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SESSÃO DE 17 DE JULHO DE 1869
Presidencia do ex.mo sr. Dioqo Antonio Palmeiro Pinto
Secretarios - os srs.
José Gabriel Holbeche
Cazimiro Ribeiro da Silva
Chamada - 67 srs. deputados. Presentes á abertura da sessão - os srs. Agostinho de Ornellas, Braamcamp, A. A. Carneiro, Pereira de Miranda, Villaça, Falcão de Mendonça, Veiga Barreira, Guerreiro Junior, A. J. Pinto de Magalhães, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Montenegro, Saraiva de Carvalho, Barão da Ribeira de Pena, B. F. da Costa, C. de Seixas, Carlos Bento, Ribeiro da Silva, Conde de Thomar (Antonio), C. J. Freire, Palmeiro Pinto, Diogo de Macedo, Fernando de Mello, F. J. Vieira, F. F. de Mello, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Francisco Costa, Pinto Bessa, Quintino de Macedo, Noronha e Menezes, Gil, Vidigal, Baima de Bastos, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Cortez, Alves Matheus, Matos Correia, Nogueira Soares, J. Pinto de Magalhães, Gusmão, Teixeira Cardoso, J. A. Maia, Ferreira Galvão, Correia de Barros, Bandeira de Mello, Infante Passanha, Mello e Faro, Firmo Monteiro, Holbeche, Lemos e Napoles, Vieira de Sá Junior, J. M. Lobo d'Avila, José de Moraes, Nogueira, Silveira e Sousa, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Affonseca, M. A. de Seixas, Fernandes Coelho, Penha Fortuna, Matinas de Carvalho, Thomás Lobo.
Entraram durante a sessão - os srs. Adriano Pequito, Costa Simões, Ferreira de Mello, Sá Nogueira, Sá Brandão, Silva e Cunha, A. J. de Seixas, Fontes, Sousa de Menezes, Barão da Trovisqueira, Belchior Garcez, Abranches, Francisco Beirão, H. de Barros Gomes, H. de Macedo, Corvo, Mártens Ferrão, Aragão Mascarenhas, J. Thomás Lobo d'Avila, Sette, José Luciano, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Paes Villas Boas, Calheiros, Visconde dos Olivaes.
Não compareceram - os srs. Antonio Pequito, F. L. Gomes, Dias Ferreira, Queiroz, J. M. dos Santos, Levy, L. A. Pimentel, Espergueira, M. R. Valladas, R. V. Rodrigues, Visconde de Bruges, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes.
Abertura - A uma hora da tarde.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
A QUEM UM DEU DESTINO PELA MESA
Representações
1.ª Dos cidadãos empregados na extincta repartição de pesos e medidas, pedindo para serem collocados nas differentes repartições dependentes do ministerio das obras publicas.
2.ª De cidadãos fabricantes de farinha, negociantes de trigo e lavradores da cidade do Porto, pedindo a elevação dos direitos nas farinhas estrangeiras.
ás commissões respectivas.
Requerimento
De Augusto Rosado de Oliveira Leitão, ex-primeiro sargento de caçadores n.º l, pedindo a reintegração no serviço do posto que occupava.
O sr. José de Moraes: - Uso da palavra para pedir a v. exa. que marque dia para eu verificar a interpellação que em 3 de junho d'este anno annunciei ao sr. ministro da fazenda, tendo s. exa. dito que lhe não pertencia, mas sim ao sr. ministro das obras publicas, o qual já aqui declarou que se achava habilitado para responder.
Desejo verificar esta interpellação antes que se feche a camara, porque é urgente, pois versa sobre o tributo que se paga na cidade do Porto para a bolsa. Esta questão precisa ser resolvida, para que não continue no estado em que se acha.
Eu tenho instado, e hei de instar, para que se verifique esta interpellação, esperando que o sr. ministro das obras publicas sustente o que já disse, e não venha agora aqui dizer que não lhe cabe responder, mas ao sr. ministro da justiça, ou ao sr. ministro da marinha. Se assim acontecer, hei de annunciar uma interpellação a todo o governo, para tratar d'esta questão.
O sr. Aguilar: - Mando para a mesa um requerimento de Antonio José Gonçalves, que pede para ser reformado no posto de alferes.
O sr. Nogueira Soares: - Na qualidade de relator do projecto de lei do sr. Alves Carneiro, sobre isenção de registo das servidões de predios rusticos, mando para a mesa o parecer da maioria da commissão de legislação, que termina pelo seguinte projecto de lei (leu).
O projecto vae assignado pela maioria da commissão, porque a minoria resolveu apresentar outro parecer em separado.
Mando o parecer para a mesa, e peço a v. exa. que se digne manda-lo imprimir, e depois distribuir pelos srs. deputados.
O sr. Assis Pereira de Mello: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Estarreja, pedindo a approvação do projecto de lei do sr. Alves Carneiro, sobre o registo das servidões.
O sr. Saraiva de Carvalho: - Mando para a mesa uma representação da real associação de agricultura portugueza, additando a representação da classe commercial; e um requerimento do capitão de engenheiros José Joaquim Namorado, em que pede se lhe repare a injustiça que diz ter-lhe sido feita na sua carreira militar.
O sr. Carlos Bento: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de me inscrever, para tomar parte na interpellação que está annunciada com relação ás pautas das alfandegas.
Eu, sr. presidente, entendo que este assumpto é muito importante; e supponho que, qualquer que seja a posição que nós occuparmos n'esta casa, o nosso primeiro dever, nas circunstancias em que nos achâmos, é não só promover que a receita publica se possa augmentar em bases, que não comprometiam o desenvolvimento das producções nacionaes, mas ao mesmo tempo vigiar escrupulosamente para que não seja atacada a receita existente (apoiados). Eu entendo que nós não devemos estar imaginando qualquer tentativa economica, que por circumstancias extraordinarias tem logar em paizes estrangeiros, para determinarmos desde logo o nosso procedimento, destruindo rendimentos importantes no nosso paiz.
A questão das pautas é muito importante, e eu supponho que, tenha ou não tenha logar esta interpellação dentro em pouco tempo, é conveniente que desde já manifestemos as nossas idéas a similhante respeito; e supponho tambem que a nossa pauta não é uma d'aquellas que existem fundadas em princípios tão absurdos, que não tenha constituído um bom rendimento para o estado, porque comparando o nosso rendimento com o de outras nações no mesmo ramo de pautas, a diferença é inteiramente a nosso favor; e nós não podemos prescindir de alguns recursos que tiramos das alfandegas sem compromettermos outros rendimentos, quer dizer, sem sermos obrigados a fazer recair sobre os contribuintes um peso que, a dizer a verdade, não era muito justificavel quando quizessemos libertar certos generos de alfandega, que pagam actualmente direitos, que não mostram
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ser muito exagerados pela receita satisfactoria que produzem para o paiz como, por exemplo, o rendimento do tabaco.
Não me comprometto desde já a declarar se a proposta para o augmento do imposto do tabaco se póde adoptar sem serio exame.
Esta proposta é já de dois ministros da fazenda. E do actual e do seu antecessor, e eu não supponho ser muito conveniente ir diminuir os direitos do tabaco.
A Inglaterra ha sessenta annos que conserva um direito sobre o tabaco muito superior ao nosso, apesar de ser uma nação que nunca recua diante da adopção da pratica da liberdade do commercio. E nós devemos afastar este ponto da questão da liberdade do commercio, porque hoje o direito sobre o tabaco não é um direito protector. A Inglaterra não produz tabaco, e nós só o ternos nas nossas ilhas.
Ora, um dos defeitos da nossa pauta é de certo a proporção em que estão os direitos que pagam alguns generos coro o valor d'esses generos.
É sabido que as qualidades mais ordinarias do panno são as que estão sujeitas a direitos mais pesados. E isto não se dá só com os pannos com a louça acontece outro tanto.
Ora, n'estes pontos não necessarias modificações; mas em geral não sou partidario de uma reforma completa das nossas pautas, porque ordinariamente produz certas perturbações commerciaes, e apesar do governo já ter pedido auctorisação para as reformar, entendo que o parlamento tão póde delegar essas attribuições, porque tem grandes inconvenientes uma auctorisação para a modificação de direitos pautaes. Pela minha parte declaro que não me inclino a essa auctorisação e peço a v. exa. que me inscreva sobre esta questão importante, que talvez tenha de acabar pela nomeação de uma commissão de inquerito que tenha de estudar este assumpto.
O sr. Andrade Corvo: - O illustre deputado fez algumas reflexões sobre um assumpto, a respeito do qual tive a honra de mandar para a meta uma nota de interpellação assignada por mais alguns nossos collegas, a fim de termos uma conversação com o sr. ministro da fazenda, que parece conveniente ser agora, porque a rasão principal da interpellação é uma lei que foi promulgada em Hespanha, marcando o limite maximo de 30 por cento no valor das mercadorias, a estabelecendo uma escala decrescente dentro de dez annos com o limite mínimo de 10 por cento.
Se compararmos com o que existe nas nossas pautas, vê se que a differença é de tal maneira consideravel que na posição especial em que nos achâmos com relação a outros paizes, ainda é a nosso favor.
Não podemos deixar de estudar este assumpto com muita attenção.
V. exa. tem visto muitas vezes que me inscrevo na escola, que em relação aos direitos aduaneiros toma por base a maxima liberdade.
Entendo que n'esta questão, como em todas as outras, é de extremo melindre tomar qualquer resolução que altere profundamente uma base do rendimento publico, sem preceder essa alteração de um longo, aturado e profundo estudo (apoiados); entretanto é preciso que esse estudo não Be alongue de tal maneira, que os exultados que podem vir das alterações que foram feitas na Hespanha venham a prejudicar para o futuro os rendimentos publicos (apoiados).
Parece-me opportuno que, em vez de tomarmos para base da discussão a proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da fazenda, que foi presente á camara e enviada á commissão de fazenda, proposta que foi elaborada antes d'esta alteração que teve logar em Hespanha, o que explica a rasão porque s. exa. a apresentou; digo que antes de discutir esta proposta, seria conveniente precede la de um estudo especial d'esta casa por meio de uma commissão de inquerito parlamentar, porque para a resolução de qualquer questão é sempre conveniente obter todas as informações possíveis, e entendo serem necessarias para se poder acertar; e a respeito d'este objecte tenho satisfação em chamar a attenção do sr. ministro e da camara para um livro ultimamente publicado por um cavalheiro da Villa do Conde, que não tenho a honra de conhecer, que é incontestavelmente um dos estudos mais serios que na escola liberal aduaneira se tem escripto no nosso paiz (apoiados).
Trago este livro para o sr. ministro ver, porque na realidade está muito bem escripto, e é publicado ha pouco tempo. E seu auctor o sr. Delphim de Almeida.
Repito, não conheço o auctor d'este livro, mas vejo que se accupou seriamente d'este assumpto Capotados).
É necessario ter conhecimento de grande numero de dados estatísticos, em relação a cada um dos principaes objectos que estabelecem a base do nosso commercio, para apresentar considerações taes como as que se acham escriptas n'este livro, nascidas todas de um estudo aturado e conducentes á resolução d'este objecto (apoiados).
O fim pelo qual mandei para a mesa a minha interpellação, ou antes a minha nota de conversação, foi para chamar a attenção do sr. ministro da fazenda.
Desejo ouvir s. exa., resumindo a minha nota ao seguinte: "que antes de se discutir a proposta de lei que o sr. ministro da fazenda apresentou em consequencia da alteração que soffreram as pontas com a nítida lei promulgada em Hespanha, seja esta precedida de um estudo especial em relação ás nossas mercadorias".
Se o sr. ministro concordar, e a camara julgar conveniente o que acabo de dizer, nomear se ha uma commissão do inquerito, ou lançar-se ha mão de outro meio qualquer, pelo qual, se conheça a verdade, a fim de se resolver esta questão. E isto o que desejo que se faça.
O sr. Presidente: - Visto que o sr. ministro da fazenda se acha presente, se se prestar a dar explicações sobre este objecto, e os srs. deputados julgam conveniente que eu dê a palavra aos senhores que a pedirem sobre a questão, abro a discussão, e fica desde já a interpellação verificada.
A camara resolveu afirmativamente,
sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - O assumpto para que o sr. deputado Andrade Corvo chamou a attenção da camara e do governo é realmente grave.
Quando apresentei uma proposta tendente a alterar os impostos aduaneiros em alguns artigos, ainda então não se sabia quaes seriam as resoluções que o governo hespanhol e as curtes soberanas tomariam sobre este assumpto.
A proposta, que tive a honra de apresentar, foi baseada em estudos serios e meditados por parte de uma commissão que se nomeou para esse fim; de maneira que esse trabalho não fui apresentado sem uma base muito meditada, a fim de que saísse o menos imperfeito possível.
Alem d'isto sobre este negocio de pautas foram apresentadas ao governo representações de diferentes industrias, que foram attendidas por aquella commissão e pelo governo na elaboração d'esta proposta.
Já na administração passada, que foi presidida pelo sr. conde d'Avila e de que era ministro da fazenda o sr. José Dias Ferreira, este negocio foi tratado com toda a attenção, e de que resultou apresentar-se uma proposta, que pouco differe da que eu tive a honra de apresentar á camara.
Tive em vista na organisação d'esta proposta duas cousas: uma proteger os direitos do fisco, e outra acabar com certas desigualdades que ha nas pautas, e alem d'isso não prejudicar as diferentes industrias.
Desde que a nação vizinha está ligada á nossa por uma tão longa raia, que é accessivel em todos os pontos, póde-se assim dizer, e que ahi se faz uma reforma profunda nas pautas, este negocio merece uma dupla consideração da parte do governo e do parlamento.
A proposta de lei do governo hespanhol apenas apresenta as bases para uma reforma, e não apresenta a reforma completa; tem a data de l de junho d'este anno e vem acompanhada
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de outras medidas financeiras adoptados por aquelle governo, que estão ainda para ser desenvolvidas quando se resolver a questão das pautas.
Espero ver esse trabalho completo e desenvolvido, a fim de formar a minha opinião sobre este assumpto.
Entendo porém que se a camara quer occupar-se desde já d'este assumpto e nomear uma commissão sua para estudar tão grave questão, ou por meio de uma commissão de inquerito, ou por uma das commissões já existentes, ou por outro qualquer meio parlamentar de que a camara póde dispor, esta resolução não póde tender a outra cousa mais do que a habilitar o parlamento e o governo para que se resolva este assumpto da melhor maneira.
Effectivamente desde que estamos ligados tão de perto a Hespanha, e que não estamos isolados como a Inglaterra, a que se referiu o sr. Carlos Bento, esta questão é muito mais grave do que seria se porventura estivessemos completamente isolados, porque então as nossas fronteiras estavam delimitadas completamente, o que não succede com a fórma geographica do nosso paiz.
E sobre esta questão ha muito tempo que tenho opiniões fixas; datam de 1852 quando pela primeira vez se tratou da camara a questão dos caminhos de ferro, ligando, por esta fórma de viação, mais estreitamente os doía paizes. Eu entendi sempre que desde que a ligação entre os dois paizes fosse mais estreita por meio da viação accelerada, necessariamente esse facto devia ter uma influencia economica importante nas duas nações, que não podiam deixar de andar pouco mais ou menos a par uma da outra. Portanto a minha opinião a esse respeito consiste em que, ou nós devemos regularizar pouco mais ou menos as nossas pautas de um modo tal que o contrabando estrangeiro não venha completamente prejudicar a receita que auferimos d'esta fonte, ou então havemos de fazer uma convenção com o paiz vizinho.
Este negocio tem occupado a attenção do governo desde que elle tomou o caracter com que actualmente se apresenta em Hespanha, e não tendo sido possível ainda dar pauso algum definitivo a este respeito na presença das variedades que por ora apresenta a política n'aquelle paiz, e menino a política financeira, é certo que este assumpto, logo que a'elle se fixem as ditas completamente, tem de ser tratado debaixo de uma base diferente d'aquella que agora se apresenta, isto é, isoladamente.
Fazer desde já uma reforma completa de pautas, prejudicando o importante rendimento fiscal que d'ahi vem ao governo, parece me que seria inconveniente. Devemos andar muito cautelosos n'este assumpto, e parece me que a nomeação da commissão síria de certo uma das medidas mais importantes que esta camara podia adoptar, e que nos habilitaria a, na actual sessão legislativa ou na futura, resolver este negocio definitivamente (apoiados).
O sr. Pereira de Miranda: - Pouco tenho a acrescentar depois do que disse o meu illustre collega o sr. Andrade Corvo. O que me parecia era que se devia esperar uma resposta mais positiva da parte do illustre ministro da fazenda, porque, comquanto a auctorisação que foi dada ao governo hespanhol para a reforma das pautas e que consta da lei que aqui tenho presente, não seja um acto por tal modo determinado, que por elle nos possamos desde já guiar, todavia é já bastante para se ver que ha de ter decidida influencia sobre as nossas pautas.
Agora o que acho inconveniente e que se façam reformas parciaes de pautas.
O trabalho que está submettido ao exame da commissão de fazenda foi de certo, como disse o sr. ministro da fazenda, muito estudado, mas eu não concordo com elle em muitas partes. Por exemplo: um principio que eu desejava ver desapparecer das nossas pautas, vejo o apparecer novamente n'aquelle trabalho com grande força; refiro-me á substituição dos direitos fixos pelos direitos ad valorem.
Tambem vejo n'aquelle trabalho grande tendencia para o augmento de direitos, cuja inconveniencia ninguem demonstrou melhor do que o sr. ministro da fazenda quando tez ver os perigos da raia a respeito de fiscalisação. Por isso achava conveniente que o nobre ministro dissesse se, entendendo que á vista da auctorisação que tem o governo hespanhol ha necessidade de estudar este assumpto, não achava mais conveniente que não se fizesse qualquer reforma parcial de pautas até que uma commissão de inquerito parlamentar dissesse até onde devia chegar uma alteração completa na pauta, para não estarmos a fazer uma reforma de pautas cada anno.
Desejava ouvir o sr. ministro da fazenda sobre se não achava muito mais conveniente parar por emquanto no estudo d'aquella parte de reforma, que está affecta á commissão de fazenda.
O sr. Andrade Corvo (sobre a ordem): - A moção que tenho a mandar para a mesa é a seguinte (leu).
Para justificar esta proposta bastam-me as poucas palavras que se têem já trocado sobre o assumpto, e mesmo as expressões de que se serviu o sr. ministro da fazenda. E incontestavel que nós precisamos estudar esta questão (apoiados) e supponho que ente estudo é tanto mais necessario quanto me parece que nós devemos n'este ponto, como em todos os outros, conservar plena e inteiramente a nossa independencia (apoiados), salvo o estudo a que, debaixo do ponto de vista economico interno do paiz, convem attender.
O sr. ministro da fazenda observou, com rasão de certo, a posição do nosso paiz, e o contacto com o paiz vizinho, e pareceu-lhe que seria talvez conveniente pensar em alguma cousa que possa ligar-nos n'este ponto, imitando, supponho, o que se faz em outras partes da Europa com prazos limitrophes. Declaro que, por enquanto, me parece inopportuna esta idéa (apoiados). Escuso de adduzir rasões, porque estas mesmas se acham nas palavras com que o sr. ministro da fazenda julgou dever esclarecer a camara. As idéas a este respeito do vizinho reino não estão fixadas, e os estudos no nosso ainda não estão feitos. Ê conveniente, por consequencia, conservar uns e outros nos limites do territorio Estudar a questão em relação cada um aos seus interesses, e procurarmos por esta maneira evitar, em primeiro logar, uma alteração inopportuna das pautas (apoiados), em segundo logar, os inconvenientes que podiam d'ahi resultar em relação ao thesouro publico (apoiados); e, ao menino tempo, evitar ligar-nos com quem, por emquanto, póde concordar, ou não concordar, com as nossas idéas, porque nós podíamos ter tornado um caminho político e uma marcha economica, porque esta questão é política e economica (apoiados) n'um certo sentido, e o reino vizinho em sentido opposto; emfim, no sentido dos diversos interesses de cada paiz.
Portanto, parece-me que a unica solução opportuna n'este momento é adiar a questão, mas adia-la para a estudar (apoiados). E como o sr. ministro da fazenda não tem repugnancia alguma em aceitar a idéa de que seja o parlamento que escolha d'entre si uma commissão para esse estudo, e eu congratulo-me com s. exa. e com o parlamento por este facto, porque não quero fazer d'isto questão política (apoiados); digo, como s. exa., aceito a idéa; eu mando desafogadamente para a mesa a minha proposta.
Quanto ao numero de membros de que a commissão deve ser composta, a camara resolverá.
Leu se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a camara eleja uma commissão de inquerito, para estudar as modificações que convem introduzir nas pautas. - Corvo.
Admittida.
O sr. Presidente: - Foi admittida á discussão a proposta do sr. Corvo, varios srs. deputados pediram agora a palavra e estão inscriptos; mas creio que a camara quererá que,
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na concessão da palavra, vá seguindo a ordem da inscripção anteriormente feita (apoiados). N'esse caso tem a palavra o sr. Braamcamp.
O sr. Braamcamp: - Poucas palavras tenho a acrescentar ás que foram proferidas pelo primeiro auctor d'esta conversação. Eu entendo que, depois das declarações feitas pelo sr. ministro da fazenda, e depois dos esclarecimentos que s. exa. nos deu, tanto s. exa. como mesmo a maioria da camara estão dispostos a aceitar a nomeação de uma commissão que estude este assumpto, e parece-me que mais considerações não é necessario apresentar n'este momento.
A commissão compete estudar a questão; estudar todas as diversas questões que se ligam com ella e que são de bastante importancia; attender não só aos rendimentos do estado, mas attender tambem aos interesses da nossa industria; procurar de alguma fórma conciliar uma e outra cousa, e sobre o trabalho que essa commissão apresentar é que deve versar a discussão. Por isso limito-me por emquanto tão sómente a apoiar a idéa, aceita pelo sr. ministro e apresentada pelo sr. Andrade Corvo, para a nomeação de uma commissão, e reservo-me para tratar mais largamente esta questão quando ella vier ao parlamento, porque me parece que as considerações que apresentasse não fariam senão tornar longa esta discussão, quando effectivamente estamos todos de accordo no seu ponto principal.
O sr. Ferreira de Mello: - Desde que o nobre ministro da fazenda concorda na nomeação da commissão para estudar esta materia, eu julgo desnecessario fazer observação alguma.
O sr. Carlos Bento: - Eu proporia que a commissão de inquerito se compozesse de cinco membros. É uma moção de ordem, que peço a v. exa. tenha a bondade de tomar em consideração, porque a proposta do illustre deputado, o sr. Andrade Corvo, não mencionou o numero dos membros que haviam de compor a commissão.
Eu estou inteiramente de accordo com o sr. Andrade Corvo, em que é pelo menos inopportuno tratar esta questão relativamente ao que sobre a mesma materia se está passando no paiz vizinho. Nós não temos a tratar esta questão senão debaixo do ponto de vista economico e financeiro; mas para a tratarmos assim, devemos conservar toda a nossa liberdade de acção, porque entendo, e é doutrina adoptada e sustentada geralmente, que as relações internacionaes devem ser attendidas independentemente das modificações pautaes (apoiados).
Eu quero que nós prestemos á nação vizinha todos os bons serviços proprios de nações amigas, e podemos presta-los com vantagem nossa offerendo, por exemplo, todas as facilidades ao commercio de transito entre as duas nações, commercio de que tambem muitas províncias de Hespanha tiram uma vantagem importantíssima, pela proximidade em que estão de nós; mas supponho que as condições em que foi collocada a pauta em Hespanha, não são um motivo para que immediatamente modifiquemos a nossa pauta; a prova é que em Hespanha differentes juntas revolucionarias modificaram consideravelmente as pautas em relação a muitos artigos, e houve outro poder que ainda as modificou mais, que foi o contrabando, e n'essas circumstancias extraordinarias parecia que Portugal veria compromettido o rendimento das suas alfandegas, e comtudo não aconteceu assim, porque effectivamente, apesar da raia ser extensa, a circumstancia dos generos serem sobrecarregados com os transportes faz com que elles não possam concorrer com os outros. E n'este ponto não ha fiscalisação possível.
Nós devemos receiar da introducção do contrabando pelos portos marítimos, que é por onde elle nos tem ameaçado mais.
Estou de accordo com o illustre deputado, em que as alfandegas podem manter um rendimento muito maior sem se augmentarem os direitos, e se a producção do paiz for regular e se se conservarem todas as outras circumstancias, podem os illustres deputados ter a certeza de que o rendimento das alfandegas ha de augmentar.
Entre nós tem havido uma ciicumstancia desfavoravel para o nosso commercio e industria, e tem sido a guerra infeliz da outra parte do globo.
Essa guerra tem feito alguns prejuízos á nossa industria.
Nós já outro dia augmentámos a contribuição industrial em larga escala em attenção ás necessidades e circumstancias do paiz, e é por isso que entendo dever haver muito cuidado na adopção de qualquer medida que affecte a industria, porque estou certo que aquella classe havia de receber com mais repugnancia um encargo que as circunstancias do paiz obriguem a camara a aceitar.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a commissão seja composta de cinco membros. - Carlos Bento da Silva.
Admittida.
O sr. Ministro da Fazenda: - Estou de accordo em que se nomeie a commissão proposta pelo sr. Corvo, e parece me que a camara deveria, sem por fórma alguma me intrometter nas suas attribuições, auctorisar aquella commissão a funccionar no intervallo da sessão legislativa, porque esta questão, sendo gravíssima como é, precisando de largos inqueritos e estudos, não póde a commissão preparar o seu trabalho a tempo de se discutir na actual sessão legislativa.
Por isso, apesar de não ter a honra de ser membro da camara, indicaria a v. exa. que esta commissão fosse auctorisada a funccionar no intervallo das sessões legislativas.
Ora, já se vê que a camara, tomando conta d'esta questão, procurando elucidar-se tanto quanto possível, e observar a marcha dos acontecimentos do reino vizinho, a influencia que a transformação economica que ali se está fazendo possa ter na nossa industria e nos nossos direitos fiscaes, póde necessariamente habilitar-se para dentro do praso que vae d'aqui até á abertura da sessão legislativa dar um parecer consciencioso á camara.
Entendo que a illustre commissão, ouvindo o governo e as estações competentes, porque nós temos, como v. exa. sabe, o conselho geral das alfandegas, que é composto de pessoas competentissimas que têem estudado esta questão largamente, estará assim habilitada a resolver completamente esta questão na proxima sessão legislativa, ou seja pela fórma que eu indiquei de nós tratarmos d'este assumpto, de modo que não sejamos prejudicados nos interesses do fisco pela reforma que se está fazendo no outro paiz, ou seja pelos tratados aduaneiros, que não devem ser encarados por fórma alguma como uma questão que offenda a nossa independencia, mas unicamente como uma questão fiscal e economica que interessa a ambos os paizes, porque ambos os paizes estão igualmente interessados na resolução d'esta questão (apoiado).
Por isso limito-me unicamente a approvar que se nomeie a commissão de inquerito, mas desejaria que ella tivesse os poderes que acabo de indicar; e por conseguinte pedia a v. exa. que, quando submettesse a proposta á votação da camara, indicasse logo essas especialidades com que desejo que a commissão fique revestida (apoiados).
O sr. Presidente:- - A proposta será submettida á votação no sentido das indicações que v. exa. acaba de manifestar á camara.
O sr. Matinas de Carvalho: - Á vista da annuencia do sr. ministro á proposta do sr. Corvo, e das differentes considerações que a proposito d'esta questão se têem apresentado, e com as quaes concordo, abstenho-me de usar da palavra.
O sr. Veiga Barreira: - Estou de accordo com as idéas que se têem apresentado, tanto por uma como por outra parte, e por conseguinte prescindo da palavra.
O sr. Saraiva de Carvalho: - Pedi a palavra por parte
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da commissão de fazenda sobre o assumpto em discussão.
Á commissão de fazenda foi distribuída a proposta do sr. ministro da fazenda, que diz respeito ás pautas, e sem detença tratou de estudar detida e departidamente todo o conteúdo d'ella.
A commissão encontrou muitas disposições altamente admissiveis e do maior proveito e vantagem para n causa publica; poderei de prompto citar um ou outro exemplo que tenho de memoria.
A reducção, por exemplo, nos direitos do acido stearico e da maior conveniencia, porque o acido stearico é a materia prima das vélas de stearina, e não era justo que pagasse tanto a materia prima como o producto depois de fabricado. É uma regra inconcutivel e completamente aceita em assumptos aduaneiros, que as materias primas devem ser pagas é mais barato possível, para que as industrias se possam radicar, vigorar e desenvolver (apoiados).
Poderia citar outro exemplo em relação aos direitos dos algodões crus até onze fios e de doze fios para cima. A sua reducção a um só typo, como se encontra n'este projecto, era do maior alcance e vantagem, porque d'este modo acabava-se completamente com os sophismas e fraudes que se succedem quotidianamente, fazendo-se com que o millimetro quadrado tenha mais ou menos fios só pelo facto de se repuxar a fazenda, ou de se lhe pôr a mão em cima.
A commissão, encontrando igualmente questões da maior gravidade e transcendencia, que careciam de largo debate e escrupuloso estudo, como era a questão de cereaes em que se manifestavam em certa incompatibilidade os interesses do consumidor com os interesses da industria da moagem, e talvez da industria cerealífera do nosso paiz, pensou que era preciso attender muito a uns e outros interesses, revendo a nossa legislação com severa diligencia. A lei da mortalidade aggrava se quando os productos saem por um preço mais caro, aggrava se a ponto de quotidiamento se ter de pagar um grosso tributo de vidas, - cousa grave, e que não se deverá descurar, do mesmo modo que não convem descurar os interesses das duas industrias - cerealífera e de moagem.
Os tabacos tambem mereceram á commissão a maior solicitude; e do mesmo modo os assucares, os direitos ad valarem, algumas materias primas e finalmente o arroz.
O arroz descascado, com grave prejuízo do fisco, é apresentado no projecto com uma differença de direitos para o arroz era casca que, envolvendo um augmento de protecção para a industria de descascar o arroz, traz uma diminuição de reddito para o fisco, que não estava certamente na mente do sr. ministro quando elaborou a proposta de lei.
Mas a commissão, tendo feito o exame da proposta de lei, e tendo achado optimas disposições a par de outras talvez mais que duvidosas, como é, por exemplo, a da media indicada para os algodões brancos, entendeu, quando no reino vizinho as bases da reforma das pautas das alfandegas foram publicadas, que devia sustar os trabalhos que tinha quasi concluídos, porque aquelle facto vinha revolve-los profundamente, e exigir uma reforma da reforma proposta pelo sr. ministro, e de tudo quanto estava na mente da commissão acrescentar, emendar, desenvolver e supprimir.
N'este sentimento entendeu a commissão que devia sobre-estar nos seus trabalhos, adiar a discussão do assumpto, para o tratar em monção mais opportuna em harmonia com o que se passasse no reino vizinho, evitando o mais possível essa extravasação illegal e fraudulenta de productos de um para outro reino, que estão aparados por uma longa raia aberta, e attender assim aos interesses em expectativa, aos direitos creados, e as necessidades do thesouro fundamente abalado com aquella reforma aduaneira.
Attendendo ás indicações feitas n'esta casa, tanto por parte de alguns srs. deputados, como por parte do pr. ministro a fim de se nomear uma commissão de inquerito, como base de estudo mais detido e circumstanciado sobre este assumpto, está persuadida a com missão de fazenda que será mui fecunda e profícua essa instancias, e n'este sentido junta as suas instancias á indicação do sr. ministro.
Estas questões são gravíssimas, e estão acima de todas as questões políticas, como reitoras e modificadoras que são da nossa fazenda e existencia.
E talvez fosse possível aceitar a indicação feita pelo sr. ministro da fazenda de uma liga aduaneira, de uma confederação de alfandegas, senão houvesse outra maneira de obviar a uma diminuição de muitas centenas de contos na nossa receita annunal. E para ventilar este e outros problemas de igual magnitude que a commissão de inquerito deve ser eleita, e que nós a pedimos a esta camara.
Tenho dito.
O sr. Santos e Silva: - Depois de quasi uma dúzia de illustres deputados ter fallado sobre esta materia, e outra duzia haver cedido da palavra, por não julgar necessario esclarecer mais o assumpto, já v. exa. vê, sr. presidente, que não posso ter grandes desejos de me entreter com esta discussão, e que pouco tenho que dizer. Uma vez porém que me chegou a palavra, permitta-me v. exa. que eu faça algumas observações ácerca das pautas das nossas alfandegas.
Tambem pertenço á escola liberal na questão do pautas e de direitos de importação. Mas se ha materia era que é necessario ser prudente e cauteloso na applicação dos princípios da escola liberal, é esta das pautas, porque a sua receita representa para o thesouro a principal parte dos seus rendimentos.
Nós só das tres principaes alfandegas do reino, duas em Lisboa e uma no Porto, tirâmos um rendimento proximamente de 8.000:000 réis. Este rendimento infelizmente não tem crescido, como era de desejar, mas tambem não tem diminuído n'estes dois ultimos annos. Podemos dizer que tem estacionado, supposto que houvesse uma pequena differença para mais na receita do ultimo anno economico em relação á receita do anno anterior, differença comtudo muito pequena.
A dfferença para menos em relação ao que estava orçado é de 222:000$000 réis, numeros redondas, por mais. Por consequencia podemos dizer que o rendimento não tem diminuído, mas sim estacionado nos ultimos annos. Se a receita não tem correspondido ultimamente á verba orçada, é porque os ministros da fazenda partem sempre do principio de que certos consumos tendem a crescer. As apreciações são sensatas, mas os factos, ou antes circumstancias supervenientes, contrariara as. O rendimento real das nossas alfandegas infelizmente não tem correspondido á verba orçada.
Portanto é necessario que sejamos muito cautelosos n'esta materia de que se trata, porque podemos ir afectar o principal rendimento do estado. V. exa. sabe que dos 15.000:000$000 a 16.000.000$000 réis, em que importara as receitas do thesouro, entrando n'esta somma mil e tantos contos de rendimento dos proprios nacionaes e rendimentos diversos, 8.000:000$000 réis procedem dos impostos cobrados nas alfandegas.
O rendimento das alfandegas representa uma percentagem superior a 50 por cento, em relação á verba total dos impostos directos, indirectos, rendimento dos bens proprios e rendimentos diversos, quer dizer em relação á totalidade das nossas receitas.
V. exa. e a camara vêem pois quanto é preciso sermos circunspectos em questões de pautas, applicando com discrição os princípios da escola liberal, que eu adopto desde já em relação áquellas taxas cuja diminuição possa com probabilidade produzir augmento de consumo e de maior despacho, o que se traduz a final por augmento de receita e por maior commodidade dos povos (apoiados).
N'essa modificação dos direitos de importação estou eu já de accordo. Mas não basta proclamar o principio; é ne-
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cessario estudar a questão. E estas questões nem sempre são faceis de resolver (apoiados). Precisâmos não só conhecer o paiz em que vivemos, mas tambem aquelles com os quaes commerciamos (apoiados).
A questão das pautas de um paiz não é uma questão isolada (apoiados). É necessario fazer amiudadas confrontações, comparar uma nação com outras, pautas com pautas, commercio com commercio, etc., etc. Urge estudar com seriedade e considerar variadíssimas hypotheses. O estudo é pois extenso e a materia e muito complexa. Por isso digo eu que para tomarmos uma resolução definitiva sobre este assumpto não devemos andar de leve.
Estou portanto de accordo na nomneação da commissão de inquerito, e faço votos porque d'ella saiam grandes vantagens e felizes resultados para a causa publica. Mas desde já lembro á commissão que for nomeada a necessidade de fixar a sua attenção n'um ramo de serviço das alfandegas, que está mal organisado entre nós. Não accuso d'isto ministro algum em especial, nem os respectivos funccionarios
Não sei qual é a fatalidade que pesa sobre a fiscalisação externa das nossas alfandegas. É um facto que ha annos a esta parte nenhum dos ministros da fazenda se tem occupado seriamente da fiscalisação externa das nossas alfandegas, ou, se se tem occupado, infelizmente não tem podido resolver a questão. Será o negocio de si tão difficil que não possa ser resolvido senão no fim de muitos annos de trabalho e de meditação? Que fatalidade é esta que acompanha um ramo de serviço, de que depende a parte principal das nossas receitas publicas???
Nós temos uma raia secca aberta de perto de cento e cincoenta leguas antigas portuguesas; todos clamam que faz por dia muito contrabando; creio que têem fundamento as apprehensões, mas ninguem cura de remediar os males, melhorar o serviço, e de assegurar era vigorosas reformas as receitas do estado que nos vem das alfandegas.
Eu não me apresento aqui com pretensões do indicar quaes são os meios apropriados para melhorar a nossa fiscalisação externa, mas vivi alguns annos n'uma torra portugueza perto da raia hespanhola, e pude avaliar como se faz este serviço. Por melhores que pejam os desejou dos chefes das alfandegas, e hoje dos chefes fiscaes, é impossível com tão diminuto pessoal satisfazer m necessidades do serviço, guarnecer um longo trato de terreno, guardar avenidas, vigiar encruzilhadas, bater mato, fazer sondam, fiscalisar e surprehender no seu serviço os proprios empregados e fiscalisantes, etc., etc. Todos estes serviços precisam de mais a mais ser detalhados e regulados em instruções e regulamentos que não temos, porque a nossa legislação fiscal a tal respeito é insufficiente, ou para melhor dizer satisfaz apenas ao serviço que se podo exigir ao pessoal actual.
Temos modelos nos outros paizes, que necessitamos estudar para fazer a devida applicação. Não ha duvida, que a França é a primeira nação n'este ramo de administração, como era quasi todos. A primeira necessidade a satisfazer nas alfandegas da raia é de maior pessoal, bem escolhido e sufficientemente gratificado. O homem que serviu, sem nota, no exercito, e tem ainda vigor, e sabe ler regularmente, é o melhor guarda da alfandega, pelo menos é o que dá, a priori, melhores garantias.
Com um pessoal sufficiente devem estabelecer se na nossa raia as rondas ordinarias, extraordinarias, duplas, volantes, cruzadas; as rondas superiores, imprevistas e de surpreza; as inspecções inesperadas, a fiscalisação na fiscalisação, a inspecção na inspecção, e todos os variados processos, que usam os francezes nas suas raias belga e hespanhola.
Ha lá um serviço perfeitamente bem montado, e que dá ao governo todas as garantias de que se se faz contrabando é porque é humanamente impossível deixar de se fazer. Mas as previsões da administração chegam até onde podem chegar. As providencias vão até onde póde ir o genio da fiscalisacão. A luta de intelligencia, de subtileza, de estrategia, entre o contrabandista e o empregado fiscal, é lá energica e muito curiosa.
Eu peço á commissão de inquerito que será nomeada, por isso que ninguem se pronunciou contra ella; peço-lhe, digo, que fixe a sua attenção n'esta questão da fiscalisação externa, porque emquanto existirem barreiras entre Portugal e Hespanha, e não discuto agora a questão da liga das alfandegas, que terá um dia a sua opportunidade, emquanto tivermos interesses fiscaes differentes dos dos hespanhoes, emquanto tivermos cofres á parte e alfandegas á parte, emquanto tivermos necessidade d'essas barreiras, para assegurar o rendimento dos nossos impostos, é essencial occuparmo nos d'esta questão com muito cuidado e seria attenção (apoiados).
Ainda ha outro ponto para que entendo dever chamar a attenção da commissão que tiver de se nomear - é a questão dos direitos ad valorem.
Eu não sou em these opposto aos direitos ad valorem. Os direitos ad valorem representam, em principio, a igualdade proporcional do imposto aduaneiro. Quanto mais cara é a mercadoria, mais ella entra no domínio, goso e consumo exclusivo do rico, mais se afasta das posses do pobre, mais fortemente deve ser tributada. A questão toda é não haver caprichos e arbitrariedades na propria fixação dos direitos ad valorem; porque este imposto deve basear-se n'uma certa relação, que se deve ficar, ou limitar, entre o valor real da mercadoria e a percentagem tributaria, que deve ser satisfeita ao thesouro.
Mas quaes são os elementos que temos, entre nós, para chegar até ás tarifas desejaveis dos direitos ad valorem? Nenhuns. Eu não quero aqui fazer a menor insinuação nem a classes, nem a indivíduos; mas o que é facto é que o governo ou as alfandegas não têem outros meios, para fixar direitos ad valorem, senão as facturas quo lhes apresentam os interessados. Não duvido da sinceridade de ninguem, mas nenhum de nós ignora que, no nosso paiz, ainda está muito accesa a luta entre o contribuinte o fisco. O contribuinte é adversario do fisco, e não tem grandes escrupulo de se subtrair, se póde, ao pagamento do imposto.
A factura pois, só por si, não póde ser base para assentamento do imposto de importação.
Precisam-se outros elementos, e emquanto elles não apparecem, como existem nalguns paizes, recommendo á commissão que olhe com muita reflexão para esse assumpto.
Já se vê pois que não tendo nós elementos para estabelecer os direitos ad valorem, não posso morrer de amores por este systema.
Mas, sr. presidente, uma cousa notavel, que encontro na proposta do sr. ministro da fazenda sobre as nossas pautas, e, se me não engano, e se me não falha a memoria, porque li essa proposta ha muito tempo, a quantidade de direitos ad valorem, que lá existe. Em reformas de pautas, todos os governos pedem auctorisação para reduzir a direitos fixos os direitos ad valorem. O sr. conde de Samodães, pelo contrario, dá nos na sua proposta apenas sessenta o cinco artigos com direitos fixos, e noventa e um artigos com direitos ad valorem, os quaes noventa e um artigos podem chegar a perto de duzentos, se contarmos os não especificados que n'elles se contêem ou se encerram. Ainda o anno passado, o sr. Dias Ferreira, antecessor de s. ex.ª, podia, na sua proposta sobre pautas, auctorisação para a sobredita inversão de direitos. O sr. ministro da fazenda parece que ama os direitos ad valorem. Assim o mostra na sua reforma projectada.
Chamo pois a attenção da futura commissão para este assumpto, porque é um ponto importantíssimo e muito influo na receita das nossas alfandegas. Se não houver discrição na determinação, classificação e fixação de direito, a illustre commissão sem querer, e sem o saber, póde ir alimentar e fortificar as fraudes que nunca até hoje serviram para acrescentar os rendimentos do thesouro. Sobre este assumpto nada mais tenho a dizer.
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Se v. exa. me dá licença, visto estar com a palavra, e achar-se presente o sr. ministro da fazenda, farei uma pergunta a s. exa., se o nobre ministro se achar com disposição de espirito para poder satisfaze-la, e entender que não ha inconveniente em responder, peço lhe que seja franco e claro. Não costumo, não tenho por habito, fazer perguntas nem interpellações á queima roupa; não pretendo nunca devassar segredos dos srs. ministros; porque ás vezes ha necessidade de haver por algum tempo segredos, sem que elles possam ser interpretados de maneira offensiva para ninguem. Não desejo mesmo conhecer a direcção que levam certos negocios, dos quaes muitas vezes é util não dar conhecimento ao publico emquanto não estejam concluídos.
Não é pois a curiosidade insoffrida, que me leva à interrogar o nobre conde, que está livre e isento de me responder desde que ache o menor inconveniente em esclarecer-me, esclarecer a camara e esclarecer o paiz sobre o seguinte facto.
Corre no publico ha dias, com uma certa insistencia, que está roto o contrato Goschen, ou as negociações do emprestimo entre o nosso governo e aquella casa bancaria.
A camara sabe que a casa Goschen fez um supprimento ou adiantou ao nosso governo, por conta do emprestimo, a quantia de 2.327:000$000 réis, com penhor das nossas inscripções a 25 por cento, o que dá uma massa de inscripções empenhadas no valor nominal de 9.308:000$000 réis, que estão na mão e posse do banqueiro.
Sabe tambem a camara, por um documento que nos foi em tempo distribuido, que ha um bonus, multa, ou o que se lhe queira chamar, a que tem direito essa casa, caso o governo interrompa as suas relações com ella, ou porque a camara não approvasse integralmente a auctorisação que o governo pedia para contratar, ou porque o sr. ministro, não obstante ter obtido a auctorisação, entendesse que não devia continuar os seus negocios ou as suas negociações com aquella casa.
Como penhor d'aquelle bonus ou multa, na importancia de 259:000$000 réis, estão depositadas na mão e posse do banqueiro inscripções a 25 por cento, no valor nominal de 1.136:000$000 réis. Estas duas verbas, quer dizer, a do supprimento ou adiantamento, e a da multa, dão em inscripções 10.440:000$000 réis, numeros redondos.
Pergunto, pois, se se romperam por parte do governo as relações com a casa Goschen, e se ella póde ou pretende desde já lançar no mercado perto de 11.000:000$000 réis nominaes dos nossas titulos, e vende-los, por todo o preço, em qualquer mercado, para se indemnisar do supprimento de 2.327:000$000 réis e respectivos juros a 10 por cento, e da multa de 259:000$000 réis, inflingida ao nosso paiz, se não for levado a bom termo o emprestimo com a dita casa.
Pela letra dos contratos, que aqui nos foram prementes, os banqueiros estão, infelizmente para nós, no direito de assim procederem. Os contratos são claros e terminantes n'este ponto.
Desejo pois saber o que ha a tal respeito. O que fez, ou o que pretende fazer a casa Goschen? Quaes são os meios que o sr. ministro tem empregado para que se não dê este cataclismo financeiro para o nosso paiz? Haveria de certo um grande desastre financeiro para nós, se alguem se lembrasse de lançar em qualquer mercado da Europa 10.000:000$000 ou 11.000:000$000 réis em inscripções, que o possuidor podesse vender pelo preço que quizesse.
É necessario que o nobre ministro de algumas explicações para tranquillisar a camara e o paiz, se não houver n'isso inconveniente, porque effectivamente o negocio é importante, e creio que a camara não póde deixar de estar anciosa em presença dos boatos que correm. E já não é simples boato, circulando apenas na imprensa, porque hontem houve na outra casa do parlamento uma pergunta a este respeito; eu estava por acaso presente, e se me tivesse satisfeito a resposta, não vinha repetir hoje aqui a mesma pergunta. A resposta, dada ali por um collega do nobre ministro da fazenda a um digno par, foi de que lhe não constava cousa alguma sobre o assumpto.
Acrescentou o sr. ministro das obras publicas, na outra casa do parlamento, que havia vinte e quatro horas que não fallava com o seu collega da fazenda, mas que até ao dia anterior nada havia a tal respeito. Preciso é pois saber se n'estas ultimas quarenta e oito horas alguma cousa tem succedido.
O sr. Ministro da Fazenda: - Responderei em poucas palavras á indicação que acaba de fazer-me o illustre deputado.
O governo não rompeu o contrato com a casa Goschen, e tem sido uma das bases da sua política financeira não fazer tal rompimento pela sua parte; por consequencia o boato a que se refere o illustre deputado, de que o governo rescindiu este contrato, não é exacto, e se chegar a haver rompimento póde estar certo o illustre deputado que não é por parte do governo, mas sim da casa bancaria.
Agora o que posso tambem dizer ao illustre deputado e á camara é que o governo se habilitou já com os meios precisos para pagar á sociedade geral de Paris as sommas que lhe estava devendo, e por consequencia toda a somma, que montava a novecentas e quarenta e tantas mil libras, está hoje completamente paga, e o governo livre de toda a pressão que aquelle estabelecimento bancario por muito tempo exercia sobre o governo d'este paiz.
Ora, tendo-se o governo desembaraçado d'este estorvo, acha se nas circumstancias de poder negociar em termos mais convenientes, contratando com a casa Goschen ou com outra qualquer que offereça melhores vantagens; e tendo o governo sido auctorisado amplamente pelo parlamento para procurar realisar este contracto nas melhores condições possíveis, elle espera que resolverá este negocio de uma maneira que satisfará os desejos do parlamento e do paiz.
Quanto ao direito, a que o illustre deputado se referiu, que a casa bancaria tinha de, antes do praso estipulado para o pagamento das suas letras, pôr em praça as inscripções, que lhe serviram da penhor, esse direito foi sempre aqui comprehendido de uma maneira muito latitudinaria, e o governo nunca entendeu que ella tinha este direito senão quando o governo deixasse de fazer o pagamento no dia aprasado, porque esse direito exista era geral para todos os contratos e supprimentos que se têem feito. Desde que chega o dia do vencimento a que o governo não satisfaz ou não obrem a reforma, todos os que se prestam a fazer supprimentos estão no direito de poder pôr em praça os penhores e por consequencia de os vender pelo preço que a praça der.
As mesmas circumstancías se dão para com a casa Goschen, e só podia ella ter esse direito se o governo, espontaneamente e sem nenhuma provocação da parte da casa contratadora, rompesse com ella. Foi isto o que o governo nunca fez nem fará, e portanto todas as pprehensões, que o nobre deputado apresentou, desvanecem-se completamente. A questão ha de resolver-se competentemente, para o que temos ainda mais de um mez, e espero dentro em poucos dias trazer ao parlamento este negocio concluido.
O sr. Santos e Silva: - Acaba v. exa. de ver, sr. presidente, e a camara, que as perguntas que são feitas na melhor boa fé nunca podem prejudicar nem incommodar o governo, e que tambem o governo nunca é prejudicado quando dá resposta conveniente, ou sabe responder. É esta a condição do systema parlamentar. Se os governos tivessem procedido sempre assim; se viessem a miudo ao seio da camara dizer o estado em que estão os negocios, quando não haja prejuizo na publicidade; se os governos não fizessem mysterio de certas cousas ou de certos negocios, a causa publica não teria tantas vezes corrido tantos perigos (apoiados).
Á vista pois das declarações do nobre ministro da fazenda, para muita gente, para todos aquelles que estive-
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rem dispostos a aceitar sem criterio as ultimas palavras do sr. ministro, desapparecem todas as suspeitas, e póde cada um ficar tranquillo sobre as ameaças ou perigos financeiros que pendem lá fóra sobre nós.
Infelizmente o meu espirito, refractario a aceitar tudo que fere os meus ouvidos, não se dá por completamente satisfeito com as declarações do nobre ministro.
Disse-nos o sr. conde de Samodães que = por parte do governo portuguez e de s. exa. não ha passo algum dado que signifique rompimento espontaneo e voluntario de negociações com a casa Goseben =; e naturalmente quiz s. exa. tirar d'ahi a illação de que não podem da parte da casa contratante apresentar-se exigencias ou dar-se factos no sentido que eu aqui apontei. Quer dizer, a casa Goschen adiantou ao governo a som ma de dois mil e tantos contos de réis, com penhor de inscripções a 25 por cento, mas podendo lançar o penhor no mercado, antes de findos os quatro mezes, praso do supprimento, e logo que se não podesse realisar o emprestimo de 18.000:000$000 réis com a dita casa. A casa Goschen estipulou nos seus contratos com o governo portuguez uma multa de 259:000$000 réis, ou l por cento sobre o nominal do emprestimo, na quantia de 1.750:000 libras esterlinas, se as negociações se não podessem ultimar. Tudo isto representa uma massa de inscripções, na posse do banqueiro, com o valor nominal de 10.440:000$000 réis.
Perguntei eu - em que estado de relações está o nosso governo com a casa Goschen? Houve pretextos, ou ha, por parte do nobre ministro da fazenda, fornecidos á Goschen, que auctorisem os banqueiros a lançar no mercado de chofre, e vender por ínfimo preço 11.000:000$000 réis de inscripções? Está o governo preparado para obstar a este cataclysmo financeiro, pagando desde já o supprimento de 2.327:000$000 réis, e a multa de 259:000$00 réis para obstar á venda das inscripções? Quaes são os meios de que lança ou vae lançar mão?
Sei que o praso do supprimento termina em 10 de agosto, mas tambem sei que as inscripções podem ser lançadas no mercado antes d'esse praso, já, hoje, amanhã, se se derem certas circunstancias. Sei tambem que a multa é fatal, inevitavel, se não for por diante o contrato. As respostas do illustre ministro não me satisfizeram, porque me não deixaram bem ver o estado de relações em que s. exa. está com a casa Goschen.
Acrescento agora: É ou não verdade que o governo está contratando com a essa Stern Brothers ou com o sr. Macoart? É ou não verdade que já assignou um emprestimo com Stern Brothers? Se está contratando com outra casa, com a casa Stern Brothers, por exemplo, como póde aceitar-se a declaração amplíssima do nobre ministro da fazenda, de que não estão interrompidas as suas relações com a casa Goschen? Não comprehendo!
Eu desejava que o nobre ministro conciliasse estes dois pontos, que apparentemente se contradizem.
Se por parte do governo se não romperam as relações com a casa Goschen, é preciso sabermos se por parte da casa Goschen se romperam ou não as relações com o sr. ministro da fazenda. O governo póde ter dito a metade da verdade, não lhe contesto isso, mas eu desejava sabe-la toda. Se nus não rompemos as relações pela nossa parte com a casa Goschen, foi então a caga Goschen que as rompeu comnosco. Não me parece que o sr. ministro possa sair d'este dilemma. Todos os indícios são de que se está contratando com varias casas bancarias, ou pelo menos com a casa Stern Brothers. Ora, similhante procedimento seria injustificavel ou inadmissível se continuassem as nossas relações com a casa Goschen. Não levo a mal, e ate louvo, que o governo se acautele e se segure, tentando realisar o emprestimo com a casa Stern Brothers ou Macoart, ou outra qualquer, se porventura encontrou difficuldades ou recusas na casa Goschen; o que desejo saber é se o estado actual das nossas relações com os banqueiros Frahling Goschen collocaram o nosso paiz, por culpa do governo ou por culpa de outros, em má situação, ou em algum imminente perigo financeiro. Esta é a minha questão. E a ella que eu desejava que o sr. ministro respondesse precisamente.
Deu-nos por ultimo o nobre ministro da fazenda a agradavel noticia que resolvera, em condições favoraveis, uma difficuldade financeira, que agora o incommodava, obtendo 200:000 ou 300:000 libras para pagar ura credito, creio que da société générale de Paris. Dou lhe os meus parabens. Folgo sempre com as fortunas do meu paiz.
Naturalmente foi supprimento, que fez isoladamente, ou adiantamento, que talvez esteja preso com outro contrato que o governo tenha entre mãos.
Sobre este ultimo ponto tambem o governo nos podia dar algumas tinturas geraes, pelo menos que esclarecessem a negociação, e nos dessem a conhecer os seus encargos, para que os nossos prazeres fossem completos. As minhas duvidas e receios subsistem pois, e é de esperar que o nobre ministro os vá d'esta vez dissipar, visto que de novo pediu a palavra.
O sr. Ministro da Fazenda: - O que principalmente deve interessar ao illustre deputado e á camara são os perigos que póde correr o nosso credito com o protesto das letras do governo que se acham era poder da casa Frahling Goschen, protesto que póde trazer uma veada forçada dos nossos títulos e portanto o nosso descredito.
Esses receios que o illustre deputado abriga, e que manifestou no seu discurso, são completamente infundados depois que o governo não deu motivo algum para que similhante caso se verificasse.
Dar-se-ia esse caso se o governo quizesse romper o contrato feito com a casa Frahling Goschen, e se não estivesse já habilitado com os meios necessarios para lhe poder pagar.
Mas nenhuma d'essas cousas se deu.
Nem o governo procurou romper este contrato, nem portanto precisa pagar as letras antes do dia do vencimento, que, como o nobre deputado sabe, ainda está um pouco distante, porque as letras, sendo de 17 de abril, só se vencem de boje a um mez, e para esse tempo o governo ha de estar habilitado para pagar tudo o que deve aquella casa.
Agora, a respeito de negociações a que o illustre deputado se referiu, permitta me s. exa. que lhe diga que não é esta a occasião mais opportuna para discutirmos esse ponto.
O governo está auctorisado pelo parlamento, não póde transpor os limites d'essa auctorisação, ha de restringir perfeitamente á área que lhe está circunscripta, e ha de apresentar o mais breve que seja possível ao parlamento todos os documentos e todas as resoluções que houver a este respeito. Esteja s. exa. certo de que quando o governo se julgar habilitado, o que não tardará muito, virá á camara dar conta planíssima dos seus actos, e espero que não só o illustre deputado, mas todos, hão de fazer justiça ao governo pela maneira por que procedeu neste negocio, tendo sómente em vista os interesses do paiz (apoiados). Estarmos agora a entrar n'uma discussão sobre os motivos que existem com relação á casa Goschen poder romper ou não romper as negociações que o governo tinha entabolado com aquella casa, não me parece conveniente, mesmo porque é negocio esse que ha de ser presente ao parlamento depois do concluído (apoiados). Póde o illustre deputado ter a certeza de que o modo como o governo se habilita para satisfazer aos encargos mais immediatos e muito mais satisfactorio do que todas as outras negociações até agora entabuladas. Parece-me que este negocio vae terminar dentro de poucos dias, e então o governo dará á camara explicações categoricas sobre o modo por que fez uso da auctorisação (apoiados).
O sr. Pereira de Miranda: - Mando para a mesa uma proposta como additamento á do sr. Corvo, porque não me conformo com a do sr. Carlos Bento (leu).
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Lembro que, tendo a commissão de trabalhar durante o intervallo da sessão, e fendo uma parte importante do seu estudo relativa ao commercio e fiscalisação das alfandegas do norte do paiz, seria conveniente que, pelo menos, dois membros da commissão estivessem habilitados para tratar a questão n'esse ponto do paiz.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a commissão seja de sete membros, de vendo, pelo menos, dois membros estudar a questão, era relação ao norte do paiz. - Pereira de Miranda.
Foi admittida.
Posta a votos a proposta do sr. Andrade Corvo, foi approvada e bem assim a proposta do sr. Carlos Bento, ficando prejudicada a do sr. Pereira de Miranda.
Procedendo-se á eleição da commissão, verificou se terem entrado na uma 73 listas, das quaes 7 brancas, saindo eleitos os srs.:
João de Andrade Corvo, com 63 votos.
Augusto Saraiva de Carvalho 60 "
Carlos Bento da Silva 57
José Dionysio Mello e Faro 55 "
Antonio Augusto Pereira de Miranda 52 "
O sr. Affonseca: - Ha um mez, pouco mais ou menos, que um deputado na sala dos communs em Inglaterra perguntou ao governo, se acaso existia alguma negociação com Portugal com relação á escala alcoolica dos seus vinhos. A resposta foi negativa - não ha. No dia 8 d'este mez, outro deputado perguntou ao ministerio se acaso pendia alguma negociação com a Hespanha a respeito da reducção da escala alcoolica dos vinhos hespanhoes e dos direitos das fazendas inglezas importadas em Hespanha. A resposta do ministro dos negocios estrangeiros foi a seguinte: o governo hespanhol expressou o desejo de entrar na formação de um tratado n'esse sentido, e este negocio está hoje de baixo da mais seria consideração do governo inglez".
Á vista d'isto tenho a dizer a v. Exa. e á camara o seguinte. Estou intimamente convencido de que este tratado vae effectuar-se e os vinhos de Xerez, da Catalunha, de Tarragona e outros diferentes pontos de Hespanha vão entrar em Inglaterra pagando l shelling por galão, emquanto que os vinhos portugueses, tudo pela negligencia com que todas as cousas se tratam n'esta nosso paiz, os vinhos portuguezes hão de continuar a pagar em Inglaterra 2 shellings e 6 pennya por galão. Isto é uma grande fatalidade (apoiados).
Ha um mez perguntava um deputado no parlamento inglez, se acaso havia algum negociação pendente de Portugal com Inglaterra, respondeu-se lhe seccamente - não. Effectivamente não existia negociação alguma pendente. Estou convencidíssimo (Visto, embora se diga aqui que existia. Não existia cousa alguma.
De mais a mais nos temos o desgraçado costume de darmos licença a todos os chefes das missões (apoiados), que andam a passear por toda a parte (apoiados), deixando lá ficar os secretarios, e ás vezes riem os secretarios ficam (apoiados), nem isso; ficam os addidos. Este systema é pessimo e inconvenientíssimo para os negocios que têem de ser tratados pelos chefes de missões e não por addidos (apoiados).
Na corte de Roma está um addido, e eu desde já asseguro a v. exa. uma cousa, e é que a igreja de Santo Antonio com o seu collegio e hospital, que é uma cousa importantíssima, merece ser zelada por chefes de missões; é o que nos resta ali dos nossos tempos que já lá vão, e deve merecer nos serio cuidado (apoiados).
Convido o governo a olhar para tudo isto com muita seriedade (apoiados). Nós em algum tempo fallavamos do tratado de 1810 como uma grande fatalidade para Portugal. Eu digo, que o tratado de 1810 era uma grande fortuna para Portugal. Nós tínhamos o exclusivo... (O sr. Sá Nogueira: - Apoiado.)
Tínhamos o exclusivo dos nossos vinhos, e mais productos do nosso solo no mercado inglez (apoiados). Não entrava em Inglaterra uma garrafa de vinho que não fosse de vinho portuguez (apoiados). Todos os productos de Portugal eram ali recebidos com o maximo favor (apoiados). Mas o tratado de 1810 acabou, e o resultado é o que nós temos presenceado.
Houve novas tentativas. Tratou-se depois d'isso de nova-negociações. Estava aqui o distincto lor Howard, que foi ministro de Inglaterra muitos annos entre nós. Esse cavalheiro trabalhou muitíssimo para fazer e concluir um tratado de commercio comnosco, e já se vê que não o poderíamos ter effectuado sem que nós fizessemos algumas concessões; mas respondia se lhe sempre com o fatal amanhã. Cançaram a paciencia do inglez, e por ultimo responderam-lhe: "As nossas fabricas têem tomado um incremento tal e uma tal grandeza que não nos animamos a tocar lhes!" A negociação abortou com esta declaração. Se se tivesse conseguido, o vinho da Extremadura não era sufficiente para o mercado de Londres somente. Depois fizeram-se novos esforços, tem-se posto em pratica diversos meios e tentativas e nada se tem conseguido; porque Portugal, como já dizia um antigo diplomata nosso, é o paiz das occasiões perdidas. Perde a occasião para tudo (apoiados).
Fallou-se ainda ha pouco em pautas e em liberdade de commercio. Quando se falla no principio da liberdade de commercio eu ergo as mãos aos céus e digo - graças a Deus que já em Portugal podemos fallar em pautas e liberdade de commercio (apoiados). Houve tempo em que, a este respeito, eu estive aqui só e só quebrei esse gelo, e tive em recompensa um periodico d'esse tempo dizer que = eu estava vendido ao oiro inglez ! = Eu estava vendido, mas estava vendido aos interesses da minha patria, á sua prosperidade e á sua gloria (apoiados). Continuo a estar vendido a estes sagrados objectos (apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Houve tempo que era delicto fallar em pautas. Hoje não, hoje falla-se em pautas desassombradamente, e até se nomeiam commissões que nada farão (riso) porque não são as competentes para tratar d'isso; o que se devia ter feito era auctorisar o conselho das alfandegas para tratar d'este assumpto, reunindo se lhe homens calhados nestes negocios, e apresentarem um trabalho, virem com elle á camara, e sujeitarem-no á sua discussão e approvação. Isto entendo eu, mas uma commissão de inquerito formada dentro da camara, para que? Que se espera d'isso? Cousa nenhuma.
Sr. presidente, o sr. Santos e Silva, que eu vejo defronte de mim e com muito prazer, declarou se proselyto da liberdade do commercio. Saúdo-o, e saúdo o com muito respeito e muita consideração, e espero quo o nobre deputado, collocado como está nu hierarchia aduaneira em posição distincta, não ha de ter uma religião no coração, o usar das vestes estertores de outra, e que ha de seguir e coadjuvar este santo principio da liberdade do commercio, que é aquelle que nos póde salvar das nossas dificuldades (apoiados).
As negociações com relação á escala alcoolica, se m soubessem dirigir, podiam ser concluídas perfeitissimamente e com vantagem nossa, porque v. exa. e a camara devem saber que os inglezes são verdadeiros negociantes; que os inglezes têem na península iberica e na península italiana perto de 50.000:000 homens, que são outros tantos consumidores dos productos da Inglaterra, e elles não podem desprezar esse consumo; uma colonia de 50.000:000 de consumidores não se despreza. Mas é preciso que se faça valer esta circumstancia perante o governo inglez, e que se tratem essas negociações como se devem tratar e a serio (apoiados).
Mas eu vejo que se falla em liberdade do commercio, e ao mesmo tempo se recommenda ao governo a maxima fiscalisacão!
Maxima fiscalisacão, pagando-se 240 réis por dia a cada desgraçado que fiscalisa! Já se vê que se lhe deve exigir
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uma honradez a toda a prova, uma vez que se remunera com doze vintens por dia; e se fizer contrabando ou consentir que se faça, morra! (Riso.)
Desenganemo-nos, senhores, a verdadeira morte do contrabando não está na fiscalisação, a verdadeira morte do contrabando está na reducção do direito (muitos apoiados). Reduza-se o direito, e acabará esse exercito da fiscalisação, porque não haverá necessidade d'elle. Pois então não gastam mais com esse exercito terrível da fiscalisação do que o direito lhes póde dar? De certo que sim (apoiados).
Quem ignora n'esta casa o que se passou com um director das alfandegas de França no tempo de Luiz Filippe, quando foi á Suissa e comprou ali uma porção de relogios? Aquelle funccionario, comprando os relogios, disse que os queria passar para França por contrabando, e perguntou como havia de ser. Responderam-lhe = é facílimo, pague 10 por cento sobre a factura, que eu me encarrego de lh'a pôr em sua casa em Paris .- O homem ficou admirado, porque entre a França e a Suissa havia então, hoje não ha, tres linhas de alfandegas, e disse comsigo = como é possível passar isto? = no entretanto calou-se, pagou os 10 por cento, e d'ahi a poucos dias, chegando a casa, a mulher entregou lhe uma caixa contendo os relogios, que tinham vindo antes d'elle. Aqui tem v. exa. como isto se fez, apesar das tres linhas de alfandegas e de uma grande fiscalisação.
O contrabando, sr. presidente, viaja pelo ar, viaja em balão (riso).
E depois ha tambem outra rasão, e é que os homens que fazem o contrabando antigamente iam para o Limoeiro quasi todos os quinze dias, e hoje já não vão, porque aprenderam, dizem elles, uma cousa chamada conta de repartir; hoje fazem o contrabando, e não vão lá. (Apoiados e sensação.)
A respeito de direitos altos e direitos baixos, eu quizera que considerassemos o que se passa em Hamburgo, o que se passa nas cidades anseaticas, em Gibraltar, etc., e ver-se-ha a maneira por que esse negocio é gerido lá.
Em Hamburgo, ou generos ou artigos, seja qual for a sua procedencia, pagam 2 por cento de direitos de importação; e entretanto não conheço ponto mais feliz, onde haja mais commercio e mais vida do que em Hamburgo. Ali se fornece o norte da Allemanha. Ha um commercio e vida extraordinarios.
Os direitos elevados nunca produziram senão diminuição de consumo e augmento do contrabando (apoiados). A reducção dos direitos augmenta a receita (apoiados). Pequeno direito, grande receita.
Voltando ao assumpto que deu origem a eu ter pedido a palavra, com relação á escala alcoolica, desejava que algum dos srs. ministros, que estivesse presente, me alguma cousa sobre o que ha a este respeito.
Ha um mez, pergutando-se ao ministro inglez, no parlamento, se havia negociações sobre este importante assumpto com o nosso governo, respondeu aquelle ministro seccamente - não; e no dia 8 d'este mez, perguntando-lhe outro deputado, se havia negociações com o governo hespanhol para a diminuição dos direitos na escala alcoolica, e reducção de direitos sobre certas fazendas, o governo inglez respondeu - que tinha esse negocio na mais seria consideração.
Confronte v. exa. a resposta dada no dia 8 com a de ha um mez, e veja se o governo tem cumprido o seu dever com relação a este mais que todos momentoso assumpto.
O sr. Ministro das Obras Publicas: - Vou responder á ultima parte do discuto do nobre deputado o sr. Affonseca.
É este um negocio que não corre immediatamente pelo meu ministerio; mas posso informar a s. exa. que se trata d'este assumpto pelo ministerio dos negocios estrangeiros. Asseguro isto ao nobre deputado em consequencia de uma conversa que, ainda não ha muitos dias, tive com o meu collega dos estrangeiros.
Não li o que vem nos jornaes inglezes, mas o que posso assegurar é que o governo portuguez não tem descurado, e não descura obter concessões que sejam favoraveis ao nosso commercio de vinhos, por meio de alterações na escala alcoolica, feitas por parte da Inglaterra.
O sr. Santos e Silva: - Não pedi a palavra para entrar na discussão, porque não sei o que se discute agora; mas chegando a este logar na occasião em que o sr. deputado Affonseca discorria largamente, e com aquella proficiencia que todos lhe reconhecem sobre a questão de liberdade de commercio, e prestando a s. exa. aquella attenção, que costumo prestar a todos os meus collegas, ouvi-lhe soltar uma phrase, que não posso deixar passar, sem solicitar uma tal ou qual explicação da pano de s. exa.
Disse s. exa., que antigamente os contrabandistas iam para o Limoeiro, mas que hoje não vão, porque aprenderam as contas de repartir.
V. exa. e a camara conhecem o alcance d 'esta asserção, que se refere certamente a empregados de fiscalisação nas alfandegas, que desprezam o cumprimento de seus deveres e praticam actos criminosos, sobre os quaes, a serem verdadeiros, é necessário que recaia uma grande e severa penalidade. Precisa a camara, precisa v. exa., sr. presidente, precisa o governo, precisa o paiz, precisamos todos, que s. exa. seja explicito a este respeito; porque é necessario que o governo cumpra o seu dever, indagando quaes os empregados fiscaes, relaxados no exercício das suas funções, e protectores de introducção illicita e fraudulenta de mercadorias no nosso paiz. É necessário conhecer quem são os que tentam furtar-se ao pagamento dos direitos, e quaes são os empregados de fiscalisação das raias, secca ou molhada, que protegem estes delictos ou são conniventes n'elles.
É necessario que s. exa. seja franco n'este ponto, porque, procedendo assim, não só pode fazer um grande serviço ao paiz, chamando a attenção do governo para ente assumpto, nobre o qual certamente elle irá ayndicar, conhecendo dos locaes, dos serviços e dos homens, onde se dão, e que praticam taes irregularidades, mas tambem o ser Affonseca se colloca n'uma melhor situação, n'um melhor terreno, porque é sempre desagradavel a posição de um deputado que faz, uma grave insinuação ou accusação; que deixa suspensa, por não poder prova-la.
Se ha indivíduos, que tenham em tão delicado assumpto faltado ao cumprimento dos seus deveres, é preciso que se castiguem, o que o governo seja severo para com elles (apoiados).
Estou convencido de que o sr. Affonseca ha de esclarecer este ponto de uma maneira honrosa para s. exa., conveniente para a camara, e util para o paiz e para o governo, que vae desde hoje provavelmente cumprir com os seus deveres em face das declarações, que temos a esperar do illustre deputado.
O sr. Affonseca: Sr. presidente, n'estas observações, que ha pouco tive a honra de fazer n'esta camara, não me dirigi a empregado nenhum das alfandegas, não me dirigi a nenhum alto nem pequeno funccionario, não me dirigi emfim a quem quer que seja (apoiados); o sr. deputado é que comprehendeu mal as rainhas palavras (apoiados).
Sr. presidente, os periodicos quasi todos os dias estão declarando, não sou eu unicamente, que se faz por essa raia um contrabando enorme, e ao mesmo tempo affirmam que a maneira de se fazer é havendo uma certa benevolencia da parte d'aquelles que deviam fiscalisar e impedir esse contrabando (apoiados). Na raia ha pontos fiscaes que distam um do outro quatro leguas. Será espaço bastante para passarem os contrabandistas?
Sr. presidente, o assucar, que em Hespanha paga de direitos 360 réis por arroba, paga em Portugal 1$600 réis, e eu deixo ver á camara se é ou não facil com uma raia aberta como nós temos, e com uma escala entre 360 e l$600 réis, fazer-se um enorme contrabando. Estou convencido de
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que uma grande parte do assucar que se gasta em Lisboa écontrabando, é assucar hespanhol; e é claro que uma differença tão importante de direitos convida a introduzir contrabando mesmo a quem não tiver grande vontade de praticar similhante desvio (apoiados).
Portanto, sr. presidente, a rainha expressão, que o nobre deputado quiz levantar, repito, não tem referencia a nenhum grande ou pequeno funccionario, a nenhum grande ou pequeno empregado, fallei em geral e com relação tambem a outros paizes que não estão igualmente isentos d'essa pecha. Quem tem ás portas empregados a 240 réis por dia não póde esperar fiscalisacão seria (apoiados).
Sr. presidente, faz se contrabando por toda a parte, e hoje entende toda a gente que não é peccado fazer contrabando; o contrabando é um correctivo que os povos dão a governos estupidos quando sobre certos e determinados generos carregam com direitos tambem estupidos, como este a que ha pouco me referi a respeito do assucar (apoiados); o contrabando é o poder moderador dos direitos excessivos (riso), e esta é a doutrina de toda a parte (apoiados).
Por consequencia peço ao illustre deputado não tome em má parte a expressão que soltei e que não appliquei a pessoa alguma. E se s. exa. entende que é offensiva para alguem, retiro-a desde já...
O sr. Santos e Silva:- De maneira nenhuma.
O Orador:- Bem. O que é verdade é que, faltando de um modo tão generico, e narrando um facto tão notorio e tão conhecido, não podia ter em mente offender a quem quer que fosse (apoiados).
O sr. Presidente:- Tem a palavra o sr. Santos e Silva.
O sr. Carlos Bento:- Eu tinha pedido a palavra primeiro.
O sr. Sá Nogueira:- Eu tambem.
(Rumor.)
O sr. Santos e Silva:- Muitas vezes me tem acontecido o ter eu pedido a palavra primeiro, anteporem-se-me alguns srs. deputados com as suas conhecidas estrategias, e eu calar-me, sem grandes irritações. Nunca fui atacado de convulsões nervosas, como parecem estar atacados os illustres deputados, quando me acontecem d'esses casos.
Quando eu ha pouco usei da palavra, foi para pedir ao illustre deputado, o sr. Affonseca, que desse algumas explicações a respeito de uma phrase sua equivoca, e que me soou mal, e não para contestar que haja contrabando.
Eu mesmo presumo que o ha, pelas rasões que ha pouco expuz (apoiados), porque não ha a fiscalisação que devia haver n'uma longa raia aberta como a nossa.
Não podia porém deixar passar sem reparo as palavras do illustre deputado a que ha pouco me referi.
As suas palavras queriam dizer que se fazia o contrabando de accordo com os empregados das alfandegas. (O sr. Affonseca:- Peço a palavra.)
As suas phrases bem traduzidas querem dizer, ao que se me afigura, que o contrabando se faziam hoje de cumplicidade com os empregados fiscaes das alfandegas...
O Sr. Affonseca:- Eu não disse isso.
O Orador:- Não estou convencido de que exista similhante accordo...
O sr. Affonseca:- Tambem eu não estou convencido.
O Orador:- E se se presume que existe, haja uma syndicancia rigorosa a esse respeito, para se empregarem os meios que se devem empregar no sentido de melhorar o serviço e de punir os criminosos (apoiados).
Embora, como disse, no meu espirito existam vehementes apprehensões de que se faz contrabando, apprehensões filhas principalmente da falta de pessoal, não nutro porém suspeitas de que a corrupção ou a peita arrastem os empregados da fiscalisação externa ou interna das alfandegas a praticarem actos criminosos. Não tenho motivos para suppor que da parte dos empregados encarregados da fiscalisação das alfandegas haja connivencia com os contrabandistas (apoiados).
O sr. Presidente:- Pouco falta para a hora. Ficou hontem interrompida a discussão do projecto relativo á fixação da força de mar, e parecia-me que se devia aproveitar o pouco tempo que resta na continuação d'essa discussão. Mas se a camara quer continuar a occupar-se d'este incidente, eu dou a palavra aos srs. deputados que estão inscriptos sobre elle.
Vozes:- Ordem do dia, ordem do dia.
O sr. Presidente:- Em vista da manifestação da camara vae passar-se á ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto n.º 30
O sr. J. P. de Magalhães:- Pedi hontem a palavra sobre este projecto por occasião de ouvir fallar na corveta Hawk. Depois o sr. ministro da marinha deu algumas explicações que me satisfizeram, e apenas ficou um ponto por esclarecer, sobre o qual vou hoje firmar as minhas observações.
É uma temeridade da minha parte vir aqui tratar da questão da nossa armada, dos navios que a devem compor, do pessoal que deve ter, etc.; mas a camara sabe que não temos projecto nenhum importante em discussão, e que é necessario occupar o tempo em alguma cousa. Esta semana tem havido ferias, e apenas se discutiu em sete dias a importantissima medida tomada pelo governo em dictadura, pela qual se augmentou a enorme quantia de 40$000 réis annuaes ao superior das missões de Timor! O prelado de Goa tinha feito constar ao governo que não era possivel Arranjar um padre que quizesse ir para Timor, visto o pequeno ordenado que se lhe arbitrava, e em consequencia disto o governo ouviu as estações competentes, e usando da faculdade que lhe dá o acto addicional crecou aquelle ordenado.
O sr. Sá Nogueira:- Não é isso que está em discussão.
O Orador:- Eu estou apresentando as rasões pelas quaes me resolvi a entrar n'este debate. O illustre deputado verá mais tarde que eu não abuso, e que apenas me refiro a estes factos, para mostrar que não havia objecto algum grave que occupasse a attenção da camara.
Foram pois sete dias perdidos em discutir o augmento de 40$000 réis ao presbytero que fosse para Timor! E hoje mesmo, depois de longos incidentes, entra-se na ordem do dia quando faltam apenas alguns minutos para dar a hora do encerramento da sessão!
Alem d'este motivo, que me animou a tomar a palavra, tive tambem em vista o facto de ter o sr. ministro do reino entrado ha poucos dias com muita proficiência na discussão dos negocios do ministerio da guerra. Todos se lembram de que ouvimos dizer ao nobre prelado que não tínhamos exercito; que era necessario preparar 80:000 ou 100:000 homens de reserva promptos no exercicio militar; que era indispensavel artilhar as nossas praças; que a artilheria que tinhamos era insuficiente, porque a muito custo daria um tiro que causasse damno de um lado para outro d'esta sala!!
A camara ouviu tudo isto, como de um homem competente; foi applaudido o ministro que fez estas declarações, e portanto v. exa. não se deve admirar de que eu vá tratar dos negocios da marinha de guerra.
Sr. presidente, lendo o projecto que fixa a força de mar para o anno economico de 1869-1870, tenho a dizer que julgo este projecto muito laconico, muito simples e falto de esclarecimentos.
Hontem o illustre deputado e meu amigo que abriu o debate, disse que julgava o projecto falto de grammatica; eu declaro que não acho falta de grammatica, mas falto de assumpto.
O projecto diz. no artigo 1.º (leu).
Por consequencia, parece-me que um documento d'esta ordem não vera acompanhado dos esclarecimentos necessarios para o podermos votar com perfeito conhecimento de causa; e eu esperava que o illustre ministro da marinha,
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que é um dos grandes talentos d'este paiz, uma grande intelligencia, nos trouxesse o projecto com mais desenvolvimento.
Infelizmente a commissão de marinha adoptou o projecto, commettendo a mesma falta, sem nos explicar tambem quaes as commissões em que têem de se empregar estes navios. São dezaseis ou dezoito navios, mas não sabemos qual o destino que se lhes pretende dar, nem as toneladas que esses navios têem, nem a força de cavallos que têem os que são a vapor, nem a utilidade e serviços que podem prestar.
Nada d'isto se sabe, tudo é escuro, e em pontos d'esta ordem convinha que houvesse os maiores esclarecimentos possiveis. Quem tem e sustenta uma marinha, precisa saber a sua aptidão, a sua capacidade.
Vê-se chegar ahi uma esquadra ao Tejo, seja franceza ou ingleza, e logo se sabe a força dos navios de que ella se compõe, o numero de toneladas de cada um d'esses navios, quantas praças lhe pertencem, etc.; porque os documentos d'esta ordem que apresentam ao parlamento os ministros, tanto em França como em Inglaterra, esclarecem tudo detalhadamente.
Na revista colonial e maritima, aonde apparecem differentes documentos sobre este assumpto, está constatado tudo que acabo de dizer.
O nobre ministro da marinha póde talvez dizer-me que este projecto veiu agora como tem vindo todos os annos, e que a camara assim o tem approvado. Eu não lhe contesto isso, mas digo-lhe que a camara o approva sem saber perfeitamente todas as circumstancias que com relação ao assumpto se dão, e approva-o sem que tenha todos os esclarecimentos que póde e tem direito a exigir lhe sejam apresentados, e que o nobre ministro da marinha devia fazer saíndo de uma pratica ronceira e mal entendida.
Felizmente o nobre ministro, nas considerações que hontem apresentou á camara, fez, por assim dizer, o relatório do assumpto que se debate, e disse-nos que nós somos uma nação pequena, que o nosso orçamento é muito magro e que não podemos ter navios senão de certas dimensões e em certas circunstancias.
S. exa. disse nos ainda que nós não precisavamos ter uma marinha de guerra de primeira ordem, mas sim uma marinha apta para fazer o serviço entre a metropole e as posseasões ultramarinas, e ao menino tempo para defender o porto de Lisboa. Pois eu digo a v. exa. e á camara que não combino com as reflexões do illustre ministro a este respeito, e que entendo que nós não temos uma força de marinha propria para defender o porto de Lisboa e o commercio das colonias, assim como para fazer o serviço entre a metropole e as possessões ultramarinas, e eu vou dizer a rasão porque; e não o digo eu só, dizem no os officiaes de marinha, dizem no todos os competentes, dizem-no os documentos officiaes de outras nações sobre este particular.
O ultimo relatorio do almirantado inglez, apresentado ao parlamento, diz que hoje não se podem considerar navios de guerra os navios de madeira, e só navios couraçados; e aconselha ao parlamento inglez que se desfaça dos navios de madeira. A Inglaterra já tem hoje 38 navios couraçados, e mais dez em construcção nos estaleiros, 2 dos quaes são os maiores navios de guerra do mundo; e a Inglaterra tem necessidade de ter uma marinha superior a todas as marinhas dos outros povos, para se poder defender em toda a parte que lhe for preciso, e exercer a supremacia dos mares.
Por consequencia dizendo o sr. ministro da marinha que nos basta uma esquadra sufficiente para defender o porto de Lisboa e o commercio das nossas colonias, eu sustento que com os navios indicados n'este projecto não temos nada d'isto, nem podiamos ter, e quem imaginar o contrario commette um grave erro.
Todas as nações hoje estão tratando de substituir a sua esquadra de madeira por uma esquadra couraçada, e nós infelizmente não temos um unico destes navios, e os nossos homens d'estado deixem correr á revelia um negocie tão importante, e que póde acarretar futuras difficuldades, senão desastres.
Disse o sr. ministro do reino que devemos tratar do nosso exercito para nos podermos defender em caso de perigo, e estarmos sempre preparados para qualquer eventualidade.
Pois eu declaro que todos os esforços serão inuteis da parte do sr. ministro do reino se não houver accordo com o sr. ministro da marinha, para alcançar para o nosso porto de Lisboa um ou dois navios couraçados. Estou intimamente convencido de que se Portugal tiver hoje 100:000 homens de exercito de terra bem disciplinados, mas não attender do mesmo modo á sua marinha, um couraçado que entre no porto de Lisboa com 200 homens é sufficiente para inutilisar a força dos 100:000 homens de terra; emquanto que se, em logar dos navios que ahi temos, tivessemos um ou dois couraçados, isso seria sufficiente para podermos defender o porto de Lisboa e pô lo a coberto de qualquer insulto ou desastre.
Por consequencia o exercito de terra, embora nas melhores condições, se tivéssemos agora qualquer confficto com a Hespanha, por exemplo, ou com outra qualquer nação, ficava inutilisado se essa nação que nos aggredisse rios mettesse no Tejo um só navio couraçado, porque bastava elle para subjugar e pôr á sua disposição os navios do estado ou do commercio; emfim para dominar Lisboa completamente, e sujeita-la mesmo a uma contribuição de guerra. Lisboa está desamparada!
Por consequencia só nós vamos tratar com seriedade da organização do nosso exercito de terra, devemos simultaneamente tratar tambem da nossa marinha, porque tudo que m gastar com o exercito de terra sem attender ao do mar é dinheiro perdido, porque a capital da monarchia fica sempre exposta á discrição do aggressor.
Mas não é só isto, a marinha tem outro fim, não serve só para a guerra; e especialmente para os paizes que têem colonias não ião só indispensaveis os navios proprios para a guerra, tambem são precisos navios de transporte de tropas para qualquer urgência de serviço, e n'estes 16 navios, de que trata o projecto era discussão, nem um só está no caso de servir para transporte.
A França, a Inglaterra e a Hollanda têem todas navios proprios para transportes. A Inglaterra manda, por exemplo, para Hongkong ou Maurricias um navio de transporte que accommoda mais do 1:000 homens de uma vez muito á vontade, tanto que fazem formaturas a bordo, e vão todos debaixo de coberta enxuta; e nós em todos os navios que temos, estes 16, em nenhum d'elles se póde andar á vontade, é necessario andar quasi que de bruços, porque não embarcações pequenas e improprias para transportar tropas.
Para transportes são necessarios navios em que se possa andar de corpo direito debaixo da coberta, e é assim que os tem a França, a Inglaterra, a Hespanha e a Hollanda. Esta potencia manda 1:200 homens para Java com uma rapidez extraordinaria, fazendo até formaturas a bordo e em coberta enxuta, como acabo de expor.
A França manda para Argel ou para as Antilhas 1:000 homens ou mais, o que for necessario, com uma brevidade espantosa; mandou para a Crinéa corpos inteiros em transportes d'esta ordem, fazendo todas as formaturas a bordo e navegando á vontade e sem oppressão.
É a isto que chamo transportes, estes é que são os verdadeiros navios de transporte; e foi debaixo da impressão d'estas idéas que o ministro da marinha comprou a corveta Hawk.
O sr. Ministro da Marinha:- Não fui eu.
O Orador:- Bem sei, mas vou explicar o motivo d'essa compra.
O sr. Amaral, que regeu por algum tempo a pasta da
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marinha, e que tinha sido governador em duas colonias muito importantes, conheceu pela pratica e pela experiencia a necessidade que tinhamos de um grande transporte, porque já tinha visto que em 1860, quando tivemos de mandar um batalhão para Angola, foi necessario transporta-lo n'um vapor da companhia de Africa, no que o governo gastou para mais de 20:000$000 réis com tal conducção. Agora mesmo, quando o governador de Goa quiz mandar uma força para Moçambique, teve de fretar um navio em Bombaim, fazendo uma grande despeza; e o sr. ministro da marinha, querendo mandar a expedição á Zambezia, fui fretar por 58:000$000 réis o Bornéo para a conduzir.
Todos reconhecem por estes factos a grande necessidade de Portugal ter ao menos um ou dois transportes, porque as circumstancias das nossas colonias assim o exigem, e porque de um momento para o outro, dadas certas circumstancias, quando quizermos transportar um corpo ou um contingente de tropa para aquellas localidades, não temos navios para isso apropriados, como a camara acaba de ver. (Vozes:- Deu a hora.)
Peço a v. exa. a bondade de me conservar a palavra para segunda feira, visto que tenho ainda de occupar a attenção da camara por alguns minutos.
O sr. Punha Fortuna:- Tinha pedido a palavra para um requerimento, e era para pedir a v. exa. que consultasse a camara sobre se queria prorrogar a sessão até se votar este parecer (apoiados).
O sr. Presidente:- A camara creio que convem em que o sr. Pinto de Magalhães continue o seu discurso. Eu consulto a camara.
Vozes:- Não póde ser.
O Sr. Presidente:- O sr. deputado diz que o seu discurso poderá ainda consumir alguns minutos, e eu consulto a camara sobre se comente em que o illustre deputado continue o seu discurso.
O sr. Fontes Pereira de Mello:- Para mim é completamente indiferente que a camara resolva que o sr. deputado continue ou não, mas o que peço a v. exa. é que não estabeleça este precedente. Quando um deputado está faltando, e pede para continuar na sessão seguinte, ser preciso que a camara resolva para que se lhe conceda continuar a faltar é contra as nossas praticas e contra o nosso direito, e eu não posso admittir que se ataque nunca nenhum dos nossos direitos. O deputado falla emquanto quer faltar, e se a camara não o quer ouvir retira-se, mas não é preciso que haja uma resolução da parte da assembléa para que o deputado continue a faltar. Para mim é completamente novo este systema. É me indiferente, repito, que a camara vote de um ou outro modo, mas em todo o caso o que eu não desejo é que se estabeleça o precedente (apoiados).
O sr. Presidente:- O sr. Pinto de Magalhães tinha sido advertido, não sei por quem, de que a hora tinha soado, e estava em duvida sobre se havia de continuar o seu discurso, mas um outro sr. deputado tinha requerido que se prorogasse a sessão até se votar este projecto. N'estas circunstancias julguei indispensavel consultar a camara a este respeito. Effectivamente o regimento diz que, emquanto um deputado tem a palavra, não póde fazer se votação alguma, mas tambem, no caso presente, fazendo-se isso, fica prejudicado o requerimento do outro sr. deputado.
Tem ainda a palavra o sr. Sá Nogueira.
O sr. Sá Nogueira:- O que disse o illustre deputado, o sr. Fontes Pereira de Mello, e exacto. O deputado póde fallar durante o tempo que quizer, mesmo que tenha dado a hora do encerramento da sessão; mas tambem é exacto que o sr. deputado deixou de fallar...
O sr. J. Pinto de Magalhães:- Eu não deixei de fallar; pedi que se me reservasse a palavra para segunda feira.
O Orador:- Mas ao sr. deputado não compete dizer que fica ou não com a palavra. Havia requerimento para prorogação de sessão, e portanto a discussão devia continuar, e se o illustre deputado se calou é claro que o sr. Penha Fortuna tinha direito de formular o seu requerimento, e v. exa., sr. presidente, deve pô lo á votação. Isto é o caminho mais regular a seguir, porque de outro modo ficavam os trabalhos da camara dependentes da vontade de um deputado, o que o regimento não consente.
Esta é a pratica seguida.
O sr. Fontes Pereira de Mello:- Creio que a camara me faz a justiça de acreditar que me é completamente indifferente o modo por que se resolva este negocio; fallo n'isto unicamente, porque me parece de utilidade que se mantenham as boas praticas parlamentares. Se não fosse isto, eu não tomava a palavra, porque a questão em si não vai nada.
O sr. Sá Nogueira:- É uma questão de regimento.
O Orador:- Exactamente, e eu não costumo entrar nas questões de regimento.
O regimento estabelece uns certos deveres e direitos, e é preciso que cada um de nós os mantenha. O que se tem sempre observado é que, quando ura deputado está fallando, e quando se não tem pedido a palavra antes de dar a hora...
Algumas vozes:- Mas o sr. Penha Fortuna pediu a palavra antes de dar a hora.
O Orador:- Ah! Pediu?! Bem. A pratica é que, quando um deputado, chegado ao fim da sessão, pede que lhe seja reservada a palavra para a sessão seguinte, considera-se o deputado faltando até ao momento em que elle continua, e não póde interromper se aquelle discurso. Esta é a pratica. Se a camara quer altere a n'este caso, porque a questão é insignificantissima para o ponto de agora, embora seja importante pelo precedente.
De resto, a camara fará o que entender.
O sr. Penha Fortuna:- Cumpre me responder a uma observação que fez o illustre deputado o sr. Fontes Pereira de Mello. Naturalmente s. exa. não ouviu, mas eu posso afiançar lhe que pedi a palavra para um requerimento antes de terminar a sessão, quando ainda foltavam oito ou dez minutos para dar a hora.
Parece-me que o meu requerimento não prejudica em a faltar, porque se a camara votar a prorogação da sessão s. exa. continua a faltar se quizer, e nós teremos muito prazer em o ouvir.
Portanto creio que não prejudico de modo algum a idéa do sr. Pinto de Magalhães continuar com o seu discurso (apoiados).
Peço pois a v. exa. que consulte a camara sobre o meu requerimento.
O sr. Mathias de Carvalho:- Eu desejava que v. exa. tivesse a bondade de verificar se ha numero suficiente na sala. Precisâmos saber se podemos votar.
(Pausa.)
O sr. Presidente:- Ha um numero sufficiente, porque estão na sala 48 srs. deputados.
O sr. Mathias de Carvalho (sobre o modo de propor):- Não pedi a palavra para impugnar a prorogação da sessão; desejava apenas dizer que sinto que v. exa. somente ás quatro horas menos um quarto se lembrasse que tinhamos ordem do dia.
Parece que o governo entende que a camara não tem necessidade de se occupar de objectos importantissimos.
Na minha opinião, esta maneira de proceder mio está a harmonia com as necessidades publicas.
É esta a unica observação que eu tinha a fazer.
Tambem não pertenci oppor-me á votação do requerimento, pedindo que se verificasse se havia numero sufficiente na sala para se poder votar; fi-lo unicamente, porque desejo que se proceda com regularidade nos trabalhos d'esta assembléa.
Voto pela prorogação da sessão, porque nunca me recuso a trabalhar.
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O sr. Presidente:- Não é por culpa da mesa que as cousas se encaminham assim.
Não notarei de quem é a culpa, porque os senhores sabem perfeitamente sobre quem hão de fazer cair essa responsabilidade; á mesa de certo é que ella não pertence.
Vou consultar a camará sobre o requerimento do sr. Penha Fortuna.
Consultada a camara, resolveu se que se prorogasse a sessão até que se votasse o projecto.
O sr. J. P. de Magalhães:- Estimei bem esta resolução da camara, porque assim fico alliviado das poucas reflexões que tenho ainda a fazer.
Ia eu dizendo que nós nem temos navios de guerra em condições de defenderem o porto de Lisboa e as nossas colonias, nem temos navios de transporte para acudirem ás urgencias d'estas.
Toda a minha argumentação se referia a estes dois pontos: Portugal não tem navios de guerra, porque não tem navios couraçados; Portugal não tem transportes para conduzir qualquer força ás províncias ultramarinas, porque, quando precisa fazer essa conducção, tem de fretar barcos a particulares ou a companhias; mas tinha-me esquecido de que a respeito dos navios de guerra ainda havia uma grande falha importantissima na nossa armada, que era a da artilharia.
Nós não temos artilheria propria para navios de guerra; e n'este momento direi a v. exa. e á camara que, nas experiencias que agora se estão fazendo em Inglaterra, se examina a artilheria ingleza de Armstrong, a artilheria prussiana de Krupp, e as peças lisas de aço, americanas, conhecidas todas como a artilheria de maior credito.
Estão muitos engenheiros inglezes, francezes e prussianos a examinar esta artilharia para os navios de guerra. Têem se feito, e estão-se fazendo, muitas experiencias, e posso dizer a v. exa. que por era todos os relatorios apresentados pelos officiaes encarregados d'esses trabalhos são favoraveis á artilheira de Armstrong.
A bala estriada ingleza produz muito melhores resultados do que a bala espherica americana.
Os navios couraçados soffrem os tiros de uma e outra artilheria; com grande damno toda consegue o seu fim - a destruição dos couraçados, mas a bala Armstrong é mais certeira, e alcança maior numero de metros que a bala Krupp e a americana.
Mas deixando esta parte da guerra, passo á parte dos nossos transportes, que era aquillo de que me estava occupando quando se levantou a questão incidental sobre se devia ou não continuar a sessão alem da hora.
O sr. Amaral, funccionario respeitavel e ditincto (apoiados), conhecendo por experiencia a necessidade que tinha-mos de ura transporte para as necessidades colonizes, tratou de comprar em Inglaterra a corveta Hawk. E d'este assumpto que vou agora tratar.
O sr. Amaral, fazendo a acquisição d'aquella corveta, suppoz que tinha sido um negocio bom, e remediado uma grande falta do nosso arsenal. O sr. Testa, um dos melhores officiaes da nossa armada, e muito intelligente (apoiados), sendo então deputado, foi o primeiro que fez perguntas a respeito da compra d'esta corveta, aggredindo o Sr. Amaral, dizendo-lhe que s. exa. fora infeliz, porque tinha dado 40:000 libras por uma embarcação que não era nova, e incapaz para o serviço a que era destinada, e que com muito menos dinheiro se poderia ter feito muito melhor negocio.
O sr. Amaral deu todas as explicações á camara sobre este ponto. Declarou que tinha encarregado da compra d'essa corveta homens competentes, que lhe mereciam toda a confiança. Mas depois nau pode justificar a compra, porque a corveta não era, como se lhe tinha dito, uma corveta nova, conheceu se que era uma corveta reconstruida ou retocada. Chegadas as cousas a este ponto, o sr. Amaral disse n'esta camara: "Meus senhores, eu sou um homem de bem, empreguei no interesse do estado, com o maior cuidado e zelo, tudo quanto era possivel para que fosse bem este negocio, mas foi infeliz; estou prompto a responder por todas.
A vista d'esta declaração do um cavalheiro tão illustrado como é o sr. Amaral (apoiados), cessaram todas as perguntas a respeito da corveta Hawk. Ficámos sabendo da boca d'aquelle ministro, auctor da compra, que o negocio era infeliz. Desde essa epocha até hoje não sei se a corveta pertence á marinha portugueza, se pertence ao vendedor ou a quem pertence, não sei nada, o que sei porém é que temos um encargo de 180:000$000 réis proveniente da compra da corveta.
Hontem tive o prazer de ouvir ao sr. ministro da marinha, que s. exa. faz todas as diligencias para terminar este negocio, que é o negocio mais doloroso que tem tido na sua administração; que tinha feito todos os esforços para o vendedor não receber as 40:000 libras e ceder sim alguma cousa a favor do nosso thesouro; que fez propostas para a deducção ser de 10 por cento, e que a final pôde conseguir que o vendedor reduzisse 7 1/2 por cento; que ultimamente porém tinha tido noticia de que desgraçadamente appareceram reclamações; e que finalmente está para resolver esse negocio, empregando todos os seus cuidados, e que logo que o resolva trará immediatamente á camara o resultado d'elle.
Ora, quando um ministro da marinha, que era o sr. Amaral, homem que empregou todo o seu zelo no interesse do estado, e que mandou pessoas competentes para examinar a corveta, a fim de que a compra fosse boa, mas que depois declarou que foi infeliz; quando outro ministro da marinha, o sr. Latino Coelho, diz que este negocio é muito doloroso para elle, que lhe tem acarretado immensos desgostos, e que espera traze-lo aos melhores termos possiveis, parece-me que a acção parlamentar deve parar. Escuso de fazer perguntas a respeito da corveta Hawk; quando dois srs. Ministros da coroa põem na discussão, um a infelicidade d'esta compra, apesar dos seus esforços para bem servir o paiz, outro os desgostos e dores que lhe tem causado esta herança, a critica deve parar para com estes dois funccionarios.
Mas se a minha critica parlamentar cessa n'este ponto diante da barreira que lhe oppõe o caracter de dois homens honestos, não posso comtudo deixar de fazer algumas reflexões relativas aos negociadores da compra d'esse navio.
V. exa. e a camara sabem que ultimamente tem havido grandes acçusações sobre a agencia dos negocios financeiros, e que ha rasão para se fazerem, porque n'uma das ultimas sessões disse aqui o governo, pelo orgão do sr. ministro da fazenda, "estes supprimentos que se estão fazendo no estrangeiro custam nos 6 por cento, mas pagâmos mais 8 por cento de commissão". Por conseguinte ha 8 por cento a descoberto que o estado paga, e sobre esta corretagem é que se fazem grandes accusações.
O mesmo digo a respeito da corveta Hawk. Ha apprehensões contra os negociadores d'esta compra, e tenho muito receio de que sejam fundadas essas apprehensões. E sabe v. exa. a rasão d'este receio? É que tenho aqui um documento muito valioso que me elucida e esclarece, em vista do qual lamento a infelicidade com que os nossos negocios são tratados, porque o estado desgraçadamente é quem sempre paga as custas.
Pouco mais ou menos na occasião em que o nosso governo tratava do adquirir para a marinha de guerra esta corveta, apparecia no Times de Londres, de 19 de abril de 1867, annunciada a venda de dez navios de alto bordo da marinha de guerra ingleza, a maior parte d'elles de vapor, e alguns de moderna construção, representando o conjuncto de mais de 24:000 toneladas, e da força de mais de 4:000 cavallos, todos pela somma de 68:000 libras esterlinas, o que dá 30:000$000 réis por navio, e sucessivamente se tem annunciado outras vendas. Os melhores navios da esquadra ingleza, que serviram na Criméa, que
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estiveram debaixo do commando do almirante Napier no Baltico, defronte de Cronstadt, foram vendidos por 6:800 libras, isto é, por 30:000$000 réis cada navio; e nós quando podiamos ter adquirido por um preço tão favoravel uma boa fragata para a nossa marinha, fomos dar 180:000$000 réis, quer dizer, o preço de seis daquelles navios por uma antiga corveta reconstruida!
Isto mostra que os corretores da compra dos navios são da mesma qualidade dos corretores das negociações de letras e de supprimentos a quem o estado tem recorrido, e que não previnem o governo das occasiões favoraveis para fazer bons negocios, como aquella a que alludo.
Não accuso os ministros, accuso a infelicidade de que fallava o illustre cavalheiro que actualmente está governando a provincia de Angola, accuso a fatalidade que persegue todos os nossos negocios.
Obter supprimentos a 6 por cento de juro e 8 por cento de corretagem, e comprar navios por 180:000$000 réis quando elles se vendem por 30:000$000 réis, são factos que eu não cesso de lamentar, fazendo votos por que tanta infelicidade nos deixe de perseguir, e esperando que o negocio de que se trata tenha uma resolução favoravel.
Vozes:- Muito bem, muito bem.
O Sr. Ministro da Marinha:- Mais uma vez se demonstrou que é sempre a verdadeira modestia o signal e o indicio da verdadeira proficiencia.
O illustre deputado que acabou de fallar começou por pretender justificar-se do que elle julgava ousadia fallar num assumpto alheio ás suas habituaes cogitações, mas a maneira por que o fez, entrando nas mais largas e technicas ponderações acerca de negocios que á primeira vista lhe parecem estranhos, mostra que s. exa. não só é um esplendor do fôro, mas que póde nos ocios da sua profissão applicar-se com vantagem ás cousas da navegação e da armada. E não será para admirar que s. exa. falle n'este ponto com tanta sisudez e conhecimento, se nos lembrarmos que por mais de uma vez homens completamente estranhos á vida militar, tanto de terra como de mar, têem conquistado gloria immorredoura no exercito e na armada.
Folguei de ouvir o illustre deputado, porque s. exa. não combateu o projecto; lastimou o estado da nossa marinha, no que eu tambem o acompanho.
Apenas farei algumas reflexões para corrigir ou rectificar algumas inexactidões que escaparam a s. exa.
Uma d'ellas é, - que este projecto vem desacompanhado de todos os documentos illustrativos.
Peço licença para notar a s. exa. que, se entende por falta de illustração o não virem appensos ao projecto os documentos que elucidam, a increpação do nobre deputado tem fundamento.
Mas devo lembrar que já na ultima sessão, em que se tratou d'este assumpto eu disse que esses documentos seriam presentes á camara no seu maximo laconismo nos mappas appensos ao relatorio do ministerio da marinha e ultramar.
Ahi encontrará s. exa. não só a indicação generica dos navios, mas a indicação nominal, e a força que deve guarnecer cada um dos vasos de guerra.
Quanto aos esclarecimentos acerca do estado da nossa marinha, devo responder ao illustre deputado, que esses esclarecimentos vem no relatório do ministerio da marinha e ultramar que se está elaborando, e que em breve será presente á camara. Ahi a curiosidade do illustre deputado encontrará todas as informações que o possam elucidar.
O illustre deputado lastimou que nós não tivessemos uma força naval, já não digo similhante, mas que ao menos rastreasse a força naval de outras nações maritimas.
N'esta parte acompanho s. exa., mas devo observar que não é só n'este ramo de administração que estamos muito afastados de outros paizes.
O illustre deputado sabe que ha nações que têem numerosos exercitos, não só para prover á sua defeza, mas tambem com idéas de conquista; mas sabe igualmente que tudo isso demanda grandes meios, e que nós não os temos.
Ha outras em que a instrucção publica está muito desenvolvida e bem estipendiada. Poderia citar um grande numero de estados da Allemanha em que isto se dá; poderia citar a Suissa. Entre nós, pela estreiteza dos nossos recursos, é impossivel que attinjamos a perfeição n'este ramo de serviço, mas é possivel chegarmos a um estado que se possa reputar satisfactorio! (Apoiados.)
O desejo do governo seria apresentar á camara uma proposta de lei elevando a força naval, triplicando ou quadruplicando o numero dos navios que hoje indica n'este projecto, mas como muito acertadamente disse o illustre deputado, o sr. Pinto de Magalhães, seria um pleonasmo governativo o vir propor á camara que se acrescentasse o numero dos navios de madeira, quando esses navios são hoje declarados por todas as potencias como improprios para a guerra, por isso que não são navios de combate (apoiados). Mas quererá o illustre deputado que na estreiteza dos nossos recursos nós vamos fazer navios couraçados? Eu declaro que os não podemos fazer. E v. exa. e a camara devem entender que o projecto de lei que está em discussão, tendo de vigorar no anno economico de 1869-1870, foi redigido e elaborado em relação ás nossas necessidades mais urgentes, e em harmonia com os meios de que podiamos dispor.
Isto porém não quer dizer que quando as circunstancias do thesouro melhorem, não digo já extremamente, mas um pouco alem do seu estado actual, o governo e os poderes publicos d'esta terra se não empenhem em levar a marinha a um maior grau de florescimento e prosperidade (apoiados).
O illustre deputado ainda fez algumas considerações a respeito da compra da corveta Hawk. Eu já n'uma das ultimas sessões em que este assumpto se tratou, creio que foi hontem, dei á camara todas as explicações que me cumpria dar sobre este negocio. Disse que havia uma reclamação da parte do vendedor, e pedi a v. exa. e á camara que me dispensassem de ir mais longe nos esclarecimentos a este respeito, esperando com muito fundamento poder apresentar ao parlamento em breve tempo, e depois de concluida a transacção de todo o negocio, os documentos que o possam esclarecer sobre este assumpto.
A proposito d'este projecto poder-se-iam fazer largas considerações sobre a força maritima e sobre a introducção dos ultimos melhoramentos no serviço da nossa marinha de guerra, mas entendo que a occasião mais opportuna para estas dissertações serem presentes á camara será quando se tratar da discussão do orçamento da marinha. Espero ter occasião de ouvir as observações dos illustres deputados, que são competentissimos n'estes assumptos, e será então o ensejo proprio de se estabelecer uma larga dissertação acerca das necessidades da marinha e dos meios e recursos para as attender (apoiados).
Agora parece que me posso dispensar de cansar mais a attenção da camara, e de contribuir pela minha parte para que a sessão se prolongue muito alem d'aquella hora a que ordinariamente se estendem as prorogações.
Vozes:- Muito bem; muito bem.
O sr. J. M. Lobo d'Ávila:- Era primeiro logar peço a v. exa. queira ter a bondade de mandar verificar se ha na sala numero sufficiente de srs. deputados para a sessão poder continuar e eu proseguir nas observações que desejo fazer a proposito do assumpto que se discute.
(Pausa.)
O sr. Presidente:- Ha numero na sala.
O sr. J. M. Lobo d'Avila:- Sr. presidente, eu tinha-me preparado para fallar um pouco largamente sobre esta questão, mas a urgencia dos trabalhos da camara, que determinou a prorogação da sessão, e o adiantado da hora, obrigam-me a ser mais laconico do que desejava.
Não faltará occasião em que venha mais a proposito esta
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questão, por exemplo quando se tratar do orçamento do ministerio da marinha, que naturalmente ha de vir...
O sr. Ministro da Marinha:- Sim, senhor.
O Orador:- E o das colonias...
O sr. Ministro da Marinha:- Já cá está.
O Orador:- Que já cá está sei eu. Eu referia-me á discussão d'elle.
O sr. Ministro da Marinha:- Ha de vir á discussão.
O Orador:- Bem.
Dizia eu que me reservava para em outra occasião tratar dos assumptos de que cumpre que nos occupemos, e não o faço agora mesmo para que o nobre relator da commissão de marinha, que tem a palavra, pousa dizer alguma cousa sobre o assumpto e apresentar algumas circunstancias que justifiquem a adopção d'este projecto, no qual se nota uma diminuição consideravel da força de mar que se pretende empregar no anuo economico de 1869-1870.
O projecto era em si muito simples se não tivesse ligação com outros assumptos de maxima importancia.
Eu tinha que dizer algumas palavras com relação á compra da corveta Hawk, mas depois das explicações dadas á camara pelo sr. ministro da marinha, considero-me dispensado de insistir mais, demonstrando quanto é prejudicial a demora d'aquelle navio no posto de Inglaterra.
A questão da compra d'aquelle navio e a maneira por que foi decidida já foi ponta em relevo pelo orador que me precedeu, e a camara de certo já aprecia os inconvenientes que têem resultado de tão mau negocio.
O que eu peço ao illustre ministro, e persuado me que s. exa. se prestará a [...] ao meu pedido, é que pela sua parte empregue todos os meios para que as compras de navios, se porventura houverem de se fazer, os reparos de outros, e a requisição do material de guerra de qualquer especie não se façam de futuro por intervenção de individuos que possam, talvez por menos experiencia, influir de uma maneira desfavoravel n'essas negociações, com prejuizo para a fazenda.
Já depois da compra da Hawk, foi para Inglaterra a corveta Bartholomeu Dias para concertar. Esteve lá oito mezes! e depois de muitas ordens contraditorias, voltou a Lisboa carecendo [...] reparo, e tendo se gasto com elle 4:000 libras,[...] segundo se diz, em peior estado do que tinha para [...] Tiraram-lhe o forro, e a obra principal do que [..] e era a popa, não se fez. Voltou para Lisboa, o [...] impossibilitado de servir e sem caldeiras; tambem sem [...] por economia?...
Diz se, não sei se com exactidão, que tinha sido encarregada do concerto da Bartholomeu Dias a mesma casa que tinha negociações pendentes com o governo ácerca da venda da corvo Hark.
Deixo de parte a questão da corveta Hark. E tanto mais que já me lisonjeia a idéa de que serão economizadas pelo menos 3:000 libras n'aquella compra.
O sr. Ministro da marinha disse na sessão de hontem, vendedores a fazerem uma redacção de 7 1/2 por cento em relação a 180:000$000 réis equivale a ou 13:50[...] ou a 3:000 libras...
O sr. Ministro da marinha:- Mas acrescentei que havia uma reclamação da parte dos vendedores.
O Orador:- Mas lisongeia-me a idéa da economia, apesar da reclamação, de que vou tendo receios.
Resta-me ainda a questão do armamento naval e da força para guarnecer, os nossos navios.
A respeito da capacidade e escolha de navios couraçados ou não couraçados, é essa questão já muito debatida, e foi muito esclarecida pelo nosso antigo collega official do marinha, o sr. Carlos Testa, digno ornamento da armada.
Hoje não ha ninguem que deixe de reconhecer que os navios de madeira, sobretudo os de pequeno lote, como os que nós fazemos, não servem senão para guardas da fiscalisação, ou, quando muito, para estabelecer estações nas colonias. Mas nós não deviamos amesquinhar tanto os nossos meios de defeza maritima, sobretudo com relação ao porto de Lisboa.
S. exa., o nobre ministro da marinha, obedecendo naturalmente ás rasões economicas, e sem consideração ás necessidades do serviço propõe, pelo seu projecto, reduzir ainda mais a força naval do que o estava no anno economico de 1868-1869.
Na proposta de lei, que fixava a força naval para 1868-1869, pediam-se 3:290 praças, comprehendendo o armamento de 23 navios, que eram 1 fragata, 7 corvetas, l brigue, 6 escunas, 2 hiates, 1 euter, 1 cahique, 3 vapores e 1 transporte; pelo projecto que está em discussão o numero de navios da armada é reduzido apenas a 19, sendo: 1 fragata, 5 corvetas, 1 corveta de véla, 4 canhoneiras, 2 transportes, 1 corveta, 1 brigue, 2 vapores, 1 hiate e 1 euter.
Alem d'isso deve notar-se que não estão aqui comprehendidas 206 praças mencionadas no mappa BB, e que são a guarnição da esquadrilha de fiscalisação na costa do Algarve e na costa do norte do reino, e sobre isto desejava alguma explicação do sr. ministro da marinha ou do sr. relator da commissão.
N'este numero de praças da guarnição dos nossos navios de fiscalização, creio que não estão comprehendidas as guarnições das canhoneiras n.ºs 1 e 2 do Guadiera, não obstante ter sido ainda ha pouco [...] um official de marinha para as commandar e serem tripuladas por individuos pertencentes á armada. Mas vejo que não vêem incluidas no mappa BB, que menciona apenas 206 praças para a guarnição dos navios de fiscalisação, sem fallar d'aquellas canhoneiras.
Desejava pois, como já disse, que o sr. ministro da marinha ou o sr. relator da commissão me explicasse se as praças de guarnição nas canhoneiras l e 2 de serviço no rio Guadiana estão comprehendidas na força mencionada no mappa BB, que apresenta a força de 206 praças, porque a não ser assim ainda fica mais abatida a força total para serviço da esquadra, e a diminuição de 429 praças que já se notava comparando com a força pedida pelo orçamento de 1868-1869, não será só de 429 praças, como se menciono no orçamento rectificado, apresentado ultimamente pelo sr. Ministro da marinha, mas tambem ainda de menos as praças que se tiverem a destacar para o serviço d'aquellas canhoneiras, e que de certo ficarão de menos para as guarnições dos novos da esquadra.
A camara está impaciente porque a hora está adiantada, e estas causas na presente occasião parece que pouca attenção lhe merecem, geralmente fallando; vou portanto concluir com as seguintes observações.
O sr. ministro da marinha reduziu 429 praças na força de mar; pretenderá s. exa. diminuir o numero dos nossos navios de guerra em armamento, ou. conservando os mesmos altera as suas lotações, ficando elles com menos força? Para haver uma reducção de 429 praças é preciso que se realise uma das duas hypotheses ou que o numero de navios armados para o anno de 1869-1870 seja menor, o que alias não se pode fazer, attendendo ás necessidades do serviço, ou reduzindo a força das tripulações, o que tem grandes inconvenientes.
O sr. Ministro da Marinha:- Reduziu se o numero do navios, e a lotação tambem foi rectificada.
O Orador:- Muito bem. Pelo que responde o sr. ministro da marinha, vejo que se fizeram ambas as reducções, com o que não posso concordar. Nós temos no Tejo oito navios para concerto; uma grande parte d'elles carece de grande fabrico, e posso informar a camara que são as corvetas Bartholomeu Dias e Palmella, a escuna Barão de Lazarím, e a canhoneira Zarco, todas do vapor, precisando três d'estes de caldeiras. Os navios de vela nau Vasco da Gama, corvetas Damão e Goa, e hiate Penha Firme; e convem observar que alem d'estes navios, resta a canhoneira a vapor Tejo, que está por apparelhar, o vapor Rebocador, que carece ver o fundo, a corveta Maria Anna, que de-
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via ter partido para Moçambique, a render a corveta Infante D. João, mas que entrou na doca flactuante para ver o fundo; resta por mencionar a fragata D. Fernando, que carece de novo apparelho se tiver de fazer viagem de cabos a dentro.
Sr. presidente, alem dos homens especiaes, ou algum curioso, pouca gente sabe certas particularidades do nosso armamento naval; mas eu entendo fazer um serviço á camara e ao paiz, informando do que sei á custa das minhas indagações; assim permittam-me v. exa. e a camara que tome mais alguns momentos, para mencionar que acho mal guarnecidas as nossas colonias com os poucos navios que lá estão em serviço, e que segundo me parece são apenas os seguintes, ao todo nove. Em Cabo Verde, a canhoneira Minho; em Angola, a corveta Sagres, a canhoneira Guadiana e o brigue Pedro Nunes, que é dado no mappa respectivo junto ao orçamento, como em meio armamento no Tejo; em Moçambique apenas está a corveta Infante D. João, que não póde entrar nos portos da provinda, e já teve ordem para regressar a Lisboa; em Macau só está a corveta Sá da Bandeira! Em S. Thomé e Príncipe não ha navio, e em todo o imperio do Brazil, aonde temos tantos interesses, Apenas ternos a corveta Duque da Terceira!!!
Temos pois nas estações, se me não engano, apenas sete navios; e se em nome das economias e em nome da reduccão do material para o arsenal de marinha se deixarem sem concerto os oito navios que d'elle estão carecendo, o que ha de acontecer é que no fim de pouco tempo estaremos sem navios para o serviço, porque os que estão nas estações da costa d'Africa, se lá se demorarem muito, quando voltarem para o Tejo estão podres, ou carecendo de grandes fabricos, e os que necessitam já de concertos, não se lhes fazendo a tempo deterioram-se e estragam se completamente. Nós temos navios que estão ha mais de dois annos na conta d'Africa, e se não forem rendidos em pouco tempo, hão de chegar aqui em muito mau estado.
Quer isto dizer que parte da nossa esquadra está sem reparo, porque não ha material, e a outra está se estragando pela sua demasiada conservação nos mares d'Africa, e quando tiver de voltar não haverá com que a substituir.
Chamo portanto para isto a attenção do sr. ministro da marinha, e como s. exa. está muito entretido com o sr. ministro das obras publicas, e parece dar pouca attenção ao assumpto, que eu aliás julgo momentoso, aproveitarei outra occasião em que s. exa. esteja menos entretido, para fazer as considerações que julgo opportuno apresentar em relação ao objecto em discussão, e que sem duvida é extremamente grave.
Termino chamando a mais seria attenção do sr. ministro da marinha para as interminaveis obras do dique; consta me que se tem já despendido mais de l50:000$000 réis, sem que tenha havido verba especial no orçamento para aquella avultada despeza, sendo feita pelas quantias desviadas da sua applicação legal, e votadas pelas camaras para novas construcções e armamento naval. Creio que se continua n'este mau caminho, pois não vejo no orçamento verba pedida para as obras do dique. Quando se discutir o orçamento prometto entrar em analyse mais demorada; termino assim, por falta de tempo, as reflexões que tinha a fazer.
O sr. Montenegro:- Requeiro que v. exa. consulte a camara sobre se a materia está suficientemente discutida.
O sr. Mathias de Carvalho (sobre o modo de propor):- A camara decidiu que a sessão fosse prorogada, e eu associei me a esta votação.
Depois inscrevi-me para tomar parte no debate; e vejo agora, com pezar, que um collega meu requer que a materia se julgue suficientemente discutida.
Entranho este procedimento, porque me parece que elle está pouco em harmonia com as boas praticas parlamentares.
A gravidade das circumstancias em que nos achâmos...
O sr. Sá Nogueira:- Isto não é questão de modo de propor.
O Orador:- Observações d'esta ordem em casos analogos têem sido sempre permittidas. Estes precedentes dão-me um direito, que só póde ser invalidado por uma resolução da assembléa.
Desejo que se fique sabendo de uma vez para sempre...
O sr. Sá Nogueira:- Peço a palavra para responder a esta excitação do sr. deputado.
O Orador:- Não estou excitado; sinto ver menos benevolencia do illustre deputado para commigo.
O sr. Sá Nogueira:- Eu não estou com menos benevolencia; notei ao illustre deputado que estava fóra da ordem, e tinha direito para o fazer.
O Orador:- E eu mantenho o meu direito de usar livremente da palavra. Quando falla qualquer dos meus collegas tenho por costume ouvi lo com attenção; nunca me passou pela idéa interrompe-lo para lhe coarctar a liberdade de exprimir as suas opiniões. Sou respeitoso para com todos, para que todos me respeitem.
Vou terminar, porque nada mais tenho a dizer. Peço a v. exa., sr. presidente, a leitura dos nomes dos deputados ainda inscriptos para fallar sobre o projecto que se tem discutido.
Posto à votação o requerimento do sr. Montenegro, julgou se a materia discutida.
O sr. Matos Correia:- Requeiro a v. exa. que se declare na acta que eu, sendo relator da commissão, não tive a palavra em consequencia de se ter julgado discutida a materia.
Posto á votação o projecto, foi approvado assim na generalidade e como na especialidade.
O sr. Presidente:- A ordem do dia para segunda feira é trabalhos em commissões, sem dependencia da abertura da Sessão; e para terça feira são os projectos n.ºs 38 e 89.
Está fechada a sessão.
Eram cinco horas da tarde,
IMPRENSA NACIONAL - 1869