SESSÃO N.º 56 DE 2 DE MAIO DE 1898 1001
nenhum convencionalismo, nem representa nenhum acto de fraqueza, eu permitto-me dar um conselho ao sr. ministro das obras publicas: faça com que os seus amigos politicos retirem a moção de confiança, e promova s. exa. a annullação de um contrato, que tem ferido intensamente o espirito publico. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. João Pinto dos Santos: - Sr. presidente, apesar do illustre parlamentar, que me precedeu, ter concluido o seu discurso, aconselhando o sr. ministro das obras publicas a que fizesse com que os seus amigos politicos retirassem a moção de confiança, eu insisto em mandar para a mesa a minha moção, que ainda é de maior confiança, se assim se póde dizer, do que a apresentada pelo meu amigo o sr. Alpoim.
No cumprimento do regimento, vou lel-a.
(Leu.)
Eu me explico.
Se a apreciação do arrendamento de terrenos, feito pelo sr. ministro das obras publicas, tivesse corrido com a serenidade com que os illustres deputados o discutem aqui na camara; se a interpellação não fosse annunciada previamente wrbi et orbi com certas intenções espalhafatosas; se a imprensa do seu partido não estivesse em completa desharmonia com os illustres deputados regeneradores, amimando acintosamente que o arrendamento representa um favoritismo, nós de certo não hesitariamos em retirar a moção de confiança, depois dos testemunhos de consideração que tributaram ao caracter do sr. Augusto José da Cunha, substituindo-a, no cumprimento do regimento, por qualquer proposta que d'esse fim ao debate.
Mas, desde que a campanha do partido regenerador, na imprensa, se accentua extraordinariamente, considerando o arrendamento não como um erro administrativo praticado pelo ministro, mas como um acto de nepotismo; desde que os illustres deputados, ou os dirigentes do seu partido, não têem força sufficiente para se impor á sua imprensa, obrigando-a a seguir o mesmo caminho; desde que querem imprimir á questão uma feição de escandalo, explorando em favor do seu partido as vantagens que podem advir de combater um acto illegal e immoral do governo, como affirmam nos jornaes, é indispensavel que a maioria parlamentar se reuna em volta do sr. ministro das obras publicas e consigne numa moção o respeito e confiança que lhe merece o seu caracter elevado, a que o illustre deputado que me precedeu, e todos os seus correligionarios tributaram n'esta casa a mais profunda homenagem.
Folgo que o fizessem desassombradamente, porque é indispensavel que os homens de bem sejam tratados por uma fórma inteiramente differente do que são aquelles que, na política, se envolvem em negocios inconfessaveis. (Apoiados.)
No momento actual, tão critico para o paiz, quando se chegar á convicção de que alguem procede menos honradamente, é necessario esmagal-o, porque o de que carece a nação é de gente honrada. (Apoiados.)
É possivel que um ministro, tendo de resolver problemas tão complexos como se offerecem todos os dias á sua attenção, erre involuntariamente, por não poder ponderar devidamente os diversos elementos que os constituem; póde errar, mas, n'este caso, sendo evidente a sua boa fé, é necessario ser benevolo e generoso com elle e não apreciar os seus actos com o mesmo rigor como só procedesse unicamente guiado por interesses escuros e criminosos. (Apoiados.)
Em vez de amesquinhar os homens publicos, que vivem honestamente, é preciso contribuir para o engrandecimento da sua reputação, a fim de lhes dar auctoridade e evitar que o povo, lendo as diatribes diarias, supponha que esses homens constituem um verdadeiro syndicato explorador que visa apenas a apanhar os dinheiros publicos, arrancados ao contribuinte em successivos impostos, para elles viverem á farta e á grande. (Apoiados.)
É preciso alevantar os homens publicos no conceito da opinião, para terem auctoridade e prestigio e poderem lançar novos impostos, se as circumstancias angustiosas do thesouro exigirem mais esse sacrificio.
Devia ser essa a nossa preoccupação constante, em vez de levantar campanhas de descredito contra homem como o sr. Augusto José da Cunha, que póde ter feito alguma cousa mal pensada, pouco reflectida, mas a cuja honradez e nobreza de caracter até os seus proprios adversarios politicos fazem inteira justiça, e que, apesar de ter assignado o contrato dos tabacos que, segundo o illustre deputado que me precedeu, podia ter levantado suspeitas na opinião publica, até hoje não foi malsinado nas suas intenções, attribuindo-lhe qualquer interesse menos justificado e regular. (Apoiados.)
Contra um homem d'estes póde com justiça-pergunto eu - levantar-se uma campanha, pretendendo offuscar o brilho da sua reputação, não digo n'esta casa, porque todos têem procedido com uma correcção extrema, mas lá fóra, fazendo em volta d'este contrato uma lenda, e apresentando o arrendamento como um negocio ganancioso, capaz de transformar o sr. Izidro dos Reis n'um verdadeiro Cresus? (Apoiados.)
Na divergencia entre as apreciações apaixonadas e injustas da imprensa regeneradora e a discussão correcta n'esta casa é que está a explicação da necessidade de apresentarmos uma moção de confiança, para ficar bem accentuado que a maioria está ao lado do sr. ministro das obras publicas, affirmando-lhe solemnemente que tem um grande respeito pelo seu caracter nobre e alevantado. (Apoiados.)
Sr. presidente, não sei se este governo, durante o periodo da sua governação, se tem preoccupado simplesmente com politica, como affirma o sr. Teixeira de Sousa.
O que sei é que não tem governado como os regeneradores que, conservando-se quatro annos no poder, saltando por cima de todas as leis, usando de uma larga dictadura, não contribuiram em nada para o melhoramento da nossa situação economica e para o dasafogo do thesouro, aggravando pelo contrario a crise que nos affligia, com nomeações successivas de empregados publicos.
O partido progressista subiu ao poder em circunstancias extraordinarias, tendo de luctar com gravissimas difficuldades.
Terá feito tudo quanto devia e podia fazer? Terá tido fraquezas?
Confesso mesmo que as tem tido.
Em frente das difficuldades enormes que nos assoberbam, os homens publicos, quando se sentam n'aquellas cadeiras, não podem executar facilmente as resoluções que se afiguram boas e faceis nos nossos gabinetes.
For exemplo: dizem todos que é indispensavel diminuir as despezas do estado, e remodelar os serviços publicos por fórma que, reduzindo-se o numero dos empregados, fique menos onerado o thesouro.
Isto que, á primeira vista, parece de uma extrema facilidade, é comtudo difficilimo de executar! D'esta sorte, centenas de familias ficariam sem pão, por isso que os seus chefes se veriam impossibilitados de o ganhar.
Durante annos e annos o povo portuguez teve como ideal o emprego publico, dirigindo toda a sua educação para esse desideratum. Cortada abruptamente essa aspiração, atirando-se para a rua com grande numero de funccionarios desnecessarios aos serviços, que haviam de fazer, se não tinham aptidões para outras cousas?! E, ainda que as tivessem, a agricultura rotineira, o commercio e as outras industrias do paiz não tinham, desenvolvimento sufficiente para comportar essa avalanche de pessoal.