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N.º 56

SESSÃO DE 2 DE MAIO DE 1898

Presidencia do ex.mo sr. Manuel Affonso de Espregueira

Secretarios - os ex.mos srs.

Frederico Alexandrino Garcia Ramires
Carlos Augusto Ferreira

SUMMARIO

Approvada a acta, e lido o expediente, o sr. Borja de Macedo e Menezes apresentou uma justificação de faltas.-O sr. Abel da Silva mandou para a mesa um requerimento de doze guardas da estação de saude de Lisboa.- O sr. Ferreira da Fonseca justificou as suas faltas e fez declaração do voto.-A requerimento do sr. José de Alpoim entrou em discussão, e approvou-se, o projecto de lei dando pensão aos filhos do conde de Almoster. - O sr. Alexandre Cabral requereu uma nota sobre distribuição de fundos.-O sr. Tavares Festas referiu-se a actos passados no juizo de direito da comarca de Santa Comba.- Os. Eusebio Nunes censurou o atrazo em que se encontra o Diario das sessões, e rectificou o que ali lhe era attribuido.-A requerimento do sr. Oliveira Matos entrou em discussão, e foi approvado, um projecto de lei, regulador de hospitalisação em Rilhafolles. - O sr. Luciano Monteiro dirigiu perguntas aos srs. ministros da guerra e das obras publicas, respondendo-lhe este ultimo.-O sr. Silva Amado apresentou um parecer da commissão de instrucção publica superior.

Na ordem do dia, com a sessão prorogada, concluiu-se a interpellação do sr. Luciano Monteiro ao sr. ministro das obras publicas, ácerca de um arrendamento de terrenos nas proximidades da Chamusca, foliando os srs. Teixeira de Sousa, João Pinto dos Santos e Luciano Monteiro, sendo por fim approvada a moção de confiança apresentada pelo sr. José de Alpoim.-O sr. Fialho Gomes apresentou pareceres da commissão de redacção e o sr. Eduardo Villaça da commissão de fazenda.

Abertura da sessão- Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 44 srs. deputados. São os seguintes: - Abel da Silva, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alfredo Cesar de Oliveira, Alvaro de Castellções, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Tarares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Augusto José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel, de Almeida, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Frederico Ressono Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Lobo de Santiago Gouveia, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José da Cruz Caldeira, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Matos, José Mathias Nunes, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Pinto de Almeida e Martinho Augusto da Cruz Tenreiro.

Entraram durante a sessão os srs.: - Antonio Eduardo Villaça, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Silves, Francisco Antonio da Veiga Beirão Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Henrique Carlos de Carvalho Kendall João Catanho de Menezes, João de Mello Pereira Sampaio, José Adolpho de Mello e Sousa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Capello Franco Frazão, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim da Silva Amado, José Malheiro Reymão, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Manuel Antonio Moreira Junior e Sertorio do Monte Pereira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Anselmo de Andrade, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Arthur Alberto de Campos Henriques, Conde de Burnay, Conde de Idanha a Nova, Conde de Paço Vieira, Conde da Serra de Tourega, Francisco Barbosa do Conto Cunha Sotto Maior, Francisco Furtado de Mello, Francisco José Machado, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Silveira Vianna, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Faculto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, João Baptista Ribeiro Coelho, Julio Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Bento Ferreira de Almeida, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria Pereira de Lima, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Melicio e Visconde da Ribeira Brava.

Acta.- Approvada.

EXPEDIENTE

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - As condições commodas e aprasiveis que offerece a praia da Figueira da Foz e a facilidade de communicações que lhe dão accesso; têem feito affluir grande numero de nacionaes e estrangeiros nos ultimos annos áquella estação balnear.

O augmento de concorrencia a esta praia constitue elemento de prosperidade para a cidade e beneficio para o paiz.

O espaço que está livre para edificações no bairro que é procurado pela colonia balnear está por isso já tão re-

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duzido que, para que possa augmentar a concorrencia, se torna indispensavel a execução de um plano de obras projectadas pela camara municipal, comprehendendo a abertura de uma avenida marginal á praia de banhos.

O traçado d'esta avenida assenta em parte sobre terrenos do estado, na explanada do forte de Santa Catharina n'aquella cidade.

E como pela lei de 13 de setembro de 1897 este forte foi desclassificado, e não haja motivos de interesse militar que justifiquem a conservação da respectiva explanada na posse do estado, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedido á camara municipal da Figueira da Foz o terreno da explanada do forte de Santa Catharina, para abertura de uma avenida marginal á praia de banhos d'aquella cidade.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 30 de abril de 1898.=Pereira dos Santos.

Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 127-B, de 1893, projecto que tem parecer, com o n.° 134, da commissão de administração publica. = F. J. Machado.

Lida na mesa, foi admittida e enviada á commissão de administração publica.

O projecto de lei, a que se refere esta renovação de iniciativa, é o seguinte:

Artigo 1.° O concelho de Vagos, que faz parte do circulo n.º 39 (Anadia), fica dividido em tres assembléas eleitoraes: a primeira com séde em Vagos, composta da eleitores da freguezia do mesmo nome, menos os das povoações de Ponte de Vagos, Palhal e Carvalhaes; a segunda com séde em Sôsa, composta dos eleitores da freguezia do mesmo nome; e a terceira com séde no Covão de Lobo, composta dos eleitores da freguezia do mesmo nome e dos das povoações de Fonte de Vagos, Palhal e Carvalhaes, da freguezia de Vagos.

Art. 2.° Estas assembléas eleitoraes servirão tanto para as eleições politicas como para as administrativas.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

O sr. Borja de Macedo e Menezes: - Sr. presidente, mando para a mesa uma justificação de faltas.

Vae no fim da sessão.

O sr. Abel da Silva: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação de doze guardas da estação de saude de Lisboa, pedindo que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos seus collegas do Lazareto.

Sr. presidente, parece-me muito justa esta representação, e por isso peço á commissão que tem de a apreciar, a tome na devida consideração, como é de justiça.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Assim se resolveu.

O sr. Ferreira da Fonseca: - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que não póde comparecer á ultima sessão por ter saido de Lisboa para, no cumprimento de um dever, assistir ás solemnes exequias, mandadas celebrar pela commissão executiva do centro progressista de Gouveia, em homenagem á memoria do dr. Antonio Mendes Duarte e Silva. Este illustre extincto antigo deputado da nação e meu saudoso amigo, foi um dos vultos politicos mais proeminentes do districto da Guarda, onde, por varias vezes, exerceu o cargo de governador civil, conquistando as maiores sympathias pelo seu talento, honestidade do seu caracter e nobreza das suas acções, que n'este momento tenho a honra de confirmar perante a camara.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para declarar que, se estivesse presente na sessão passada, approvaria o projecto de lei n.° 23, sobre a vaccinação e revaccinação obrigatoria, sentindo não poder ouvir o notavel discurso proferido pelo illustre relator, o meu amigo e collega o sr. dr. Moreira, sobre o assumpto em discussão, com o qual estou plenamente do accordo.

O sr. José de Alpoim: - Peço que seja consultada á camara sobre se permitte que entre desde já em discussão o projecto de lei n.° 45.

Assim se resolveu.

Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É concedida a pensão annual de 120$000 réis a cada um dos filhos ou filhas do capitão do exercito conde de Almoster, morto gloriosamente no anno findo na Africa occidental.

§ unico. A pensão para os filhos irá até á maioridade legal do cada um d'elles, e para as filhas será vitalicia.

Art. 2.° Ás familias das praças de pret, mortas no mesmo combate, serão concedidas as vantagens estabelecidas em virtude do decreto de 16 dezembro de 1890.

Art. 3.° As pensões, a que se refere o artigo 1.°, serão isentas de qualquer imposto ou deducção, actualmente estabelecidos.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Alexandre Cabral: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com urgencia, me seja enviada uma nota explicativa da applicação que tiveram ou estão tendo os verbas de distribuição de fundos para o anno economico de 1897-1898, approvadas por decreto de 29 de setembro de 1897 e destinadas á construcção da estrada real n.° 34, lanço da Portella dos Encamballados á do Gôve (3:000$000 réis) e da estrada districtal n.° 43, lanço do Marco a Marmoiral (1:000$000 réis).=O deputado, Alexandre Cabral.

Mandou-se expedir.

O sr. Tavares Festas: - Começa por agradecer á commissão de legislação criminal, á camara, e em especial á opposição, a deliberação que tomaram, com relação ao processo que lhe foi instaurado na comarca de Santa Comba Dão.

Narra em seguida como se passaram os factos que deram logar áquelle processo; e, lendo alguns documentos, acompanha-os com algumas considerações e commentarios, no intuito de mostrar que a rasão e a lei estavam do seu lado.

E tão convencido está de que procedeu n'essa conformidade, que ainda hoje, se se dessem circunstancias analogas, teria igual procedimento.

Critica alguns actos do juiz de direito de Santa Comba Dão, mas assegura que não tem o proposito, de aggredir ninguem. O seu intento, repete, foi apenas mostrar que não deixou nunca de ser perfeitamente correcto o seu procedimento.

(O discurso será publicado na integra, se s. exa. o restituir.)

O sr. Eusebio Nunes: - Sr. presidente, pedi a palavra para participar a v. exa. que recebi hoje um exemplar da sessão de 28 de fevereiro. Estamos a 2 de maio! É

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necessario dizer que não me mandaram provas do que disse n'essa sessão; pouco foi; mas esse pouco traz erros de dicção e de orthographia, e até um perfeito disparate que eu não proferi aqui: mas isto tudo corre por conta dos srs. tachygraphos e dos revisores da imprensa nacional, que entendem dever fazer revisão á sua vontade e não mandar-me provas. Este anno apenas recebi, uma vez, provas de um discurso meu. Por isso venho reclamar contra um erro de data.

Diz-se aqui (no exemplar da sessão de 28 de fevereiro) que em 12 de agosto do anno passado tinha sido dado para ordem do dia o meu projecto n.° 45, quando elle foi dado a 21 e não a 12. Contra isto reclamo. Contra os erros de dicção, de orthographia e ainda o cacophaton que vem aqui, não reclamo; mas sim o faço contra um disparate que corre por conta dos srs. tachygraphos e do revisor da imprensa nacional, por isso que vem completamente alterado o que eu disse.

Diz-se ali que eu, na minha qualidade de presidente da camara municipal do concelho de Elvas, sollicitei do illustre antecessor de v. exa. que d'esse para ordem do dia o meu projecto.

Eu não podia sollicitar cousa alguma na minha qualidade de presidente da camara municipal de Elvas. Isso é para o parlamenticulo do meu concelho. Perante v. exa. só como deputado, e n'essa qualidade reclamo.

Que dirão os meus eleitores, que dirão os meus collegas da camara, que dirá o meu prezado collega e amigo o sr. Augusto Ricca, que está sempre a apreciar quanto aqui se diz, não só na fórma litteraria empregada pelos meus collegas, como tambem na idéa. S. exa. ha de naturalmente censurar-me, porque eu viesse sollicitar na minha qualidade de presidente da camara municipal de Elvas, quando a solicitação foi feita na minha qualidade de deputado. S. exa., que é um recta-pronuncia, chama-o tambem aos mais. Eu que sou egualmente cuidadoso e meticuloso n'essa especialidade, e tambem me tenho dedicado um pouco a estudos litterarios e de linguistica, eis por que reclamo e protesto, porque não posso consentir n'esses erros, empregados pelos srs. tachygraphos a seu bel-prazer, para que de futuro não se repitam estes casos e para que as provas me sejam enviadas.

A v. exa. dirijo a minha petição.

Tenho dito.

O sr. Oliveira Matos: - Peço que seja consultada a camara se permitte que entre desde já em discussão o projecto de lei n.° 35, de 1897.

Creio que todos estarão de accordo na sua approvação.

Leu-se na mesa o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° O hospital de Rilhafolles, sob a administração do hospital de S. José e annexos, é considerado desde o 1.° de julho de 1892, para os effeitos do disposto no § unico do artigo 9.° da carta de lei de 9 de julho de 1889, como o estabelecimento instituido em Lisboa pela mesma lei, para a hospitalisação dos alienados dos districtos do sul do reino e do districto do Funchal.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.

O sr. Luciano Monteiro: - Desejo fazer uma pergunta ao sr. ministro das obras publicas; mas como vejo s. exa. occupado a escrever, aproveito o ensejo para me referir a outra cousa.

Disseram-me hoje, ou eu li, que tinha sido chamado a Lisboa um regimento que está aquartelado na provincia, acrescentando-se que vae marchar para uma das nossas ilhas que formam o archipelago dos Açores, S. Miguel ou outra qualquer.

Desejava que o governo informasse se de facto é verdadeira a noticia.

Entretanto, se porventura é verdadeira, e se a ordem dada a um regimento, para ir para os Açores, se prende com a guerra actual entre a Hespanha e os Estados-Unidos, dou como não feito, o meu pedido, não querendo de fórma alguma fazer uma pergunta indiscreta; se porventura se não prende com esse acontecimento, insisto na pergunta, e qualquer membro do governo me poderá responder.

Como vejo presente o sr. ministro das obras publicas, vou occupar-me do assumpto para que principalmente tinha pedido á palavra.

V. exa. sabe que ha tres ou quatro annos houve um desastre importante nas obras do porto, desapparecendo um troço de muralha extensissimo nas proximidades da alfandega, e um enorme aterro que já estava feito!

Disse-se por esta occasião que a inutilisação da obra se cifrava em 90 ou 100 contos de réis!

Desejava saber se porventura já está averiguado o motivo d'esse desastre, e, se se chegou a nomear alguma commissão para tratar do caso, se essa commissão já fez o seu relatorio; em summa o que ha a este respeito.

Não estranho que o sr. ministro das obras publicas me declare «que não está habilitado a responder»; mas n'esse caso peço a v. exa. que considere estas minhas palavras como aviso previo, para o sr. ministro me responder quando entender opportuno.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - A respeito da primeira pergunta, não posso responder a s. exa., porque ignoro qual a ordem que o sr. ministro da guerra deu; entretanto transmittirei ao meu collega o desejo manifestado pelo sr. deputado.

A respeito da derrocada da muralha da alfandega, tenho a dizer a s. exa. que, logo que se deu o facto, se nomeou uma commissão para estudar as causas d'aquelle desastre. Essa commissão ainda não apresentou o resultado do seu trabalho e não sei absolutamente nada a respeito do assumpto.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Silva Amado: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica, sobre o projecto, de lei n.° 9-F, de iniciativa do sr. Luiz José Dias.

Mandou-se imprimir.

ORDEM DO DIA

Discussão da interpellação do sr. Luciano Monteiro ao sr. ministro das obras publicas, sobre o arrendamento de 22 hectares de terreno na Chamusca

O sr. Teixeira de Sousa: - Sr. presidente, eu não trago moção de ordem a respeito da materia da interpellação do meu illustre amigo o sr. Luciano Monteiro ao sr. ministro das obras publicas. Vou apreciar a materia, mas usando da palavra em seguida ao sr. José Maria de Alpoim, tanto basta para v. exa. e a camara comprehenderem a extrema difficuldade em que me encontro, por ter de responder a um dos oradores mais eloquentes e mais apaixonados do nosso tempo, cujo brilho da palavra nós todos admirâmos.

Como é naturalissimo, sr. presidente, eu começo exactamente por onde o sr. José Maria de Alpoim terminou o seu discurso. Este notavel parlamentar, em periodos de dulcissima eloquencia, convidou-nos a deixar as questões politicas para olharmos com todo o cuidado a com a mais escrupulosa attenção para a grave crise em que o paiz se debate.

Devo confessar a v. exa. que me surprehendeu o appello feito pelo sr. José de Alpoim, appello que se me afigurou antes uma reprimenda dirigida ao governo, que só de poli-

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tica e para a politica tem vivido, mas para a politica tomada na mais acanhada accepção em que se costuma empregar este termo. (Apoiados.)

É legitimo perguntar o que tem feito o governo ha quinze mezes. Tem restaurado cincoenta ou sessenta concelhos, dissolvido outras tantas camaras municipaes, politicado por varios ministerios, e no que interessa á vida economica do paiz, á vida financeira do thesouro, ou não tem tratado d'isso, ou tem procedido de tal fórma, que o resultado final é sempre um zero. (Apoiados.)

Não precisavamos nós do appello que aos foi dirigido pelo sr. José do Alpoim. Nós, os deputados d'este lado da camara, temos aproveitado todas as opportunidades para declarar que não discutimos questões politicas por nos convencermos que a situação do thesouro é tão especialmente grave, que todos os esforços são poucos e pequenos para conjurar uma derrocada imminente. São, todavia, para louvar os intuitos que presidiram ás palavras proferidas por s. exa., embora em contraste singular com o seu procedimento.

Pois reconhece-se a conveniencia de afastar e tirar corpo ás questões politicas, e o sr. José de Alpoim vem tornar esta questão essencialmente politica, apresentando uma moção de confiança ao governo!? (Apoiados.)

Pois v. exa., sr. José de Alpoim, julga mesquinhas as questões politicas, julga-as incompativeis com as conveniencias publicas e com a gravidado do momento actual, e vem apresentar uma moção de confiança ao governo, quando d'este lado da camara, e justamente para não levar esta questão para o terreno politico, ainda nenhuma moção se propoz, tunda não só d'isso cousa alguma que possa justificar a intervenção d'essa poderosa bateria do moções de confiança!? (Apoiados.)

Pois nem assim eu trago uma moção de desconfiança ao governo. Entendo que ella seria de todo o ponto injustificada depois das palavras sinceras, honradas e de justiça, proferidas pelo meu amigo o sr. Luciano Monteiro ácerca do procedimento do sr. ministro das obras publicas n'esta questão.

Eu não trago uma moção de desconfiança politica. Eu não venho aggredir o sr. ministro das obras publicas. Eu venho em ligeirissimas palavras mostrar a v. exa. e á camara como seria salutar em effeitos que o contrato que prende com esta interpellação fosse annullado por iniciativa do sr. Augusto José da Cunha.

Esta questão não está morta, como dizia o sr. José de Alpoim, e todavia devo morrer e depressa, não em virtude da votação de uma moção de confiança politica, mas ás proprias mãos do sr. Augusto José da Cunha, por amor do seu nome honrado, que todos nós respeitamos. (Apoiados.)

O sr. ministro dos obras publicas errou, não intencionalmente, porque é um homem de bem; (Muitos apoiados.) mas errou porque foi illudido na sua boa fé, por informações officiaes, levianas, incompletas, precipitadas. E desde que s. exa. reconheço isto, só pude fazer uma cousa, que legitimamente lhe condiz como homem de bem, e é vir dizer á camara: eu fiz um arrendamento im boa fé da contratos, fundado em informações officiaes que abonavam a justiça da petição dirigida ao governo, mas convencido do que me faltaram esclarecimentos que hoje tenho e que mostram que os interesses do thesouro não foram defendidos como o deviam ser, eu não tenho duvida nenhuma em vir declarar á camara que, para fazer desapparecer um erro, que involuntariamente commetti, aproveito uma nullidade insanavel do contrato do arrendamento, para, pelas vias competentes, promover a sua annullação.

Sr. presidente, eu não entro nas minucias do contrato de arrendamento, que prende com esta interpellação, não venho apreciar este processo; a conclusão, a que viso, nem assenta mesmo sobre as leis e regulamentos que prendem com esta questão. A conclusão, a que viso, assenta unica e exclusivamente n'uma declaração feita pelo sr. ministro das obras publicas, sincera e francamente feita, e por tal maneira, que nós acreditámos que é absolutamente verdadeira.

Vejamos de que se trata.

Trata-se de um arrendamento de 22 hectares de terrenos feracissimos marginaes conquistados ao Tejo, por espaço de trinta annos, pela renda annual de 130$000 réis, quando é voz corrente que este arrendamento é podre de barato, como se costuma dizer em linguagem vulgar.

V. exa. comprehende bem as difficuldades em que me encontro ao apreciar esta questão, quando de um lado se encontra um ministro, cujo caracter eu prezo e considero, e de outro lado se encontra um collega nosso n'esta camara, a quem foi feita esta concessão; mas eu, que me prezo de fallar sempre com a maior franqueza e com o coração aberto, digo que nem sequer vejo motivo para fazer censura ao procedimento do sr. Izidro dos Reis, ao qual esta concessão aproveita.

Ao sr. Izidro dos Reis convinham os terrenos que lhe foram concedidos? Estava no seu direito de fazer a sua petição neste sentido; e, como é naturalissimo, o sr. Isidro dos Reis desde que podesse prever que podia obter os terrenos por 10, de corto que não ia offerecer 20. (Apoiados.)

Sobre a petição do sr. Izidro dos Reis foram ouvidas as instancias officiaes; as instancias officiaes deram o seu parecer no sentido de que a petição devia ser attendida.

Não era motivo para censurar o sr. Isidro do Reis, acho apenas motivo para o felicitar pela boa estreita que o guiou n'este negocio. (Riso.}

Mas as informações officiaes foram incompletas, levianas o precipitadas?

Só uma cousa se póde fazer: é o sr. ministro das obras publicas promover a annullação d'este contrato. (Apoiados.)

O que é preciso saber é se as informações foram ou não levianas, precipitadas e incompletas. Foram, não ha duvida nenhuma.

Os terrenos em questão foram arrendados em 1892 por 30$000 réis, em 1893 por 55$000 réis, em 1894 por 115$000 réis. V. exa. e a camara notaram de certo a progressão rapida que se dá na renda do anno para anno e attentaram tambem na circumstancia de que este augmento notavel na renda de anno para anno se dava quando o arrendamento era annual, por onde é legitimo suppor que se o arrendamento fosso feito a longo proso, as rendas subiriam consideravelmente, isto é, desde que o arrendatario podesse com segurança beneficiar os terrenos por fórma a tirar d'elles todo o producto de que são susceptiveis.

D'ahi a rasão por que não era legitima a conclusão a que chegou o sr. director da primeira circumscripção hydraulica quando affirmára que era provavel que o augmento não continuasse em tão rapida progressão; e dizendo que não é legitima a conclusão, não quero com isto menosprezar o sr. Adolpho Loureiro, que nem sequer conheço. O que eu quero significar é a leviandade com que muitas vezes as instancias officiaes informam o ministro ácerca do assumptos importantes de interesse publico, por maneira a comprometter os interesses do estado por um lado, e muitas vezes a reputação dos ministros que assignam na boa fé dos contratos. As instancias officiaes informam, os ministros lançam o costumado «conformo-me» e, em regra, em casos d'esta natureza, tomam para si responsabilidades que não lhes pertencem, como é o caso que n'este momento tratâmos.

Eu não conheço os terrenos a que se refere esta questão. É porém naturalissimo acreditar que 220:000 metros quadrados de terreno nas margens do Tejo são de um consideravel valor. (Apoiados.)

Mas nem sequer, para tirar a conclusão a que viso, a

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da annullação do contrato, eu entro em considerações com o valor do terreno.

Não quero saber se os terrenos em questão podiam ser ou não arrendados por mais ou por menos de 1:500$000 réis. O que me basta saber é que o sr. ministro das obras publicas com uma honrada sinceridade e franqueza nós veiu declarar que quando auctorisou a assignatura do contrato ignorava que a renda dos terrenos tinha sido maior do que a que constava do respectivo processo.

Dizia o meu illustre amigo o sr. Luciano Monteiro: «Como é que tendo os terrenos rendido 30$000 réis em 1892, 55$000 réis em 1893 e 115$000 réis em 1894, o sr. director da primeira circumscripção hydraulica vem dizer que não é provavel que o augmento da renda continue subindo n'essa rapida progressão, quando é certo que esses terrenos foram arrendados, em 1896, por 300$000 réis?

Levantou-se o sr. ministro das obras publicas, e n'este ponto disse: affirmo ao illustre deputado que quando auctorisei o arrendamento em questão ignorava que esses terrenos tinham sido arrendados em 1896 pela quantia a que se referiu e que é inteiramente diversa da que figura na informação official. Nós applaudimos muito essa declaração e quando a applaudimos não só quizemos significar que essa declaração tão espontanea e honradamente feita pelo sr. Augusto José da Cunha era absolutamente verdadeira, mas, mais do que isso, quizemos significar e convencimento em que estavamos de que se o sr. Augusto José da Cunha, quando em fevereiro de 1897 auctorisou o arrendamento em questão, soubesse que os terrenos tinham sido arrendados em 1896 por 300$000 réis, não tinha auctorisado o arrendamento, por 130$000 réis.

A declaração espontanea e franca feita pelo sr. ministro das obras publicas e que evidentemente honra o seu caracter que eu muito respeito, equivale a vir dizer com todos os euphemismos de que se póde servir: que fôra illudido na sua boa fé.

Se o sr. ministro das obras publicas foi illudido na sua boa fé, como estou convencido, só tem uma cousa a fazer por amor do seu nome, é promover pelas vias competentes a annullação d'este contrato, visto que elle tem em si nullidade.

Não me importa saber se ha ou não precedentes, se o regulamento de 19 de dezembro de 1892 está ou não em vigor, não nos importa nada d'isso, o que é fundamental e capital para um homem como o sr. Augusto José da Cunha, que tem a justificada reputação de homem de bem, é a circumstancia de vir declarar aqui que quando assignou o contrato ignorava que esses terrenos em 1896 tinham sido arrendados por uma quantia superior á que figurava na informação official sobre que assentou o seu despacho.

Mas perguntava-se: mas porque é que este arrendamento não se fez em hasta publica, como está estabelecido no regulamento de 19 de dezembro de 1892? Note v. exa. que n'este ponto a informação official não foi seguida.

O director da primeira circumscripção hydraulica disse ao sr. ministro das obras publicas, que ao tempo não era o sr. Augusto José da Cunha:, «da legalidade do que requer, v. exa. melhor do que eu póde avaliar».

Ora, quem ler as informações officiaes que se prendem com este contrato reconhecerá que o director da primeira circumscripção hydraulica estava evidentemente ao lado da pretensão do sr. Izidro dos Reis, de certo pelos mais honestos intuitos, mas o que é certo é que estava, e desde que o director da primeira circumscripção hydraulica referindo-se á legalidade da petição dizia ao ministro que da legalidade do que se requer «s. exa. melhor do que elle poderia avaliar», é legitimo concluir que a legalidade era muito mais que duvidosa, não existia.

Não me importa, sr. presidente, que me venham dizer que ha precedentes para arrendamentos a longo praso em circunstancias identicas, dispensando se a hasta publica. Se os ha, eu condemno esses arrendamentos como condemno este, e pedindo ao sr. ministro das obras publicas que promova a annullação d'este contrato ou não posso deixar de pedir com o mesmo enthusiasmo que promova tambem a annullação de todos os contratos identicos que estejam nas mesmas circunstancias.

Do que v. exa. póde estar certo é que quando isso se der, quando forem annullados contratos de arrendamento n'essas circumstancias, eu nunca hei de ser prejudicado.

Torno a dizer, com todas as palavras, porque me parece que isto fez impressão no meu amigo o sr. José de Alpoim, que se ha outros contratos de arrendamento n'estas circunstancias, eu com o mesmo enthusiasmo, sinceridade e franqueza com que peço ao sr. ministro das obras publicas que annulle este contrato, peço que promova annullação de contratos identicos que estejam nas mesmas circumstancias e envolvidos no mesmo imbroglio de illegalidades.

Depois veja v. exa. que proveito viria para o thesouro se o arrendamento d'estes terrenos fosse feito em hasta publica. Foi o sr. José de Alpoim que nos veiu dar a prova completa e irrecusavel. No espirito do sr. Alpoim fez impressão o facto dos terrenos estarem arrendados em 1896 por 300$000 réis, quando é certo que o arrendamento em questão é de 130$000 réis e que a informação official dava a renda maxima de 115$000 réis, e então disse: isto não tem importancia nenhuma, em primeiro logar porque o arrendatario em 1896 perdeu e em segundo logar porque a renda subiu a 300$000 réis em virtude de na praça se picarem os concorrentes. O risco que nós podiamos correr era de voltarem á praça os mesmos on outros concorrentes de cujo pique resultasse a elevação da renda.

Eu não vejo bem que casta de difficuldades possa haver em annullar este contrato e em abrir concurso para o arrendamento em hasta publica. Tendo o sr. ministro das obras publicas e o sr. Alpoim empregado todos os recursos da sua intelligencia para mostrar que a renda maxima que este terreno poderá attingir é de 130$000 réis, não vejo como annullando-se o contrato e fazendo-se o arrendamento em hasta publica, seja sequer prejudicado o sr. Izidro dos Reis. Nem s. exa. fica sem os terrenos que de certo lhe convem, e se não lhe conviesse não os arrematava, nem terá que pagar maior renda desde que o nobre ministro e o illustre deputado que defenderam o contrato estão convencidos que a renda maxima é de 130$000 réis.

Mas dizia o nobre ministro das obras publicas: «O contrato tem nullidades! Que tenho eu com isso? Nada tenho com as formalidades que tinham de preceder, ou de seguir o contrato.» O sr. Luciano Monteiro mostrou á camara que o contrato devia ser annullado em virtude da falta de pagamento da contribuição de registo; e dizia o nobre ministro: «Eu nada tenho com isso, porque nada tenho com as formalidades que precederam ou seguiram o contrato!» (Apoiados.)

Não é nada d'isso, é que o contrato contém era si uma nullidade insanavel, qual é a que provém da falta de pagamento da contribuição de registo; accusa um notavel prejuizo para a fazenda nacional, qual é a de a privar da respectiva receita. (Apoiados.}

Digo mais a v. exa., se eu tivesse o complexo de merecimentos que me faltam em absoluto para poder estar sentado no logar occupado pelo sr. Augusto José da Cunha, eu bem diria a minha felicidade, que me dava ensejo para annullar um contrato nas circumstancias em que este foi feito. (Apoiados.) Estou convencido que o sr. Augusto José da Cunha pensa da mesma maneira Estou convencido de que sê s. exa. obrasse livremente n'este caso, nenhuma duvida teria em vir dizer á camara: «Eu julgo-me feliz por existir no processo uma nullidade insanavel em virtude da qual vou promover á recisão do contrato.» Mas não

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o faz, porque, como muitos outros, está convencido de que attender as reclamações quando ellas partem do lado da opposição parlamentar, é sempre um grande desaire para o governo. Não é assim. O sr. Augusto José da Cunha tem uma reputação de homem de bem muito legitimamente feita, (Apoiados} mas do que póde e deve estar certo é de que essa reputação se tornava inabalavel se com a mesma franqueza com que fez a declaração de que ignorava que em 1892 o terreno fôra arrendado por 300$000 réis, viesse aqui dizer: «Accusam-me, não têem rasão para isso. Desde que eu tive conhecimento d'esse facto, desde que v. exa. me dão a certeza de que as cousas se passaram d'essa maneira, não tenho duvida em declarar que vou pelos meios competentes promover á annullação do contrato.

Nós todos percebemos bem que o sr. Augusto José da Cunha não póde escapar ás suggestões, que em volta de si se produziram, quando o sr. Luciano Monteiro daqui, d'este lado da camara, reuniu os argumentos da falta de pagamento da contribuição de registo. O sr. Augusto José da Cunha, que é um mathematico e um professor muito distincto, não tinha obrigação nenhuma, como eu não tenho, de saber quaes são as excepções contidas na lei da contribuição de registo, e todavia quando o sr. Luciano Monteiro com a sua auctoridade de advogado distinctissimo que é, levantava a questão do pagamento da contribuição de registo, o sr. ministro das obras publicas levantava-se, abria o respectivo regulamento, e ha o § 3.° do artigo 7.°, se bem me recordo, para mostrar o que?

«Que pelo arrendamento em questão, não era devido o pagamento da contribuição de registo!»

E foi por isto, sr. presidente, que eu disse, que ainda n'esta occasião o sr. ministro das obras publicas não póde escapar ás suggestões dos que o cercam!

E v. exa. comprehende que não póde ser melhor o sentido com que eu emprego esta palavra suggettões.

Eu entendia que o sr. ministro das obras publicas ficava bem collocado, confessando o que nós todos sabiamos: «que se o sr. ministro das obras publicas errou, errou não intencionalmente e que se s. exa. assignou este contrato, está arrependido, porque o não conhecia, confiado em informações que julgou verdadeiras e que o não eram»!

Dizia eu, que por essas suggestões, ha quem supponha que o facto de s. exa. vir fazer esta confissão trazia grande desaire para o governo, é realmente não é assim.

Mas foi de estranhar, sr. presidente, que o sr. ministro das obras publicas nos viesse aqui fazer a affirmação - de que pelo arrendamento em questão não era devido o pagamento da contribuição de registo - mas que fosse o sr. ministro da fazenda que acompanhasse esta affirmação com applausos calorosos, que ferem ouvidos de um e outro lado da camara!...

Sr. presidente, eu não tenho a honra do ser jurisconsulto, mas parece-me que não é preciso ser da especialidade para entender e perceber o regulamento da contribuição de registo.

Tenho a franqueza de declarar a v. exa., que tendo ouvido a resposta do sr. ministro das obras publicas dada ao sr. Luciano Monteiro, me pareceu lembrada pelo sr. ministro da fazenda-pelo menos applaudida pelo sr. ministro da fazenda.

Declaro a v. exa., que desde sabbado até hoje perguntei a alguns advogados das minhas relações e alguns juizes aliás muito distinctos de Lisboa, o que pensavam a este respeito, e declaro a v. exa. que ninguem tem duvida, nem é possivel encontrar duas opiniões a este respeito: «os arrendamentos de terrenos do estado estão sujeitos ao pagamento de contribuição de registo».

É porque não ha de ser assim? O que é exceptuado pelo § 3.° do artigo 7.°?

O que está exceptuado pelo § 3.° do artigo do regulamento da contribuição de registo? Estão exceptuados os bens e aforamentos dos terrenos do estado.

O que vale o argumento produzido pelo sr. ministro das obras publicas, de que se as vendas de bens do estado são exceptuados da contribuição de registo, com mais rasão o devem ser os arrendamentos? E preceito indiscutivel de hermeneutica juridica que excepções não se admittem senão aquellas que estão taxativamente designadas na lei. Creio ser este o principio adoptado por todos aquelles que julgam e advogam. Deus nos livre que assim não fosse.

Se o sr. ministro das obras publicas m£ pergunta se ao confeccionar uma lei de contribuição de registo, exceptuada de pagamento as vendas do terrenos devem sel-o tambem os arrendamentos, eu digo que sim. Se a, exa. em vez de estar respondendo á interpellação que lhe foi feita pelo meu amigo o sr. Luciano Monteiro, estivesse discutindo uma lei de contribuição de registo, chegado á parte do projecto em que se estabelecesse que as vendas e aforamentos de bens do estado não eram sujeitos a contribuição de registo, era notavel e justificadissimo que dissesse:

«Se as vendas de terrenos estão dispensadas do pagamento da contribuição de registo, com mais rasão o devem estar os arrendamentos; e portanto a bens e aforamentos, acrescente-se-arrendamentos.»

Mas não se trata da discussão da lei!

«Ora os arrendamentos não foram incluidos na lei, nem no respectivo regulamento (dirá ainda $. exa.). A lei tem de cumprir-se exactamente como existe, e como existe não obriga ao pagamento da contribuição de registo pelos arrendamentos. Mas que hei de eu fazer? Imaginemos a hypothese de que na verdade era devida a contribuição de registo por este arrendamento. Que tenho eu com isso? Que tenho eu com as formalidades que tenham de preceder ou seguir o contrato?»

Tem tudo. Desde o momento em que o sr. ministro das obras publicas se convença de que a contribuição de registo devida não foi paga, tem um meio simples de a fazer pagar: é officiar ao sr. ministro da justiça ou ao procurador geral da corôa no sentido de que os respectivos agentes promovam a applicação do disposto no artigo 97.°, creio eu, do regulamento da contribuição de registo.

Se o sr. ministro das obras publicas assim proceder e for promovida a applicação do disposto no referido artigo, á restituida ao estado a contribuição de registo que não foi paga, o que é importante. Mas o que é mais importante, importantíssimo, é annullar este contrato. A este respeito não ha nem póde haver duas opiniões.

O arrendamento em questão representa um abuso da boa fé do sr. ministro das obras publicas. S. exa. não póde consentir que este contrato prosiga nós seus effeitos. Se por um lado, lhe corre a obrigação de pelo respectivo agente do ministerio publico promover a sua annullação, por outro lado segundo as disposições contidas no regulamento da contribuição de registo, artigo 82.°, creio eu, não póde consentir que no ministerio das obras publicas este contrato se tenha como existente. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu dou por findas as minhas considerações; mas antes d'isto devo dizer que sou adversario politico do sr. ministro das obras publicas; não lhe devo nada, absolutamente nada, a não ser a parte que lhe pertence como membro de um governo que tem feito os maiores aggravos politicos ao meu partido; isso dá maior força e maior imparcialidade á affirmação e ás palavras que profiro ácerca do que penso com relação ao caracter do sr. Augusto José da Cunha, que eu muito respeito e considero. (Apoiados.)

Eu tenho o sr. Augusto José da Cunha como um homem de bem. (Apoiados.) O sr. Augusto José da Cunha tem o seu nome ligado a gravissimos factos para o seu paiz, e todavia a sua honestidade nunca foi posta em duvida, a sua honestidade não é hoje posta em duvida. (Apoiados.) E desde que faço esta affirmação, que não obedece a

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nenhum convencionalismo, nem representa nenhum acto de fraqueza, eu permitto-me dar um conselho ao sr. ministro das obras publicas: faça com que os seus amigos politicos retirem a moção de confiança, e promova s. exa. a annullação de um contrato, que tem ferido intensamente o espirito publico. (Apoiados.)

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. João Pinto dos Santos: - Sr. presidente, apesar do illustre parlamentar, que me precedeu, ter concluido o seu discurso, aconselhando o sr. ministro das obras publicas a que fizesse com que os seus amigos politicos retirassem a moção de confiança, eu insisto em mandar para a mesa a minha moção, que ainda é de maior confiança, se assim se póde dizer, do que a apresentada pelo meu amigo o sr. Alpoim.

No cumprimento do regimento, vou lel-a.

(Leu.)

Eu me explico.

Se a apreciação do arrendamento de terrenos, feito pelo sr. ministro das obras publicas, tivesse corrido com a serenidade com que os illustres deputados o discutem aqui na camara; se a interpellação não fosse annunciada previamente wrbi et orbi com certas intenções espalhafatosas; se a imprensa do seu partido não estivesse em completa desharmonia com os illustres deputados regeneradores, amimando acintosamente que o arrendamento representa um favoritismo, nós de certo não hesitariamos em retirar a moção de confiança, depois dos testemunhos de consideração que tributaram ao caracter do sr. Augusto José da Cunha, substituindo-a, no cumprimento do regimento, por qualquer proposta que d'esse fim ao debate.

Mas, desde que a campanha do partido regenerador, na imprensa, se accentua extraordinariamente, considerando o arrendamento não como um erro administrativo praticado pelo ministro, mas como um acto de nepotismo; desde que os illustres deputados, ou os dirigentes do seu partido, não têem força sufficiente para se impor á sua imprensa, obrigando-a a seguir o mesmo caminho; desde que querem imprimir á questão uma feição de escandalo, explorando em favor do seu partido as vantagens que podem advir de combater um acto illegal e immoral do governo, como affirmam nos jornaes, é indispensavel que a maioria parlamentar se reuna em volta do sr. ministro das obras publicas e consigne numa moção o respeito e confiança que lhe merece o seu caracter elevado, a que o illustre deputado que me precedeu, e todos os seus correligionarios tributaram n'esta casa a mais profunda homenagem.

Folgo que o fizessem desassombradamente, porque é indispensavel que os homens de bem sejam tratados por uma fórma inteiramente differente do que são aquelles que, na política, se envolvem em negocios inconfessaveis. (Apoiados.)

No momento actual, tão critico para o paiz, quando se chegar á convicção de que alguem procede menos honradamente, é necessario esmagal-o, porque o de que carece a nação é de gente honrada. (Apoiados.)

É possivel que um ministro, tendo de resolver problemas tão complexos como se offerecem todos os dias á sua attenção, erre involuntariamente, por não poder ponderar devidamente os diversos elementos que os constituem; póde errar, mas, n'este caso, sendo evidente a sua boa fé, é necessario ser benevolo e generoso com elle e não apreciar os seus actos com o mesmo rigor como só procedesse unicamente guiado por interesses escuros e criminosos. (Apoiados.)

Em vez de amesquinhar os homens publicos, que vivem honestamente, é preciso contribuir para o engrandecimento da sua reputação, a fim de lhes dar auctoridade e evitar que o povo, lendo as diatribes diarias, supponha que esses homens constituem um verdadeiro syndicato explorador que visa apenas a apanhar os dinheiros publicos, arrancados ao contribuinte em successivos impostos, para elles viverem á farta e á grande. (Apoiados.)

É preciso alevantar os homens publicos no conceito da opinião, para terem auctoridade e prestigio e poderem lançar novos impostos, se as circumstancias angustiosas do thesouro exigirem mais esse sacrificio.

Devia ser essa a nossa preoccupação constante, em vez de levantar campanhas de descredito contra homem como o sr. Augusto José da Cunha, que póde ter feito alguma cousa mal pensada, pouco reflectida, mas a cuja honradez e nobreza de caracter até os seus proprios adversarios politicos fazem inteira justiça, e que, apesar de ter assignado o contrato dos tabacos que, segundo o illustre deputado que me precedeu, podia ter levantado suspeitas na opinião publica, até hoje não foi malsinado nas suas intenções, attribuindo-lhe qualquer interesse menos justificado e regular. (Apoiados.)

Contra um homem d'estes póde com justiça-pergunto eu - levantar-se uma campanha, pretendendo offuscar o brilho da sua reputação, não digo n'esta casa, porque todos têem procedido com uma correcção extrema, mas lá fóra, fazendo em volta d'este contrato uma lenda, e apresentando o arrendamento como um negocio ganancioso, capaz de transformar o sr. Izidro dos Reis n'um verdadeiro Cresus? (Apoiados.)

Na divergencia entre as apreciações apaixonadas e injustas da imprensa regeneradora e a discussão correcta n'esta casa é que está a explicação da necessidade de apresentarmos uma moção de confiança, para ficar bem accentuado que a maioria está ao lado do sr. ministro das obras publicas, affirmando-lhe solemnemente que tem um grande respeito pelo seu caracter nobre e alevantado. (Apoiados.)

Sr. presidente, não sei se este governo, durante o periodo da sua governação, se tem preoccupado simplesmente com politica, como affirma o sr. Teixeira de Sousa.

O que sei é que não tem governado como os regeneradores que, conservando-se quatro annos no poder, saltando por cima de todas as leis, usando de uma larga dictadura, não contribuiram em nada para o melhoramento da nossa situação economica e para o dasafogo do thesouro, aggravando pelo contrario a crise que nos affligia, com nomeações successivas de empregados publicos.

O partido progressista subiu ao poder em circunstancias extraordinarias, tendo de luctar com gravissimas difficuldades.

Terá feito tudo quanto devia e podia fazer? Terá tido fraquezas?

Confesso mesmo que as tem tido.

Em frente das difficuldades enormes que nos assoberbam, os homens publicos, quando se sentam n'aquellas cadeiras, não podem executar facilmente as resoluções que se afiguram boas e faceis nos nossos gabinetes.

For exemplo: dizem todos que é indispensavel diminuir as despezas do estado, e remodelar os serviços publicos por fórma que, reduzindo-se o numero dos empregados, fique menos onerado o thesouro.

Isto que, á primeira vista, parece de uma extrema facilidade, é comtudo difficilimo de executar! D'esta sorte, centenas de familias ficariam sem pão, por isso que os seus chefes se veriam impossibilitados de o ganhar.

Durante annos e annos o povo portuguez teve como ideal o emprego publico, dirigindo toda a sua educação para esse desideratum. Cortada abruptamente essa aspiração, atirando-se para a rua com grande numero de funccionarios desnecessarios aos serviços, que haviam de fazer, se não tinham aptidões para outras cousas?! E, ainda que as tivessem, a agricultura rotineira, o commercio e as outras industrias do paiz não tinham, desenvolvimento sufficiente para comportar essa avalanche de pessoal.

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Restava-lhes, pois, emigrar em condições desfavoraveis, correndo as aventuras e riscos de uma emigração forçada, ou ficarem no paiz, como declasaés, fomentando as agitações de todos as qualidades, alliando-se ao anarchismo e a todos os perturbadores da ordem para, na perturbação social, encontrarem os meios de subsistencia que a medida economica do governo lhes tiraria.

Aqui tem v. exa. como uma cousa que, á primeira vista, parece facil, é, comtudo, de uma grande difficuldade de execução para os que, tendo o leme do governo, carecem de ponderar as repercursões variadas das medidas que decretam.

Quando se tem um plano a realisar sacrificam-se muitas linhas d'esse plano para fazer triumphar as medidas mais importantes, pois vale mais executar alguma cousa d'elle do que perdel-o por completo.

Governar é transigir.

O governo póde ter tido transigencias e até fraquezas, não o contesto, mas o que não se póde dizer é que só tenha feito política partidaria, porque tem feito tambem administração. Os illustres deputados opposicionistas é que só têem feito politica, e de tal especie que até ás vozes chegam a faltar á sessão, fugindo para os corredores, para que não haja numero, quando as condições do paiz exigiam mais seriedade.

Uma voz: - Oh! Oh!

O Orador: - Isto não me parece que mereça os seus oh! Oh!

O sr. Luciano Monteiro: - V. exa. refere-se a mim?

O Orador: - Foi v. exa. que fez oh?

O sr. Luciano Monteiro: - Eu não me lembro de ter feito ó ó senão quando era creança.

O Orador: - Eu citei este facto simplesmente para lembrar que, no periodo extraordinario que vamos atravessando, era conveniente que não fizessemos d'estas politiquices, que ficavam muito bem em periodos normaes, quando o paiz tinha uma vida desafogada, mas que se não devem repetir agora que luctâmos com enormes difficuldades, quando estamos a braços com uma crise tremenda, em que todos os nossos esforços se devem reunir para fazer triumphar os interesses nacionaes, sacrificando as conveniencias de corrilho.

Respondida esta parte do discurso do illustre deputado que me precedeu, eu vou tratar do assumpto.

Sr. presidente, os oradores que me antecederam collocaram a questão, não no campo moral, accusando o ministro de praticar um acto de favoritismo, mas no campo da legalidade, affirmando que o ministro tinha errado apenas por precipitação. Ora, não me parece que esta asserção seja exacta. O sr. João Izidro dos Reis requereu o arrendamento em 1894, esse requerimento foi a informar ás instancias respectivos, as informações do engenheiro hydraulico e do conselho superior de obras publicas e minas foram favoraveis, o processo esteve pendente desde essa epocha até 1897, em que o sr. ministro das obras publicas lançou o seu despacho, deferindo-o em harmonia com o parecer das estações consultadas.

Fel-o logo ao entrar para o ministerio? Que importa isso, se as instancias ouvidas confessavam que a obra do esporão, comprehendida já no projecto de delimitação e fixação das margens do Tejo, datado de 31 de janeiro de 1885, era de uma necessidade que cada dia se recommendava mais instantemente e se tinha tornado mais urgente, depois que se construiu o dique insubmergivel do Pinheiro?!

Em 1894, quando o sr. Izidro dos Reis fez este requerimento, estava no poder o partido regenerador.

Toda a gente sabe que o sr. Izidro dos Reis é um homem valioso no seu partido e é conhecido como progressista dedicado. Fazendo o seu requerimento, estando os seus adversarios no poder, evidentemente confiava na justiça da sua causa, pois não se atreveria a pedir-lhes illegalidades e injustiças.

Se ellos achavam o requerimento injusto, deviam, indeferil-o de prompto; se, pelo contrario, entendiam que era justo, e que a obra a que se referia era necessaria e urgente, como affirmavam as estações competentes, não deviam ter adiado o seu deferimento. Não procedendo assim, se tinham a mais pequena suspeita de que as informações não eram verdadeiras, deviam ter applicado o correctivo aos funccionarios que, abusando da sua situação official, tinham dado uma informação de favor.

O sr. ministro das obras publicas, subindo ao poder, procedeu com mais correcção o zêlo pelos interesses publicos, mandando fazer uma obra que as estações competentes declaravam necessaria e urgente.

Mas, diz o illustre deputado sr. Cabral Moncada, devia ouvir a procuradoria geral da corôa. Não a ouviu porque não encontrou difficuldades nas informações officiaes, nem reclamações do especie alguma.

O sr. Cabral Moncada: - No parecer diz-se que a questão de legalidade ficava dependente da critica do ministro.

O Orador: - O que no parecer se diz é o seguinte:

«Se é legal o que se requer, v. exa., melhor do que eu, o poderá avaliar. É certo que pelo regulamento de 19 de dezembro de 1892 podem as circumscripções arrendar em praça os terrenos que estão a seu cargo. Esta renda tem-se geralmente entendido ser a renda annual.

«Quando o periodo é mais longo e abraça cinco, dez e mais annos, tem-se feito muitos arrendamentos de terrenos do estado, com auctorisação superior, mediante requerimento do pretendente e ouvido o conselho superior de obras publicas.»

O ministro, lendo este parecer e não havendo reclamações em contrario, entendeu a lei como geralmente tinha sido interpretada no ministerio a seu cargo, sem ao menos reconhecer a necessidade de consultar a procuradoria geral da corôa.

Ora, quer ver o illustre deputado como o sr. ministro não podia fazer outra cousa? Nós suppomos que um ministro tem tanto que fazer como qualquer de nós que tem pouco. Um ministro d'estado, dirigindo um ministerio tão complexo como o das obras publicas, póde ter competencia para todos os assumptos? Não. Póde ser engenheiro e conhecer as questões technicas de engenheria, mas não conhecer outros, como as de pharoes, industria, commercio e agricultura.

Para conhecer de todos os assumptos a cargo do ministerio das obras publicas era preciso que o ministro tivesse uma educação variadissima.

Quando as estações competentes dão a sua informação e os homens que compõem esses corpos merecem ao ministro o mais elevado conceito, como succede com o conselho de obras publicas e minas, cujos membros são tão distinctos e onde até figura o sr. Pedro Victor, auctor da lei da hydraulica e cavalheiro muito considerado pelo seu talento, e com a repartição hydraulica, de que é director o sr. Adolpho Loureiro, funccionario igualmente distincto, o ministro, desde que não ha reclamações em contrario, conforma-se com os pareceres officiaes.

E, cousa natural, requerendo-se em 1894 o arrendamento com a disposição de construir o esporão, ninguem veiu reclamar contra a illegalidade!

Porque foi que as pessoas interessadas, n'um periodo de tres annos, não appareceram a pedir o indeferimento do requerimento, visto que prejudicava os interesses de thesouro, como se costuma fazer em tantos outros negocios que estão pendentes do despacho dos poderes publicos?!

O sr. Cabral Moncada: - Porque esporavam que e o ministro cumprisse, a lei, pozesse os terrenos em basta publica.

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O Orador: - Diz o meu illustre collega que esperavam que o ministro, cumprindo a lei, pozesse em praça os terrenos. Peço licença para dizer a s. exa. que não esperavam tal.

Se reconhecessem, injustiça e illegalidade no pedido, não lhes consentia o genio que serenamente aguardassem a resolução dos poderes superiores.

O sr. Izidro dos Reis apresentou o seu requerimento, em 1894, sendo ministro das obras publicas o sr. Lobo do Avila ou o sr. Campos Henriques, e até 1897, em que foi deferido, ninguem se dirigiu ao governo, pedindo o indeferimento.

Se o pedido era de tal ordem e de tanta vantagem para o requerente, o que parecia mais natural era que apparecessem reclamações, como tantas vezes succede em relação a outros; mas só appareceram, depois de feita a obra e depois de tudo concluido, allegando que o contrato era ruinoso e não devia ser approvado, porque representava um acto de favoritismo. Só faltaram do contrato depois de estar concluido.

Não errou, pois, o sr. ministro das obras publicas por precipitação.

É verdade que o sr. Teixeira de Sousa, notando a declaração do sr. Augusto José da Cunha de que não sabia que os terrenos tinham sido arrendados por 300$000 réis no anno de 1896, quiz aproveitar essa confissão sincera e franca do illustre ministro para mostrar que houve precipitação no despacho e que devia agora emendar o erro commettido, desde que esse facto chegara ao seu conhecimento.

A confissão do illustre ministro é mais uma prova da nobreza do seu caracter, mas hão tem a interpretação que o sr. Teixeira de Sousa lhe quer ligar.

Effectivamente o terreno tinha sido arrendado em 1896 por 300$000 réis, mas esse arrendamento, feito por um empregado, subalterno durante uma doença do sr. Loureiro só foi conhecido na repartição respectiva, quando o sr. Izidro dos Reis, requerendo a prorogação do arrendamento em abril de 1897, fez referencia ao rendeiro João Gomes da Cruz.

Verificou-se então a existencia do arrendamento e que os 300$000 réis da renda só tinham dado entrada nos cofres publicos posteriormente ao requerimento do sr. Izidro dos Reis.

Aqui tem, pois, v. exa. á sincera, explicação porque o sr. ministro das obras publicas não tinha d'isto conhecimento. É uma irregularidade dos empregados de uma repartição publica, que não cumpriram com o seu dever; mas é a para verdade. Nós sabemos muito bem como os muitos serviços publicos estão nas repartições e como os documentos se confundem e se baralham.

D'estes factos não póde deduzir-se a conclusão que tirou o sr. Teixeira de Sousa, de que, se o sr. ministro tivesse conhecimento do arrendamento do terreno por. 300$000 réis, não faria o contrato!

S. exa. simplesmente declarou que o não conhecia para mostrar a lisura e sinceridade com que andou n'este contrato, mas não nos disse a influencia, que teria no seu espirito o conhecimento d'esse facto.

Já se vê, pois, que em tudo o sr. ministro, como todos reconhecem, procurou proceder honradamente, harmonisando-se com as informações dos estações officiaes. (Apoiados.}

Mas, fazendo o arrendamento praticaria um acto ruinoso para o paiz? Não me parece.

Os terrenos foram arrendados por 130$000 réis annuaes com a obrigação do arrendatario construir o esporão do Casal Velho, que importa em 997$000 réis, e dar os terrenos necessarios para se fazer essa obra e a desobstrucção do ribeiro.

Feitos os calculos rigorosamente,, o arrendamento importa annualmente em 210$000 réis, como demonstrou o sr. ministro das obras publicas, Computando os terrenos dados pelo arrendatário em conto de réis.

Não será uma renda regular?

No anno do 1892, os terrenos renderam 30$500 réis, em 1893, 55$000 réis, e em 1894,115$400 réis, affirmando o sr. Loureiro, na sua informação, que «não é provavel que este augmento continue subindo n'esta rapida progressão, parecendo-me até que a ultima renda deveria ser considerada o maximo que aquellas terras poderão adquirir, sem n'ellas terem sido introduzidos melhoramentos»...

O sr. Luciano Monteiro estranhou que, apreciando-se apenas tres annos em que houve uma rapida progressão, o sr. Loureiro procurasse tirar a media do rendimento, e fez notar que, apesar d'elle considerar a renda de 115$400 féis, come o maximo que o terreno podia adquirir sem melhoramentos, se elevasse essa renda a 300$000 réis no anno de 1896.

Não ha motivos para estranhezas.

Soube-se que os rendeiros de 1896 perderam no arrendamento, como o provou aqui o meu amigo o sr. Alpoim, lendo á camara uma declaração d'elles, competentemente authenticada. Mas, ainda que assim não fosse, não havia motivos para reparos nos calculos do sr. Loureiro, pois todos sabem a fallibilidade das avaliações que são dependentes de muitas condições.

Póde ás vezes subir muito uma renda de um predio e m desharmonia com o seu valor, mas por motivos de conveniencia ou de capricho que os louvados nem sempre podem conhecer e calcular.

Tambem o illustre deputado fez um calculo e affirmou peremptoriamente que havia n'esta sala quem d'esse pelos terrenos 1:500$000 réis annuaes!

E como quer v. exa. que demos mais credito aos seus calculos do que aos nossos, quando não se fez uma vistoria e uma avaliação nas terras para se poder emittir uma opinião segura? (Apoiados.)

E facil fazer calculos de phantasia!

Mas onde está esse homem que dá 1:500$000 réis? Porque não appareceu a arrendar em praça aquelles terrenos nos annos de 1892 a 1896? Então quando andavam arrendados por 30$000 réis e 35$000 réis annuaes, não appareciam, e agora, que está feito o contrato e concluida a obra do esporão é que têem todas as facilidades em offerecer 1:500$000 réis?

As facilidades vêem sempre depois dos negocios concluidos.

Quando se não podem já fazer as cousas, é facil fazer offerecimentos deslumbrantes.

Perdoe-me o illustre deputado esta franqueza, mas não comprehendo de outra maneira as suas palavras: A intenção de s. exa. é fazer ver-que o arrendamento é ruinoso; mas que é das provas?!

O sr. Luciano Monteiro, tão interessado está na sua causa que até recorreu a comparações, sem duvida para avolumar e dar um certo brilho á sua argumentação. De certo s. exa. nunca nos fez a injustiça de suppor que não sabiamos o que era um hectare. Apesar d'isso, disse-nos que o terreno arrendado equivalia ao Terreiro do Paço, dez ou não sei quantas vezes, o que dava um comprimento como até á rotunda da Avenida da Liberdade.

Ao ouvir esta parte do discurso de s. exa., veiu-me á memoria um sermão que em pequeno ouvi a um missionario jesuita.

Querendo dar ao publico uma idéa nitida do que era a eternidade, apresentou duas imagens. Imaginou primeiro uma grande torre de bronze, não a torre Eiffel, que ao tempo não existia, mas talvez a torre de Babel; e disse que, se porventura, uma ave passasse por ali de cem em cem annos e roçasse com a aza no bronze d'essa torre, seria mais facil fazel-a desapparecer do que á eternidade acabar! Imaginou depois um areal immenso, maior do que os areaes de todos os mares do mundo, e disse tambem

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que, se uma ave de cem em cem annos passasse por ali e no bico transportasse uma areia, seria mais facil transportar todas as areias d'esse vastissimo areal do que a eternidade acabar!..

Pois o illustre deputado que é tão forte no conhecimento dos effeitos da oratoria parlamentar como o missionario jesuita nos da oratoria enrista, quiz tambem dar relevo ao arrendamento das terras da Chamusca e fazel-as avultar na nossa imaginação, pondo o Terreiro do Paço a atravessar a rua do Oiro, o largo de Camões e a correr por essa Avenida fóra, com monumento e tudo, até á rotunda n'um galope phantastico! (Riso.)

Este processo é bom para uns certos effeitos de momento; mas depois, quando volta a rasão severa e fria, conhece-se depressa que a imaginação nos deslumbrou e nos illudiu.

É o que succede tambem no caso presente.

Ainda que 22 hectares de terreno sejam dez vezes o Terreiro do Paço o cheguem d'ahi á rotunda da Avenida da Liberdade, nem por isso o arrendamento augmenta de valor.

Na apreciação de terrenos, a extensão não é o unico elemento a considerar.

É verdade que o illustre deputado acrescentou logo que os terrenos eram deliciosos nateiros, banhados pelo Tejo que os enriquecia todos os annos; mas é verdade tambem que, se ha alguns hectares de terrenos n'essas condições, ha muitos outros que são verdadeiros areaes e que não são, por emquanto, susceptiveis de sementeira.

Deve notar-se que, se a proximidade do Tejo constitue uma riqueza, póde ser tambem origem de grandes desvantagens, quando as cheias abrirem ravinas n'esses terrenos e os cobrirem de areias que os estraguem por alguns annos.

É preciso ponderar tudo isto para a apreciação da venda dos terrenos e para nos não deixarmos deslumbrar com a renda phantastica de 1:500$000 réis annuaes.

Quaes foram os calculos do illustre deputado para chegar a esse rendimento?

Simples informações de amigos seus.

Pois nós temos informações em sentido diverso e não merecem menos conceito do que as de s. exa.

Com respeito a informações, devo dizer que uma pessoa que multo considero, fallando-me a respeito do arrendamento dos terrenos da Chamusca, me pintou o caso como um grande negocio, affirmando-me que lhe constava por pessoa d'aquelles sitios que o sr. Izidro dos Reis tinha vendido as madeiras dos terrenos por 30 contos de réis.

Eu ponderei logo que, sendo os terrenos recentemente conquistados ao Tejo, não poderiam as madeiras ser muitas; mas, como contra factos não ha argumentos, esperei melhores informações.

De um officio que foi enviado a esta camara e que deverá estar na mesa, consta que os choupos dos terrenos de S. Braz foram avaliados em 398$000 réis, sendo vendidos em praça em novembro e dezembro de 1896 sete lotes na importancia de 1 711$470 réis, a qual foi para o thesouro.

Os restantes lotes, que não obtiveram comprador, foram cravados como estacas ou plantados nos terrenos da concessão.

Se o valor dão madeiras passou de 30 contos de réis a menos de 400$000 réis, de que o arrendatario se não aproveitou por completo, é natural que com o tempo o rendimento dos terrenos desça de 1:600$000 réis a quantia mais modica!

Parece-me, pois, que, pagando o arrendatario 130$000 réis por anno, dando terrenos magnificos para se fazer a obra do esporão, os quaes distam dos terrenos arrendados mais do 10 kilometros, e obrigando-se á desobstrucção do leito do ribeiro, não fez um contrato ganancioso.

Calculou-se o valor d'esses terrenos expropriados em 1 conto de réis, ficando a renda annual a ser de 210$000 réis por anno, como demonstrou o illustre ministro das obras publicas.

Admittâmos, por hypothese, que o contrato era ruinoso para o estado.

O sr. ministro das obras publicas procedeu sem a mais pequena intenção reservada; todos lhe fazem essa justiça. (Muitos apoiados.)

Diz-se, porém, que é indispensavel que o annulle.

Pois está na mão do ministro desfazer um contracto bilateral?! Não póde ser. (Apoiados.)

Disse-se tambem que o contrato devia ser feito em hasta publica, segundo o regulamento dos serviços hydraulicos e 19 de dezembro de 1892, que tinha força de lei.

Quem entrasse n'esta casa, quando: pronunciava o seu discurso o sr. Moncada, e ouvisse o ardor com que defendia o cumprimento dos regulamentos e das leis, julgaria que estava n'um paiz aonde a lei era tão escrupulosamente observada que não havia ninguem que se atrevesse a desrespeital-a.

O sr. Moncada, porém, esqueceu-se de que estavamos em Portugal, aonde um illustre prelado perguntou já a um ministro importantissimo do seu partido: «Quem é que n'este paiz cumpre as leis?!»

S. exa. fez parte de uma camara e foi amigo de um governo que não respeitou não só os regulamentos, mas até o pacto fundamental da nação. (Apoiados.)

Nos governos modernos os differentes elementos da nação estabelecem o pacto fundamental, marcando os logares que pertencem a cada um e as funcções que competem á suprema magistratura, aos corpos legislativos, ao poder executivo e ao poder judicial. Dentro desta lei é que todos se devem conservar nos seus cargos e nas suas funcções, e quando algum d'estes poderes sáe da lei, obra em nome da força simplesmente. (Apoiados.)

Pois esse governo, que o illustre deputado apoiou, saltou por cima da lei fundamental do estado, sem se importar com cousa alguma; (Apoiados.) e o sr. Moncada, estrenuo paladino dos regulamentos, não esteve ao lado da carta para a fazer respeitar e deixou-a atropelar, não se lembrando de fazer entrar na ordem os homens do seu partido que tal attentado commetteram. (Apoiados.)

Agora, porém, de catadura fora, cáe a fundo sobre o governo actual, porque transgrediu um regulamento, quando o seu partido não foz caso nenhum da lei fundamental do paiz. (Apoiados.)

Isto não são retaliações. Como s. exa. não quero tambem retaliações, mas ha modus in rebus.

(Interrupção do sr. Moncada.)

O Orador: - Até 1890 os governos julgavam que o paiz nadava em oiro, que podiam fazer emprestimos sobre emprestimos, gastando sempre á larga. Em 1890 manifestou-se a grande crise, succederam-se os governos partidarios uns aos outros e até houve governos denominados nephelibatas.

Em 1892 subiu ao poder o sr. Dias Ferreira, e, depois do varias medidas importantes, arcou com a divida publica, não pagando aos credores senão um terço dos juros. Comquanto violenta, esta resolução ia-se transformando em facto consummado, só o partido regenerador, desejoso do poder, não empregasse todos os meios para o alcançar, o que conseguiu em 1893.

Em vez de seguir as normas do governo anterior voltou aos velhos processos, começando a anichar no ministerio das obras publicas apontadores, conductores e a fazer outras despezas desnecessarios.

Eu queria que desde 1890, isto é, desde que se manifestou a crise que nos tem assoberbado, o procedimento dos governos fosse completamente differente. Emquanto nos julgámos ricos e imaginámos que podiamos gastar á vontade sem nunca nos faltar o dinheiro, despendemos d doida, sem olhar a consequencias; mas, depois que fize-

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mos poenitet, que reconhecemos que tinhamos procedido incorrectamente e acarretado o paiz á mina, eu queria que os Romena publicos que se succederam no poder depois d'essa epocha, pautassem os seus actos pela mais estricta economia, governando a serio e honradamente. É por isso que eu digo que não devemos fazer retaliações, politicas sobre factos anteriores a 1890, pois que todos os governos têem culpas, e grandes, visto que gastaram sem tom, nem som, suppondo o paiz uma mina inesgotavel; mas que devemos ser inexoraveis com os factos praticados, depois d'essa epocha, quando os governos prometteram emendar-se nos seus processos, á vista da situação afflictiva que o paiz atravessava.

São estas retaliações que eu considero salutares, pois mostram aos governos que procederam mal, apesar de terem feito promessas de emenda.

Sr. presidente, suppunhamos mesmo que era exigida a hasta publica para o arrendamento; podia a falta d'ella importar uma necessidade insanavel? Não, a lei não o diz.

No artigo 27.° do decreto de 1 de dezembro de 1802, lê-se o seguinte:

«§ único. A falta de cumprimento das condições acima designadas importa a annullação da concessão, tomando o estado novamente posse dos terrenos e das obras feitas som mais formalidades e sem que os interessados possam oppor-se, nem exigir indemnisação alguma.»

Esto paragrapho refere-se á construcção do obras em frente de propriedades e á concessão dos terrenos que, assim se adquiram, aos rios, lagoas, etc.

Não se encontra nas leis sobre hydraulica nada que fulmine de nullidade os arrendamentos feitos sem hasta publica.

Póde querer-se invocar o artigo 10.° do codigo civil, que declara que envolvem nullidade todos os actos praticados contra a disposição da lei; mas todos os juriconsultos sabem a importancia d'esse caldeirão e nenhum intenta questões em juizo, fundando-se apenas n'aquelle preceito legal.

Quando o codigo quiz que fossem nullos quaesquer actos, teve o cuidado de o determinar n'outros artigos, confiando pouco na efficacia do preceito do artigo 10.°

Vamos á celebre questão da contribuição de registo.

Todos os oradores opposicionistas que têem tomado parte no debate entenderam que é devida essa contribuição pelo arrendamento.

O sr. Teixeira de Sousa, que se deu ao trabalho de consultar alguns jurisconsultos distinctos, porque, não sendo formado em direito, não se julgou á altura de emittir a sua opinião sem se escudar na de pessoas competentes, diz que não ha a esse respeito duas opiniões.

Eu não me tenho na conta de jurisconsulto; mas, na minha qualidade de advogado, ninguem estranhará que diga o que penso sobre o assumpto e que divirja d'essas opiniões quo, salvo o devido respeito, me não parecem fundamentadas.

Anteriormente a 1880 os contratos de arrendamento não eram sujeitos á contribuição de registo. Foi na lei de 18 de maio d'esse anno que se introduziu esse preceito com respeito aos arrendamentos a longo proso; considerando-se como base os que fossem feitos por vinte ou mais annos.

No parecer da camara dos senhores deputados sobre essa lei, diz-se que não se fez uma innovação na incidencia do imposto, mas que se pretendeu simplesmente evitar que, sob disfarce de arrendamento a longo praso, se fizessem verdadeiras vendas sem pagar a contribuição respectiva.

Assim, é que n'essa lei o praso minimo para os arrendamentos pagarem contribuição são vinte annos, isto é, o praso que equivale geralmente á venda.

A intenção do legislador foi tributar os arrendamentos, não como arrendamentos, mas como vendas disfarçadas, desde que eram feitas por um praso longo, cujo minimo eram vinte annos.

Aqui tem v. exa. como o sr. ministro das obras publicas, ou por suggestão do sr. ministro da fazenda ou de quem quer que fosse, respondeu muito bem que, se o artigo 7.° n.° 3 do regulamento de 1 de julho de 1895, não sujeitava á contribuição de registo as vendas de bens do estado, tambem não estavam sujeitos a essa contribuição os arrendamentos de bens do estado.

Os illustres deputados observam que, no artigo 3.° n.° 2 do regulamento citado, se sujeitaram á contribuição de registo os arrendamentos a longo praso, sem se fazer distincção entre arrendamentos do estado e arrendamentos de particulares, e que, não fazendo a leis distincções, não deve fazel-as o interprete, sendo por isso obrigatorio o pagamento da contribuição para todos os arrendamentos, sejam de quem forem.

A primeira vista parece plausivel o argumento mas as leis carecem de ser interpretadas, não attendendo simplesmente á letra de um artigo, mas procurando harmonisar uns artigos com outros e attendendo ao espirito que presidiu á confecção d'essas leis.

Ora, se os arrendamentos mão eram sujeitos contribuição de registo até 1880 e foram depois tributados para evitar que, sob arrendamentos a longo praso, se fizessem verdadeiras vendas, fugindo ao pagamento da contribuição, é claro que a intenção do legislador foi collectar o arrendamento sómente quando tenha o caracter de tona venda, e foi por isso que escolheu como praso minimo vinte annos, que geralmente equivale a uma venda para muitos direitos. Mas, se as vendas de bens do estado não pagam contribuição, os arrendamentos que só estão sujeitos a ella, quando tomam o caracter de venda, hão de ser abrangidos na mesma excepção.

Se não se lança contribuição de registo quando se trata da transmissão perpetua da bens do estado, como se ha de exigir quando se trata apenas de um arrendamento d'esses bons?!

Não devemos cingir-nos demasiado á letra de um artigo, quando d'essa interpretação resultam inconvenientes d'esta ordem.

O illustre deputado, sr. Moncada, quiz exceder até o especioso da argumentação dos seus correligionarios e pretendeu provar que só estavam isentas de contribuição de registo as vendas de bens do estado na posse da fazenda, isto é, na sua opinião, os bens sujeitos a desamortisação a cargo da repartição dos proprios nacionaes, nos quaes se não comprehendiam os terrenos a cargo das circumscripções hydraulicas!

Esta opinião é deveras extraordinaria.

Se o artigo 7.º n.° 3.° do regulamento citado se refere a venda de bens pertencentes ao estado ha posse da fazenda, como é que o illustre deputado pretende restringir o termo generico fazenda, tornal-o apenas extensivo aos bens na posse dos proprios nacionaes?! Tanto estão na posse da fazenda publica os bens d'esta repartição, como os das circumscripções hydraulicas e quaesquer outros bens do estado.

A sua interpretação era habil, porque, não se referindo a excepção á venda d'estes terrenos, não podia estender-se tambem aos arrendamentos, mas não tem fundamentos legaes.

O illustre deputado, procurando tornar viavel a sua doutrina, explicou, esta isenção da contribuição de registo nos vendas dos bens da desamortisação, como uma garantia para facilitar os contratos, entendendo que essa garantia devia acabar actualmente.

Eu acho que não representa nenhuma garantia e que não deve acabar esta isenção.

Desde que o estado, n'estes contratos, é um dos pactuantes, se se obrigarem os compradores a pagar contribuição de registo, hão de comprar mais barato, contando

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já com a importancia da contribuição que hão de satisfazer.

Não se consegue nada com essa resolução.

Parece-me, pois, que, apesar das interpretações demasiado litteraes dos illustres deputados, a minha opinião é mais juridica, não se devendo contribuição de registo pelos arrendamentos dos bens do estado.

Mas, sr. presidente, sendo este um assumpto tão melindroso, que são diversas os opiniões dos jurisconsultos, como queriam s. exa. que o sr. ministro das obras publicas, que é um distincto mathematico, mas que não é formado em direito, julgasse desde logo, á feitura do contrato, que a contribuição de registo era devida no arrendamento em questão?!

Podiam informal-o os empregados competentes; mas, n'essas repartições, tendo-se já feito muitos contratos da mesma natureza, nunca se entendeu que fosse devida contribuição de registo.

Com que fundamento é que os illustres deputados querem que o sr. ministro das obras publicas annulle esto contrato? Não o póde annullar, porque não ha nullidades insanaveis; e, n'esta hypothese, como se ha de annullar um contrato bilateral? Os srs. ministros não podem fazer e desfazer contratos a seu talante.

É verdade que, attentas as relações do illustre ministro com o sr. Izidro dos Reis, podia obter de s. exa. a desistencia do arrendamento.

Mas, sr. presidente, se porventura aquelle cavalheiro accedesse por delicadeza aos desejos do sr. Augusto José da Cunha o que haviam de dizer em toda a parte?

Que a opinião publica alarmada pela imprensa e pela interpellação feita n'esta camara, tinha coagido o ministro e o arrendatario a desfazerem um contrato leonino.

Não póde ser!

O cavalheirismo de um, pedindo o distrate de um contrato que alguem malsinava do ruinoso, e a lealdade do outro, condescendendo com esse desejo, seriam interpretados como reconhecimento do favoritismo do contrato e como falta de coragem perante as responsabilidades que lhes impunham.

Não póde ser!

Sr. presidente, o sr. Luciano Monteiro entendeu que podia o sr. ministro das obras publicas ter mandado fazer a obra do esporão, pagando-a os proprietarios marginaes.

Este assumpto foi tratado magnificamente pelo meu amigo, o sr. Alpoim, mostrando á saciedade que não podia ser, pois que não estava feita ainda no paiz a classificação e demarcação das bacias hydrographicas nem organisado o cadastro dos proprietarios, sem o que a disposição invocada pelo sr. Luciano Monteiro era inexequivel.

Mas supponhamos que tudo isso estava feito e a lei em vigor.

S. exa. havia de ver que, na informação do sr. Adolpho Loureiro, se diz:

«Aquelle dique marginal ou esporão, assim como outros na localidade, eram já comprehendidos no projecto de delimitação e fixação das margens do Tejo, datado de 31 de janeiro de 1885...»

Já vê, portanto, que não se tratava de uma obra em aguas de uso commum, mas de uma obra em aguas publicas, fazendo parte da delimitação do Tejo, e que por isso havia de ser paga pelo governo, segundo o artigo 13.° n.° 1.° do decreto de 1 de dezembro de 1892.

Ainda que as leis sobre hydraulica estivessem em vigor, n'esta parte, como a obra do esporão era já comprehendida nas obras do Tejo, não podia ser paga pelos proprietarios e tinha de ser feita pelo estado.

Tenho fatigado bastante a camara, mas parece-me ter exposto com alguma lucidez o assumpto.

Sr. presidente, se o sr. ministro das obras publicas, como os illustres deputados confessam, não praticou um acto de favoritismo; se não prejudicou os interesses publicos propositadamente, admittida a hypothese de os ter prejudicado; se praticou apenas um erro por precipitação ainda que esse erro estivesse provado, o que não está; não se comprehende como a imprensa regeneradora possa levantar uma campanha de escandalo contra s. exa., procurando desviar a opinião publica, quando a opposição do mesmo partido, n'esta casa, tem sido moderada e justa, manifestando o maior respeito pelo caracter do illustre ministro.

Este desaccordo entre a imprensa e os deputados do mesmo partido não tem facil explicação.

Se os illustres deputados no parlamento fizessem côro com a sua imprensa, procederiam injusta e apaixonadamente, mas estariam de accordo e caminhariam harmonicamente.

Assim, apresentando aqui a questão sómente no estricto campo da legalidade, não duvidando fazer justiça ao caracter do sr. ministro das obras publicas, emquanto que a sua imprensa apregoa este contrato urbi et orbi como um escandalo monumental, ha uma divergencia profunda, cuja explicação se não vê facilmente.

Eu, pela minha parte, confesso que tive grande prazer em tomar parte n'este debate, pondo a minha humilde palavra em defeza do sr. Augusto José da Cunha.

Não significam estas expressões um simples cumprimento que vulgarmente se costuma fazer, mas são um tributo de respeito e consideração ao seu caracter. Formo de s. exa. uma idéa tão elevada, considero-o tanto um homem de bem ás direitas, que o julgo incapaz de se determinar por qualquer motivo que não seja digno e honroso. (Apoiados.)

Sendo assim, fazendo todos justiça ao elevado caracter do illustre ministro, a interpellação perdeu de todo o ponto a sua importancia. Errare humanum est! Não ha ninguem que não tenha errado.

Suppondo mesmo que o illustre ministro errou n'este contrato, não era preciso o apparato de uma interpellação para denunciar um erro: podia ter-se limitado a um aviso previo, realisado antes da ordem do dia.

Disse o sr. Luciano Monteiro que não levantava uma questão politica. Ha de permittir-me s. exa. que lhe diga que, n'esta casa, não se levantam senão questões politicas. Os parlamentos não são academias. Se queria discutir a questão sob o ponto de vista juridico, o logar proprio para isso era a associação dos advogados.

S. exa. tratou a questão da legalidade do contrato, atacou o illustre ministro e tirou todos os effeitos politicos da sua argumentação.

O que s. exa. não quiz foi pôr a questão de moralidade, o que s. exa. não quiz foi levantar o que vulgarmente se chama uma questão pessoal, o que é muito differente de uma questão politica.

Não quero cansar por mais tempo a attenção da camara e dou por findas as minhas observações, pedindo desculpa do tempo que lhe tomei e agradecendo a benevolencia com que me escutaram.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi muito comprimentado.)

Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, certa que o sr. ministro das obras publicas regula todos os seus actos pelos mais elevados principios de justiça e de moralidade, continua na ordem do dia. == O deputado da nação, João Pinto dos Santos.

Foi admittida.

O sr. José de Alpoim (para um requerimento): - Mando para a mesa o seguinte

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Requerimento

Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que se prorogue a sessão até se votar este incidente. = José Maria de Alpoim.

Foi approvado.

O sr. Fialho Gomes: - Por parte da commissão de redacção mando para á mesa as ultimas redacções da projectos n.ºs 35 e 45.

O sr. Presidente: - Á commissão de redacção não fez alteração alguma nos projectos de lei n.ºs 35 e 45.

O sr. Luciano Monteiro: - Começa declarando que volta ao debate desacoroçoado, por ver a orientação que o actual governo está seguindo, continuando no systema de invocar OB precedentes.

Está, porém, convencido de que os acontecimentos hão de impor-se, no sentido de se tomar rumo diverso.

Estranha que, tendo o sr. Izidro dos Reis feito em 1894 um requerimento para lhe ser concedido um extenso o improductivo areal, viesse mais tarde, a titulo de compensação pelos prejuizos causados pelas cheias de 1896, pedir a prorogação por mais dez annos, e que esta lhe fosse dada, sem se ter procedido, como se procedeu com o primitivo contrato; isto é, sem se terem ouvido as instancias officiaes.

Julga, por isto, necessario que seja explicada a rasão por que foi concedida a prorogação.

Nota depois que a planta que lhe foi mandada não é copia exacta da que está junta ao processo, pois que n'esta figura uma terra de semeadura de choupal, que está, é certo, riscada, mas que na copia nem n'essa condição se encontra.

Observa tambem que, tendo a planta, annexa ao contrato, a data de 27 do agosto, o arrendamento tem uma data anterior, por onde se vê ter este sido feito sem planta.

Com referencia á opinião apresentada pelo sr. Pinto dos Santos, sobre o pagamento da Contribuição de registo que devia incidir n'este arrendamento, está convencido de que s. exa. foi inspirado n'esta opinião unicamente por paixão politica, como deputado da maioria.

Aventa ainda a opinião de que não existe o arrendamento, e, para fundamental-a, faz a leitura dos documentos publicados no Diario do governo, poios quaes, no seu entender, se vê que unicamente existe um terreno, em virtude do qual o arrendatario, se quizer, póde escusar-se ao pagamento das respectivas rendas; sem que o estado o possa demandar.

Expõe ainda o orador muitas outras considerações, rebatendo as do illustre deputado que o precedeu, e por ultimo, referindo-se á declaração do sr. ministro dos obras publicas, de que assignára sim o contrato, mas que aos empregados competentes é que cumpria a fiscalisação das demais formalidades, pondera que os funccionarios da ministerios, como de outras repartições publicas, são igualmente fiscaes do pagamento da contribuição de registo.

Termina, pedindo ao sr. ministro das obras publicas que mande o contrato de que se trata á procuradoria geral da corda, podendo desde já assegurar que se ella o considerar como perfeito, no mesmo dia em que for publicada a respectiva consulta n'esse sentido, virá elle, orador, á camara apresentar as suas desculpas.

(O discurso será publicado na integra, se s. exa. o restituir.}

O sr. Lourenço Cayolla: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a v. exa. para que se digne consultar a camara se considera sufficientemente discutido este incidente e se passe á votação das moções. = Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla.

Foi approvado.

O sr. Eduardo Villaça (por parte da commissão de fazenda): - Mando para a mesa dois pareceres, que rogo a v. exa. se digne dar o devido destino.

São elles sobre a proposta de lei n.° 9-C, relativa á construcção do caminho de ferro de Inhambane a Inharime e sobre a proposta de lei n.° 38-A, referente ao desdobramento da cadeira de mineralogia na escola polytechnica.

Foi votada e approvada a moção do sr. Alpoim e retirada a do sr. Pinto dos Santos.

O sr. Presidente: - Ámanhã ha sessão de dia, e a ordem do dia é a continuação da que estava dada e mais os pareceres n.ºs 17 e 43.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e vinte e cinco minutos.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representação

De doze guardas do quadro da estação de saude de Lisboa, pedindo que os seus vencimentos sejam equiparados aos dos seus collegas do Lazareto.

Apresentada pelo sr. deputado Abel da Silva, enviada ás commissões de saude publica e de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Justificação de faltas

Participo a v. exa. e á camara que faltei a algumas sessões por motivo de doença. = O deputado, D. José Gil de Borja Macedo e Menezes.

Para a secretaria.

O redactor = Sergio de Castro.

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