1002 DIARIO DA CAMARA DOS EENHORES DEPUTADOS
Restava-lhes, pois, emigrar em condições desfavoraveis, correndo as aventuras e riscos de uma emigração forçada, ou ficarem no paiz, como declasaés, fomentando as agitações de todos as qualidades, alliando-se ao anarchismo e a todos os perturbadores da ordem para, na perturbação social, encontrarem os meios de subsistencia que a medida economica do governo lhes tiraria.
Aqui tem v. exa. como uma cousa que, á primeira vista, parece facil, é, comtudo, de uma grande difficuldade de execução para os que, tendo o leme do governo, carecem de ponderar as repercursões variadas das medidas que decretam.
Quando se tem um plano a realisar sacrificam-se muitas linhas d'esse plano para fazer triumphar as medidas mais importantes, pois vale mais executar alguma cousa d'elle do que perdel-o por completo.
Governar é transigir.
O governo póde ter tido transigencias e até fraquezas, não o contesto, mas o que não se póde dizer é que só tenha feito política partidaria, porque tem feito tambem administração. Os illustres deputados opposicionistas é que só têem feito politica, e de tal especie que até ás vozes chegam a faltar á sessão, fugindo para os corredores, para que não haja numero, quando as condições do paiz exigiam mais seriedade.
Uma voz: - Oh! Oh!
O Orador: - Isto não me parece que mereça os seus oh! Oh!
O sr. Luciano Monteiro: - V. exa. refere-se a mim?
O Orador: - Foi v. exa. que fez oh?
O sr. Luciano Monteiro: - Eu não me lembro de ter feito ó ó senão quando era creança.
O Orador: - Eu citei este facto simplesmente para lembrar que, no periodo extraordinario que vamos atravessando, era conveniente que não fizessemos d'estas politiquices, que ficavam muito bem em periodos normaes, quando o paiz tinha uma vida desafogada, mas que se não devem repetir agora que luctâmos com enormes difficuldades, quando estamos a braços com uma crise tremenda, em que todos os nossos esforços se devem reunir para fazer triumphar os interesses nacionaes, sacrificando as conveniencias de corrilho.
Respondida esta parte do discurso do illustre deputado que me precedeu, eu vou tratar do assumpto.
Sr. presidente, os oradores que me antecederam collocaram a questão, não no campo moral, accusando o ministro de praticar um acto de favoritismo, mas no campo da legalidade, affirmando que o ministro tinha errado apenas por precipitação. Ora, não me parece que esta asserção seja exacta. O sr. João Izidro dos Reis requereu o arrendamento em 1894, esse requerimento foi a informar ás instancias respectivos, as informações do engenheiro hydraulico e do conselho superior de obras publicas e minas foram favoraveis, o processo esteve pendente desde essa epocha até 1897, em que o sr. ministro das obras publicas lançou o seu despacho, deferindo-o em harmonia com o parecer das estações consultadas.
Fel-o logo ao entrar para o ministerio? Que importa isso, se as instancias ouvidas confessavam que a obra do esporão, comprehendida já no projecto de delimitação e fixação das margens do Tejo, datado de 31 de janeiro de 1885, era de uma necessidade que cada dia se recommendava mais instantemente e se tinha tornado mais urgente, depois que se construiu o dique insubmergivel do Pinheiro?!
Em 1894, quando o sr. Izidro dos Reis fez este requerimento, estava no poder o partido regenerador.
Toda a gente sabe que o sr. Izidro dos Reis é um homem valioso no seu partido e é conhecido como progressista dedicado. Fazendo o seu requerimento, estando os seus adversarios no poder, evidentemente confiava na justiça da sua causa, pois não se atreveria a pedir-lhes illegalidades e injustiças.
Se ellos achavam o requerimento injusto, deviam, indeferil-o de prompto; se, pelo contrario, entendiam que era justo, e que a obra a que se referia era necessaria e urgente, como affirmavam as estações competentes, não deviam ter adiado o seu deferimento. Não procedendo assim, se tinham a mais pequena suspeita de que as informações não eram verdadeiras, deviam ter applicado o correctivo aos funccionarios que, abusando da sua situação official, tinham dado uma informação de favor.
O sr. ministro das obras publicas, subindo ao poder, procedeu com mais correcção o zêlo pelos interesses publicos, mandando fazer uma obra que as estações competentes declaravam necessaria e urgente.
Mas, diz o illustre deputado sr. Cabral Moncada, devia ouvir a procuradoria geral da corôa. Não a ouviu porque não encontrou difficuldades nas informações officiaes, nem reclamações do especie alguma.
O sr. Cabral Moncada: - No parecer diz-se que a questão de legalidade ficava dependente da critica do ministro.
O Orador: - O que no parecer se diz é o seguinte:
«Se é legal o que se requer, v. exa., melhor do que eu, o poderá avaliar. É certo que pelo regulamento de 19 de dezembro de 1892 podem as circumscripções arrendar em praça os terrenos que estão a seu cargo. Esta renda tem-se geralmente entendido ser a renda annual.
«Quando o periodo é mais longo e abraça cinco, dez e mais annos, tem-se feito muitos arrendamentos de terrenos do estado, com auctorisação superior, mediante requerimento do pretendente e ouvido o conselho superior de obras publicas.»
O ministro, lendo este parecer e não havendo reclamações em contrario, entendeu a lei como geralmente tinha sido interpretada no ministerio a seu cargo, sem ao menos reconhecer a necessidade de consultar a procuradoria geral da corôa.
Ora, quer ver o illustre deputado como o sr. ministro não podia fazer outra cousa? Nós suppomos que um ministro tem tanto que fazer como qualquer de nós que tem pouco. Um ministro d'estado, dirigindo um ministerio tão complexo como o das obras publicas, póde ter competencia para todos os assumptos? Não. Póde ser engenheiro e conhecer as questões technicas de engenheria, mas não conhecer outros, como as de pharoes, industria, commercio e agricultura.
Para conhecer de todos os assumptos a cargo do ministerio das obras publicas era preciso que o ministro tivesse uma educação variadissima.
Quando as estações competentes dão a sua informação e os homens que compõem esses corpos merecem ao ministro o mais elevado conceito, como succede com o conselho de obras publicas e minas, cujos membros são tão distinctos e onde até figura o sr. Pedro Victor, auctor da lei da hydraulica e cavalheiro muito considerado pelo seu talento, e com a repartição hydraulica, de que é director o sr. Adolpho Loureiro, funccionario igualmente distincto, o ministro, desde que não ha reclamações em contrario, conforma-se com os pareceres officiaes.
E, cousa natural, requerendo-se em 1894 o arrendamento com a disposição de construir o esporão, ninguem veiu reclamar contra a illegalidade!
Porque foi que as pessoas interessadas, n'um periodo de tres annos, não appareceram a pedir o indeferimento do requerimento, visto que prejudicava os interesses de thesouro, como se costuma fazer em tantos outros negocios que estão pendentes do despacho dos poderes publicos?!
O sr. Cabral Moncada: - Porque esporavam que e o ministro cumprisse, a lei, pozesse os terrenos em basta publica.