivel.

Aqui tem pois s. ex.ª o que significa a reunião das duas direcções.

Pela minha parte encontrei as cousas n'um estado perfeitamente igual aquelle em que as deixei, o por consequencia sem rasão alguma para alterar. Não vejo n'isso a minima vantagem publica, nem outra rasão que me demovesse.

Com respeito á estação do Porto, permitta-me s. ex.ª que diga, houve um orçamento de 240:000$000 réis em que foi computado o custo d'esta estação e foi feito por um engenheiro distincto, Pedro Ignacio Lopes.

S, ex.ª não devia estranhar que esse orçamento passasse de 240:000$000 réis para 400:000$000 réis, desde o momento em que os orçamentos dos caminhos de ferro feitos em identicas circumstancias eram na pratica consideravelmente elevados. Esse orçamento foi feito nas mesmas condições dos orçamentos dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Notou s. ex.ª, e com particular insistencia, a differença do custo entro os caminhos de ferro o o preço orçado, e queria que escapasse a essa lei geral o orçamento da estação do Porto.

Mas é necessario acrescentar mais que esse orçamento não comprehendeu muitos trabalhos que depois se construiram, por exemplo, as officinas de reparação, os depositos, uma immensidade de trabalhos de que não me recordo agora, alem de muitos trabalhos de canalisação que era tambem completamente impossivel prevenir.

Aqui tem v. ex.ª a differença entre o preço orçado e o preço da execução que ainda se não póde hoje liquidar porque a estação não está inteiramente concluida, está proximo d'isso.

E a estação que póde parecer a alguem immensa, despropositada, está longe de o ser, veiu demonstrai o a pratica do serviço, difficilmente satisfaz ás necessidades do serviço publico; e estou convencido do que n'um futuro que não posso fixar, a estação ha ser sómente do passagem do serviço directo do sul para o norte, construindo-se um a estação mais no centro do Porto, que dê ao publico a vantagem do um accesso mais economico e mas rapido. Estou convencido que esta obra mais tarde ou mais cedo se ha de fazer, porque é reconhecida pela necessidade.

Vou ler alguma cousa a este respeito:

«E uma necessidade collocar a estação, para assim dizer, no centro da cidade. Foi um grande melhoramento deixar a estação das Devezas de ser estação do Porto, pois no dia em que a de Campauhã tiver igual sorte, será um acontecimento do não pequena importancia. Este melhoramento ha do ser feito, não á custa do governo nem do municipio, mas sim á custa dos passageiros e das mercadorias que saírem e entrarem pela estação, por meio de um pequeno imposto que de para pagamento do juro e amortisação do capital.»

Já vê a camara que tambem aqui se recommenda a necessidade da construcção de uma citação.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Ministro da Marinha (Thmás Ribeiro): — Mando para a mesa uma proposta de lei para que o codigo de justiça militar do 9 do abril de 1875 com as modificações apontadas n'esta mesma proposta, seja applicavel ao regimento de infanteria do ultramar.

(Leu.)

A camara consente que não faça a leitura de toda csia proposta, a que v. ex.ª dará o competente destino. A proposta é a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — A carta de lei de 3 de fevereiro de 1878 applicou ao regimento de infanteria do ultramar, creado pela mesma lei, o regulamento disciplinar, o systema da administração e contabilidade da fazenda militar e o do inspecção seguidos no exercito do reino; mas estatuindo que este regimento estivesse sujeito immediatamente ao ministerio dos negocios da marinha e ultramar, e ao commandante da primeira divisão militar, no que respeita aos detalhes do serviço da guarnição de Lisboa, não dispoz cousa alguma com relação á competencia e tribunaes a quem o mesmo regimento ficaria sujeito, talvez por julgar que, fazendo similhante corpo o seu recrutamento no exercito, lhe era em tudo applicavel o codigo de justiça militar approvado pela lei de 9 de abril de 1875.

O regulamento disciplinar decretado em 15 de dezembro de 1875 não póde igualmente ter completa applicação no regimento de infanteria do ultramar, pois que ahi se estabelecem competências de auctoridade estranha ao mesmo regimento, o organisações privativas ao ministerio da guerra.

De tudo tem resultado declararem-se os conselhos de guerra incompetentes para julgarem os crimes das praças do mesmo regimento, commettidos no reino, e para obviar a este grave inconveniente, que a pratica revelou, demonstrando a necessidade de modificar e alterar a lei de 3 de fevereiro de 1876, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° O codigo de justiça militar de 9 de abril do 1875, com as modificações apontadas nos artigos seguintes, é applicavel a todos os individuos do regimento de infanteria do ultramar, que se acharem no continente do reino, nas ilhas adjacentes e no archipelago de Cabo Verde.

Art. 2.° Quando as praças a que se refere o artigo antecedente forem condemnadas a deportação militar, cum-

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prirão a pena nas possessões de Africa, e quando forem condemnadas a presidio de guerra ou prisão militar, terão passagem ao exercito do reino, onde, depois de cumprida a penalidade imposta, completarão, se forem praças de pret, o tempo legal de serviço que ainda lhes faltar segundo o seu primeiro alistamento.

Art. 3.° Todas as praças do regimento do infanteria do ultramar, que se acharem em pontos da monarchia onde não esteja em execução o codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, ficam sujeitas ás disposições da lei penal militar e commum que vigorar n'esses pontos.

Art. 4.° Os crimes commettidos em viagem por praças do regimento de infanteria do ultramar, serão punidas segundo a legislação penal militar que estiver em vigor na parte da monarchia para onde essas praças se destinarem.

Art. 5.° Todas as praças em effectividade de serviço, pertencentes aos quadros das provincias ultramarinas, ou n'ellas servindo em commissão, que estiverem addidas ao regimento de infanteria do ultramar, ficam sujeitas ao disposto no artigo 1.°

§ nnico. Quando estas praças forem condemnadas a deportação militar, presidio de guerra ou prisão militar, cumprirão essas penas, segundo a sua natureza, nos corpos do exercito de Africa, ou nas praças de guerra d'essas possessões.

Art. 6.° Todas as praças reformadas do ultramar, assim como as classificadas incapazes do serviço, que, estando addidas ao regimento de infanteria do ultramar, se achem no continente do reino, nas ilhas adjacentes ou no archipelago de Cabo Verde, ficam sujeitas ás disposições do artigo 1.°, mas unicamente pelo que respeita aos crimes militares, tudo em harmonia com a doutrina do livro 3.° do codigo de justiça militar de 9 de abril do 1875.

§ unico. Se as praças de que trata este artigo forem officiaes, cumprirão a pena do prisão militar em uma praça de guerra designada pelo governo, e se forem praças de ¦pret cumprirão a mesma pena e a de presidio de guerra nas prisões do quartel do regimento.

Art. 7.° As praças reformadas do ultramar não serão accusadas perante os tribunaes pelo crime de deserção, e quando completem tres mezes de ausencia illegitima serão abatidas ao effectivo da divisão.

Art. 8.° Quando aos crimes commettidos pelas praças a que se refere o artigo antecedente, corresponder a pena de deportação militar, serão transferidas na mesma situação para alguma das possessões do Africa.

Art. 9.° Em todos os casos em que para as praças do regimento de infanteria do ultramar, ou a elle addidas, vigorar o codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, serão adoptadas as disposições applicaveis do regulamento para a execução do referido codigo do 21 de julho do mesmo anno.

§ unico. Ao ministro da marinha e ultramar pertence a competencia disciplinar que, pelo respectivo regulamento, compete aos commandantes das divisões militares e ministro da guerra.

Art. 10.º Os autos de corpo de delicto serão enviados ao ministerio da marinha e ultramar, a fim de, por intermedio do ministerio da guerra, serem remettidos ao commandante da respectiva divisão militar, se não disserem respeito a individuos com graduação superior á de major.

§ 1.º O commandante da divisão militar a quem forem remettidos os referidos nulos procederá da fórma expressa no codigo de justiça militar; porém, se antes, ou depois de formado o summario da culpa, não encontrar fundamento para os suppostos criminosos serem julgados em conselho de guerra, devolverá esses autos, acompanhados da sua informação e opinião, ao ministerio da guerra, a fim de, sendo depois remettido ao ministerio da marinha e ultramar, ahi se resolver o castigo disciplinar que aos accusados deva ser applicado.

§ 2.° Os autos do corpo do delicto devolvidos ao ministerio da marinha e ultramar para os fins indicados no § antecedente, voltarão pelas mesmas vias no respectivo commandante da divisão militar, para serem arohivados em conformidade com o artigo 249.° do codigo de justiça militar.

Art. 11,° Todas as praças pertencentes ao regimento de infanteria do ultramar ou a elle addidas, a que, pelas disposições d'esia lei, é applicavel o codigo do justiça milifar do 9 do abril de 1875, ficam sujeitas ao regulamento disciplinar decretado para o exercito'em 15 de dezembro de 1875, com as modificações exaradas no regulamento que se publicar para a execução da presente lei.

§ 1.° Quando a pena de inactividade, de que trata o artigo 5.° do citado regulamento, tiver do ser applicada a officiaes pertencentes ao cffectivo do regimento do infanteria do ultramar, será substituida pela passagem ímine-diata ao exercito da metropole, annullando se o decreto, ou parte do decreto, que tenha promovido os officiaes incursos na dita pena.

§ 2.° Os officiaes do regimento de infanteria do ultramar, ou a elle addidos, não ficam sujeitos aos effeitos das penas de reprehensâo na ordem regimental, de brigada ou do divisão, e os officiaes inferiores não ficam do mesmo modo sujeitos aos effeitos da primeira das mencionadas penas.

Art. 12.° Os officiaes inferiores do regimento de infanteria do ultramar, a quem for applicada a pena de baixa | de posto, terão passagem ao exercito do reino, onde completarão o tempo do serviço que lhes faltar, segundo o seu primeiro alistamento, com excepção dos que estiverem no caso do § 2.° do artigo GG.° do regulamento disciplinar do 15 de dezembro de 1875.

Art. 13.° Os cabos, soldados o corneteiros pertencentes ao effectivo do regimento do infanteria do ultramar, que, pelo conselho disciplinar a que se refere o artigo 53.° do regulamento de 15 de dezembro de 1875, forem apurados para, nos termos do artigo 73.° do mesmo regulamento, serem encorporados nas companhias de correcção, terão passagem definitiva ao exercito, para cumprirem a referida, pena.

§ 1.° As relações de que trata o artigo 55.° do regulamento disciplinar serão enviadas ao ministerio da marinha e ultramar, e ahi se resolverá quaes das praças inscriptas nas mesmas relações deverão ser encorporadas nas companhias do correcção.

§ 2.° O commandante do regimento do infanteria do ultramar conferirá guia de marcha ás praças a que se refere o § antecedente, a fim de se apresentarem no quartel general da primeira divisão militar, onde lhes serão destinadas as companhias a que devem ter passagem.

Ari. 14.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 27 de marco de 1878. — Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello =Thomas Antonio Ribeiro Ferreira.

O sr. Luciano de Castro: — Consinta V. ex.ª e a camara que faca breves reflexões sobre o que acaba de dizer o sr. ministro das obras publicas.

S. ex.ª declarou que, se o seu antecessor tinha, intenção de ordenar a união das duas direcções do caminho de ferro do Minho e Douro, não devia instalo para reassumir a direcção do caminho do ferro do Douro.

(Interrupção do sr. ministro das obras publicas.)

O Orador: — Esto acto do sr. Barros o Cunha deve explicar-sc pela declaração que o sr. ministro acabou do fazer, quando disse, que alem do sr. Barros o Cunha havia um elevado personagem que intervinha nos negocios publicos, e mostrava desejos du que o sr. Lourenço de Carvalho reassumisse a direcção do caminho de ferro do Douro. E natural que esse mesmo personagem, que se não discuto n'esta casa, e que eu não sei quem é, mas que muito acato e respeito, influísse sobre aquelle cavalheiro para rogar ao

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sr. Lourenço do Carvalho se dignasse acceitar de novo aquelle cargo. (Interrupção.)

O Orador: — Ora isso mais confirma ainda o que eu estava dizendo. E s. ex.ª mal sabe quanto lho fico agradecido pela explicação que acabou do me dar. Conte com a minha eterna gratidão.

Mas ía eu dizendo que, se o sr. Barros o Cunha pedíra ao sr. Lourenço de Carvalho para tomar a direcção do caminho do ferro do Douro, o não só pedíra mas instara, talvez fosse isso devido á intervenção do elevado personagem, ao qual s. ex.ª alludiu.

Agora ficámos sabendo que foi elle que disse a s. ex.ª que um outro personagem, que não está em discussão, segundo diz o sr. ministro das obras publicas, tambem se mostrou muito agradado da construcção do caminho do ferro do Douro, e manifestara por isso desejos de que o sr. Lourenço voltasse ao seu antigo logar.

Ficámos, pois, sabendo que o sr. Barros o Cunha não procedeu de motu proprio o que foi por instancias d'esse personagem que elle pediu ao sr. Lourenço do Carvalho, que tomasse a direcção do caminho do ferro. (Apoiados.)

Já conseguimos, portanto, alguma cousa. Vae-se fazendo a luz. Está perfeitamente explicado não só o procedimento do sr. Lourenço de Carvalho em acceitar, mas até o do sr. Barros e Cunha em pedir. (Apoiados.)

Isto é claro.

Passando agora a outro assumpto, porque conheço que estou incommodando e affligindo o sr. ministro das obras publicas o não quero ser-lhe por maneira alguma desagradavel, disse o sr. Lourenço de Carvalho que nos caminhos do ferro do Minho o Douro continuava tudo como estava em perfeita consonância o passado e o presente; nem um ordenado diminuido ou augmentado; os quadros os mesmos; tudo o mesmo! Ora naturalmente occorre ainda aos menos perspicazes n'este assumpto, no numero dos quaes tenho a honra de me enumerar a mim proprio, perguntar a s. ex.ª e ao seu honradissimo partido, qual foi a rasão por que tanta celeuma levantaram contra a administração anterior, clamando e conclamando por todo esse paiz que o sr. Barros e Cunha tinha desfeiteado e injuriado aquello partido na pessoa de um dos seus mais distinctos representantes, que tinha alterado tudo o que tinha sido feito, que tudo havia revolvido e mudado, etc. etc..

Pois ficâmos sabendo agora pela solemno declaração do sr. Lourenço de Carvalho, quanto a este respeito tinhamos andado illudidos. (Muitos apoiados.)

(Interrupção que se não percebeu.)

O Orador: — Se effectivamente estou dizendo alguma cousa fóra da ordem, o sr. presidente é o responsavel pela compostura dos debates e rogo até a s. ex.ª que me chame á ordem. E desde já declaro que estou prompto para humildemente o com a mão sobre a consciencia dar todas as explicações que forem necessarias a respeito das palavras que proferi ou tenha ainda de proferir. (Muitos apoiados.)

Estou simplesmente tirando as conclusões do que disse o sr. ministro das obras publicas. (Apoiados.)

Torno ao assumpto.

Se a administração do caminho de ferro do Minho o Douro se conservou no mesmo estado em que se achava, se não houve ali alteração, pergunto ao sr. Lourenço de Carvalho e ao illustre partido regenerador, qual foi o motivo da celeuma que se levantou contra a administração passada, o qual a rasão por que tanto se discutiu e com tanta vehemencia n'esta camara, e tão acrimoniosamento se apreciou na imprensa, o inoffensivo procedimento do ministerio anterior em relação ao caminho do ferro do Minho e Douro?

Toda a gente sabe que esse era um dos mais graves pontos de accusação contra o ministerio anterior.

Pois ficâmos sabendo agora que não houve nos caminhos de ferro do Douro e Minho alteração alguma!

Eu sinceramente me persuadi de que tinha havido alterações, porque tive a ingenuidade do acreditar que a uma portaria que fóra publicada no Diario do governo se havia dado pontual execução.

Essa portaria continha uma reducção de pessoal e a fixação de ordenados, e na boa fé, em que tenho andado, cheguei a acreditar que ella estava em plena execução.

Engano!

Acredito o que diz o sr. ministro das obras publicas; mas para minha desculpa direi que, quando em tal assumpto fallei, foi na idéa de que uma portaria era uma cousa seria, e porque acreditava que tinha sido cumprida, que estava sendo executada, o que por ella se tinha feito obra.

Era tudo pura illusão!

Desde que o sr. ministro das obras publicas diz que esta portaria não foi executada só tenho a lamentar que s. ex.ª a não revogasse logo que entrou para o ministerio, porque é uma portaria completamente inutil. (Apoiados.)

Pois porque consente s. ex.ª que esteja figurando no Diario do governo um diploma emanado do seu antecessor, diploma que tem força obrigatoria, mas que não tem tido execução em nenhuma das suas disposições? Apoiados.)

Eu peço a s. ex.ª que se apresse a declarar no Diario do governo, que tal portaria fica revogada para todos os effeitos. (Apoiados)

Vamos á questão da estação no Porto.

O sr. ministro das obras publicas deu a este respeito uma explicação que é perfeitamente similhante ás explicações que se dão sempre com relação a todas as despezas não auctorisadas, que é perfeitamente similhante, por exemplo, á explicação dada hontem pelo sr. Carrilho com relação ao deficit do ultimo anno economico.

Eu levantei me o disse que tinha havido no anno de 1876-1877 um deficit de 7.123:000$000 réis. Ergueu-se logo o sr. Carrilho e disse: «Sim senhor, mas é porque o dinheiro gastou-se n'isto, n'aquillo o n'aquele outro.»

O illustre deputado disse muito bem, mas escusava de o dizer, porque, o que s. ex.ª disse, já estava dito pelo sr. José do Mello Gouveia no seu relatorio. (Apoiados.)

Agora sr. ministro das obras publicas a respeito da estação no Porto disse: «gastou-se mais no alargamento da estação, que é muito maior do que a projectada, e nas oíficinas, porque estas fizeram se com muito maiores proporções do que se calculara.»

E a proposito de oíficinas já me esquecia de uma observação que ouvi ha pouco a um engenheiro distincto, muito illustrado, mais que muito competente; e este «mais que muito» é aqui introduzido de proposito para dar a s. ex.ª luz bastante para poder descobrir quem elle seja.

Eu ouvi dizer a um engenheiro distincto que as officinas da estação do caminho do ferro no Porto, eram as mais opulentas e luxuosas do toda a peninsula!

Aqui está como se excedeu o orçamento. (Apoiados.) Escusa o sr. ministro de se estar a cançar, para mostrar como e porque se excedeu o orçamento, porque á vista d'isto é claro que não podia deixar de exceder-se. Era inevitavel.

Eu estou certissimo do que o dinheiro se gastou, mas o que tenho direito a estranhar, e do que o paiz tem direito de se queixar, é de que os orçamentos não sejam serios, e de que se façam as obras de tal maneira que se não possa acreditar na verdade dos orçamentos. (Apoiados.)

E saiba v. ex.ª que, segundo me consta, o se isto não for exacto o sr. ministro o rectificará, a companhia teve conflicto com os engenheiros do governo, porque estes queriam que as obras se fizessem com certa largueza e prodigalidade. A companhia, porém, que zelava 03 seus interesses mais de perto o mais cuidadosamente, não quiz que se fizessem assim essas obras. D'aqui resultou que houve logo divergencia entre os engenheiros do governo e os da companhia, que sendo levada ao conhecimento do governo, segundo me consta, houve este por bem resolver, que a companhia fosse

Sessão de S de março de 1878

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posta de lado, e que o governo tomasse sobre si toda a construcção, reservando-se para de futuro fazer a este respeito uma liquidação de contas com a companhia. A companhia tinha direito, e talvez esteja n'essa intenção, de dizer ao governo, que não pagava senão metade da despeza que figura no orçamento em que ella entrava. Sendo a despeza orçada 240:000$000 réis, a companhia não tem que pagar mais que 120:000$000 réis. Sendo assim, pergunto: quem e que respondo por esta despeza? Quem tem de pagar sei eu. Quem tem de pagar é o paiz. (Apoiados.)

Note v. ex.ª e a camara, que esta obra não e como outra qualquer que fosse feita sob a superintendencia e fiscalisação exclusiva do governo. O governo e a companhia tinham ambos que fazer uma estação no Porto. Concordaram em proceder á construcção em commum. A companhia tinha que fazer metade da despeza orçada. Mas a construcção fez-se com exclusão da companhia. Esta não concorreu para tal construcção. Ora muito bem. Se a companhia agora disser ao governo que não paga senão metade do que estava primitivamente orçado, porque não tem culpa de que o governo alterasse as condições do orçamento acceito por ambas as partes, e que a mandasse excluir da construcção, pois que ella, não tomando sobre si a responsabilidade da construcção, tambem não tomou o encargo de a pagar; pergunto— quem é que responde pelo excesso da despeza no caso de se levantar este conflicto e de ser decidido em lavor da companhia?

Quem paga sabemos nós. E o paiz. (Apoiados.) Agora quem responde não sei. (Apoiados.) Provavelmente ninguem.

A proposito d'isto, permitta-me v. ex.ª que eu lamente por esta occasião, que no nosso paiz não tenha sido formulada e publicada uma lei de responsabilidade dos ministros. (Apoiados.)

E eu digo a v. ex.ª que posso fallar n'este assumpto desafogadamente, porque o ministerio de que tive a honra de fazer parte, no discurso da corôa na abertura da sessão de 1870, promettia apresentar uma proposta de lei de responsabilidade ministerial.

Mas esse ministerio saíu da gerencia dos negocios publicos poucos dias depois de aberto o parlamento.

Desde então até agora o partido que tomou essa responsabilidade nunca mais voltou ao poder, porque o partido regenerador traz arrematada ha muito tempo por especial privilegio a gerencia dos negocios publicos. (Apoiados.)

Portanto digo, que lamento que não haja entre nós uma lei de responsabilidade ministerial. Ha paizes que tem praticado a ingenuidade de fazerem leis de responsabilidade ministerial.

Por exemplo, a Austria, que, posto não seja modelo a seguir em muitas cousas, póde comtudo ser imitada n'este particular.

Outras nações têem feito o mesmo.

Na Belgica ha poucos annos a partido liberal, representado pelo sr. Bara, ministro da justiça, levou ás côrtes uma proposta de lei de responsabilidade dos ministros, mas esse ministerio caiu, e a proposta não foi approvada.

O que é certo, é que se houvesse entre nós uma lei de responsabilidade de ministros talvez acontecesse que em alguns casos os srs. ministros, antes de tomarem resoluções tão graves como esta, pensassem um pouco para não correrem o risco de terem, de um dia para o outro, de ir responder aos tribunaes do seu paiz pelos desvios dos dinheiros publicos, que houvessem auctorisado, ou consentido.

O sr. ministro disse que a companhia havia de pagar as despezas proporcionaes á parte do edificio da estação * com que ficasse.

Eu pergunto a s. ex.ª se tem rasões para acreditar que a companhia concorde com este juizo, porque eu creio que ella não paga senão metade do orçamento, apesar do

sr. ministro dizer que ha de pagar a parte proporcional á despeza total da construcção.

Folgarei muito que isto assim aconteça, e desejava que o sr. ministro me dissesse se tinha feito algum accordo com a companhia, ou se estava auctorisado para declarar que ella terá de pagar, não metade do orçamento, mas a parte proporcional do editicio com que ficar.

N'estas poucas palavras não tive em vista senão esclarecer o assumpto, que para mim tem sido demasiadamente escuro, e confesso que as declarações, que o illustre ministro fez perante a camara, não foram bastantes para dissipar as trevas, que se erguiam diante de mim, e para allumiar a minha consciencia por maneira que possa dar um voto consciencioso ácerca deste intrincado caso.

Se s. ex.ª não quizer agora, pelo adiantado da hora, dar novas explicações, em outra occasião pedirei a palavra, e a solicitarei de novo.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

Não havendo mais ninguem inscripto, e posto o projecto á votação, foi approvado na generalidade.

Passando-se á especialidade, foram approvados os artigos 1.°, 2.° e 3.°

Leu se no mesa o projecto n.º 48.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 48

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi presente o requerimento de D. Gertrudes Barbara Fernandes, por si e pelos interessados na herança de José Tavares dos Santos, pedindo o pagamento da quantia de 994$400 réis, que por meio do precatórias falsas foi levantada da junta do deposito publico.

Em vista da informação da administração da actual caixa dos depositos sobre a pretensão, e considerando que outras reclamações da mesma natureza já têem sido attendidas pelo parlamento:

É de parecer, de accordo com o governo, que deveis approvar o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.º É auctorisado o governo a pagar a quantia de 991$400 réis, levantados dos cofres da extincta junta dos depositos, por meio do precatórias falsas, em prejuizo dos legitimes herdeiros de José Tavares dos Santos, aos quaes se mandará satisfazer a mencionada importancia, depois de cumpridas as solemnidades legaes para esse pagamento.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de fazenda, aos 27 de março de 1878. = Antonio Maria Barreiros Arrolas— Custodio José Vieira — Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Joaquim de Alatos Correia = V. de Guedes Teixeira — A. C. Ferreira de Mesquita — Antonio José Teixeira= J. do Valle— V. da Azurtijinha = Antonio AL P. Carrilho.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada e mais os projectos n.ºs 54 e 57.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

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