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cana de 1 de agosto de 1778, artigo 1.°, de Genova de 1 de julho do mesmo anno, de Veneza de 9 de setembro de 1779, artigo 9.°, e da Russia de 31 de setembro de 1787, cumprindo notar ser esta já a doutrina dos antigos, ensinada por Casaregis (disc. 174 n.ºs 1 a 16).

Se o facto se tivesse passado á entrada de porto ou em aguas portuguezas, não poderiamos seguramente ficar silenciosos, porque constituiria essa violação de immensidade um attentado á nossa independencia, e ao direito que tem á nossa protecção os que se acolhem debaixo da bandeira portugueza; e a historia mostra que não sabemos ser insensíveis a attentados d'esta ordem. Quando no dia 18 de agosto de 1759, o chefe de esquadra francez de la Clue, perseguido pelo almirante inglez Boscawen, recorreu como ultimo extremo, depois de um renhido combate, ao expediente de encalhar os seus quatro navios l’Océan, le Redoutable, le Téméraire e le Modeste na costa de Portugal, entre Sagres e Lagos, o almirante inglez teve a ousadia de o atacar debaixo da nossa artilheria, apresando-lhe os dois ultimos e queimando-lhe os outros. Mas nós todos sabemos tambem que um ministro, que então presidia aos destinos da nação, e cujos esforços tenderam sempre para acabar com o predominio inglez em Portugal (escuso dizer que fallo do marquez de Pombal), soube forçar o gabinete S. James, depois de uma correspondencia, memoravel nos annaes da historia diplomatica, a dar-nos as satisfações que exigimos, sendo enviado a este reino lord Knowles, como embaixador extraordinario, para na presença de todo o corpo diplomatico dar, em nome do rei de Inglaterra, satisfação condigna a tal attentado.

Não estamos hoje n'esse caso felizmente, porque (como já disse) não houve no apresamento do brigue dinamarquez violação da nossa soberania; mas não obstante o facto da presença no nosso porto de um navio mercante pertencente a uma nação amiga como a Dinamarca, conduzido aqui apresado por navios de guerra austriacos; esse facto, digo, é muito serio e muito grave para provocar a attenção da camara e do governo (apoiados).

Sr. presidente, apesar de todos os progressos da civilisação, apesar da transformação por que ha poucos annos tem passado a guerra maritima, apesar emfim da declaração do congresso de París de 16 de abril de 1856, que, graças á generosa iniciativa do Imperador Napoleão III, aboliu o corso, ainda hoje para vergonha da humanidade subsiste como meio empregado n'essa guerra o confisco dos navios mercantes das nações belligerantes; confisco, espero em Deus, que ha de desapparecer como desappareceu o corso, voto que já formulava Napoleão I nas suas memorias (tom. III, cap. VI, § l.º)

«Il est á désirer qitun temps vienne, ou les mêmes idées libérales s'êtendent sur la guerre de mer, et que les armées navales de deux puissances puissent se battre sans donner Meu á la conjiscation des navires marchands.»

Estas idéas generosas animam a nação portugueza (apoiados), mas como não podemos sós reformar n'este ponto a guerra maritima, reconheçamos, não digo bem, toleremos forçados pela necessidade o emprego d'esse recurso da parte das outras nações, e digamos como Bynkershoek a respeito de alguns meios de guerra: « Se a justiça humana os admitte, prohibe-os a grandeza de alma: animi magnitude non admittit.»

Mas no caso presente tendo entrado no porto um navio mercante de nação amiga, apresado por outros de uma nação com quem tambem estamos em boas relações, quaes serão os nossos direitos e deveres como neutros? Podem aqui suscitar-se varias questões. Teremos acaso direito de intervir dentro do porto, protegendo e dando a liberdade a um navio que está nas aguas portuguezas, e debaixo da bandeira d'esta generosa nação? Bem o quizera, sr. presidente, porque é para mim inconcusso á face dos principios da philosophia juridica, mas não o podemos ter em direito internacional positivo, porque, não sendo a presa feita em aguas ou mares territoriaes portuguezes, os apresadores adquiriram o direito sobre ella, pelo menos provisoriamente, e trouxeram-na a Portugal já com bandeira austriaca, d'onde resulta que não poderiamos contestar á Austria a validade da presa effectuada fóra do nosso dominio sem nos convertermos em juizes dessa nação; n'este ponto são accordes os escriptores, bastando citar entre os antigos Loccenius (De jure maritimo, liv. II, cap. IV, § 6.°), e entre os modernos Merlin (Répert. V. Prises, § 7.°, art. l.°), e Massé (Le droit des gens dans ses rapports avec le droit civil, tom. I, n.° 404.°), e é expressa a ordenança franceza de 20 de outubro de 1819 sobre consulta do conselho d'estado. Alem de que, tendo decorrido vinte e quatro horas de apresamento até á entrada da presa em Lisboa, devia o apresamento julgar-se completo e consumado, segundo a praxe attestada por Mártens, Wheaton, Heffter e outros, e seguida tanto na guerra terrestre, como na maritima (como refere De Thou) desde a tomada da cidade de Lierre no Brabante em 1595, e completo e consumado estaria igualmente a seguir-se a regra do codigo da Prussia (I § 208.°), que o julga tal desde que a presa é conduzida a um porto neutro ou inimigo.

Eu bem sei que pelo nosso direito maritimo quando, havendo guerra entre duas nações, e guardando nós a neutralidade, nos nossos portos dão entrada navios de guerra ou corsarios de uma, e navios mercantes de outra, devem estes saír antes d'aquelles, pelo menos duas marés ou vinte quatro horas; mas isso é uma garantia para evitar o apresamento, e não póde ser applicavel com paridade ao caso em que, sendo já o apresamento um facto consumado fóra do nosso dominio maritimo, o navio apresador entra com o apresado nas nossas aguas. Estes principios, que, como disse, não podem ser applicados no caso presente, acham-se consignados expressamente no decreto de 16 de agosto de 1803, confirmado pela carta regia de 16 de fevereiro de 1805; são sanccionados pelo costume, e até por disposições particulares de algumas potencias, como o foram nos regulamentos relativos á navegação e ao commercio adoptados pelos estados neutros de Italia durante a guerra de 1778: o seculo passado offerece algumas applicações praticas d'esta regra, bastando recordar o succedido em 1759 com o navio de guerra francez le Fantasque, commandado por Castillon, que, estando recolhido na bahia de Cadiz, obteve do governador saír com vinte quatro horas de antecipação á esquadra ingleza do commando do almirante Broderic, fundeada na mesma bahia.

Mas ha ainda outra questão importante, e é se no porto neutro de Lisboa póde ser admittida a presa do brigue mercante dinamarquez feita pelos navios de guerra austriacos. -Alguns auctores, entre elles Hautefeuille e Ortolan, sustentam a affirmativa, com quanto reconheçam ás nações neutras o direito de admittir ou deixar de admittir as presas. Todavia essa doutrina de Hautefeuille não constitue uso constante entre as nações. Em França, pelo artigo 5.º da declaração de 1 de fevereiro de 1650, e pelo artigo 14.° da ordenanças de marinha de 1681, não eram admittidas as presas nos seus portos mais de vinte quatro horas, salvos casos de força de mar; e no tratado de 1794 entre a Inglaterra e os Estados-Unidos estabeleceu se positivamente que não seria nos seus portos concedido abrigo nem refugio aos que tivessem apresado navios de qualquer das altas partes contratantes.

Entre nós tem sido principio constante na legislação portugueza, desde o seculo XV, não admittir nos portos do reino presas feitas por navios de guerra ou corsarios de potencias belligerantes, a não ser nos casos em que a humanidade o exija, como é expresso nos decretos de 28 de dezembro de 1427, de 29 de agosto de 1645, de 30 de agosto de 1780, de 17 de setembro de 1796, de 7 de dezembro do mesmo anno no § 14.°, de 3 de julho de 1803, e de 4 de maio de 1805, e na portaria de 18 de agosto de 1812.

Estes principios, estas tradições da nossa jurisprudencia maritima, são as mais justas e philosophicas. Uma nação livre e generosa, que condemna em principio as presas, como meio de guerra maritima, assim como estigmatisa o saque na guerra terrestre, não podia tolerar dentro de seus portos a presença de um navio apresado e do seu apresador; repugnaria isso ás sãs doutrinas que condemnam o apresamento, e á protecção que devemos aos opprimidos. Similhante tolerancia, admittida por Hautefeuille e Ortolan com o nome de direito de asylo, só deve ser assim qualificada por escarneo; o asylo póde ser reclamado, e admitte-o o nosso direito, vendo-se a presa ou o apresador em tal aperto no mar, que recorram aos nossos portos para exigir os soccorros da humanidade; fóra deste caso não seria asylo, seria o reconhecimento tacito da pirataria ou de corso exercido por navios de guerra.

Digam o que quizerem esses escriptores, eu vejo, sr. presidente, para gloria de Portugal, que estes principios do nosso direito maritimo vão prevalecendo depois da guerra do Oriente; affirma-o com rasão o sr. Moreuil no seu Dictionnaire des chancelleries diplomatiques, e mais authentico testemunho fornece ainda a recusa formal do ministro dos negocios estrangeiros da Belgica, o sr. de Brouckère, para nacionalisar como belga um navio russo, condemnado como presa maritima, e vendido pelo almirantado inglez a uma casa de Ostende. São memoraveis as palavras do nobre ministro nesse documento, datado do mez de janeiro de 1855:

«Pour répondre á cette question (diz elle) il suffit de rap-peler ce principe du droit des gens, que les neutres n'admet-tent pas chez eux les croiseurs et leurs prises. Datis leurs recentes déclarations sur la neutralité, les gouvernements suédois et danois ont annoncê la résolution d'exclure Ven-trêe, la condamnation et la vente de toute prise, le cas de dê-tresse excepté. Si la vente dans Vétat neutre et interdite, Vachat y est êgalement défendu pour le sujet neutre. Or le sujet neutre ne peut aller chercher ailleurs ce qu'il ne peut acheter chez Meu. Uachat des prises serait une participation réelle aux bénêfices de la guerre, c'està-dire une espèce de dérogation á la neutralité.

Em vista de todas as considerações que tenho expendido, espero que o governo procederá n'este caso de accordo com os principios do nosso direito maritimo; declaro ter a mais profunda convicção de que ha de, mantendo devidamente a neutralidade, fazer respeitar a nossa dignidade (apoiados); e confio em que, para isto, encontrará o apoio decidido e unanime das camaras, que já mais de uma vez têem mostrado não haver partidos em questões de brio nacional (apoiados).

A Dinamarca, que tem sempre combatido com as suas armas e com os seus escriptos para sustentar os principios mais liberaes do direito maritimo, que desde o começo da monarchia tem conservado comnosco as mais estreitas relações de amisade, verá assim que, se Portugal guarda a mais estricta neutralidade na guerra em que ella se acha empenhada, não póde, seguindo as gloriosas tradições do seu direito maritimo, consentir nos seus portos o espectaculo repugnante de navios dinamarquezes apresados pelos de qualquer outra nação. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Antonio de Serpa: — A questão, a que acaba de alludir o illustre deputado, é grave; porque é de direito internacional e de direito das gentes, direito que não é muito positivo, e sobre cujas bases em toda a parte se discute ainda. Repito, a questão de que se trata é grave; porque de qualquer resolução que tomemos póde resultar um conflicto internacional que, alem de grave, póde ser desagradavel.

As camaras portuguezas têem dado muitas vezes provas sobejas de que, quando se trata de questões internacionaes, não ha divisão de partidos (apoiados); estão sempre todos dispostos a apoiar o governo, para que elle mantenha a dignidade da nação, principio por todos nós reconhecido (apoiados).

Nestas circumstancias qualquer resolução que tomassemos agora, poderia ir prejudicar o negocio (apoiados).

Não se trata de uma manifestação, porque a camara, repito, está disposta a apoiar o governo todas as vezes que elle mantenha os principios e dignidade nacionaes, e portanto a minha opinião é — que esta questão não deve continuar emquanto não estiver presente algum dos srs. ministros, ou mesmo não deve continuar ainda neste caso; deixando se ao governo obrar como julgar conveniente, na certeza de que terá sempre o meu apoio e de toda a camara em tudo que fizer a bem dos principios e da salva guarda dos interesses e dos direitos da nação. Esta é a minha opinião. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

O sr. José de Moraes: — Peço tambem a palavra sobre este incidente.

O sr. Presidente: — Não posso dar a palavra ao sr. deputado, porque este incidente está terminado. Agora vae ler-se a proposta apresentada hontem pelo sr. Lopes Branco para entrar em discussão, antes da ordem do dia, o projecto n.° 22, assim como um additamento que a esta proposta apresentou tambem hontem o sr. José de Moraes, para consultar a camara se admitte á discussão uma e outro.

Leram-se na mesa a proposta e o additamento, e seguidamente foram admittidos á discussão.

O sr. Lopes Branco: — Depois da declaração que fez hontem o sr. deputado, o sr. Quaresma, no fim das considerações que apresentou á camara, dizendo que elle por si abandonava esta discussão, e não se oppunha mais ao projecto, entregando á camara a decisão d'este negocio; restava-me agradecer ao nobre deputado a maneira como d'este modo concluíra as suas considerações, porque parecêra que s. ex.ª tinha vindo a idéas mais generosas ácerca do requerimento que se tinha feito á camara, o qual, quando o apresentei, eu julgava na verdade que não soffreria discussão, attendendo aos precedentes que tinha visto, pois que alguns projectos se haviam discutido aqui na primeira parte da ordem do dia, sem duvida menos urgentes do que este, comquanto as suas disposições fossem muito importantes; entretanto que d'este projecto tenho eu dito que está dependente ficar ou não ficar cultivado o campo de Maiorca. O nobre deputado, porém, entrou em considerações, antes da sua ultima declaração, as quaes me parece que não podem ficar sem alguma resposta, pelo receio em que devo estar d'ellas terem produzido alguma impressão na camara.

Repito hoje, sr. presidente, o que hontem disse; aqui não se trata de obras, ás quaes provesse a lei de 12 de agosto de 1856, de que se trata é apenas de pequenas obras e pequenos reparos, sem os quaes o campo de Maiorca não póde cultivar-se desde o momento em que se apresente a necessidade de umas ou de outras.

As obras a que proveu a lei de 12 de agosto de 1856 são obras em ponto grande, cuja necessidade está sempre conhecida, emquanto que as obras de que trata este projecto não se conhece nem se sabe a necessidade d'ellas senão depois de terem abaixado as inundações do Mondego, e as terras que ellas cobriram ficarem descobertas para então se poderem conhecer os estragos que as inundações causaram.

Já se vê por isto que não é possivel estarem estas obras dependentes da junta administrativa dos campos do Mondego, porque isso seria o mesmo que não se fazerem taes obras nem taes reparos, para os quaes é necessario nomearem-se todos os annos peritos que vão examinar o logar onde póde haver necessidade d'esses reparos; e com a resolução da auctoridade, a quem cumpre o conhecimento d'estes objectos, é que se determina que se façam. E o que eu acabo de dizer é o que se convence pela propria lei de 12 de agosto de 1856 que tenho diante de mim, a qual diz no artigo 1.° (leu).

Diz mais no artigo 2.° (leu).

Seguem-se os outros artigos que tratam de estabelecer o modo como deve ser formada a associação dos proprietarios representada pela junta administrativa dos campos de Coimbra.

E, sr. presidente, em virtude d'estas obras e destes melhoramentos, que se pretende que continuem por effeito das disposições do projecto que tive a honra de apresentar, que o campo de Maiorca se acha em taes condições, que nem uma aguilhada de terra ha nelle por aproveitar, e ha certamente camaras municipaes ou proprietarios que têem inveja do regimen, pelo qual tem sido regulada a administração d'aquelle campo, que vem a ser o dessa postura especial, cuja execução se trata de restabelecer pelo projecto que a illustre commissão de administração adoptou, á qual é que é devido o estado prospero em que este campo se tem conservado até agora.

Disse eu hontem, sr. presidente, que era certamente ser eu auctor do projecto a causa de fazer levantar esta opposição ao requerimento que eu tinha apresentado, pedindo que elle fosse immediatamente discutido. O nobre deputado, o sr. Quaresma, parece offender-se com estas palavras, mas não tinha certamente rasão para isso, porque aqui não se trata nem de odios nem de affeições que o illustre deputado quiz suppor que eu lhe attribuia nas idéas que lhe expressei; aqui o que ha, sr. presidente, é a suspeição politica que affecta todos os membros d'esta camara, quando apresentam qualquer medida, embora seja da maior utilidade publica, se elles não têem a fortuna de pertencerem á maioria e de merecerem d'ella o elogio e a approvação d'essa medida, por mais que ella vá fazer um grande beneficio, como acontece no caso presente, pois que d'este projecto depende essencialmente a cultura do campo de Maiorca.

Mas eu vou mostrar á camara que tenho mesmo uma ra-