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SESSÃO DE 31 DE MARÇO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Têem segunda leitura os projectos de lei apresentados na sessão anterior pelos srs. José Borges, Ponces de Carvalho, e Goes Pinto, tambem assignado pelo sr. Miguel Dantas. - Teve tambem segunda leitura uma nota do sr. barão de Ramalho renovando a iniciativa de um projecto de lei de 1879. - Apresentam representações: o sr. Eduardo Coelho, dos officiaes de diligencias da comarca de Penafiel; o Br. Franco Frazão, da camara municipal de Penamacor; o sr. Pereira dos Santos, uma dos officiaes de diligencias da comarca da Figueira da Foz, e outra de seis amanuenses do tribunal de contas. - Apresentaram projectos de lei os srs. Pereira dos Santos e Elvino de Brito, e o sr. Franco Frazão uma nota de renovação de iniciativa de um projecto que apresentára em 1884. - O sr. Simões Dias faz differentes reflexões com referencia á administração camararia de Tondella e concelhia de Cintra, ao estado da instrucção secundaria, e apresenta um requerimento pedindo esclarecimentos. - O sr. Simões Ferreira, reforça as censuras do sr. Simões Dias feitas ao estado da administração no concelho de Cintra. - O sr. Alfredo Peixoto reforça as considerações do sr. Simões Dias pelo que respeita ao estado da instrucção publica. - Justificam faltas os srs. João Arrojo e Ribeiro Cabral. - Não se entra na ordem do dia.

Abertura - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada - 58 srs. deputados.

São os seguintes: - A. da Rocha Peixoto, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Pereira Corte Real, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Pereira Leite, Barão de Viamonte, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Cypriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Mártens Ferrão, Costa Pinto, Franco Frazão, Augusto Teixeira, Scarnichia, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, J. M. dos Santos, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Marçal Pacheco, Miguel Tudella, Pedro Roberto, Sebastião Centeno, Tito de Carvalho, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Cunha Bellem, Jalles, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Joaquim de Sequeira, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Martinho Montenegro, Santos Diniz e Visconde de Ariz.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Sousa e Silva, Antonio Cândido, Garcia Lobo, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Ramalho, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Emygdio Navarro, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Castro Mattoso, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Baima de Bastos, J. A. Pinto, J. C. Valente, Melicio, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Correia de Barros, José Borges, José Frederico, Lobo Lamare, José Luciano, Ferreira Freire, Oliveira Peixoto, Pinto dó Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde de Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Segundas leituras

Projectos de lei

1.° Senhores. - Os juros que se pagam por capitães mutuados não excedentes a 10$000 réis a irmandades, confrarias e corporações de mão morta, que não estão isentas de decima, ficam sujeitos ou obrigados ao pagamento de duas decimas ou quinto (instrucções de 22 de abril de 1851, artigo 63 § unico), abatendo-se as quantias correspondentes aos encargos pios e de beneficencia, a que estiverem sujeitos os capitães mutuados, e que constarem do» respectivos manifestos. (Decreto sobre consulta do conselho do estado de 30 de janeiro de 1804, Diario do governo n.° 79.)
Acontece, porém, senhores, que em alguns pontos do paiz e particularmente no concelho de Braga estas corporações por circumstancias até agora não sabidas, mas certamente ponderosas e imprevistas, fizeram os manifestos dos capitães mutuados sem a declaração das quantias correspondentes dos encargos pios e de beneficencia, a que estavam e estão sujeitos, resultando-lhes d'essa falta de que lhes não cabe toda a responsabilidade, o pedir-lhes a decima de todos os seus rendimentos provenientes de capitães mutuados.
Ora este facto, alem de não ser justo, não póde nem deve consentir-se por mais tempo.
Os capitães das irmandades e confrarias, senhores, pelo menos na minha provincia, e supponho que nas outras acontece o mesmo, foram em tempos passados o auxiliar mais benefico e valioso da nossa industria, commercio e agricultura, com reconhecido proveito para todos.
Ao presente porém as cousas passam-se por mui diverso modo, e as graves difficuldades com que luctam estas corporações reflectem-se mui notavelmente na nossa vida economica.
Os seus capitães são menos procurados, por os tomadores ficarem sujeitos a um encargo desigual e vexatorio. O capital particular fica mais barato, pois paga só uma decima e não duas ou 20 por cento, como o d'aquellas corporações, mas é mais exigente e prejudicial e de resultado menos benefico para quem d'elle se aproveita, e a nós cumpre-nos o providenciar por modo que aquellas corporações

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continuem a prestar o seu auxilio no desenvolvimento da riqueza publica.
No meu districto as irmandades e confrarias eram verdadeiros bancos agricolas, recurso salutar e proveitoso da agricultura, d'esse grande ramo da riqueza nacional, o maior na ordem das exigencias tributarias.
Nas circumstancias actuaes, porém, e no concelho de Braga, talvez excepcionalmente, este recurso tornou-se um vexame por se não ter feito o lançamento da decima annual de 1873 inclusive, e exigir-se agora no distrate dos capitães de uma só vez e por todos os annos considerados em divida o pagamento da decima dobrada e isto sem abatimento algum.
D'este modo o devedor fica arruinado e as corporações sujeitas a prejuizos gravissimos, de que resultará dentro em pouco estarem impossibilitadas de satisfazerem aos seus encargos e compromissos.
Sendo, pois, de toda a conveniencia pôr termo a este estado irregular, anormal e vexatorio, cuja responsabilidade não póde bem determinar-se, usando da minha iniciativa de deputado, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os rendimentos dos capitães das irmandades, confrarias, corporações de mão morta e de beneficencia, que não tenham privilegio especial de execução, ficam sujeitos ao lançamento da decima de juros.
Art. 2.° Os rendimentos correspondentes aos encargos pios e de beneficencia, a que estas corporações estiverem sujeitas, serão abatidos previamente para o effeito do lançamento.
Art. 3.° Para a execução do disposto no artigo antecedente servirá de base a conta legalmente approvada relativa ao anno anterior ao do lançamento.
Art. 4.° As disposições da presente lei aproveitam ás corporações e individuos anteriormente em divida por falta ou defeito do lançamento ou manifesto, sendo feito o pagamento da divida em prestações annuaes, dentro do praso de cinco annos, contados da data da publicação da presente lei.
Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario ás disposições da presente lei.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, aos 30 do março de 1880. = O deputado por Braga, José Borges Pacheco Pereira Faria.
Foi enviado á commissão de fazenda.

2.° Senhores. - A camara municipal do concelho de Penalva do Castello, districto de Vizeu, possue na caixa geral de depositos a quantia de 2:388$139 réis de capital, como demonstra o mappa do movimento do fundo especial de viação municipal, referente ao mez de dezembro do anno findo, e de juros vencidos até 30 de junho ultimo a quantia de 181$946 réis, o que tudo perfaz a somma de 2:570$085 réis.
Se as leis de 15 de julho de 1862 e 6 de junho de 1864 crearam a receita para o desenvolvimento da viação municipal, é certo que outras obras não menos uteis, não menos necessarias, não menos urgentes, têem que emprehender os municipios e, designadamente, aquella camara.
A construcção de alguns pontões e a construcção ou reconstrucção de fontes, de que tão absolutamente carece aquelle concelho, são obras de inadiável e imperiosa necessidade.
Não póde a camara, pelos meios ordinarios, satisfazer ás despezas que estas obras demandam, por isso que o seu orçamento está já tão sobrecarregado, que foi necessario no ultimo anno elevar a percentagem da contribuição directa de repartição a 63 por cento.
Na rasão inversa do augmento progressivo da despeza está infelizmente o preço dos generos agricolas, vinho, azeite e cereaes, unica fonte de receita em um concelho que não tem industria, e em que não póde alargar-se a esphera tributaria sobre o consumo, porque precarias são as circumstancias de todos.
Este concelho, como toda a Beira, comprehende uma área grandemente accidentada e na epocha de chuvas em cada quebrada se estabelece uma torrente; applicar, pois, capitães á construcção de pontões é melhorar a viação vicinal e concelhia, o que está no espirito das leis citadas.
Dar boa agua, agua limpa e abundante, ás povoações, é um melhoramento tão importante e salutar que basta enuncial-o.
Por todos estes fundamentos, tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo l.° É auctorisada a camara municipal do concelho de Penalva do Castello a desviar do cofre de viação municipal a quantia de 2:570$085 réis, para reparos e construcção de fontes e pontões.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, 30 de março de 1881.= O deputado por Vizeu, Ponces de Carvalho.
Foi enviado á Commissão de obras publicas, ouvida a de administração publica.

3.° Senhores.- As nações mais adiantadas da Europa e America têem, de ha muito, organisado os seus serviços de soccorros a naufragos, com o que prestam serviços relevantissimos aos navios de todas as nacionalidades. Em quasi todos os paizes está esse serviço a cargo de instituições particulares protegidas pelas pessoas de mais elevada gerarchia e poderosamente auxiliadas pelos governos centraes. Ha, geralmente, uma associação central que delega em differentes commissões locaes, nos pontos em que estabelece as suas estações e postos de soccorros, a direcção e administração do serviço, sujeitos a instrucção e regras perfeitamente definidas por essa mesma associação central.
Os governos auxiliam taes associações, quer fornecendo-lhes os custosos apparelhos de salvação, quer subsidiando pecuniariamente os serviços. Mencionaremos entre as outras as seguintes instituições:
A Royal National Life Boat Institution, organisada em Inglaterra em 1824, e consideravelmente desenvolvida e melhorada desde 1850;
A Société centrale de sauvetage des naufragés, organisada em 1864, sob a protecção da imperatriz dos francezes;
A Sociedad española de salvamento de naufragos, organisada em Madrid em 1879, sob os auspicios da rainha D. Maria Christina e da infanta D. Maria Izabel.
Como estas, outras na Itália, Allemanha, Hollanda, Russia, etc.
Em Portugal não ha ainda uma associação central similhante. fia apenas : barcos salva vidas em Espozende, Povoa de Varzim, Figueira, Paço d'Arcos, Ponta Delgada, Angra e Horta; uma escada de salvação em Sagres, que ainda nenhuns serviços prestou por falta de instrucção e pessoal habilitado; uma estação regularmente organisada na Foz do Douro; e finalmente, uma estação de primeira ordem em via de organisação em Vianna do Castello.
Esta ultima estação, devida a iniciativa da associação humanitaria dos bombeiros voluntarios d'aquella cidade, é a que póde fundadamente esperar-se que venha a ser uma verdadeira estação em serviço de soccorros a náufragos.
Administrada por modo que póde servir de modelo a associações do mesmo genero, a associação humanitaria de bombeiros voluntarios de Vianna do Castello, fundada em 1881 pela iniciativa de alguns habitantes da cidade, depois de haver tomado parte em serviço de incendios, que tem merecido o applauso dos entendidos, tomou sobre si o generoso encargo da installação, n'aquelle porto, de uma estação de primeira ordem de serviço de soccorros a naufragos, e ha dois annos que trabalha incessantemente para o conseguir.
Possue já a associação um barco salva-vidas dos mala

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aperfeiçoados que se conhecera, com o competente carro de transporte, e trata de completar a installação do serviço tendo já recrutada a tripulação do barco e havendo já effectuado alguns exercicios em occasião de temporal.
Bastantes, porém, são os sacrificios feitos pela associação e lucta actualmente com difficuldades para proseguir na installação e prover á sustentação do serviço, não obstante os subsidios da camara municipal e junta geral do districto.
Aproveitar a boa vontade e iniciativa d'aquella benemerita associação, é, cremos, um dever d'esta camara. Auxilial-a com um pequeno subsidio annual, e isentar do pagamento os apparelhos que tenha importado e haja de importar do estrangeiro: eis o que se nos affigura justissimo, e nesse intuito apresentâmos o presente projecto de lei.
Por occasião de despachar na alfandega do Porto, em maio de 1884, o barco salva-vidas, deixou a associação ali em deposito a quantia de 203:5000 réis approximadamente, e em fevereiro d'este anno depositou na mesma casa fiscal cerca de 120$000 réis, direitos devidos pela importação de um carro para transporte do barco.
N'estes termos, temos a honra de propor á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E concedida á associação humanitaria bombeiros voluntarios de Vianna do Castello a isenção de direitos para o material importado e que houver de importar do estrangeiro para o serviço de soccorros a naufragos n'aquelle districto.
§ unico. Serão restituidas á associação as quantias que depositou na alfandega do Porto em maio de 1884 e fevereiro de 1885 para retirar o barco salva-vidas e o competente carro, construido no Havre, e importado pela barra da mesma cidade.
Art. 2.° É concedido á mesma associação um subsidio annual de 300$000 réis, para melhoramento e sustentação do serviço indicado no artigo 1.°
Art. 3.° O governo empregará os meios que julgar convenientes para fiscalisar a boa applicação do subsidio.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 30 de março de 1885. = Ernesto Julio Goes Pinto = Miguel Dantas Gonçalves Pereira.
Foi enviado á Commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 76-C de 10 de fevereiro de 1879, que tem por fim regularisar o vencimento do guarda mór de saude no districto de Angra do Heroismo, sobre o qual já recaiu parecer favoravel da commissão de fazenda, ouvida a de saude, de accordo com o governo.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 30 de março de 1885.= Barão de Ramalho.
Lida na mesa, foi admittida e enviada á Commissão de fazenda, ouvida a de saude publica.

O projecto a que se refere esta proposta é o seguinte:

Senhores. - O serviço de saude publica deve ser considerado como um dos mais importantes prestado ao estado e por consequencia deve ser bem remunerado.
Não sem grandes riscos e acrisolado patriotismo cumprem as suas difficeis funcções todos os empregados de saude, especialmente os incumbidos das visitas aos navios em todos os portos. Não só expõem a sua vicia em repetidas e varias occasiões, quando têem que luctar com a bravura dos mares em procura das embarcações quando demandam os portos; mas tambem por causas extraordinarias são os guardas mores de saude obrigados a tratar dos doentes, que trazem muitos, quê ficam impedidos quando não tem logar o regulamento de saude n'esses portos, e taes navios têem de fazer a competente quarentena junto aos lazaretos. A desigualdade na remuneração dos empregados de saude nos differentes portos, especialmente nos das ilhas dos Açores, cujas circumstancias maritimas são iguaes, não póde continuar. Aos portos d'aquellas ilhas chegam embarcações de toda a parte do mundo, o commercio nos ultimos annos tem augmentado e diversamente são remunerados os dois guardas móres de saude.
Não póde occultar-se que o serviço feito pelo guarda mor de Angra do Heroismo está hoje mal recompensado com o vencimento annual de 400$000 réis, quando o de Ponta Delgada é pago pelo duplo.
Em Ponta Delgada as visitas são feitas quando as embarcações se acham fundeadas já na ilha, e em Angra só póde executar-se em mar largo, sem as vantagens que dão as visitas d'aquella fórma feitas, e com grave risco de vida a que estão expostas as auctoridades maritimas encarregadas do serviço de saude.
Os corpos legislativos têem reconhecido a necessidade da elevação dos vencimentos dos guardas mores de saude de todos os portos dos Açores e Madeira, e ainda ultimamente pelas leis de 8 e 23 de maio de 1878 foram creados em quatro ilhas dos Açores differentes logares de guardas mores e sub-delegados de saude com o vencimento de réis 600$000.
São de certo menos importantes as funcções d'aquelles funccionarios comparadas com as dos guardas móres do districto, e por consequencia completamente justificavel a necessidade de elevar o vencimento do empregado de saude do porto de Angra do Heroismo.
Alem de que aquelles funccionarios têem outras gratificações pagas pelas municipalidades e misericordias das quatro ilhas dotadas com aquelle beneficio, emquanto que os outros empregados nem emolumentos têem, pois entram todos no cofre da fazenda.
Por tão justos e incontestaveis motivos, e porque nem mesmo é conveniente continuar a existir uma tão grande desigualdade de vencimentos em empregados da mesma categoria, como presentemente se dá, temos a honra de vos apresentar ò seguinte projecto de lei:
Artigo l.° É elevado a 800$000 réis o ordenado do guarda mór de saude do porto de Angra do Heroismo.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da camara dos senhores deputados, 10 de fevereiro de 1879. = Visconde de Sieuve de Menezes, deputado pela ilha Terceira - Pedro Roberto Dias da Silva, deputado pelo circulo das Vélas.

REPRESENTAÇÕES

1.ª De officiaes de diligencias da comarca de Penafiel, pedindo lhes sejam pagas as suas diligencias nos processos de recrutamento.
Apresentada pelo sr. deputado Eduardo José Coelho, enviada á Commissão de legislação civil, e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª De officiaes de diligencias da comarca de Leiria, no sentido da antecedente.
Apresentada pelo sr. deputado Pereira dos Santos e enviada às commissões de fazenda e guerra.

3.ª De amanuenses do tribunal de contas, pedindo para serem equiparados nos vencimentos aos amanuenses da direcção geral da contabilidade.
Apresentada pelo sr. deputado Pereira a dos Santos e enviada ás commissões de fazenda e guerra.

REQUERIENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara os relatorios annuaes dos tres inspectores de

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instrucção secundaria do continente, relatiramente aos tres ultimos annos lectivos. = O deputado, J. Simões Dias.
Mandou-se expedir.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Declaro a v. exa. que o sr. deputado João Arroyo me incumbiu o dever de a v. exa. participar que por motivo justificado tem faltado ás sessões desde o dia 26 até hoje. Igualmente faço a participação de que por incommodo de saude não compareci ás sessões dos dias 28 e 30 do corrente. = O deputado, Ribeiro Cabral.
Para a acta.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De João Borges Rocha, segundo sargento reformado, pedindo melhoria de reforma no posto de alferes.
Apresentado pelo sr. deputado Mendes Pedrosa e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

2.° De Francisco Augusto Ramos, alferes do regimento do infanteria n.° 14, em tirocinio para o corpo de estado maior, pedindo que lhe seja reduzido a dois annos o tempo de tirocinio.
Apresentado pelo sr. deputado Simões Dias e enviado á Commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

3.° De João Vicente Sant'Anna Dias, segundo pharmaceutico do quadro de saude da provincia da Guine portugueza, pedindo melhoramento de situação.
Apresentado peio sr. deputado Elvino de Brito e enviado ás commissões de saude e ultramar, ouvida a de fazenda.

4.° Do presbytero Bernardo Alvos Valente, coadjuctor na freguezia de Villa Franca do Xira, pedindo augmento do subsidio que lhe é dado pelo governo, em virtude dos seus serviços prestados n'algumas colonias portuguezas.
Apresentado pelo sr. deputado Elvino de Brito e enviado á commissões do ultramar e de fazenda.

Foram lidas e approvadas as ultimas redacções dos projectos de lei n.° 20, approvando o contrato para o estabelecimento de um cabo submarino para a Africa occidental; e n.° 27, isentando de impostos de tonelagem, de docas e outros os vapores que procurarem os portos das ilhas dos Açores para se refazerem de carvão para a continuação da viagem.
Foram expedidos para a outra camara.

O sr. Eduardo Coelho: - Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da comarca de Penafiel, em que pedem se attenda á sua sorte, que é má, principalmente pela duplicação do seu serviço com o recrutamento desde 1882.
Visto esta representação estar em termos dignos, peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação no Diario do governo.
O sr. Simões Dias: - Antes de expor o fim principal que me determinou a pedir a palavra, mando para a mesa um requerimento assignado pelo sr. Francisco Augusto Ramos, alferes do regimento de infanteria n.° 14, em tirocinio para o corpo do estado maior, no qual este distincto official vem pedir ao parlamento que lhe sejam extensivas as vantagens que, por qualquer providencia legislativa, forem concedidas aos primeiros sargentos graduados aspirantes a officiaes de infanteria e cavallaria, que terminaram os respectivos cursos no anno lectivo de 1883 a 1884, bem como aos alumnos da escola polytechnica e da universidade que no mesmo anno terminaram o terceiro anno preparatorio para as armas especiaes e de estado maior.
Sr. presidente, o signatario d'este requerimento foi prejudicado pela reforma do exercito de 30 de outubro de 1884, que veiu, pelo principio inqualificavel da retroactividade, obrigal-o a tres annos de tirocinio para o estado maior, quando pela legislação vigente no anno em que terminou o curso apenas era obrigado ao tirocinio de dois annos. Esta grave injustiça, que naturalmente será reparada para os alumnos a que me referi, conto que será tambem reparada em beneficio d'este, que é hoje um official que muito honra a sua classe e que durante o seu longo e difficillimo curso obteve as melhores classificações e applausos por seu talento, aptidão e costumes.
Tenho, pois, o direito de esperar que a illustre Commissão de guerra levará em conta estas informações e saberá fazer inteiramente a justiça que se pede.
Mando tambem para a mesa, para que v. exa. lhe dê o destino conveniente, o seguinte requerimento:
«Requeiro que pelo ministerio do reino sejam enviados a esta camara os relatorios annuaes dos tres inspectores de instrucção secundaria do continente, relativamente aos ultimos tres annos lectivos.
«Sala das sessões, 31 de março de 1885. = O deputado, J. Simões Dias.»
Agora passarei a outro assumpto.
Vi hoje, casualmente no Diario das sessões, que o sr. deputado por Tondella requererá ha poucos dias, que pelo ministerio do reino lhe fosse enviada copia do attestado passado pela camara municipal de Tondella ao mancebo João, filho de João Carvalho, da Lageosa, documento com que pôde livrar-se do serviço militar aquelle mancebo. Parece que s. exa. acrescentára, quando fez o pedido, que havia de mostrar com aquelle documento que a camara municipal de Tondella era incapaz de passar um attestado falso.
Sr. presidente, eu venho reforçar o pedido do sr. deputado por Tondella, rogando a v. exa. que empregue todas as diligencias para que o documento pedido seja enviado a esta camara o mais depressa possivel.
E permitta a camara que eu dê os motivos da minha instancia.
Quando na sessão do dia 17 eu usava da palavra para combater o bill de indemnidade, referindo-me aos defeitos das nossas leis sobre recrutamento militar, citei uma fraude que se praticára no concelho de Tondella e disse por essa occasião o seguinte:
«Vive no concelho de Tondella um mancebo que pretendeu livrar-se do serviço militar, allegando que era irmão de outro que já havia pago o imposto de sangue. Ora tal irmão não existia, nem podia existir, legalmente nas condições especiaes em que se encontrava o pae que é homem casado e como tal não póde perfilhar filhos adulterinos; mas a verdade é que por artes escuras, por empenhes e ardis, o mancebo em questão pôde provar perante a Commissão districtal que tinha um irmão! E provou-o com attestados da junta de parochia, da camara municipal e da administração do concelho! Os attestados eram evidentemente falsos, mas foram tidos por verdadeiros, e o mancebo apurado conseguiu isentar-se do serviço! Em vista d'esta isenção fraudulenta foi chamado o immediato que teve de sujeitar-se ao onus que não lhe competia, vindo assim a pagar o innocente pelo culpado.»
Estas foram as palavras que eu proferi e que mantenho e que ratifico.
E como as tremendas accusações que vão envolvidas n'aquellas palavras foram feitas por mim, sem que o deputado por Tondella protestasse na occasião, entendo que o tardio pedido do documento incriminado e por mim reputado falso significa uma resposta indirecta ás minhas palavras, e nesta hypothese cumpre-me declarar á camara que não é meu costume fazer accusações sem provas, nem

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formular affirmações que logo não possa provar. (Apoiados.)
O que disse na sessão do dia 17 confirmo hoje, porque ainda estou convencido de que a camara municipal de Tondella não attestou a verdade quando confirmou o attestado da junta de parochia da freguesia de Lageosa que affirmou sob juramento que o mancebo João, filho de João Carvalho, tinha um irmão que era um tal Antonio, filho da viuva Mathilde da Silva, um irmão impossivel, um irmão que nenhuma lei póde reconhecer!
Eu reconheço, sr. presidente, que a minha accusação é grave, e que é de toda a conveniencia, para honra da camara de Tondella, a confirmação ou contradicção das minhas palavras, que este escuro negocio se liquide quanto antes, e é por isso que de novo rogo a v. exa. que dê as suas ordens para que o documento pedido pelo sr. deputado de Tondella seja presente a esta camara no mais curto espaço de tempo.
Acrescento ainda: se porventura a demora na remessa do attestado pedido tiver de ser grande, offereço á camara e ao sr. deputado por Tondella os documentos authenticos do processo, que está aqui (mostrando-o). Encurtaremos tempo e liquidaremos a questão promptamente. As provas das minhas affirmações estão n'estes documentos. Os attestados da camara, do administrador do concelho e da junta de parochia formam parte d'este processo. Ficara á disposição de quem tiver a curiosidade de saber por que modo se livram recrutas no concelho de Tondella. (Riso.)
Sr. presidente, passo a outro assumpto; e faço-o com repugnancia, porque tendo de referir-me ao sr. ministro do reino, vejo que os bancos dos ministros estão desertos! Nem um só dos membros do gabinete ali está! Que despreso é este pelo parlamento? (Apoiados.)
Ha tres mezes e meio que está aberto o parlamento, e nem uma só vez aqui appareceu antes da ordem do dia o sr. ministro do reino! Nem uma vez, pelo menos!
Sr. presidente, este procedimento é inqualificavel e não póde admittir-se no regimen representativo. O logar dos ministros, estando aberto o parlamento, é n'aquelles bancos, antes e na ordem do dia. Se não podem estar todos, venha pelo menos um. (Apoiados.)
Muitos dos meus collegas têem feito saber ao sr. ministro do reino que desejam chamar a sua attenção para negocios de interesse publico; mas s. exa. não apparece! Os negocios de interesse publico, dirá s. exa., que esperem. Mas se tal desprezo merecemos aos ministros, não seria mais decente e mais económico encerrar o parlamento? (Apoiados.)
Por mais de uma vez tenho visto, que muitos dos meus collegas ou pedem a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino, irrisoria esperança porque o ministro não vem nunca, ou pedem a algum membro do gabinete, que por acaso esteja na sala, o favor de communicar ao seu collega o desejo que têem de lhe fazerem perguntas e pedir explicações.
Mas o resultado é sempre o mesmo. Ou os avisos e solicitações não chegam aos ouvidos de s. exa., ou s. exa. não póde ou não quer vir a esta casa do parlamento.
E comtudo era bom, era conveniente, era justo, que viesse, pelo menos uma vez por semana ou por mez, porque os negocios, sobre os quaes muitos dos meus collegas e eu especialmente desejamos ouvil-o, estão sendo prejudicados com a ausencia do retardatario ministro. (Apoiados.)
Somos os representantes da nação e a final não temos a quem apresentar as nossas queixas e as reclamações dos povos.
Sr. presidente, lamento a ausencia do ministro, já porque ella denuncia um completo desprezo pela camara, já porque n'este momento desejava chamar a sua attenção para alguns negocios que estão correndo pelo seu ministerio ou d'elle dependem.
Um d'esses negocios refere-se aos factos que estão succedendo no concelho de Cintra.
Ha mais de quinze dias o meu collega o sr. deputado Simões Ferreira, no uso do seu direito, interpellou o gabinete representado então não sei por qual dos seus membros, visto que não estava, como não está nunca, o sr. ministro do reino que era a pessoa a quem elle desejava dirigir-se, ácerca do estado cahotico em que se encontram os negocios administrativos no concelho de Cintra.
Por essa occasião tambem eu tive a honra de ser procurado por uma Commissão de cavalheiros d'aquella localidade, que me encarregaram de pedir na camara ao sr. ministro do reino todo o seu cuidado e toda a sua attenção para o estado deploravel da administração n'aquelle concelho.
Não me desempenhei logo do encargo, como o fez o meu amigo sr. Simões Ferreira, porque, não vendo o sr. ministro do reino, alimentei por bastante tempo a enganadora esperança de que mais dia menos dia teria o prazer de o encontrar aqui antes da ordem do dia.
Hoje dou-me por desenganado e vejo-me na triste necessidade de renovar as instancias do meu collega na ausência do ministro, porque quero crer que, não podendo s. exa. ouvir as minhas palavras, talvez possa lel-as no Diario das sessões.
O que se passa em Cintra é um symptoma da relaxação administrativa que envergonha o governo, e não deve continuar.
O administrador d'aquelle concelho anda em Lisboa ha muitos mezes em uso de licença indefinida, e a administração ficou entregue a um substituto, que me dizem não é bem visto, nem possuo competencia de qualidade nenhuma. É um pequeno tyrannete local que não está á altura do cargo que exerce, á similhança de outros que estão á frente das administrações dos concelhos por esse paiz fôra, e são conservados por um sophysma da lei. Os effectivos, ou não se nomeiam, ou são logo licenceados, e os substitutos perpetuam-se então no poder. (Apoiados.)
A misericordia de Cintra é administrada, não por uma mesa legalmente eleita, mas por uma Commissão administrativa, que se compõe e recompõe a capricho e segundo as necessidades do arranjo; e isto ha quatro annos, quando nenhuma lei permitte similhante cousa, antes dispõe o codigo administrativo que taes commissões apenas funccionam até se fazer a eleição em harmonia com o estatuido no compromisso. (Apoiados.)
Ora a eleição não se faz ha quatro annos, e por isso devo concluir que ha interesse particular em não se fazer. Que interesse será esse que se antepõe á lei expressa?
Sr. presidente, como quer v. exa. que eu classifique o procedimento das auctoridades que cruzam os braços e deixam que os mandões locaes calquem a lei a pés juntos? (Apoiados.)
Renovo, portanto, o pedido feito aqui pelo meu illustre amigo o sr. Simões Ferreira, insto com o sr. ministro do reino para que de prompto remedio áquelle estado de cousas, tão irregular, tão incorrecto e tão revoltante. (Apoiados.)
A mesma incúria governamental, que se observa nos negocios puramente administrativos, dá-se no serviço importantíssimo de ensino publico, tanto na instrucção primaria, como na secundaria e superior.
Relativamente ao ensino primario, leio nos jornaes de hoje uma carta curiosa de um professor de uma freguezia do districto da Guarda, que traduz perfeitamente a decadencia a que chegou ir este paiz o officio de ensinar meninos.
Peço licença á camara para ler alguns trechos d'essa carta que anda impressa, como já disse:
«Sou professor n'um dos concelhos do districto da Guarda» diz áquelle desgraçado, «e não recebo cinco réis ha muito tempo! Devem-me o ordenado de oito mezes e as

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gratificações de dezeseis! Não ponho pontos de admiração porque estou já acostumado a isto!
«Quero dizer cá na minha, em termos simples e claros, que vivo na miseria e na desgraça, sem um bocado de pão com que matar a fome, envolto em trapos, sem credito para recorrer ao emprestimo, sem nada!
«Careço de tudo o que é mais indispensavel á vida. Note que todos os meus collegas do districto vivem nas mesmissimas circumstancias...
«... O nosso infortunio é tal, é tão grande, que espero achará echo em seu bondoso coração.
«Alguns dos meus collegas tem já estendido a mão á caridade publica, outros vivem á mercê do favor de qualquer vizinho, que por dó lhes dá um caldo para não vel-os morrer á fome. ..
«Ás representações, que alguns dos meus collegas mandam para o parlamento, responde-se-lhes com o silencio profundo.»
Sr. presidente, esta carta não precisa de commentarios, não careço de ler o mais que n'ella se contem. A situação dos professores de ensino primário é tão evidentemente afflictiva, as suas circumstancias tão deploraveis, os seus meios tão escassos, a sua pobreza tão extrema, que não é preciso carregar as tintas de um quadro que todos reconhecem e têem por commovente. (Apoiados.)
Sr. presidente, não se diga que o parlamento continua a responder com o silencio do despreso ás representações d'aquelles obscuros e corajosos obreiros do progresso. Chamo-lhes corajosos, sr. presidente, porque só por um prodigio de dedicação civica é que póde comprehender-se que o professor de primeiras letras se resigne a fazer bom serviço e a exercer honrada e zelosamente a sua profissão, tão trabalhosa e tão difficil, sem premio, sem recompensa, e sem outro galardão que não seja o da sua consciencia.
Ouço amesquinhar o rude exercicio do magisterio primario e alcunhar de menos diligentes e até de incapazes alguns d'aquelles modestos servidores do estado. Dado que assim fosse, pergunto eu: como é que o estado quer bom serviço por pouco dinheiro? onde está o direito de censurar um empregado publico a quem o mesmo estado não paga o ordenado que lhe deve e pelo pagamento do qual se obrigou? (Apoiados.)
As leis de 1878 e 1881 foram, em verdade, um grande progresso, e obedeceram a certos principios democraticos que são a gloria da escola liberal; mas foram sophismadas na pratica, e descentralisando os encargos para os municipios pozeram o professor n'uma dependencia infeliz e reduziram-no á miseria, porque as camaras allegam a falta de meios e não pagam os subsidios que por lei são obrigadas a pagar.
Se ha uma ou outra camara, como a de Vizeu, que tem os seus professores pagos em dia; outras, como algumas do districto da Guarda, não pagam ha mais de oito mezes os miseraveis ordenados aquelles infelizes que nos accusam porque não damos attenção ás suas queixas. É cruel!
Se o sr. ministro do reino estivesse presente, perguntar-lhe-ia se está disposto a propor alguma medida legislativa ou a decretar alguma providencia tendente a melhorar a situação d'aquelles infelizes que a necessidade obriga a estenderem a mão á caridade publica!
É provavel que s. exa. nem n'isso tenha pensado, porque as vozes dos desprotegidos não costumam echoar nas secretarias. (Apoiados.)
Em relação á instrucção secundaria nada direi hoje porque fico aguardando os relatorios que pedi, para opportunamente fazer as considerações que me suggerirem esses documentos e a triste experiencia que tenho das cousas e das pessoas que se ligam á melindrosa questão do nosso cahotico e irregularissimo ensino medio.
O modo infeliz como tem sido executada a lei organica de 14 de junho de 1880 e o desgraçado decreto de 23 de maio de 1883, renovado em 1884, são materias que requerem discussão larga e demorado exame. A seu tempo voltarei a este assumpto.
Quanto á instrucção superior e especial, perguntaria hoje ao sr. ministro do reino, qual o destino que tem dado ás consultas que das escolas superiores todos os annos vem ao ministerio do reino pedindo a remodelação dos quadros do ensino e propondo providencias que a pratica está aconselhando.
Provavelmente respondia-me que a reforma do ensino superior requer pausado e detido exame, e que negocios mais urgentes absorvem a attenção do governo.
Mais urgentes, sr. presidente! Haverá n'este paiz negocio mais urgente, necessidade mais inadiavel do que remediar o modo vergonhoso como está sendo ministrado o ensino nas escolas superiores? (Apoiados.)
Está sendo ministrado, é um modo de dizer. N'algumas cadeiras já não ha ensino nenhum, nem bom nem mau. (Apoiados.) Algumas cadeiras da universidade estão fechadas por falta de professores...
(Interrupções.)
Alguns senhores deputados estão confirmando o que eu digo.
Os jornaes dizem que só na faculdade de direito estão fechadas desde ha muito tempo tres cadeiras.
No terceiro anno da faculdade de direito duas cadeiras estão fechadas. (Apoiados.)
V. exa., sr. presidente, calcula qual seja o resultado d'este despreso pelos mais caros interesses publicos.
Quando chegarmos ao fim do anno lectivo, ao dar das provas, quero que me digam como é que os lentes hão de saír do terrivel dilemma: ou reprovar, como é de justiça, os estudantes que não sabem, e tal procedimento é uma crueldade porque vão exigir aos alumnos conhecimentos que ninguem lhes deu; ou approvar por dó, por commiseração, e n'este caso antepõem a indulgencia á imparcialidade do julgador.
Como saír do lance?
Reprovar é uma crueldade, approvar é uma injustiça.
(Interrupções.)
O sr. deputado, que me interrompe, está dizendo ironicamente, que sejam dispensados do serviço d'esta casa os professores da universidade que têem logar ao nosso lado. Respondo que não seria preciso recorrer a esse extremo, para que na universidade funccionassem todas as cadeiras; bastaria que fossem obrigados a recolher a Coimbra os lentes que não exercem commissões de serviço inadiavel.
Já houve um governo neste paiz que teve a coragem de retirar das commissões em que estavam sem absoluta necessidade de serviço os professores que mais falta estavam fazendo ao serviço universitário. E foram. Fique sabendo o sr. deputado que os taes professores não tiveram mais remédio que recolher aos seus legares.
É que n'esse tempo ainda se cumpria a lei e se respeitava o principio da auctoridade.
O bispo da Guarda ainda não tinha perguntado ao ministro da justiça que o reprehendia: «Quem é que n'este paiz cumpre as leis?»
Porque é que este governo não fez o mesmo que fez o gabinete reformista?
Porque não manda os professores para as suas cadeiras?
Uma voz: - Estão lá alguns.
O Orador: - Mas não estão todos os que podem e devem estar.
Quando o funccionario publico é professor, a sua primeira e principalissima obrigação é a regencia da cadeira. Não ha nenhuma Commissão de confiança do governo que possa preterir a Commissão do ensino. (Apoiados.)
Só em casos muito extraordinarios é que se póde admittir que esteja o professor ausente da sua cadeira.
O que nunca póde admittir-se é que as cadeiras se fechem, e os alumnos se licenceiem indefinidamente, como esta succedendo na universidade. (Apoiados.)

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Sr. presidente, vou concluir porque é para mim summamente desagradavel referir-me aos srs. ministros, que estão ausentes. Quando tiver a fortuna de encontrar aqui algum membro do gabinete, antes da ordem do dia, então desenvolverei os pontos que pela fatalidade das cirmstancias apenas me foi permittido indicar hoje.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Franco Frazão: - Mando para a mesa uma nota renovando a iniciativa de um projecto de lei, e uma representação da camara municipal de Penamacor sobre a crise agricola.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Esta questão está entregue a uma Commissão e por isso abstenho-me de fazer agora quaesquer reflexões sobre o assumpto. Apenas direi que na resolução da questão agraria é preciso ter em vista que a nossa agricultura não póde progredir especialmente pela falta de capitães, e os poucos de que ella poderia dispor para o seu progresso são sequestrados pela crise agricola.
O sr. Luiz Dias: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de me informar se já vieram os esclarecimentos que pedi pelo ministerio da guerra relativamente ao concurso para os logares de capellães militares, constando-me extraofficialmente que foram despachados todos os individuos menos aquelles que tinham sido classificados com distincção; e pelo ministerio da justiça, com relação a uma correspondencia official trocada entre o juiz de direito da comarca de Arcos de Valle de Vez e a presidencia da relação do Porto, relativamente ao julgado de Suajo, d´aquella comarca.
O sr. Secretario (Ferreira de Mesquita): - Os pedidos feitos pelo sr. deputado foram expedidos em officio de 16 d´este mez e ainda não veiu resposta.
O sr. Luiz Dias: - Agradeço a informação que a mesa me dá e insto pela remessa d´esses documentos.
O sr. Elvino de Brito: - Mando para a mesa um projecto de lei regulando o serviço da tribunaes de justiça militar no ultramar.
Permitta-me v. exa. que eu leia o relatorio que precede este projecto, cuja importancia é de todos bem sabida.
A falta de iniciativa por parte do governo, a quem compete occupar-se desveladamente d´estes assumptos, força-me a apresentar á consideração da camara este trabalho, que não tem pretenções a perfeito, mas attende a uma das mais instantes necessidades da nossa administração colonial. Identico motivo me aconselha a apresentar outros projectos de lei, que successivamente irei submettendo á deliberação do parlamento.
(Leu.)
Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa um requerimento do sr. João Vicente Sant´Anna Dias, muito digno 2.°pharmaceutico do quadro de saude da provincia da Guiné portugueza, no qual reclama, com justificada rasão, contra a disposição do decreto de 2 de dezembro de 1869, que estabelece desigualdade de vencimento e de graduações entre os facultativos e pharmaceuticos da metrópole e os do estado da India, não obstante serem uns e outros incumbidos de serviços de identica responsabilidade e igual competencia.
Ha tres annos, quando pertencia á maioria d´esta camara, tive a honra de apresentar um projecto de lei removendo de algum modo as iniquidades que infelizmente ainda subsistem no referido decreto, não obstante os bons desejos manifestados na presente legislatura por um illustre collega, que se senta ao lado de v. exa.
Confio nos sentimentos de justiça da camara e na solicitude da Commissão do ultramar, e ouso esperar que não deixarão ficar no limbo do esquecimento este assumpto, que reputo importantissimo, porque estão sendo feridos interesses que têem direito á nossa consideração e ao nosso respeito.
Mando tambem para a mesa um requerimento da sr. padre Bernardo Alves Valente, que tendo servido approximadamente treze annos, sempre com boa nota e honradamente, na provincia de Moçambique, hoje apenas recebe o subsidio annual de 106$666 réis!
Este digno ecclesiastico tem solicitado, ao abrigo da lei vigente, alguns logares na metropole, confiada na justiça da mesma lei, que estabelece preferencia, no provimento de cargos publicos, a favor dos que tenham servido no ultramar. Infelizmente, porém, nada tem conseguido até hoje.
Esta camara já por duas vezes recommendou a pretensão do sr. Valente á consideração do governo, que continua indiferente aos bons serviços por elle prestados em Africa.
Peço que este requerimento seja mandado ás commissões respectivas, e á comissão do ultramar peço que não deixe passar sem exame este negocie, ainda na presente sessão. Sobre elle chamarei ainda a attenção do governo, quando veja presente algum membro do gabinete.
O sr. Pereira dos Santos: - Mando para a mesa duas representações, uma dos officiaes de diligencias da comarca de Figueira da Foz, pedindo que sejam remuneradas as diligencias que fizerem em processos de recrutamento; e outra de alguns amanuenses do tribunal de contas, pedindo que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos amanuenses da direcção geral da contabilidade.
Peço a v. exa. que se digne mandar dar o destino conveniente a estas representações.
Mando igualmente para a mesa um projecto de lei no sentido da representação dos empregados do tribunal de contas.
O sr. Simões Ferreira: - Pedi a palavra para agradecer ao meu collega e amigo o sr. Simões Dias o ter vindo com a sua voz auctorisada perguntar se alguma vez teremos a ventura de ver n´esta casa, antes da ordem do dia, o sr. ministro do reino, para se lhe pedirem explicações ácerca de assumptos graves da administração do paiz, e principalmente sobre a administração do concelho de Cintra, em que já aqui fallei.
Eu não tenho, nem o meu amigo tem tido, o gosto de ver aqui o sr. ministro do reino, e por isso tenho estado completamente silencioso: sigo a pratica de não gastar tempo inutilmente. Desde que me convenci de que o ministerio adoptou como praxe desprezar a representação popular, e não fazer caso do pedido dos deputados, julguei que não valia a pena estar gastando tempo com estas reclamações por mais serias que sejam.
Agradeço ao meu amigo o ter vindo, com o auxilio da sua voz auctorisada, pedir a presença do sr. ministro do reino, porque talvez, que em attenção, não ao parlamento, mas por consideração pessoal, se digne aqui comparecer: e, se vier, já vejo que tenho um amigo ao meu lado, para perguntarmos ao sr. ministro se se resolve a metter em ordem a administração do concelho de Cintra, que é deploravel.
Nos tres mezes em que as camaras têem estado abertas ainda aqui não veiu o sr. ministro, antes da ordem do dia, uma unica vez: póde ser que se passem ainda mais dois, e que não tenhamos occasião de pedir ao sr. ministro que queira introduzir uma administração seria e honrada no concelho de Cintra, porque a que está não póde continuar.
O sr. Ribeiro Cabral: - Mando para a mesa uma declaração de que por incommodo de saúde não compareci as sessões de 28 e 30 do corrente; e declaro tambem que o sr. deputado Arroyo tem faltado às sessões desde 26 até hoje por motivo justificado.
A declaração vae no expediente.
O sr. Alfredo Peixoto: - Hesitei em expor nesta sessão algumas observações sobre os assumptos da instrucção pu-

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blica que o nosso illustre collega o sr. Simões Dias, meu distincto collega tambem no professorado, teve a bondade de tratar, ou antes de lembrar á consideração da camara.
São tantas e tão urgentes as necessidades da instrucção publica, que, com franqueza, declaro a v. exa. que, n´este momento, não me sinto com animo de referir-me a todas; e é manifesto que a camara não está em melhor disposição para escutar-me com a attenção que tão importante assumpto merece e reclama.
Apontar essas necessidades, indicar as principaes, e insistir em lembral-as, é já um bom serviço, é um verdadeiro beneficio. Aqui está porque eu, referindo-me ao que disse o sr. Simões Dias, tive o cuidado de dizer que s. exa. havia tido a bondade de chamar a attenção dos poderes publicos para esta questão.
Mas s. exa. foi excessivamente benevolo para ministros que já têem gerido os negocios da instrucção publica, em tempos que ainda não são remotos; e menos justo, ou demasiadamente rigoroso, para aquelle a quem actualmente está confiada esta parte importante de administração publica.
Uma das necessidades em que o sr. Simões Dias mais se demorou, sr. presidente, está revelada no facto de ter a universidade de Coimbra fechadas muitas cadeiras; «só na faculdade de direito, em tres, não tem havido aulas», acrescentou s. exa.
Por informações seguras que tenho, são estas as unicas que estão fechadas ha universidade, não á falta de professores que possam regel-as, mas porque não ha quem queira encarregar-se d´ellas.
Não é do actual ministro a principal culpa d´este grande mal; mais concorreu para esta calamidade quem supprimiu todos os logares de substitutos extraordinarios e alguns de ordinarios. D´esta suppressão não tem resultado só o mal que estâmos lamentando; mais funestas consequencias teve essa providencia de miseravel economia.
É assim mais demorado o ingresso no magisterio, do qual são desviadas muitas capacidades de reconhecido merito, que teriam ficado na universidade, onde haviam de prestar muitos e bons serviços, se tivessem encontrado aberta cedo a porta do magisterio.
Nas providencias que o sr. Simões Dias declarou que pretendia solicitar do sr. ministro do reino, parece haver uma censura, talvez justa, aos lentes da faculdade de direito, que consentem que por tanto tempo estejam fechadas cadeiras na sua faculdade.
Pois eu quizera que este nosso illustrado collega tivesse antes prestado a sua homenagem de louvor aos sabios e virtuosos lentes da faculdade em que s. exa. foi estudante distinctissimo, um dos primeiros do seu tempo, mui considerado por mestres e condiscipulos. A faculdade de theologia está sem substitutos; tem até incompleto o quadro dos cathedraticos; comtudo n´essa nem uma só cadeira está fechada.
Sem queixas, muito serenos e com a satisfação do dever cumprido, com manifesto aproveitamento dos alumnos, os sete eximios lentes da faculdade de theologia têem feito o serviço todo.
Para estes talentosos professores, desejava eu e muito que o sr. Simões Dias tivesse phrases de louvor e justiça.
Tambem não tem havido interrupção nas aulas da illustradissima faculdade de medicina, cujo quadro docente está completo.
Na faculdade de philosophia ha apenas um substituto; dois dos seus cathedraticos estão n´esta camara; e nenhuma cadeira tem estado fechada.
O serviço tem sido feito com todas as vantagens por sete professores eminentes, de alguns dos quaes tive a honra de ser discipulo.
A minha faculdade tambem está sem substitutos.
Em serviço effectivo estão apenas quatro lentes cathedraticos, de superior merecimento, os quaes têem acudido com solicitude a todas as necessidades do ensino, auxiliados por dois doutores e um licenciado, meus antigos discipulos muito distinctos, que em breve espero ter por collegas.
Na nobre faculdade de direito é certo que têem estado fechadas algumas cadeiras; consta-me que as de direito penal, de direito administrativo e de economia politica. Os professores destas faculdades podiam ter evitado esta falta, prestando-se tres a accumular estas com as suas cadeiras; cada um tem merecimentos e recursos para bem reger duas cadeiras.
Talvez por isto seja justa a censura que o illustre deputado o sr. Simões Dias parece ter-lhes dirigido.
Mas ouça o illustre deputado um facto, de que vou dar-lhe noticia.
Ha um anno, n´uma das faculdades da universidade, um professor prestou-se a reger tres cadeiras, accumulando com a sua mais duas, uma das quaes era do primeiro anno.
Acceitou encargo tão pesado, logo que, em congregação do conselho da sua faculdade, foi declarado que teria de ser fechada a cadeira do primeiro anno, porque então nenhum outro estava disposto a prestar similhante serviço.
Esse professor fez então um sacrificio enorme, em circumstancias dolorosissimas para elle, porque, havia poucos dias, tinha perdido duas pessoas muito queridas da sua familia e estava amargurado com uma enfermidade que affligia seu venerando pae.
Como o serviço d´esse professor foi reconhecido não posso bem dizer.
Offendido no exercicio das suas funcções e nos seus brios de professor, sem um motivo, sem um pretexto sequer, bateu ás portas dos tribunaes onde devia ser-lhe feita justiça; e encontrou-as todas fechadas!
O illustre deputado não imagina a que abatimento foi arrastada a disciplina academica!
E aqui tem outra causa porque ha tantos lugares vagos nos quadros do pessoal docente.
A disciplina caiu prostrada; e esta calamidade assusta muitos.
Tinha muito que dizer sobre este assumpto; mas tenho medo de mim.
A grande necessidade não está na instrucção superior; mas sim na instrucção secundaria. A primeira de todas as necessidades, impreterivel e capital, é prohibir aos professores de instrucção secundaria a industria da leccionação particular. (Apoiados.) Sem isto, não ha providencia efficaz para o ensino publico; nem póde haver boa instrucção nacional.
Já estamos no ultimo dia de março; e as commissões de instrucção publica não se dignaram ainda dar parecer sobre o projecto de lei apresentado pelo fallecido deputado Basilio Alberto de Sousa Pinto, cuja iniciativa tive a honra de renovar; quero então assegurar a v. exa. que hei de empenhar todas as minhas diligencias para alcançar esta lei, que reputo absolutamente indispensavel.
Se a esta camara for apresentada a proposta de lei para os exames d´instrucção secundaria antes do parecer das duas commissões de instrucção publica, desde já declaro que hei de aproveitar essa occasião para insistir no projecto a que me refiro. Fiquem desde já prevenidos o sr. ministro do reino e a commissão de instrucção secundaria. Ainda que então haja pouco tempo de sessão, por maior que seja a urgencia da lei ácerca dos exames de instrucção secundaria, hei de fazer todos os esforços para que triumphe a causa da justiça.
Vou terminar; antes, porém, permittam v. exa. e a camara que eu faça votos para que a instrucção secundaria se levante no meu paiz, de modo que nenhum, outro caso succeda como um que vou contar.
N´um acto de formatura em direito, no ultimo anno lectivo, disse um alumno, hoje bacharel formado, que as or-

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denações filippinas tinham sido decretadas por D. João V. (Biso.)
O sr. Presidente: - Como não ha numero na sala para se votar qualquer projecto, e o governo não está presente, vou levantar a sessão, dando para ordem do dia de quarta feira, 8 do proximo mez de abril, a mesma que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram quatro horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado João Ferreira Franco, Pinto de Castello Branco, na sessão de 16 de março, e que devia ler-se a pag. 770, col. 1.ª

O sr. Franco Castello Branco (relator): - Começo por felicitar o illustre deputado e meu amigo o sr. Veiga Beirão pelo brilhante discurso que acaba de pronunciar, collocando-me realmente, n´uma posição difficil, qual a de responder a todas as arguições que s. exa. fez, sem exaggerada paixão politica, mas com fervor extraordinario, e com a logica dos espiritos, ha muito costumados a discutir, quer nos tribunaes, quer no parlamento. Considero, porém; não só muito honrosa, mas muito agradavel, apesar da difficuldades que já me referi, responder a s. exa., a quem tanto respeito pelos seus incontestaveis merecimentos, como estimo sincera o profundamente pelo seu nobilissimo caracter.
Vou, como relator da Commissão, fazer menos um discurso, defendendo a dictadura de 1884, como tem sido denominado o acto do governo agora em discussão, do que expor brevemente as rasões que, influindo no animo da Commissão especial, a determinaram no sentido de aconselhar a esta camara a concessão de um bill de indemnidade ao governo. Procurarei tambem responder a todas as accusações do illustre deputado, forcejando assim por me desempenhar honradamente das obrigações que mais que a outro membro d´esta casa me incumbem e pertencem.
É a segunda ou terceira vez que n´esta camara, e a proposito do decreto de 19 de maio, um membro da opposição progressista, lhe chama a dictadura da vaidade. E j isto para insidiosamente contrapor, ligando os a tal facto, os dois nomes, igualmente notaveis e sagrados para o partido regenerador, do sr. conde do Casal Ribeiro e do sr. Fontes Pereira de Mello.
Tem-se querido fazer ver, que o sr. presidente do conselho recuou na camara dos dignos pares por medo; mas que depois, e pela vaidade de mostrar ao sr. conde do Casal Ribeiro que com elle ou sem elle a sua vontade era omnipotente, publicára o decreto de 19 de maio contendo a reforma do exercito. Mas como nada ha mais difficil do que occultar a verdade, e por muito talento e illustração que se tenha um sophisma ha de ser sempre um sophisma, succedeu que o meu illustre antecessor na palavra, e notavel orador o sr. Veiga Beirão, ao passo que assim increpava o sr. presidente do conselho, caia em dizer que esse homem, dictador por vaidade, vinha ao parlamento pedir em phrases humildes e respeitosas, um bill de indemnidade para os seus actos!
Então que vaidoso é este, que salta caprichosa e altivamente por cima das leis, só para vir no dia seguinte, perante as camaras do seu paiz, e de que faz parte o seu pretendido rival, curvar-se humilde e abatido, pedindo perdão das suas culpas? (Apoiados.)
Pois o governo ignorava que publicando o decreto de 19 de maio do anno passado infringia a lei, tendo por isso de vir nesta sessão ao parlamento, a ser julgado pela sua falta, e a pedir-lhe a indispensável confirmação para os seus actos?
E se o governo receiava no anno passado a discussão na camara dos pares, especialmente com um dos seus membros, como se tem pretendido insinuar, não deverá temel-a muito mais agora, em que alem da utilidade das suas medidas tem a fazer desculpar a infracção commettida? (Apoiados.)
Ha ahi alguem que me conteste que a posição do réu é inferior á do advogado?
E não foi isto o que se deu na posição do governo?
Não passou elle de defensor das suas medidas, a responsavel de uma infracção constitucional?
Oh! sr. presidente, eu estou plenamente convencido que o primeiro a sorrir-se d´estas lisonjas será o sr. conde do Casal Ribeiro, espirito muito superior para se convencer da sinceridade com que pretendem persuadil-o, que a camara dos dignos pares é instrumento docil nas suas mãos! A lisonja levada a tal extremo chega a ser uma grave offensa ao elevado critério do illustre parlamentar!
Porque não havemos, pois, de concordar em que só uma convicção profunda e sincera determinou o governo a abalançar-se á dictadura, correndo o risco das objurgatorias apaixonadas e vehementes, que nunca faltam a punir os dictadores, em paizes onde domina o systema parlamentar?
Façamos justiça aos outros, pois todos d´ella havemos muito mister.
Eu não venho aqui defender dictaduras. Ninguem, que se preze de ser liberal, póde ver sem desgosto uma dictadura.
é preciso, porém, não decorar com este nome pomposo factos isolados de administração, mesmo quando revestem o caracter de uma infracção constitucional.
A dictadura só existe quando um governo empolga todos os poderes politicos, suspende as garantias que a lei dá aos cidadãos, faz omnipotente a sua vontade, a fim de remodelar completamente a administração de um povo, e dispor a seu talante dos recursos do paiz.
Isto é que se chama uma dictadura.
O assumir immediatamente funcções legislativas, decretar quaesquer medidas de administração em vista de um interesse publico que se julga instante, não póde de certo merecer a approvação dos membros do corpo legislativo, mas tambem não merece sempre a censura violenta e acre dos grandes crimes politicos.
É incontestavelmente um acto irregular, mas casos ha em que deve ser desculpavel quem o pratica.
Em não conheço na historia do meu paiz senão as dictaduras de 1836, 1851 e quiçá a de 1870.
Actos dictatoriaes como estes que vamos discutindo, diz a Commissão especial, teem-se visto muitas vezes entre nós. Quasi todos os governos teem praticado, todos os partidos os contam na sua historia.
Ao menos o partido regenerador, no seu respeito pela constituição, tem vindo sempre ao parlamento pedir o bill de indemnidade.
Nem todos poderão dizer o mesmo.
Mas hoje concorrem circumstancias de tal ordem, que eu ouso dizer, que nunca no parlamento portuguez governo algum mereceu tanta benevolencia como o actual.
É sabido que a camara dos deputados transacta tinha dado ao governo uma auctorisação para as reformas do exercito e da marinha, e que na outra casa do parlamento as commissões de guerra, de fazenda e de marinha, compostas dos pares mais distinctos n´essas especialidades, e representando incontestavelmente a maioria da camara, foram igualmente favoraveis ao proposito do governo.
Quando é pois que um governo se encontrou em condições tão favoraveis?
Seria em 1869, quando o marquez de Sá da Bandeira, esse homem tão respeitado em vida, e hoje adorado até á idolatria, sendo presidente de um ministerio, de que tambem fazia parte o bispo de Vizeu, que pelo seu caracter politico, pela sua lealdade e pelo seu respeito á constituição não deve merecer suspeita ao illustre deputado a quem estou respondendo, seria quando esse ministerio, repito, se arvorou em dictadura, assumindo funcções legislativas, não

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para praticar indispensaveis actos de administração, mas para coarctar a liberdade eleitoral e restringir o numero dos circulos? (Apoiados.)
E note-se que já então o partido progressista não tinha senão uma unica phrase para defender os seus actos - as economias. Houve, é verdade, uma economia; não nos dinheiros publicos, mas nos representantes do paiz. (Apoiados.)
Não é de certo com essa dictadura, que não tem igual nos nossos fastos constitucionaes, pela circumstancia aggravantissima de serem os proprios reus quem escolheram os juizes que haviam de julgal-os, com essa dictadura não ha de certo, repito, espirito sereno e justo que compare a exercida pelo actual governo.
Não me julgo, o unico representante do povo genuinamente eleito, e de consciencia bastante severa para saber cumprir com os meus deveres. Ao contrario, devo suppor que todos aquelles que antes de mim se hão sentado n'estas cadeiras vieram aqui animados das mesmas intenções e possuindo a mesma independencia de caracter que eu me prezo de ter.
Uma camara composta de homens com taes predicados approvou as bases para a reforma do exercito, e, por consequencia, ha todo o direito de dizer que os actuaes dictadores, visto que assim lhes querem chamar, tinham por si a opinião manifestada pelos mais incontestaveis representantes da nação. (Apoiados.)
Na camara dos dignos pares houve tambem um facto de maior alcance e significação, e logo direi as rasões que em meu modo de ver desculpam o governo por não ter obtido á custa de novas prorogações a approvação plena das suas medidas.
A Commissão especial, a quem foi presente a proposta do governo, não disse que o procedimento d'elle se achava justificado. Não o disse agora, como o não dirá nunca. O corpo legislativo póde desculpar o governo invasor das suas attribuições, mas é da sua stricta obrigação, compete á sua dignidade e aos seus brios, não se mostrar indifferente por tal facto, apparentando assim uma criminosa indifferença por aquillo que é seu direito exclusivo e inviolavel.
Não conheço senão uma excepção a estes principios, excepção aliás prevista na carta. É o caso da camara se não poder reunir, concorrendo. ainda a circumstancia de uma rebellião ou invasão de inimigos. N'esse caso, mas só n'elle, o procedimento do governo poderá julgar-se justificado.
O sr. Beirão disse que este governo tem praticado tres dictaduras em tres annos.
Eu não lhe conheço senão duas, e já não é pouco, as dictaduras de 1881 e a de 1882. Quem praticava porém duas dictaduras por anno, disse-o em 1870, o sr. Dias Ferreira n'esta casa. De 1SG8 a 1870 tivemos duas dictaduras annuaes, uma exercida pelo partido reformista e Outra pelo partido historico, hoje felizmente casados no partido progressista. E fazíam-nas de toda a especie. Assim em agosto de 1869 o governo arrancava á camara auctorisação para reorganisar todos os serviços publicos, e eu não tenho conhecimento de que parlamento algum do mundo haja votado uma auctorisação que se a similhe a esta em latitude e em arbitrariedade.
Era uma verdadeira medida de salvação publica. (Apoiados.)
Uma voz: - E a das alfandegas?
O Orador: - Essa questão é sem paridade alguma, pois o governo ficou adstricto ás bases que a camara lhe demarcou expressamente.
Eu não quero discutir agora tambem isso. O sr. Beirão percorreu tantos e tão differentes assumptos, tocou em tantas e tão differentes questões, que, se eu fosso a referir-me a todas, se fosse mesmo a tratar das que menos relação podem ter com a questão sujeita, nem em outra sessão terminaria as minhas considerações.
Não levantemos pois questões que a camara resolveu ha apenas tres ou quatro dias, e que só serviriam para tornar interminavel o debate.
O sr. Correia de Barros: - Mas v. exa. está avocando questões já julgadas, até por outras camaras.
O Orador: - Mas tão sómente para o facto da dictadura, e para mostrar que esta, que o sr. Beirão apresentou como uma das mais censuraveis e criminosas, é ao contrario a mais desculpavel de todas.
E estou no meu direito. (Apoiados.)
O sr. Veiga Beirão foi procurar factos da nossa historia constitucional para sustentar a sua affirmação. Eu estou no direito de fazer outro tanto e para sustentar uma opinião diametralmente opposta. Não hei de defender as dictaduras feitas no nosso paiz com as dictaduras porventura praticadas na India ou na China, que nada podem ter que ver com o nosso caso. (Apoiados.)
O sr. Veiga Beirão tanto sentiu, que lhe faltava o terreno n'este ponto limitado da dictadura, que não se contentou com discutir tão sómente esse facto, para s. exa. tão criminoso, e foi procurar nas reformas politicas ensejo facil para captar o enthusiasmo dos seus amigos, em phrases prenhes do mais requintado facciosismo.
Essas reformas são umas reformas de parola, são uma burla, exclamou p illustre deputado. Ora, eu tenho realmente muita pena, que s. exa. não tivesse na legislatura passada um logar no parlamento, não só porque o paiz ganharia muito com os seus talentos, mas principalmente para o ver tambem ligado ás responsabilidades que cabem ao seu partido, pelo procedimento que teve na ultima sessão n'esta e na outra camara, ao apresentar-se a proposta do governo affirmando a necessidade da reforma de certos artigos da carta constitucional.
Soube s. exa., soube o paiz e souberam todos os que se interessavam medianamente pelas cousas publicas n'esta terra, que a proposta de lei do governo, com o relatorio apresentado á camara dos pares, e com as explicações pelos ministros dadas no parlamento, compendiava claramente, nitidamente, todo o pensamento do ministerio e do partido regenerador, sobre a questão das reformas politicas. Ora, desde que ellas eram uma parola, desde que ellas eram uma burla, desde que ellas só serviam para se crear no paiz uma situação cada vez mais violenta, porque não lhes fez o partido progressista uma guerra implacavel e de morte? (Apoiados.)
Se a não fizeram aguentem-se com as suas responsabilidades, como pela nossa parte estamos fazendo. (Apoiados.)
(Áparte.)
Que lhes respondam o sr. Emygdio Navarro, o sr. Mariano de Carvalho e o sr. Luciano de Castro, que estavam aqui no anno passado.
E ninguem me diga, e muito menos um membro do partido progressista, que teriam sido perdidos todos os esforços perante o governo para se chegar a uma rasoavel e satisfactoria conciliação sobre as reformas politicas.
Pois não o conseguiram em relação á reforma eleitoral? (Apoiados.)
Não conseguiu o partido progressista fazer com que n'essa lei se introduzissem principios, que estavam no seu programma, e que eram, por assim dizer, o credo politico dos seus homens mais importantes? (Apoiados.)
Não conseguiu o partido progressista introduzir n'aquella lei a croacio de um tribunal especial de verificação de poderes, e muitas outras idéas suas proprias, que só devem a sua existencia ao accordo entre esse partido e o partido regenerador? (Apoiados.)
Que rasões levaram o partido progressista, ao tratar-se do accordo, a não exigir, para a sua collaboração n'essas reformas, e para entrar n'esse accordo, que só foi proposto em nome dos interesses do paiz, e do qual eu creio haverem todos saído com a consciencia limpa e as algibeiras vazias, como o sr. Emygdio Navarro já revindicou para si, (Apoiados.) porque é, digo, que o partido progressista,

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se não queria umas reformas que fossem uma parola, e uma burla, não impoz como condição essencial d'esse accordo, que se incluissem nas reformas projectadas algumas das disposições mais caras a certos e determinados politicos dos mais eminentes e graduados do actual grupo progressista? (Apoiados.)
Nada d'isso se fez nem se tentou no anno passado, e por isso não ha direito este anno para vir aqui malsinar de insignificantes e ridiculas as reformas projectadas, e que em breve serão lei do paiz. (Apoiados.)
Eu espero ainda que o partido progressista as discuta; mas quer as discuta, quer não, hão de ser por elle acatadas quando for poder, porque eu tenho a triste desconsolação de ver sempre que os homens mais notaveis d'aquella grei se comprazem em adorar no governo tudo aquillo que desacreditam quando opposição.
Mas voltemos aos actos dictatoriaes, continuando a acompanhar o sr. Beirão no seu notavel discurso.
Vi com tristeza que o illustre deputado, seguindo nisso o injusto procedimento havido já por outros seus amigos, procura tambem consubstanciar exclusivamente no sr. presidente do conselho todas as responsabilidades da situação, esquecendo assim que os seus collegas no ministerio são homens politicos dos mais notaveis d'este paiz, e dignos, dignissimos de supportarem sem desdouro confronto com o que ha de melhor entre nós.
Mas peior do que tudo é o caracter irritantemente pessoal de certas accusações.
Ninguem, disse o sr. Beirão, se atreveria a fazer esta dictadura, ninguem teria a liberdade de a praticar.
Eu desejava muito poder responder condignamente a estas phrases.
Mas, indispensavel era, que a accusação ou insinuação viesse clara e nitida, de modo a conhecer-se se, como parece, abraça só o sr. presidente do conselho, ou ainda mais alguem.
«O sr. Fontes não estava auctorisado a fazer a reforma do exercito.»
De certo.
«O sr. Fontes infringiu a lei obrando assim.»
Igualmente incontestavel.
Mas que rasões o obrigaram a tanto?
Eis o que cumpria examinar. Isso fez a commissão especial, apresentando no parecer os fundamentos do seu voto.
E o sr. Beirão, analysando o parecer, reduziu-os a tres, classificando o primeiro de serio, o segundo de comico e o terceiro de curioso.
Vejamos isso.
A rasão seria, disse s. exa., foi a importancia e magnitude do assumpto. E d'ahi concluiu, que de futuro a coherencia mandava, sempre que uma medida fosse importante, o governo a resolveria em dictadura, e quando de pequena monta a confiasse então ao parlamento. E exemplificava.
A reforma do exercito, cujo subido valor ninguem contesta, foi resolvida em dictadura. E para decidir que os deputados são representantes do paiz, e não do circulo que os elege, bem como que o mandato imperativo não é reconhecido, reunem-se côrtes constituintes! Eis a argumentação do illustre deputado.
Isto é, o sr. Veiga Beirão não está por fórma alguma disposto a ser indulgente com uma dictadura, limitada a um dado ponto de administração.
Mas para o que elle reservaria todo o seu perdão e toda a sua generosidade seria para uma dictadura que investisse directamente com o nosso pacto politico, remodelando-o não á vontade da soberania nacional, das ao sabor de cinco ou seis homens simples depositarios da confiança da corôa! (Apoiados.)
Vale a pena realmente ser um espirito tão illustrado como é o de s. exa. e dedicar-se por um credo liberal tão avançado como dizem ser o do partido progressista, para vir aqui prégar similhantes absurdos!
Talvez o nobre deputado acredite, que só um revulsivo tão violento poderia arrancar a sociedade portugueza d'aquelle estado de decrepitude e definhamento que tão brilhantemente nos descreveu.
Mas eu não creio na fidelidade do quadro, e muito menos ainda na efficacia do remedio.
O que acima de tudo importa avaliar, para illustração dos que se occupam em julgar serenamente os actos do governo, são as condições em que elle se viu obrigado a assumir funcções legislativas.
Ponderar primeiro se o governo empregou lealmente, na anterior sessão legislativa, todos os esforços legaes para fazer vingar as suas propostas; e depois examinar maduramente, se foram na verdade factos de incontestavel utilidade publica, que o coagiram a resolver dictatorialmente assumptos de que só ao parlamento cabia conhecer.
A proposta de lei para a reforma do exercito foi apresentada muito a tempo de ser discutida n'esta e na outra camara, pois que foi aqui trazida pelo sr. presidente do conselho em 20 de março do anno preterito.
A sessão durou como é sabido até ao mez de maio, 13 ou 15.
Todos sabem que as sessões, n'estes ultimos quatro ou cinco annos, têem ido muito alem do praso marcado na carta, e portanto o facto do governo apresentar a sua proposta na sessão de 20 de marco só por si demonstra a seriedade do proposito, e vontade que ao governo assistia, de que essa proposta passasse no parlamento, para logo ser convertida em lei.
Infelizmente o projecto de lei, era que a proposta do governo foi convertida, só pôde começar a discutir-se em maio, por se lhe haverem anteposto outras medidas da maior importancia politica, taes como a reforma eleitoral, e a reforma de alguns artigos da carta. Quando, pois, veiu a passar para a camara dos dignos pares, já a sessão legislativa tinha sido prorogada por tres rezes, e estava legalmente declarada a necessidade de rever parcialmente a carta constitucional.
Mas para essa revisão tornavam-se indispensaveis poderes especiaes aos membros d'esta casa, e d'ahi a certeza de uma proxima ou quasi immediata dissolução, o a convocação consequente dos collegios eleitoraes.
Póde, pois, dizer só com verdade, que o periodo eleitoral se achava aberto desde os primeiros dias de maio.
Tinha, pois, o governo um de dois caminhos a seguir; ou pedir á corôa uma nova prorogação, e envidar novos esforços para fazer discutir e votar a reforma do exercito, ou encerrar, o parlamento e publicar a reforma em dictadura, abreviando assim as eleições e garantindo portanto a sua genuidads.
O primeiro caminho a seguir tinha a vantagem do governo não exercer funcções legislativas, mas trazia tambem o grave inconveniente de alongar demasiadamente o periodo eleitoral, por tempo indeterminado até, pois é bem sabido que nos ultimos tempos as discussões na outra casa do parlamento tomam extraordinario desenvolvimento, muitas vezes sobre objectos que ninguem reputara de grande importancia para o paiz.
Estava alem d'isso annunciada uma opposição violenta e quasi pessoal ao projecto em questão, um verdadeiro obstruccionismo que a todos dava o direito de suppor, que para a discussão da reforma do exercito e dos quadros da marinha não chegaria uma simples prorogação de quinze dias, mas antes se consumiria um mez ou mez e meio.
Em tal caso a eleição viria a fazer-se não pelo recenseamento de 1883, cuja validade terminava em 30 de junho de 1884, mas pelo d'este ultimo anno.
Os inconvenientes de tal facto eram palpaveis para todo o mundo, e então muito sentidos principalmente pela opposição progressista. O recenseamento de 1884 estava sendo fabricado em proveito da proxima eleição, triste é confessal-o, e pelo contrario o do 1883, estranho inteiramente a

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identico proposito, inspirava bem maior confiança a todos os partidos. (Apoiados.)
Estes são os factos que determinaram a acção do governo, e que pesaram tambem no animo da commissão, não para justificar o procedimento do governo, mas para attenuar a sua responsabilidade, ao assumir funcções legislativas.
Mas em questões d'esta ordem não basta discutir só a urgencia e necessidade que houve da dictadura. É necessario tambem saber, se d'ella se usou no sentido mais util para o paiz.
Este projecto de lei tem dois fins: por um lado relevar o governo da responsabilidade em que incorreu; e por outro confirmar ou derogar as medidas dictatorialmente publicadas.
Por este ultimo lado ainda a dictadura não foi considerada, e por isso julgo-me por agora eximido da responsabilidade de demonstrar, que effectivamente a reforma do exercito e o alargamento dos quadros da armada, urgentes e necessarios, como tinham sido julgados por todos os ministros, inclusive pelo sr. João Chrysostomo, (Apoiados.) foram considerados e resolvidos pelo governo no sentido mais conveniente e proveitoso para o paiz.
Essa discussão estou certo que ha de vir, e então veremos se os actos dictatoriaes merecem ou não a confirmação que o governo pede.
Pouco mais tempo tomarei á camara. Tenho procurado responder aos differentes pontos tocados pelo sr. Beirão. É possivel que algum me esquecesse, e que s. exa. não fique satisfeito com a resposta. Empreguei, porém, todos os esforços para demonstrar a s. exa., que esta dictadura, motivada por necessidades urgentes e inadiaveis, está como nenhuma outra em condições de ser olhada benevolamente pela camara.
Entre os actos dictatoriaes em discussão ha um que teve por fim prevenir a invasão do cholera morbus.
Nunca pensei que este merecesse as censuras da opposição! Pois nem esse escapou. O sr. Beirão, com a sua reconhecida competencia em assumptos de fazenda, tentou mostrar que o governo infringira a lei de contabilidade. E não contente com isso, procurou tirar effeito das despezas ora feitas com essas medidas preventivas contra o cholera, comparando-as com as de 1850 e 1856, que realmente foram muito inferiores ás actuaes.
Mas s. exa. esqueceu-se de uma circumstancia, seguramente porque ella não vinha em favor da sua argumentação. Em 1855 e 1856 não foi necessario fazer despeza, e foi o que custou mais caro, com o cordão sanitario. (Muitos apoiados.)
É necessario que a camara saiba, que só dos soldados licenceados foram chamados ás armas 6:000, e que a despeza feita pelo ministerio da guerra com o cordão sanitario subiu a 182:000$000 réis! Que para o bloqueio maritimo, outra innovação, se alugaram vapores, porque o estado os não tinha, e que cruzaram na costa durante todo o periodo da prevenção. (Apoiados.)
Lembro-me que então todos os jornaes d'esta capital, quer do governo quer da opposição, julgavam sempre poucas todas as medidas adoptadas. É que o medo apoderára-se de todos. Mas agora, que o mal vae longe, e que se podem tirar effeitos politicos de uma responsabilidade que é de todos nós, nada mais commodo e comesinho do que vir dizer no parlamento que, em 1855, grassando entre nós o cholera morbus, se gastaram apenas 10:000$000 réis, e que d'esta vez, estando elle na França e na Hespanha, se gastaram 427:000$000 réis.
É necessario, por isso, repetir mais uma vez que nós temos a infelicidade de possuir uma fronteira maritima e terrestre demasiadamente extensa, resultante da configuração do nosso paiz em fórma de parallelogrammo.
D'ahi, a necessidade de estabelecer cinco lazaretos, um em Valença, outro na extrema do caminho de ferro da Beira Alta, outro em Marvão, outro no Algarve, alem do lazareto indispensavel do porto de Lisboa.
Se se provasse que em 1855 e 1856 se haviam estabelecido estes tres serviços, o cordão sanitario, o bloqueio maritimo, e os novos lazaretos, e com elles se gastára menos do que hoje, ainda a accusação de s. exa. podia ser fundada; mas os factos não têem a mais pequena analogia. (Apoiados.)
O governo poz em vigor uma lei que o auctorisava a despender até uma certa quantia. É só d'esse facto que hoje podemos occupar-nos. O excesso de despeza que houve, e que já vem descripto no orçamento rectificado, só póde ser discutido e avaliado quando desse orçamento se tratar.
Creia a camara que o governo não ha do fugir ás suas responsabilidades, e que opportunamente mandará ao parlamento todos os documentos de despeza. (Apoiados.)
Nós temos o mau costume de misturar todas as questões. Por isso estamos agora a discutir a dictadura, de que aliás nos occupámos já e largamente ha um mez. (Apoiados.)
E n'este momento vem a pello responder a uma das arguições do illustre deputado.
Disse s. exa. que nada havemos feito. E de quem é a culpa?
Uma voz: - É da maioria.
O Orador: - Pois a maioria é que resolveu discutir a resposta ao discurso da corôa, e consumiu dois mezes n'essa discussão? Já então dissemos a respeito da dictadura tudo o que nos pareceu, não nos querendo lembrar que o tempo passa, e que os falladores ficam. (Apoiados. - Riso.)
Nós temos, como disse, o mau costume de confundir e misturar todas as questões.
A analyse das despezas feitas pelo governo com as medidas a tomar contra a invasão do cholera morins tem o seu logar na discussão do orçamento rectificado. Nem eu nem o illustre orador que me precedeu possuimos os elementos indispensaveis para apreciar o procedimento do governo. Gastou-se muito, gastou-se bem? Nem eu nem s. exa. o sabemos.
Eu já fui magistrado. S. exa. é advogado e muito distincto. Nenhum de nós ignora, pois, que nos tribunaes são se julga sem provas.
Esperemos por essas provas, e sejamos juizes em vez de accusadores.
O sr. Navarro: - Se não temos elementos para julgar, a culpa é do governo que os não mandou.
O Orador: - E fez muito bem.
Torno a repetir, que nós agora só tratâmos de conceder ou negar ao governo um bill de indemnidade pela promulgação de medidas que estavam fóra das suas attribuições. Esta concessão em nada prejudica o julgamento posterior da camara quanto ás despezas effectuadas. Nem o bill dispensa o governo da discussão do orçamento rectificado, nem a approvação d'este suppriria a concessão d'aquelle.
O illustre deputado, o sr. Beirão, foi até fallar em responsabilidade penal! Ora, s. exa. póde dizer quanto quizer a fim de mostrar que o governo infringiu a lei; póde á sua vontade julgar da opportunidade ou não opportunidade das medidas adoptadas. O que lhe não é permittido, é avocar questões que têem o seu logar marcado, e muito menos proferir já decisões infundadas, o que não é proprio de um deputado, nem de um juiz, porque o é aqui, fiscalisando os actos do governo. (Apoiados.)
Termino dizendo ao sr. Beirão que se por esquecimento deixei de responder a alguns pontos do seu discurso, como por parte da commissão hei de tomar mais alguma vez a palavra n'este debate, então responderei a s. exa.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

Redactor - Rodrigues Cordeiro.

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