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APPENDICE Á SESSÃO N.° 56 DE 13 DE ABRIL DE 1896 978-A

Discurso do sr. deputado José Dias Ferreira que devia ler-se a pag. 978 da sessão n.° 56 de 18 de abril de 1896

O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, seguindo as antigas praxes parlamentares, discutirei como os illustres oradores que me precederam, com o projecto do orçamento do estado, a situação da fazenda publica.

Antigamente não poucas, vezes era apreciado o estado do thesouro e as condições, economicas e financeiras do paiz, no ponto que mais interessava á causa publica, a proposito de quaesquer medidas de fazenda. Mas o logar mais proprio é de certo o orçamento, onde se verifica, não só se estão descriptas as despezas e as receitas em conformidade da lei, mas se as despezas se contêem dentro das receitas e se a vida economica e financeira tem condições de prosperidade.

Sr. presidente, o meu desaccordo com o governo é tão profundo na questão financeira, como na questão politica.

O governo apregoa que o paiz navega n'um mar de rosas, repete á camara constantemente que a situação financeira tem melhorado muito, e attríbue até os nossos desastres só a dificuldades especiaes do thesouro, e não tambem ás condições perigosas da vida economica.

A minha opinião é abertamente contraria.

É certo que nos habituámos á crise, que por isso não é tão exagerado o panico, que na apparencia estamos mais tranquillos, e que a tranquillidade é tambem elemento que muito contribue para o rejuvenescimento social.

Mas a crise não está, nem póde estar vencida, porque não é uma crise de momento, mas uma crise preparada por meio de trabalhos successivos durante o longo periodo de quarenta annos.

Nem o paiz chegou verdadeiramente a experimentar as dificuldades da crise em toda a sua dureza. O desapparecimento da moeda da circulação, em 1891, não se sentiu de modo palpavel, por ter sido acceito sem grande repugnancia o papel; e a reducção dos juros da divida publica, produzindo uma valiosissima diminuição de encargos desde logo, evitou ao povo a prova dolorosissima de ter chegado o vencimento de um coupon sem poder ser pago por falta de recursos, quer ordinarios, quer extraordinarios.

A crise que atravessâmos não foi um incidente passageiro. Formou-se durante largos annos, e foi consequencia necessaria e fatal dos processos administrativos dos nossos governos.

Os interessados não quiseram, é claro, attribuir nunca os nossos desastres á administração de governos perdularios.

Houve até quem procurasse attribuir a crise ao ultimatum, que, se porventura concorreu para a precipitar, nenhuma influencia exerceu na constituição dos factos que a produziram.

Se o ultimatum tivesse sido a causa da crise, a nossa reconstituição financeira e economica seria prompta, e as dificuldades do thesouro estariam hoje completamente debelladas.

Nem o deficit só por si indica a gravidade da situação financeira. Proporções quasi phantasticas assumiu o deficit no orçamento da despeza do Brazil no anno da guerra do Paraguay, e, todavia, a situação economica e financeira reconstituiu-se promptamente.

E porque foi tão prompta a restauração das finanças d'aquelle povo em seguida a uma crise em que o deficit foi superior a metade, se não á totalidade da receita?

Porque a crise tinha sido consequencia apenas de um incidente de momento, aliás gravissimo.

A guerra do Paraguay perturbara profundamente as finanças brazileiras; mas feita a paz, aquelle riquissimo paiz voltou logo á situação normal.

Desorganisadas estavam as finanças da França em 1870 por causa da guerra com a Prussia.

As despezas militares e de campanha é o pagamento de 900:000 contos de réis de indemnisação á Prussia não podiam deixar de causar grande abalo á situação d'aquelle grande povo, por mais prospera que fosse.

A França, porém, póde com tão grande desfalque nos seus rendimentos e nos seus capitaes.

A Itália mesmo, que chegou a ter as suas finanças completamente arruinadas com as despezas da unidade italiana e com os trabalhos de obras publicas e mais serviços reclamados pela necessidade de manter essa unidade, foi-se levantando, á custa de grandes e successivos sacrificios, do estado lastimoso em que a força das cousas a collocára.

Mas a nossa situação é essencialmente differente.

Outras foram as causas e as origens dos desastres financeiros em Portugal.

A crisea gudissima, que determinou a inconvertibilidade da nota em 1891 e a reducção dos juros em 1892, não nasceu de momento, não foi preparada só em 1889 e em 1890.

Esta crise proveiu de termos vivido sempre de juros de juros durante o largo período de quarenta annos!

Durante esses quarenta annos o systema de governo em Portugal era o seguinte. Levantava-se um emprestimo no estrangeiro para occorrer ás despezas do estado dentro e fóra do paiz, em seguida levantava-se outro emprestimo para satisfazer novas despezas correntes e para pagar os juros do emprestimo anterior, e assim successivamente.

Este systema, ruinoso para o paiz, mas extremamente commodo para os ministros, porque dispensava as remessas de oiro para o estrangeiro, visto pagarem-se os encargos lá fóra com os emprestimos lá fóra levantados, durou á larga até que se negaram a emprestar sem garantia solida os mercados estrangeiros.

Fez-se então o desastrado emprestimo sobre a garantia dos tabacos, com a clausula de ficar a caução na mão do credor!

Não se contentaram os prestamistas com a caução, aliás valiosissima, como é a receita dos tabacos.

Exigiram ainda que o penhor ou garantia ficasse nas mãos dos credores, e, para nada faltar, metteram na companhia a administração estrangeira!

No proprio relatorio do actual sr. ministro da fazenda tem a camara a explicação do modo como a crise nasceu e se desenvolveu, e das consequencias graves que produziu.

Aponto estes factos á camara, menos para apreciar o criterio com que se têem havido as nossas administrações, do que para prevenir o paiz da situação gravissima em que nos encontramos, para elle providenciar, se muito bem quizer.

O relatorio ministerial descreve côr de rosa a situação da fazenda.

É o systema de nos querermos illudir e de querermos illudir o paiz, tornando depois os desastres mais sensiveis por serem menos esperados!

Mas quaes foram os resultados d'esses emprestimos?

Quaes os encargos que nos custaram?

Diz o relatorio de fazenda "que realisámos desde 1869 até ao presente, n'um periodo de vinte e sete annos, sete operações de credito em fundos consolidados, e que a importancia nominal dos titulos emittidos, em virtude d'estas

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de credito em fundos consolidados foi de 182:867 usufrui do réis, ou cifra redonda, 183:000 contos de réis." Só em filados consolidados levantámos a fabulosa somma de 183:000 contos de réis! Quanto recebemos nós d'estes 132:000 contos de réis nominnes de divida emittida?

Dil-o ainda o relatório: "Por 183:000 contos de réis, que emittio recebeu o thesouro 84:000 contos do réís"! Muito mesmo de metade!

É evidente que um paiz, que seguia este caminho, mais dia menos dia havia de encontrar-se em embaraços crueis.

Nos quarentas annos decorrídos desde 1852, data da primeira redução official dos juros, foram emittidos títulos de divida publica no valor de 526:000 contos de réis nominas!

Não havia paia, por mais rico, que resistisse a este systema de esbanjamento! Haviamos de baquear, ainda que fossem grandes os nossos recursos, e não são grandes, antes excessivamente modestas, as formas productivas da nação. No nosso paiz mais o commercio, nem a industria, nem a agricultura, podem attingir o largo desenvolvimento a que têem chegado n'outros povos, porque o dinheiro em toda a parte sangue da industria, entre nós é carissimo, sobretudo pela concorrencia que faz o thesouro a todos os ramos da actividade social.

Emquanto as condições orçamentaea revelarem sempre parte deapeza sobre a receita, emquanto se não estabelecer e equilíbrio no deve e no ha de haver do estado, emquanto o thesouro estiver pesando todos os dias sobre os mercados e absorver na divida fluctuante todas as sommas disponives, nãu ha meio de obter capital barato para desenvolver as diversas fontes da producção nacional.

Chegou portanto, a hora em que nós não podíamos mais! Foi a nossa pobreza a causa dos nossos desastres!

A baixa do cambio do Brazil podia apressar ou aggravar a explosão de crise. Mas a rasão das nossas desgraças: Financeira foi gastarmos mais do que podíamos.

Nenhum paiz, por mais rico, ainda que fosse a Inglaterra, a França, a Belgica ou a Italia, podia resistir a similhantes processo de administração!

Não me atrevo a censurar ninguem; porque o paiz, que presenceou e sofreu durante tão largos annos, sem um prateio energico e persistente, processos governativos que lavavam fatalmente o thesouro á ruína, que se cobriu, sua responsabilidade a responsabilidade dos governantes.

Temos melhorado consideravelmente o estado economico e financeiro, diz-nos o sr. ministro da fazenda.

Não gastemos tempo a illudir-nos!

A crise subsiste em toda a sua força emquanto for preciso de pé as medidas violentas de salvação publica decretadas era 1892.

A nossa desgraçada situação não ficou documentada unicamente na reducção dos juros. Ficou igualmente representadas nas deducções consideraveis nos vencimentos dos funccionarios publicos, que já eram bem modestos, providencias absolutamente indispensavel n'uma situação extrema, em que eram sobrecarregados os credores do estado e os possuidores da fortuna mobiliaria e immiobiliaria, e em que por isso nenhuma classe podia ser exceptuada do sacrifícios, tuas que não podia deixar de affectar com o andar do tempo a vida economica.

Estremamente grave é ainda a situação financeira sob o ponto de vista da circulação das notas do banco de Portugal.

O thesouro está recorrendo ao banco, como expediente ordinario, para recorer aos encargos do estado.

Têem sido até susponsas succesivamente as amortisações estabelecidas para extinguir a divida do thesouro ao banco.

A maior parte dos que me escutam, se não todos conhecem perfeitamente a gravidade do processo da emissão successiva e constante de papel para occorrer aos encargos diários do orçamento, quando se devia pensar no modo de retirar da circulação esse panei.

A Italia, quando quiz reconstituir a situação financeira em seguida á reconstituição política, recorreu á emissão do papel por meio do consorcio dos bancos; mas tomou essa providencia como expediente do momento n'uma situação de angustia.

Em França Thiers, para occorrer aos encargo de réis 900.000:000$000, em que importou a indemnisação de guerra exigida pela Allemanha, recorreu ao banco de França. Mas desde logo começou a liquidar a divida com amortisações elevadíssimas para obstar a quaesquer incidentes, de ordem economica, ou de ordem política, ou de ordem financeira, que viessem perturbar a solidez d'aquelle estabelecimento de credito.

Desde que o papel, moeda corrente, soffre depreciação, essas depreciações recaem, não simplesmente sobre os accionistas, mas tambem sobre o paiz; e por isso não póde

dizer-se que a situação melhora, emquanto a grande quantidade de papel em circulação, sem as reservas necessariar, representa verdadeiro perigo para o paiz. Bem sei que em geral o portuguez não vê os perigos senão quando elles lhe batem á porta, e lhe batem á porta de modo tão nítido e visível, que o conhecimento d'elles não póde se dissimulado.
Por isso não serão grandes as preoccupaçãos do publico com a situação do banco de Portugal, emquanto as notas forem recebidas pelo seu valor nominal, embora no custo dos generos vá já incluída a depreciação do papel.

O banco de Portugal foi durante a crise o primeiro auxiliar do governo e do thesouro. Mas esse auxilio extraordinario não póde converter-se sem graves riscos em coadjuvação permanente.

Emquanto estiverem suspensas as amortisações dos creditos do banco sobre o estado, e não tiverem as convenientes reservas os cofres do estabelecimento: e pelo contrario se estiver augmentando dia a dia a divida fluctuante no banco e no estrangeiro, a nossa situação está sempre periclitante.

Vivemos durante largos annos sem divida fluctuante no estrangeiro. Devemos esse mimo ao governo, chamado da fusão, isto é ao governo doa partidos unidos em 1866 ou 1867.

Em 1866 ou 1867 inaugurou o governo da fusão o systema de levantar divida fluctuante no estrangeiro.

É de gravíssimos perigos para o thesouro o emprestimo em divida fluctuante lá fóra.

Dentro do paiz resolvem-se sempre, melhor ou peior, as dificuldades financeiras. Mas as dividas com penhor fóra do paiz, desde que o credor exija o reembolso e ameace pôr na praça publica o penhor, podem crear-nos dificuldades, de momento, insuperaveis.

Tem o sr. ministro da fazenda augmentado e bastante a divida fluctuante no estrangeiro, e já foi este systema o que mais contribuiu para precipitar a crise que desde 1891 nos assoberba.

Contrahir divida fluctuante no estrangeiro, com a obrigação do pagamento dos letras em vencimentos certos, póde causar á mais pequena perturbação nos mercados europeus gravíssimos transtornos ao paiz.

O actual governo herdou da minha administração, segundo a nota por elle proprio publicada, a diminuta somma de 1:500 contos de réis de divida fluctuante no estrangeiro; mas, pelo mappa annexo ao relatorio do sr. ministro da fazenda, já a divida fluctuante lá fóra vae em 3:000 contos de réis proximamente.

Esta situação, em si já extremamente grave, toma-se gravíssima pela circunstancia altamente significativa de se seguir a uma reducção violenta nos juros da divida publica. Um paiz que reduz os juros da sua dívida, e em seguida continua no cominho dos empréstimos e dos augmentos de

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despeza, e com deficits permanentes de 3:000 a 4:000 contos de réis, faz uma espécie de annuncio aos mercados nacionaes e estrangeiros de que os credores não podem considerar muito seguros os seus interesses na renda portugueza.

Noutras circumstancias podia não ser symptoma de gravidade um deficit de elevada importância. Mas um deficit permanente em seguida á reducção dos juros é symptoma de desgraçados processos de administração. Contrahir successivos emprestimos em seguida á reducção dos juros da divida é continuar no mesmo caminho que creou uma situação extraordinariamente violenta para o credito publico.

Este methodo de governar é ainda aggravado pelo systema de illudir constantemente o paiz.

Pois o sr. ministro da fazenda para demonstrar a melhoria da situação do thesouro, não foi procurar os ultimos quero exercícios de 1891-1892 até 1894-1895, para comparar o deficit de 16:000 contos em 1891-1892 com o famoso saldo de 29 contos em de 1894 a 1895?

Como quer s. exa. comparar o deficit de 1891 a 1892 com o deficit de 1894 a 1895, sem metter em linha de conta a reducção violenta dos juros da divida publica no fim do anno economico de 1891 a 1892?

A reducção dos juros da divida publica efectuada em 1892 só produziu os seus effeitos e fez sentir as suas consequencias no exercício de 1892-1893.

É portanto erro, e erro consciente, que serve só para illudir o paiz, comparar o déficit de 16:000 contos em 1891 a 1892 com o saldo positivo de 29 contos em 1894 a 1895. occultando a circunstancia da reducção dos juros da divida publica, que representa um marco milliario na nossa vida financeira!

Se nós tivessemos passado, sem providencias extraordinar as, do deficit de 16:000 contos em 1891 a 1892 ao saldo positivo de 29 contos em 1894 a 1895, teríamos dado um exemplo de regeneração financeira, que sob este ponto de vista nos tornaria o primeiro povo do mundo!

Em quatro annos de administração transformar, sem deixar de pagar o que se deve, um déficit de 16:000 contos de réis n'um saldo de 29 contos seria um verdadeiro milagre em materia financeira!

Porém, cálculos que assentam em bases de si inverosímeis, com que os ministros procuram illudir-se, ou illudir o publico, hão de ser fataes para o paiz.

É a situação encarada nos factos ocoorridos posteriormente á reducção da divida publica que nos deve servir de base para calcular a melhora ou peiora da situação financeira nas mãos do actual governo.

Ora para apreciar o estado, do thesouro no momento actual, comparado com a epocha do advento dos srs. ministros ao poder, basta attender as informações officiaes por elles prestadas ás côrtes, modificando-as com os correctivos necessarios á verdade dos factos, porque o desejo de encobria a verdade resalta da todos os documentos officiaes. Por exemplo:

Lançam-se os olhos ao documento n.° 5, que está a pag 154 e 155 do relatorio de fazenda, e lê-se:

"Em 31 de dezembro de 1892, divida fluctuante, 27:000 contos, e em 30 de junho de 1893, quatro mezes depois da ascensão dos srs. ministros ao poder, 18:900 contos de réis".

D'esta fórma de architectar algarismos resulta que de 31 de dezembro de 1892 até 30 de junho de 1893 a divida fluctuante diminuiu nas mãos do actual governo 9:000 contos de réis!

Effectivamente quem encontrar na data de 31 de dezembro de 1892 a divida fluctuante em 27:000 contos, e a vir reduzida em 30 de julho de 1893 a 18:900 contos, póde ficar com a impressão de que o actual gabinete a diminuiu em 9:000 contos, numeros redondos, "n quatro mezes de governo. Pois não é assim.

A divida fluctuante, desde que o actual gabinete entrou nos conselhos da corôa, nunca mais deixou de augmentar.

É certo que em 31 de dezembro de 1892 a importancia da divida fluctuante era de 27:000 contos; mas a divida fluctuante que os srs. ministros encontraram quando eu deixei o poder em 22 de fevereiro de 1893 era, não dos 27:000 contos, e sim de 18:400 contos. Dil-o o documento já publicado pelo actual governo no Diario do governo dos fins de fevereiro de 1893.

Tomando, pois, por ponto do partida a nota da divida fluctuante, segundo a conta publicada pulos srs. ministros no Diario do governo, como existente ao tempo da sua entrada no poder, a conclusão é que n'estes tres annos os srs. ministros fizeram medrar a divida fluctuante na importancia de 9:000 contos approximadamente!

Estes factos não admittem contestação porque constam de documentos pelos srs. ministros publicados na folha official.

Mas não ficamos por aqui.

Para occorrer ao deficit no exercicio de 1894-1895 venderam-se 2:250 contos do títulos dos tabacos, que com os 9:000 contos do augmento da divida fluctuante perfazem 11:350 contos.

Basta considerar o augmento da divida fluctuante e a venda de titulos, a fim de costear as despezas orçamentes, para reconhecer que o deficit não ficou abaixo de 3:700 contos por anno!

Não é provavel que os srs. ministros augmentassem a divida fluctuante em 9:000 contos, e se desfizessem de 2:250 coutos de papel do estado, para terem esse dinheiro armazenado ou a render.

O que estes factos significam é que, depois de uma violenta reducção nos juros da divida publica, se voltou ao systema anteriormente seguido dos emprestimos e da venda de títulos.

Por estes processos julgam os srs. ministros ter melhorado à situação financeira do paiz. Mas a minha opinião é que os estados, como os particulares, quanto mais se empenham mais se arruinam!

Depois das providencias de largo alcance tomadas em 1892 tem seguido outra vez n'uma carreira vertiginosa o augmento de despeza, de emprestimos e de encargos de toda a ordem.

No que se não pensa é no modo de pagar todas essas despezas. Isso para os políticos, como para os jornalistas, é cousa secundaria.

O actual governo, no primeiro orçamento que apresentou á camara, todo rectificado e remodelado, fixava em 44:000 contos de réis, numeros redondos, a despeza do estado.

Pois no actual orçamento, sem contar as despezas com as expedições ultramarinas, nem outras da mesma natureza, nem os creditos especiaes, já estavam elevados a 49:000 contos de réis, isto é, a mais 5:000 contos de réis, em tres annos, os encargos do thesouro!

Não sei se o paiz tem recursos para pagar tão enormes sommas!

A tudo isto acresce, como aggravante, que as receitas, comparadas as contas da gerencias de 1891-1892 com a gerencia de 1894-1895, subiram proximamente 12:000 contos de réis! As receitas que na gerencia de 1891-1892 não passaram de 37:000 contos de réis, na gerencia de 1894-1895 já subiram a 49:000 contos de réis!

E este augmento de receita não representa augmento de rendimento na fortuna social, não é a resultante do augmento de riqueza publica, não corresponde ao desenvolvimento das fontes de producção. É pelo contrario um saque á algibeira do contribuinte, que já desembolsa para o thesouro mais do que pode. Os 2:000 contos de réis de receita dos cereaes, por exemplo, representam unicamente ama contribuição sobre a alimentação publica ou antes um,

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imposto sobre a fome. Não correspondem ao desenvolvida riqueza do paiz. Representam, pelo contrario, a situação de um povo em ruina, porque todos o consideram agricola, e os factos mostram que não temos pão sufficiente para a metade do anno!

Não sinto enthusiasmo pelos augmentos de receita do thesouro, quando esses augmentos não correspondem a querescimo da riqueza publica, quer agricola, quer industrial, quer commercial.

No mesmo caso estão as receitas da contribuição de registo.

A contribuição de registo é um imposto sobre o capital, e prejudica fundamentalmente a mobilisação dos bens de raiz.

É tanto mais vexatorio este imposto quanto que em Portugal é ordinariamente pago pelo pobre, que, sob pressão violenta de necessidade urgentissima, se vê forçado a vender. Quem hoje vender uma propriedade por l conto de réis, começa logo por desembolsar 100$000 réis para o thesouro, e outro tanto ou mais para despezas de execução, se os bens são vendidos em praça.

Não poderemos prescindir da contribuição de registo, apesar dos gravames d'este imposto. Mas não deveriamos aggraval-o!

O augmento do imposto de sêllo tambem não significa augmento de riqueza. Pelo contrario, é verdadeira capitação.

Ainda ha poucos annos, com uma procuração judicial gastava-se 40 réis, que era o preço de meia folha de papel sellado. Hoje essa meia folha de papel sellado custa 100 réis, alem de um sêllo de 100 réis, que é preciso collar sob a assignatura, sem fallar no reconhecimento por tabellião, que só póde ser feito mediante novo sêllo de 25 réis.

Custa hoje mais de 225 réis uma procuração, que ha poucos annos custava 40 réis!

O augmento n'este imposto não significa augmento de riqueza publica, e recáe com igual violencia sobre o pobre, como nobre o rico.

Tambem, não podemos abandonar a receita do sêllo; mas não devemos aggravar a contribuição. Apesar de não corresponder ao desenvolvimento de nenhuma fonte de riqueza publica, não se preoccupou com isto o sr. ministro da fazenda, como se não preoccupou com as despezas que chama extraordinarias, porque julga que se não repetem. Ora as despezas extraordinarias com as expedições ao ultramar estão transformados em despezas verdadeiramente ordinarias, porque assim o exige a restauração da tranquillidade publica na India, e os trabalhos de reconstituição politica e administrativa na Africa.

Alem d'isso na avaliação das receitas é necessario contar sempre com o imprevisto.

É o que se faz em toda a parte, menos em Portugal.

Em Portugal, pelo systema do ha largos annos, no que se sensa é em que o dia de ámanhã ha de ser melhor que o de hoje, e é por isso que chegámos ao estado triste e desgraçado em que nos achamos!

O sr. presidente do conselho exclue ao que parece, dos augmentos de despeza as sommas importantes pagas aos bancos do Porto!

Mas esses despendios são de responsabilidade dos srs. ministros, que, sem lei e sem direito, não duvidaram reconhecer as obrigações do thesouro em favor do particulares por milhares de contos, e precisamente quando as finanças do paiz estavam n'uma situação afflictiva e angustiosa!

Tambem o augmento desnecessario da despeza com os credores estrangeiros foi obra só do gabinete, e portanto de nua exclusiva responsabilidade.

O certo é que a nossa despeza, só a manifestada, já vae em 49:000 contos de réis, e provavelmente no exercicio do 1896-1897 chegará á somma a que se elevava nas vesperas da reducção dos juros!

Bem sei, que a maior porta dos nossos homens politicos de Lisboa se não preoccupa demasiadamente com tão extraordinarios augmentos de despeza, porque julgam que os lavradores estão muito ricos, e que a propriedade ha de dar para tudo!

Porém o paiz, longe de estar rico está muito pobre.

A propriedade dificilmente póde pagar mais.

A propriedade em Portugal paga hoje nada menos de 10:000 contos de réis.

ntre nós a propriedade verga sob encargos carissimos.

A não ser no Alemtejo, os bens rusticos estão extremamente divididos, e cultivam-se a braço como nos tempos primitivos! Hoje a propriedade immobiliaria supporta, não só os 3:300 contos de réis, descriptos no orçamento do estado, mas tambem os addicionaes lançados pelas corporações locaes, pelas camaras municipaes, e agora tambem pelas juntas de parochia, e só escapa aos encargos dos antigas juntas geraes de districto, porque eu as extingui, e não foram ainda restauradas!

Os encargos municipaes e parochiaes pesam sobre os contribuintes do mesmo modo que os encargos do estado. As contribuições locaes sobre a propriedade não são de certo inferiores ao terço dos encargos destinados para o estado.

Todavia os politicos de mais sabedoria cá de Lisboa, que não pagam um real de imposto predial, e que vivem com todos os confortos, julgam que a propriedade póde pagar mais!

Argumentam que a propriedade paga hoje muito pouco, porque mais de 6:000 contos de réis rendiam os dizimos, que foram extinctos pelas providencias de Mousinho da Silveira!

Mas nem ha elementos para provar, que os dízimos produziam 6:000 contos de réis, nem é esse o encargo que hoje pesa sobre a propriedade, pois a propriedade está hoje onerada com mais de 10:000 contos de réis!~

A propriedade paga hoje, alem dos 3:300 contos de réis de contribuição predial, os addicionaes para as despezas das localidades, que orçarão por um terço do principal, a contribuição de registo por titulo oneroso, que abrange exclusivamente os bens immobiliarios, e a contribuição de registo por titulo gratuito.

Pesa em grande parte sobre o lavrador a decima de juros. O real de agua e o imposto de consumo affectam unica e exclusivamente a propriedade. Está pois a lavoura carregada com impostos, e todavia é a propriedade a base da riqueza publica, que por isso, longe de ser atrophiada, devia ser garantida no seu desenvolvimento.

Enganam-se os que suppõem que podem ir buscar aos bens immobiliarios todos os recursos de que o governo precisa para acudir ás despezas que tão consideravelmente tem augmentado.

Na questão de despeza a nossa situação é extraordinariamente tensa. Ao manifesto vem a despeza de 49:000 contos de réis, sem comprehender os encargos com as expedições ultramarinas, e com outros serviços já annnunciados, sem fallar no systema de abertura de creditos, que destroe completamente todas as previsões do orçamento.

Ora sommem os 49:000 contos de réis de despeza manifestados no orçamento com os encargos que nos ha de custar a situação anormal de Africa Occidental, da Africa oriental, e da India, e com os augmentos de despeza, que o governo apresentou ás côrtes, ainda pondo de parte os 1:800 contos de réis para os encargos da conversão, e a despeza no futuro exercicio hade ir muito alem de 55:000 contos de réis!

Não sei se o paiz dispõe dos recursos suficientes para satisfazer a todos estes encargos, ou se corre o risco de algum grave desastre na vida do thesouro. Quem porém o sabe de certo são os que apresentam e os que votam tão extraordinarias despezas.

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APPENDICE Á SESSÃO N.º 56 DE 13 DE ABRIL DE 1896 978-E

Considerei, sob um ponto de vista concreto, a situação da fazenda publica, abstrahindo de discussões secundarias que seriam impertinentes n'este debate.

Agora vou responder a uma provocação que gratuitamente me dirigiu o ar. ministro da fazenda.

Basta-me restabelecer a verdade dos factos para evitar que o sr. ministro da fazenda ponha ás minhas costas o que é da exclusiva responsabilidade do governo, e só do governo.

A respeito da conversão da divida publica escreveu o governo no seu relatorio:

"Levada a negociação do convenio, ingrata e laboriosa como foi, até á sua conclusão, não o confirmou o governo de então, publicando o decreto de 13 de junho de 1892, que, até ulterior resolução das côrtes, reduziu a um terço em oiro o pagamento dos juros da divida externa."

Estas palavras importam a insinuação, mais ou menos disfarçada, do que o ministerio transacto prejudicou os interesses publicos com a rejeição do convenio.

Ora todos sabem que o convenio foi rejeitado porque o paiz não podia satisfazer aos encargos n'elle estipulados.

Desejava o governo transacto dar ao estrangeiro metade dos juros em oiro, mas as circumstancias foram-se aggravando dia a dia, tendo as receitas baixado em 1891-1892 na importante somma de 5:000 a 6:000 contos de réis.

Chegára-me ás mãos o convenio no fim de maio do 1892, quando estavam diminuindo em proporções assustadoras as receitas publicas, não só as do estado, mas tambem as de alguns dos mais importantes municipios do reino.

N'aquellas circumstancias mesmo o offerecimento do terço em oiro era já um compromisso que reclamava os maiores cuidados de governação para ser satisfeito.

Se o premio do oiro então se approximava de 28 por cento, a verdade é que as tendencias eram para a alta; e ninguem podia esquecer que na Republica Argentina, como no Brazil, já o cambio chegára a 300 por cento!

Alem d'isso a concessão do terço em oiro ao estrangeiro era já um favor ao credor externo para remover dificuldades internacionaes, porque o governo podia identificar os titulos de divida externa com os titulos da divida interna, nos termos da lei de 26 de fevereiro de 1892.

Em todo o caso das cinco nações interessadas na questão da divida externa só uma protestou contra a lei de 26 de fevereiro de 1892, ou antes contra o plano do governo, logo que foi communicado, de reduzir os juros da divida externa.

Foi a Allemanha. Só a Allemanha protestou. Nenhuma das outras nações prevenidas como ella, antes de apresentada ás cortes a proposta ministerial, nos contestou o direito de adoptar aquella providencia.

Só a Allemanha protestou, e em termos fortes, se não violentos, contra o plano do governo.

Ora o gabinete não queria sair do pensamento da lei do 26 de fevereiro, que auctorisava a identificação da divida externa com a interna, para o caso de se não fazer o convenio, principio que, salva a Allemanha, ninguem impugnara.

Diz o sr. presidente do conselho o ministro da fazenda: "estão bem patentes á memoria de todos as reclamações, que este decreto despertou; tão vivas e instantes, por parte dos credores estrangeiros e dos respectivos governos"!

Tem graça!

Mas como é que estão patentes á memoria de todos as reclamações dos governos estrangeiros, se, apesar das minhas instancias, o governo nunca publicou nem um dos documentos relativos a essas reclamações?!

Tenho instado uma e muitas vezes com o governo para publicar a correspondencia relativa ás negociações sober a divida externa, quer da anterior, quer da actual administração.

Prometteu o governo essa publicação, mas até hoje ainda não cumpriu!

E ainda vem dizer que estão na memoria de todos, as reclamações dos credores estrangeiros, que nunca ninguem viu, e que ninguem viu por culpa exclusiva do ministerio, porque as não tem querido publicar, apesar de formalmente se haver compromettido á publicação.

O sr. Presidente: - V. exa. dá-me licença para o interromper. É para observar a v. exa., em cumprimento do artigo 128.° do regimento, que é decorrida uma hora desde que v. exa. começou a usar da palavra. V. exa., porém, póde concluir o seu discurso tendo para isso o praso de quinze minutos.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara póde v. exa. continuar no seu discurso.

O Orador: - Não abusarei da benevolencia da camara, que me permitte continuar no uso da palavra.

Queixavam-se os estrangeiros de que o governo portuguez, por acto exclusivamente seu, sem annuencia nem audiencia dos interessados, reduzisse os juros da divida, e deixasse os credores nacionaes em condições muito mais vantajosas, do que os credores estrangeiros, pois que os portadores da divida interna ficavam recebendo 70 por sento, quando aos possuidores da divida externa se garantia apenas um terço, 33,3 por cento do sen coupon, embora em oiro.

Porém a oscillação cambial excluía toda a equiparação.

Se no momento não correspondiam os encargos do ágio do oiro aos 30 por cento que ficavam pesando sobre a divida interna, em breve podia trazer essa equiparação a oscillação cambial; alem de que os credores internos ficavam sujeitos á aggravação no orçamento em cada anno, e ao credor externo ficava garantida uma percentagem fixa.

Finalmente, desde que o credor externo foi convidado escolher o regimen da divida interna, e não acceitou, foi porque viu mais vantagens no regimen da divida externa com o terço em oiro, pago de conta do governo portuguez.

O ministerio depois de declarar que estão na memoria de todos as reclamações dos credores externos, e que eu tinha reduzido a 33,3 por cento o coupon, solta as seguintes palavras:

"E assim, muito a custo conseguiu o governo actual fazer acceitar, como meio immediato de conciliação, o regimen que se acha consignado na lei de 20 de maio de 1893.

Parece que fui eu quem teve a culpa do regimen consignado na lei de 20 de maio de 1893!

Ora eu não podia deixar passar sem reparo esta asserção. Não tenho nem sombra de responsabilidade sequer no regimen da lei do 20 de maio de 1893.

O sr. Ministro do Reino (João Franco: - Apoiado.

O Orador: - Acceito o apoiado, que é a condemnação formal do relatorio de fazenda nos seguintes periodos:

"E assim, muito a custo conseguiu o governo actual fazer acceitar como meio immediato de conciliação, o regimen que se acha consignado na lei de 20 do maio do 1893."

Apesar da recusa pertinaz do governo na publicação dos documentos relativos á divida externa, a qual destrui, ria pela base taes allegações, este caso há de ficar liquidado, porque eu reputo a lei de 20 de maio de 1893 sobre a questão da divida externa o primeiro passo para novo descalabro economico e financeiro. Se esta lei não poder ser alterada, dificilmente poderá ser reconstituida a situação financeira e economica do paiz.

De duas uma, ou nem a receita das alfandegas sobe nem o premio do oiro desce, e jamais nós poderemos alcançar uma situação desafogada, ou as receitas das alfan-

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978-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

degas augmentam, e o premio do oiro diminuo, o como matado d'essas vantagens tem de ir para o estrangeiro não chega o resto para as despezas crescentes da nação!

Os estrangeiros contentaram-se ou resignaram-se com o turco em oiro.

Mas depois que no seio da lendaria commissão de fazenda se levantaram embaraços aos interesses do estado, vieram notas dos ministros da Allemanha e da França, reclamando mais beneficios para os credores externos.

Essas notas, em todo o caso, não prejudicavam o pensamento do decreto de 33 de junho de 1892; e tanto não crearam a mais pequena dificuldade ao actual governo, que elle, depois d'isso, em vez do terço, foi offerecer o quarto aos credores externos.

O governo, pondo de parte o decreto do 13 de junho, offerecendo o quarto aos credores externos, quando elles nem com o terço ficavam satisfeitos, veiu a final a garantir-lhes muito mais do que lhes garantia o decreto do 13 do julho, o muito mais do que o paiz póde pagar!

Grecia reduziu os juros da divida publica externa em 1893 a 30 por cento, quando nós o reduzimos a 33 1/2 apenas.

Os credores externos levantaram os mais vivos clamores, e, com o auxilio dos respectivos governos, procuraram impor-se á Grecia.

Esta tom mantido a sua resolução, e está em negociações com os credores, as quaes não chegaram ainda a uma solução definitiva.

Os srs. ministros encontraram em plena execução o decreto de 13 de junho, e por elle pagaram ainda o coupon do l do abril do 1893.

A obrigação dos srs. ministros era não apressarem a solução definitiva desde que ella era prejudicial ao interesse do paiz, e seguir com u continuação do regimen provisorio, pois a França e a Allemanha reclamavam sobretudo contra o regimen definitivo, por supporem que a crise era passageira, que o paiz se levantaria em breve do seu abatimento, e que com o regimen provisorio não ficariam privados os credores dos futuros augmentos de receita.

Podia continuar como provisorio o regimen do decreto de 13 de junho, e offerecer-se para mais tarde qualquer percentagem dão sobras dos encargos do estado, quando as houvesse, como fez o sr. Fontes em 1855.

Até um accordo nos termos do que fez o sr. Fontes poderíamos nós chegar sem perturbação para as finanças do estado.

As reclamações estrangeiras não auctorisavam o gabinete a desorganisar a fazenda publica, promettendo, como prometteu, ao credor estrangeiro o que não podia pagarlhe.

Não ha nada mais triste, nem menos leal, em materia de contratos, do que estipular condições que não podem ser cumpridas.

O convenio estava negociado ad referendum, e, quando foi submettido á assignatura do governo, as circumstancias eram tão graves que excluiam toda a idéa de o acceitar, porque o governo que o assignasse sujeitaria com a sua assignatura o paiz a compromissos que eram superiores ás forças da nação.

Mas as dificuldades que surgiram agora com a questão de reducção de juros em nada se parecem com as que se levantaram em 1852. Então, em 10 ou 12 de janeiro de 1853, o Stock Exchange fechava as suas portas á cotação dos fundos portuguezes, o que agora se não fez. A Inglaterra tomou uma altitude verdadeiramente ameaçadora, e d'esta vez não nos incommodou.

Em 1852 foram muito mais violentas as reclamações estrangeiras.

Em 1892 apenas a Allemanha, quando teve a communicação do projecto para a reducção dos juros, e, portanto, muito antes do decreto de 13 de junho, exagerava a uma reclamação a ponto de ameaçar com a intervenção collectiva das potencias.

Mas a má impressão d'esta nota desfel-a o gabinete, a que eu tinha a honra de presidir, com tino e com paciencia. A nota violenta de janeiro de 1892 era substituída em fevereiro de 1893, por uma carta do ministro da Allemanha, que já se contentava com o terço, e me pedia apenas novos pourpalers com os comités.

Em 16 de janeiro de 1853 dizia o conde do Lavradio, nosso ministro em Londres, ao governo portuguez:

"No dia 12 do corrente mandou o comia do Stock Exchange affixar na praça de Londres um edital, forte na substancia e injurioso na forma, contra o governo de Sua Magestade. Como eu esperava, este edital e a correspondencia que houve entre o presidente do comité dos Bondholders e o Stock Exchange foram publicados no dia seguinte em todos os jornaes d'esta capital e precedidos de artigos mais ou menos extensos, mas todos elles injuriosos para o governo de Sua Magestade. Devo observar a v. exa. que não ha exemplo de se haver feito uso de similhantes expressões, nem do comité do Stock Exchange haver tomado, e por unanimidade, uma resolução igual á que tomou em 10 do corrente.

"Confesso a v. exa. que na minha vida ainda não tive um dia tão amargurado como o dia 13 do corrente, porque conhecendo que o governo de Sua Magestade só achava atrozmente injuriado, achava-me comtudo sem meios para o poder vingar convenientemente. Não podia dirigir-me á imprensa periodica porque toda ella, sem excepção, não só repelliria a minha defeza, mas aproveitar-se-ia d'ella para fazer novos ataques ao governo do Sua Magestade. Não podia dirigir-me ao governo de Sua Magestade Britannica porque esse dir-me-ía apenas: "Se estaes offendido ahi tendes os tribunaes para vos desaggravarem"; e aproveitaria a occasião para me fazer observações justas mas desagradaveis, e para talvez me ameaçar com uma reclamação contra o decreto de 18 de dezembro pelo detrimento que d'elle provinha a um grande numero e subditos britannicos.

"Não podia dirigir-me aos tribunaes porque tinha a certeza de que os adversarios do governo seriam plenamente absolvidos, e de que se aproveitariam, com applauso de todo o publico, os debates para só dirigirem novos insultos ao governo de Sua Magestade."

Era sem precedente a resolução do comité do Stock Exchange de ter, por deliberação unanime, fechado a porta á cotação dos fundos portuguezes!

É ainda notavel o officio do conde de Lavradio de 26 de maio do mesmo anno. O que o ministro inglez, de cara a cara, dizia ao ministro de Portugal em Londres, que do mais a mais era tão estimado n'aquella corte, é assombroso!

Em oficio de 26 de maio do 1803 dizia o conde de Lavradio ao visconde de Athouguia, referindo-se a uma nota que o ministro inglez cm Lisboa dirigira ao governo portuguez:

"... d'aquella nota, posto que não ousasse pedir algumas explicações a lord Clarendon, queixando-me do que sir Richard Pakenham se houvesse entromettido em um negocio tão delicado e, segundo eu devia suppor, sem previas ordens do seu governo, lord Clarendon respondeu-me o que eu já esperava: que elle tinha pleno conhecimento da nota que sir Richard Pakenham havia dirigido a v. exa., e que aquella nota era em tudo conforme ás instrucções que elle (lord Clarendon) havia transmittido a Pakenham, e que o que este ministro havia declarado ao governo de Sua Magestade Fidelissima havia ser sustentado pelo de Sua Magestade Britannica.

"Lord Clarendon, depois de me ouvir, respondeu-me com bastante animação que os decretos de 3 do dezembro de 1851 e de 18 de dezembro de 1852, documentos som precedente nos annaes dos governos civilisados, tinham indignado, e continuariam a indignar, todos os inglezes e todos os homens que sabem respeitar o direito do

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APPENDIOE A SESSÃO N.° 56 DE 18 DE ABRIL DE 1896 978-G

propriedade, que o governo portuguez havia calcado aos pés de uma maneira inqualificavel; que, quando os toes decretos foram publicados, se elle estivesse no ministerio havia fazer o que fez agora; que se elle começava por Portugal as suas reclamações a favor dos subditos inglezes despojados por diversos governos, era porque o governo portuguez havia procedido de uma maneira ainda mais escandalosa do que os outros governos, os quaes elle tambem havia visitar, foi esta a sua expressão; que o governo portuguez, para attrahir ainda mais os capitaes ingleses, lhes havia offerecido uma hypotheca especial, o rendimento das alfandegas; que, se estes ajustes tivessem sido feitos com subditos dos Estados Unidos, ha muito que o governo portuguez se teria apressado a fazer-lhes justiça; que, finalmente, elle (lord Clarendon), como ministro inglez, era obrigado a sustentar os direitos dos subditos inglezes; o que estes, se elle assim não procedesse, se dirigiriam ao parlamento, o qual lhe tomaria rigorosas contas, o que bem mal iria ao governo portuguez se este negocio fosse debatido na casa dos communs, porque na discussão se apresentariam factos escandalosos que arruinariam completamente o credito do governo portuguez; e que se ali se não tinha já apresentado alguma moção áquelle respeito, era em consequencia d'elle haver promettido sustentar as justas reclamações dos prestamistas inglezes; e terminou dizendo-me que, posto que elle não quisesse por certo cansar embaraço algum ao governo de Sua Magestade Fidelissima, não podia comtudo deixar do cumprir o seu dever: e por isso de insistir na reclamação apresentada por sir Richard Pakenham.

"Então, conhecendo que alguns dos meus argumentos haviam feito impressão sobre o animo de lord Clarendon, disse-lhe com um tom bastante indignado: "Se isto que acabo de voa dizer não é verdade, negue-o; mas se o é, a vossa conducta é inexplicavel o dá logar a desconfianças, que eu não queria ter nem um momento. Vós dizeis-me que haveis tambem de visitar com as vossas reclamações todos os outros governos que, havendo contrahido emprestimos em Inglaterra, deixaram de cumprir o que prometteram. Quero acreditar que essa seja a vossa intenção; mas então qual foi o motivo por que haveis escolhido o governo portuguez, o mais fiel o antigo alliado da Gran-Bretanha, para ser a primeira victima das vossas exigencias, cuja justiça eu não reconheço? O motivo por vós allegado já eu previa que não existia, e muito melhor o ha de ainda provar o governo de Sua Magestade na resposta que ha do dar á nota de sir Richard Pakenham." Continuei ainda por algum tempo, e com diversos argumentos, que me parece inutil repetir a v. exa. a combater os de lord Clarendon. Este, com a amabilidade que o caracterisa, conhecendo o estado do irritação em que eu estava, procurou acalmar-me, dizendo-me primeiro muita cousa lisonjeira para mim, fazendo-me mil expressões de amisade, e que para me provar que elle nenhum desejo tinha de ser nocivo ao actual ministerio, nem de lhe causar os menores embaraços, estava prompto a receber qualquer proposta que se lhe quizesse fazer, que podesse acalmar a indignação dos credores inglezes.

"Passou depois a dar-me algumas explicações confidenciaes sobre as difficuldades em que elle se achava, em consequencia dos muitos e energicos advogados que os bondholders portuguezes têem na casa dos communs, a quem elle, até para evitar grandes escandalos, como já me havia observado, era obrigado a dar satisfação.

"É facto que na casa dos communs ha pessoas interessadas na divida portugueza; é facto que Thorton, o maior inimigo que tem o governo de Sua Magestade, tem, pela sua riqueza, grande influencia na praça do Londres; é facto que as publicações e intrigas da direcção do banco de Portugal excitaram notavelmente Thorton o os principaes bondholders, e eram talvez uma das principaes, se não a principal causada reclamação hoje pendente. Conhecendo a praça de Londres, desde logo previ que a conducta do banco de Portugal havia ter grande alcance: causar grandes embaraços ao governo de Sua Magestade e grandes males ao paiz.

"Quem poderá acreditar que se me guardasse um profundo segredo dos decretos de 3 de dezembro de 1851 e de 18 de dezembro de 1852, e que eu só d'elles tivesse conhecimento pelos Diarios do governo."

Tinham sido reduzidos os juros em 1852, e em 1854 ainda o governo inglez insistia nas suas reclamações.

Em 5 de maio de 1854 dirigia-se o ministro inglez em Lisboa nos seguintes termos ao nosso ministro dos negocios estrangeiros:

"Sir. - Ao governo do Sua Magestade Britannica continuam a ser dirigidas vehementes representações por parte dos subditos de Sua Magestade, possuidores de fundos portuguezes, queixando-se do prejuizo o damno que lhes causou a arbitraria reducção dos juros estipulados sobre o dinheiro por elles emprestado ao governo de Portugal, a cuja violação do contrato entre o governo e os bondholders se tentou dar um caracter de legalidade pelo decreto de 18 de dezembro de 1852.

"Em uma nota que tive a honra de dirigir a v. exa., em 7 de maio ultimo, fiz constar a v. exa. os sentimentos do governo do Sua Magestade n'este desgraçado objecto; e em 22 de agosto seguinte, por ordem do governo de Sua Magestade, passei ás mãos de v. exa. copia do um protesto feito pelos bondholders contra a deducção então recentemente feita sobre a somma de juros que legalmente lhes eram devidos, manifestando a v. exa. ao mesmo tempo a opinião do governo de Sua Magestade quanto ao inquestionavel direito que justificam os bondholders, a protestar contra a violencia que, por esta fórma, lhes fazia. Um segundo protesto foi ultimamente apresentado ao governo de Sua Magestade, em consequencia de uma repetição da mesma violencia em reter ou, para melhor dizer, em confiscar em proveito du estado uma certa porção do dividendo vencido em l de janeiro ultimo. O governo de Sua Magestade tinha, na verdade, esperanças que noções mais solidas, em relação ao credito publico, e que um sentimento de justiça da parte do governo portuguez teria produzido ha mais tempo, se não a revogação do decreto de 18 de dezembro, ao menos tal modificação que provasse aos credores britannicos de Portugal que, se as circumstancias tinham, infelizmente, obrigado o governo a reter por algum, tempo parto dos juros legalmente applicados á dívida publica, não fôra com a intenção de que esta usurpação nos direitos dos bondholders fosse perpetua; que, pelo contrario, era do desejo e vontade do governo portuguez, logo que as circumstancias o permittissem, tornar a cumprir a estricta obrigação dos compromissos da nação, e que os sacrificios temporariamente impostos aos bondholders, na forçada reducção dos seus dividendos semestraes, seriam levados em conta, constituindo por esta fórma uma divida crescente a seu favor, para ser do futuro liquidada quando estado de tranqnillidade publica em Portugal, de que agora, felizmente, gosa, tenha produzido os seus effeitos naturaes, desenvolvendo os vastos e invejaveis recursos d'este paiz favorecido, contribuindo d'este modo em tão larga escala para a riqueza nacional, que torna o cumprimento das obrigações publicas um ligeiro fardo, comparado com as vantagens que do ahi poderia resultar no impulso Lado ao credito nacional em um augmento consciencioso de força moral, dignidade e respeito que as nações, assim como os indivíduos, nunca deixam de conseguir de um cumprimento honroso dos seus justos compromissos. Infelizmente, estas esperanças da parte do governo de Sua Magestade não foram ate agora realisadas.

"O decreto de 18 de dezembro de 1852 ainda se acha em vigor, e nenhuma prova se tem offerecido de que haja disposição da parte do governo portuguez para revogar ou modificar as suas arduas e injustificaveis previsões.

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"Debaixo d'estas circumstancias, torna-se necessario, a fim de prevenir qualquer errada intelligencia da parte do governo portuguez, que claramente se entenda que o governo de Sua Magestade não é parte consentidora do continuo prejuizo assim feito aos subditos de Sua Magestade, que são credores do reino de Portugal; que, pelo contrario, conserva no mais subido grau a opinião que originariamente formava de toda a falta do direito no caminho seguido pelo governo portuguez em reduzir, sem consentimento das partes interessadas, o juro da divida publica, e em pretender desculpar-se de qualquer obrigação pelo dinheiro por este modo retido aos credores nacionaes.

"O governo de Sua Magestade sustenta que esta reducção da somma, que Portugal é obrigado a pagar periodicamente aos bondholders; constituo uma divida accumulada em favor d'aquelles interessados, a qual Portugal, por si só, não póde annullar, e o governo do Sua Magestade deve, por conseguinte, olhar como uma reclamação que merece a sua constante solicitude e apoio.

Aproveito esta occasião para renovar a v. exa. a segurança da rainha mais alta consideração. - A s. exa. visconde do Athouguia. = R. Pakenham."

Pois apesar de serem tão tensas as nossas relações com Inglaterra, apesar das reclamações violentas do governo inglez, e de estar fechado o Stock Exchange á cotação dos nossos fundos, o governo portuguez manteve-se no seu posto; e, tendo sido a reducção dos juros decretada em dezembro de 1802, só tres annos depois se fez o accordo de Londres!

O governo portuguez não cedia, porque pensava que o paiz não tinha recursos para pagar mais.

É essa é que é a questão.

É minha profunda convicção que o thesouro portuguez não póde cumprir, durante muito tempo, as obriga coes que tomou na lei do 20 do maio de 1893.

E a prova de que não póde cumprir já está dada, porque o governo por moio de dinheiro emprestado é que tem pago!

Nem a elevação da divida fluctuante a 29:000 contos de réis significa senão que o governo precisa de recorrer ao credito para satisfazer as despezas do estado.

Paga por um lado com o rendimento dos alfandegas, e pede por outro lado emprestado para encargos do estado! Foi pessoalmente o ministro da fazenda, sr. Fontes, a Londres fazer o accordo, e acceitou condições que depois as côrtes não votaram, e os credores tiveram que resignar-se.

E determinou-se a fazer o accordo porque queria levantar emprestimos para melhoramentos publicos, e tinha fechada a cotação aos nossos fundos na praça de Londres. O sr. Thorton, representante doa credores, exigiu no accordo que fosse preferida a sua casa nos futuros emprestimos; e a camara não só eliminou aquella clausula do preferencia mas acrescentou que nenhuma das vantagens que no accordo se faziam aos credores se tornaria effectiva sem o Stock Exchange admittir á cotação os fundos portuguezes.

N'aquella epocha os ministros de Portugal não tinham medo!

Ora, desde que nem o terço em oiro o paiz poderia pagar sem grandes sacrificios, augmentar ainda este encargo com quinhão nos rendimentos das alfandegas e na baixa do premio do oiro foi prejudicar fundamentalmente os interessas publicas.

Hoje está perfeitamente documentado que o actual governo não tomou para base das negociações com os credores o decreto de 13 de junho.

Não foi, como meio immediato de conciliação que o gabinete fez votar a lei de 20 de maio de 1893.

Esta affirmação é absolutamente inexacta.

É desmentida pelas declarações feitas por um dos membros da commissão de fazenda á qual o governo apresentou a correspondencia sobro a divida externa; e tão exactas eram essas declarações que, fallando logo em seguida na camará um ministro que estava presente, não corrigiu em cousa alguma o que o deputado, membro da commissão de fazenda, dissera, trantando-se aliás de assumpto tão grave.

O illustre deputado, membro da commissão de fazenda, a quem me estou referindo, disse:

"Parece ata que o governo actual não tinha um plano definido por onde orientar-se n'esta questão. Ora se lembrava de conceder títulos de divida differida, ora pensava em contrahir um emprestimo, ora queria dispensar-se do encargo do agio relativo ao pagamento das obrigações dos tabacos, até que ao cabo de longas meditações assentou n'este dilemma: ou se mantinham distinctos os regimens da divida externa e da divida interna e n'esse caso o governo só poderia pagar um quarto do juro da divida externa; ou se estabelecia um só regimen para ambas as dividas e n'esse caso o governo pagaria apenas 60 por cento em papel dos juros de toda a sua divida, incluindo as obrigações dos tabacos.

" Mas a final o governo acceitou uma terceira solução que não coincide com nenhuma das duas offerecidas no seu dilemma, e melhor fóra, n'esse caso não ter faltado n'ellas e ter antes tomado o decreto de 13 de junho de 1892 para base de negociações."

A desorientação que o governo revela nos documentos officiaes da sua administração, explica perfeitamente a recusa á publicação da correspondencia, apesar das minhas instantes reclamações e das promessas de publicar.

Em todo o caso o que se apura é que o governo, para desfazer os atritos que eu creára, compromettendo-me a pagar apenas um terço, offereceu menos, offereceu um quarto!

Tambem d'estas declarações se apura que o governo não tomou para base das negociações o decreto de 13 de junho, e que só depois de entrar em novas negociações se viu forçado a acceital-o com um aggravamento sem limites!

Não se preoccuparam os srs. ministros com o decreto de 13 de junho; e offereceram aos credores o quarto quando sabiam que elles nem com o terço se contentavam!

Tão verdadeiras eram as affirmações do illustre membro da commissão de fazenda, que o sr. ministro do reino, tendo pedido a palavra para responder ao sr. Almeida e Brito a respeito de um telegramma que narrava violencias da auctoridade em villa do Conde, não contestou, e nem sequer se referiu áquellas affirmações, o que não deixaria de fazer em assumpto tão grave, havendo qualquer inexactidão.

Mas não ficam aqui as provas.

Os srs. ministros, logo que alcançaram o poder, adiaram as cortes, e creio que no que menos pensaram foi na questão da divida externa.

Segundo contam as Novidades ahi por meiados de março de 1893, o ministro de Portugal em Paris communicou ao governo duas soluções, que lhe offereciam para resolver a questão dos credores externos, e os ministros, que não se inquietavam demasiadamente com a questão, mandaram-no vir a Lisboa no fim de março.

Veiu o ministro a Lisboa, e o gabinete encarregou-o de conversar com os credores estrangeiros e com os comités sobre o assumpto.

Não discuto agora nem os compromissos, que o gabinete tomou, nem os encargos a que sujeitou o paiz.

Cuido apenas de demonstrar que a lei de 20 de maio de 1893 não tomou por base o decreto de 13 de junho, nem foi, pois, meio de concilação para as condições estabelecidas n'este decreto.

Tomo a camara por testemunha se de algum dos documentos, que vou ler, proxima ou remotamente se póde deprehender ou concluir a verdade da afirmação do sr. pre-

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APPENPICE Á SESSÃO N.º 56 DE 18 DE ABRIL DE 1896 978-I

sidente do conselho, de que a lei de 30 de maio de 1893 foi meio de conciliação perante as reclamações dou cre-credores externou contra o decreto de 13 de junho.

O então ministro de Portugal em Paris conte no jornal Novidades, de 26 de março d'este anno, ave recebeu em meado de março do 1898 duna propostas de incontestavel seriedade para um accordo com os credores, que eram as seguintes:

1.ª Proposta. Equiparação de tratamento para todos os titulos da, nossa divida interna e externa, consolidada e amortisavel, incluindo as obrigares dos tabacos, sol a late do pagamento do 60 por cento. O pagamento aos portadores externos que assim o quizessem receber seria feito no estrangeiro, em oiro, pelo cambio medio do mez anterior ao vencimento dos respectivos juros.

2.ª Proposta. Conservação dos 70 por cento paru a divida interna; pagamento do quarto em oiro paru a divida externa; manutenção do pagamento integral ás obrigações dos tabacos é do pagamento pelo thesouro portuguez do premio do cambio.

Conta mais o ministro de Portugal em Paris que communicou logo ao governo aquellas propostas, e que sobre estas duas formulas giraram até final conclusão as negociações officiaes; e nunca portanto sobre o decreto de 13 de junho.

Vejâmos, segundo o testemunho do mesmo funccionario, como correram as negociações officiaes.

Começarei pelos telegrammas de 21 e de 22 de abril, do ministro de Portugal em Paris ao sr. Hintze Ribeiro, publicados no jornal Novidades, de 27 de marco do corrente anno.

"Em 21 de abril, ao sr. Hintze Ribeiro. Acabo de estar com o representante allemão. Respeito adhesão seu governo, dia estar auctorisado por ministro dos negocios estrangeiros a declarar, que essa adhesão será dada ao accordo, que se faça, o que d'isso toma inteira e pessoal responsabilidade. Respeito ao accordo ha pequenas dificuldades de detalhe, que ahi seriam discutidas, e duas fundamentaes, que trato de resolver.

Primeira: os allemães exigem o terço e não concordam com reducção a quarto. Segunda: pedem que metade receitas tabacos seja tambem applicada a augmento progressivo da percentagem dos juros da divida depois de 1926. Esta segunda rejeitei em absoluto e espero modificar primeira. Representante vae pedir instrucções Berlim.

"Em 22 de abril, de manhã, ao sr. Hintze Ribeiro. Conferencia com representantes francez e allemão. Os allemães desistem da applicação de metade da receita dos tabacos depois de 1920 ao augmento progressivo dos juros da divida. Quanto á percentagem, acceitariam como transacção o quarto nos dois ou tres primeiros annos, devendo pagar-se o terço, logo que o pagamento seja feito directamente pelo thesouro. Desejam tambem base financeira do novo emprestimo não seja transformação amortisação dos tabacos. Disse-lhes que para governo portuguez ponto fundamental novo emprestimo era não trazer augmento aos encargos annuaes do orçamento. Tambem desistem da consignação especial no rendimento dos caminhos do ferro e excesso receita tabacos substituida por consignação determinadas receitas alfandega.

"Terei nova conferencia ás seis horas."

Estas negociações eram inteiramente novas, não tinham relação alguma com as prescripções do decreto de 13 de julho, como é para todos evidente.

Mas o documento, chave de oiro, que revela ao paia o zelo e as diligencias, que o governo poz na solução fixada na lei de 20 de maio de 1893, é o telegramma de 26 de abril do sr. presidente do conselho ao nosso ministro em Paris, publicado no mesmo jornal de 28 de março d'este anno, que diz assim:

Lisboa, 86 de abril, a Navarro: Em vista dos seus ultimos telegrammas, diga v. exa. a interessados estrangeiros, com quem tem estado conversando ahi, que governo os ouvirá em Lisboa. Convir n'esse caso que se apresentem sem demora pela estreiteza do tempo."

Era em 26 de abril, quando faltavam dezenove dias apenas para a abertura das côrtes, que o sr. presidente do conselho, sem nada ter feito até ali, recommendava ao ministro de Portugal em Paris, que aviltasse os interessados para só apresentarem em Lisboa, mas sem demora pela estreiteza ao tempo!

As côrtes abriam-se em 15 de maio, e o governo queria apresentar logo uma solução fosso qual fosse sobre o questão da divida externa para regularisar a sua situação, O estrangeiro, que sabia que o governo tinha empenha especial em apresentar uma resolução immediatamente as côrtes em 15 de maio, aproveitou-se da para politica do ministerio.

Abriam-se as côrtes em 15 de maio, e no dia 10 ainda o governo não tinha adoptado uma resolução. Vejâmos o que diz o ministro da Portugal em Paris, em 10 de maio.

"Minha firme convicção é que o governo francez acceitará quarto, se o governo allemão tambem acceitar."

Que fez o ministerio para sondar os dois governos francez e allemão? Nadai Bem lho importava ao ministerio que o paiz pagasse o turco ou o quarto! O que lho importava era apresentar ás cortes uma solução, para poder dizer: "resolvi a questão!"

Em 1852 gastou n governo tres annos para negociar com os credores um accordo, o gostaram os côrtes um anno para o legalisar. Pois os ministros de 1898 adoptaram em menos de quinze dias, de coração leve, uma providencia que ha de ser fatal para os interesses do paiz! O povo não póde pagar durante muito tempo os encargos a que o sujeitou a lei do 20 de maio de 1893.

Mas o que é incontestavel é que o plano constituido pela lei de 20 de maio, longe de ser um expediente de conciliação no meio dos reclamações contra o decreto de 15 de junho de 1892, é a sophismação completa d'este patriotico decreto.

Em presença dos factos que ficam narrados e documentados é absolutamente inexacta a affirmativa do sr. presidente do conselho o ministro da fazenda, nos seguintes períodos do seu relatorio "e assim, muito a custo conseguiu o governo actual fazer acceitar como meio immediato de conciliação, o regimem que se acha consignado na lei do 20 de maio de 1893, dando-se aos credores externos um terço em oiro, e abrindo-se-lhes partilha por metade, na differença que para menos de 22 por cento se obtivesse, de futuro, no encargo da transferencia de oiro para pagamento da parte do coupon destinado ao estrangeiro, e no que as receitas aduaneiras, tabacos e cereaes exceptuados, produzissem a mais de 11:400 contos de réis, até que por essas participações só desse, no pagamento dos juros, completa equiparação de credores internos e externos, revertendo para todos, desde então, o que mais se apurasse; sempre a equiparação de todos os credores do estado, como o desideratum de justiça, para que se devia caminhar".

Todas estos inexactidões foram dictadas pela necessidade de cobrir a retirada, pois que os srs. ministros, depois de terem offerecido o quarto, viram-se obrigados a dar o terço, e alem d'isso participação no excesso da receita das alfandegas o no beneficio do premio do oiro!

Como todos estes factos se passaram não sei eu, porque não ha meio do arrancar ao governo a publicação da correspondencia sobre as negociações.

Duas vezes já tratei n'esta casa a questão dos credores externos, sem obter resposta, comquanto em cada uma das vezes se me seguisse um ministro no uso da palavra. Da primeira vez fallou o sr. Fuschini. Não me respondeu, limitou-se a dar-me uma descompostura brava. Da segunda vez fallou o sr. Cariou Lobo d'Avila.
Tambem me não respondeu, e contentou-se com uma descompostura mansa!

Página 10

978-J DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O governo, na publicação da correspondencia diplomatica relativa a divida externa, houve-se precisamente como com a circular que expediu pelo ministerio da justiça ao alto clero, ferindo fogo pelas phrases menos liberaes proferidas no congresso catholico! Bastou expedir-se a portaria ou dar-se a noticia de que a portaria fôra expedida, para os amigos do governo e os amigos dos amigos acclamarem por toda a parte a energia com que o sr. ministro da justiça se dirigira ao alto cloro, que de certo nem deu por isso!

Dos documentos da administração dos actuaes ministros apenas têem vindo a publico os telegrammas do nosso ministro em Paris que acabo de reproduzir, e que considero verdadeiramente officiaes, apesar de não terem sido officialmente publicados.

Não discuto agora os erros do governo n'este ponderosissimo assumpto. O que desejo é lavar as minhas mãos de modo claro e nitido da celebre obra, constituida pela lei de 20 de maio de 1893, e provar que similhante lei não foi um meio immediato de conciliação, como se diz no relatorio de fazenda, nem o podia ser, porque o governo não tomou por base das suas negociações o decreto de 13 de junho, e sim formulas inteiramente diferentes.

Sr. presidente, não declino em ninguem as minhas responsabilidades. Mas engeito as alheias.

Eu não podia com a responsabilidade de offerecer ao estrangeiro um quarto da renda, para depois lhe dar o terço e varias percentagens, porque isso representava o systema de mercancia ordinaria para ver se os credores se contentavam com menos do que aquillo que se lhes podia pagar!

A obrigação do devedor é entregar ao credor tudo quanto lhe póde pagar, e o systema seguido pelo governo visava o contrario.

Fica assim desfeita a lenda de que a lei de 20 de maio fôra meio de conciliação para acalmar as irritações que o decreto de 13 de junho de 1892 levantára contra o nosso paiz!

Tenho concluido.

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