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990 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

gratificações de dezeseis! Não ponho pontos de admiração porque estou já acostumado a isto!
«Quero dizer cá na minha, em termos simples e claros, que vivo na miseria e na desgraça, sem um bocado de pão com que matar a fome, envolto em trapos, sem credito para recorrer ao emprestimo, sem nada!
«Careço de tudo o que é mais indispensavel á vida. Note que todos os meus collegas do districto vivem nas mesmissimas circumstancias...
«... O nosso infortunio é tal, é tão grande, que espero achará echo em seu bondoso coração.
«Alguns dos meus collegas tem já estendido a mão á caridade publica, outros vivem á mercê do favor de qualquer vizinho, que por dó lhes dá um caldo para não vel-os morrer á fome. ..
«Ás representações, que alguns dos meus collegas mandam para o parlamento, responde-se-lhes com o silencio profundo.»
Sr. presidente, esta carta não precisa de commentarios, não careço de ler o mais que n'ella se contem. A situação dos professores de ensino primário é tão evidentemente afflictiva, as suas circumstancias tão deploraveis, os seus meios tão escassos, a sua pobreza tão extrema, que não é preciso carregar as tintas de um quadro que todos reconhecem e têem por commovente. (Apoiados.)
Sr. presidente, não se diga que o parlamento continua a responder com o silencio do despreso ás representações d'aquelles obscuros e corajosos obreiros do progresso. Chamo-lhes corajosos, sr. presidente, porque só por um prodigio de dedicação civica é que póde comprehender-se que o professor de primeiras letras se resigne a fazer bom serviço e a exercer honrada e zelosamente a sua profissão, tão trabalhosa e tão difficil, sem premio, sem recompensa, e sem outro galardão que não seja o da sua consciencia.
Ouço amesquinhar o rude exercicio do magisterio primario e alcunhar de menos diligentes e até de incapazes alguns d'aquelles modestos servidores do estado. Dado que assim fosse, pergunto eu: como é que o estado quer bom serviço por pouco dinheiro? onde está o direito de censurar um empregado publico a quem o mesmo estado não paga o ordenado que lhe deve e pelo pagamento do qual se obrigou? (Apoiados.)
As leis de 1878 e 1881 foram, em verdade, um grande progresso, e obedeceram a certos principios democraticos que são a gloria da escola liberal; mas foram sophismadas na pratica, e descentralisando os encargos para os municipios pozeram o professor n'uma dependencia infeliz e reduziram-no á miseria, porque as camaras allegam a falta de meios e não pagam os subsidios que por lei são obrigadas a pagar.
Se ha uma ou outra camara, como a de Vizeu, que tem os seus professores pagos em dia; outras, como algumas do districto da Guarda, não pagam ha mais de oito mezes os miseraveis ordenados aquelles infelizes que nos accusam porque não damos attenção ás suas queixas. É cruel!
Se o sr. ministro do reino estivesse presente, perguntar-lhe-ia se está disposto a propor alguma medida legislativa ou a decretar alguma providencia tendente a melhorar a situação d'aquelles infelizes que a necessidade obriga a estenderem a mão á caridade publica!
É provavel que s. exa. nem n'isso tenha pensado, porque as vozes dos desprotegidos não costumam echoar nas secretarias. (Apoiados.)
Em relação á instrucção secundaria nada direi hoje porque fico aguardando os relatorios que pedi, para opportunamente fazer as considerações que me suggerirem esses documentos e a triste experiencia que tenho das cousas e das pessoas que se ligam á melindrosa questão do nosso cahotico e irregularissimo ensino medio.
O modo infeliz como tem sido executada a lei organica de 14 de junho de 1880 e o desgraçado decreto de 23 de maio de 1883, renovado em 1884, são materias que requerem discussão larga e demorado exame. A seu tempo voltarei a este assumpto.
Quanto á instrucção superior e especial, perguntaria hoje ao sr. ministro do reino, qual o destino que tem dado ás consultas que das escolas superiores todos os annos vem ao ministerio do reino pedindo a remodelação dos quadros do ensino e propondo providencias que a pratica está aconselhando.
Provavelmente respondia-me que a reforma do ensino superior requer pausado e detido exame, e que negocios mais urgentes absorvem a attenção do governo.
Mais urgentes, sr. presidente! Haverá n'este paiz negocio mais urgente, necessidade mais inadiavel do que remediar o modo vergonhoso como está sendo ministrado o ensino nas escolas superiores? (Apoiados.)
Está sendo ministrado, é um modo de dizer. N'algumas cadeiras já não ha ensino nenhum, nem bom nem mau. (Apoiados.) Algumas cadeiras da universidade estão fechadas por falta de professores...
(Interrupções.)
Alguns senhores deputados estão confirmando o que eu digo.
Os jornaes dizem que só na faculdade de direito estão fechadas desde ha muito tempo tres cadeiras.
No terceiro anno da faculdade de direito duas cadeiras estão fechadas. (Apoiados.)
V. exa., sr. presidente, calcula qual seja o resultado d'este despreso pelos mais caros interesses publicos.
Quando chegarmos ao fim do anno lectivo, ao dar das provas, quero que me digam como é que os lentes hão de saír do terrivel dilemma: ou reprovar, como é de justiça, os estudantes que não sabem, e tal procedimento é uma crueldade porque vão exigir aos alumnos conhecimentos que ninguem lhes deu; ou approvar por dó, por commiseração, e n'este caso antepõem a indulgencia á imparcialidade do julgador.
Como saír do lance?
Reprovar é uma crueldade, approvar é uma injustiça.
(Interrupções.)
O sr. deputado, que me interrompe, está dizendo ironicamente, que sejam dispensados do serviço d'esta casa os professores da universidade que têem logar ao nosso lado. Respondo que não seria preciso recorrer a esse extremo, para que na universidade funccionassem todas as cadeiras; bastaria que fossem obrigados a recolher a Coimbra os lentes que não exercem commissões de serviço inadiavel.
Já houve um governo neste paiz que teve a coragem de retirar das commissões em que estavam sem absoluta necessidade de serviço os professores que mais falta estavam fazendo ao serviço universitário. E foram. Fique sabendo o sr. deputado que os taes professores não tiveram mais remédio que recolher aos seus legares.
É que n'esse tempo ainda se cumpria a lei e se respeitava o principio da auctoridade.
O bispo da Guarda ainda não tinha perguntado ao ministro da justiça que o reprehendia: «Quem é que n'este paiz cumpre as leis?»
Porque é que este governo não fez o mesmo que fez o gabinete reformista?
Porque não manda os professores para as suas cadeiras?
Uma voz: - Estão lá alguns.
O Orador: - Mas não estão todos os que podem e devem estar.
Quando o funccionario publico é professor, a sua primeira e principalissima obrigação é a regencia da cadeira. Não ha nenhuma Commissão de confiança do governo que possa preterir a Commissão do ensino. (Apoiados.)
Só em casos muito extraordinarios é que se póde admittir que esteja o professor ausente da sua cadeira.
O que nunca póde admittir-se é que as cadeiras se fechem, e os alumnos se licenceiem indefinidamente, como esta succedendo na universidade. (Apoiados.)