1004 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
que, se uma ave de cem em cem annos passasse por ali e no bico transportasse uma areia, seria mais facil transportar todas as areias d'esse vastissimo areal do que a eternidade acabar!..
Pois o illustre deputado que é tão forte no conhecimento dos effeitos da oratoria parlamentar como o missionario jesuita nos da oratoria enrista, quiz tambem dar relevo ao arrendamento das terras da Chamusca e fazel-as avultar na nossa imaginação, pondo o Terreiro do Paço a atravessar a rua do Oiro, o largo de Camões e a correr por essa Avenida fóra, com monumento e tudo, até á rotunda n'um galope phantastico! (Riso.)
Este processo é bom para uns certos effeitos de momento; mas depois, quando volta a rasão severa e fria, conhece-se depressa que a imaginação nos deslumbrou e nos illudiu.
É o que succede tambem no caso presente.
Ainda que 22 hectares de terreno sejam dez vezes o Terreiro do Paço o cheguem d'ahi á rotunda da Avenida da Liberdade, nem por isso o arrendamento augmenta de valor.
Na apreciação de terrenos, a extensão não é o unico elemento a considerar.
É verdade que o illustre deputado acrescentou logo que os terrenos eram deliciosos nateiros, banhados pelo Tejo que os enriquecia todos os annos; mas é verdade tambem que, se ha alguns hectares de terrenos n'essas condições, ha muitos outros que são verdadeiros areaes e que não são, por emquanto, susceptiveis de sementeira.
Deve notar-se que, se a proximidade do Tejo constitue uma riqueza, póde ser tambem origem de grandes desvantagens, quando as cheias abrirem ravinas n'esses terrenos e os cobrirem de areias que os estraguem por alguns annos.
É preciso ponderar tudo isto para a apreciação da venda dos terrenos e para nos não deixarmos deslumbrar com a renda phantastica de 1:500$000 réis annuaes.
Quaes foram os calculos do illustre deputado para chegar a esse rendimento?
Simples informações de amigos seus.
Pois nós temos informações em sentido diverso e não merecem menos conceito do que as de s. exa.
Com respeito a informações, devo dizer que uma pessoa que multo considero, fallando-me a respeito do arrendamento dos terrenos da Chamusca, me pintou o caso como um grande negocio, affirmando-me que lhe constava por pessoa d'aquelles sitios que o sr. Izidro dos Reis tinha vendido as madeiras dos terrenos por 30 contos de réis.
Eu ponderei logo que, sendo os terrenos recentemente conquistados ao Tejo, não poderiam as madeiras ser muitas; mas, como contra factos não ha argumentos, esperei melhores informações.
De um officio que foi enviado a esta camara e que deverá estar na mesa, consta que os choupos dos terrenos de S. Braz foram avaliados em 398$000 réis, sendo vendidos em praça em novembro e dezembro de 1896 sete lotes na importancia de 1 711$470 réis, a qual foi para o thesouro.
Os restantes lotes, que não obtiveram comprador, foram cravados como estacas ou plantados nos terrenos da concessão.
Se o valor dão madeiras passou de 30 contos de réis a menos de 400$000 réis, de que o arrendatario se não aproveitou por completo, é natural que com o tempo o rendimento dos terrenos desça de 1:600$000 réis a quantia mais modica!
Parece-me, pois, que, pagando o arrendatario 130$000 réis por anno, dando terrenos magnificos para se fazer a obra do esporão, os quaes distam dos terrenos arrendados mais do 10 kilometros, e obrigando-se á desobstrucção do leito do ribeiro, não fez um contrato ganancioso.
Calculou-se o valor d'esses terrenos expropriados em 1 conto de réis, ficando a renda annual a ser de 210$000 réis por anno, como demonstrou o illustre ministro das obras publicas.
Admittâmos, por hypothese, que o contrato era ruinoso para o estado.
O sr. ministro das obras publicas procedeu sem a mais pequena intenção reservada; todos lhe fazem essa justiça. (Muitos apoiados.)
Diz-se, porém, que é indispensavel que o annulle.
Pois está na mão do ministro desfazer um contracto bilateral?! Não póde ser. (Apoiados.)
Disse-se tambem que o contrato devia ser feito em hasta publica, segundo o regulamento dos serviços hydraulicos e 19 de dezembro de 1892, que tinha força de lei.
Quem entrasse n'esta casa, quando: pronunciava o seu discurso o sr. Moncada, e ouvisse o ardor com que defendia o cumprimento dos regulamentos e das leis, julgaria que estava n'um paiz aonde a lei era tão escrupulosamente observada que não havia ninguem que se atrevesse a desrespeital-a.
O sr. Moncada, porém, esqueceu-se de que estavamos em Portugal, aonde um illustre prelado perguntou já a um ministro importantissimo do seu partido: «Quem é que n'este paiz cumpre as leis?!»
S. exa. fez parte de uma camara e foi amigo de um governo que não respeitou não só os regulamentos, mas até o pacto fundamental da nação. (Apoiados.)
Nos governos modernos os differentes elementos da nação estabelecem o pacto fundamental, marcando os logares que pertencem a cada um e as funcções que competem á suprema magistratura, aos corpos legislativos, ao poder executivo e ao poder judicial. Dentro desta lei é que todos se devem conservar nos seus cargos e nas suas funcções, e quando algum d'estes poderes sáe da lei, obra em nome da força simplesmente. (Apoiados.)
Pois esse governo, que o illustre deputado apoiou, saltou por cima da lei fundamental do estado, sem se importar com cousa alguma; (Apoiados.) e o sr. Moncada, estrenuo paladino dos regulamentos, não esteve ao lado da carta para a fazer respeitar e deixou-a atropelar, não se lembrando de fazer entrar na ordem os homens do seu partido que tal attentado commetteram. (Apoiados.)
Agora, porém, de catadura fora, cáe a fundo sobre o governo actual, porque transgrediu um regulamento, quando o seu partido não foz caso nenhum da lei fundamental do paiz. (Apoiados.)
Isto não são retaliações. Como s. exa. não quero tambem retaliações, mas ha modus in rebus.
(Interrupção do sr. Moncada.)
O Orador: - Até 1890 os governos julgavam que o paiz nadava em oiro, que podiam fazer emprestimos sobre emprestimos, gastando sempre á larga. Em 1890 manifestou-se a grande crise, succederam-se os governos partidarios uns aos outros e até houve governos denominados nephelibatas.
Em 1892 subiu ao poder o sr. Dias Ferreira, e, depois do varias medidas importantes, arcou com a divida publica, não pagando aos credores senão um terço dos juros. Comquanto violenta, esta resolução ia-se transformando em facto consummado, só o partido regenerador, desejoso do poder, não empregasse todos os meios para o alcançar, o que conseguiu em 1893.
Em vez de seguir as normas do governo anterior voltou aos velhos processos, começando a anichar no ministerio das obras publicas apontadores, conductores e a fazer outras despezas desnecessarios.
Eu queria que desde 1890, isto é, desde que se manifestou a crise que nos tem assoberbado, o procedimento dos governos fosse completamente differente. Emquanto nos julgámos ricos e imaginámos que podiamos gastar á vontade sem nunca nos faltar o dinheiro, despendemos d doida, sem olhar a consequencias; mas, depois que fize-