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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

se tratava d'estes assumptos; preparava-se o illustre governador, quando foi mandado retirar d'ali, para fazer um reconhecimento cabal e preciso do estado d'aquelles paizes, e estava encarregado de percorrer as Novas Conquistas, o de preparar este trabalho quando se deu a eventualidade das nossas demissões.

Não fallo agora da Africa, tanto oriental como occidental, onde aliás se não administra melhor, e que a Zambezia o diga; fallo apenas do estado da India. Na India as Novas Conquistas não têem comarcas, têem julgados ordinarios, julgados onde os naturaes do paizão juizes, e s. ex.ª face perfeitamente que sempre que o juiz fôr brahmine ha de condemnar forçosamente quem for chardó; o chardó condemnará o brahmine ou o sudra e vice-versa; que é o que sempre acontece nos paizes sulcados de castas diversas, como são os paizes do oriente. Ha excepções, e tanto mais honrosas quanto são rarissimas.

A ultima guerra de Satary teve o seguinte fundamento, que é curiosíssimo.

Um lôtte roubara uma viuva indú, o que é uma affronta e um crime de primeira classe n'aquelles paizes, e segundo a religião brahmanica. Esta viuva pertencia á familia dos ranes, os antigos senhores de Satary. O pae e os irmãos d'esta mulher, assim deshonrados, protestaram vingar-se, e o hôtte sabia o que o esperava. Meditou elle a maneira de subtrahir-se ao odio d'aquelles a quem ultrajara; o acaso favoreceu-o. Um dia foi achado no mato um cadaver, o Botto com a influencia que lhe dava o seu caracter sacerdotal, influencia que em toda a parte é grande, angariou testemunhas que juraram ter visto os ranes, pae e irmãos da sua amante, assassinar áquelle homem cujo cadaver era entregue á justiça.

O juramento falso é frequente nos paizes indiaticos, e este juramento, que não póde ser contrastado, tão bem enredado estava, que prevaleceu.

Toda a India sabia que isto era uma falsidade, mas como lá não ha jury, os juizes entenderam que não tinham outro remedio, em vista das testemunhas que faziam prova plena, senão condemnar a trabalhos publicos por toda avida aquelles cidadães que lá fui encontrar nos presidios de Goa arrastando a grilheta infamante.

Passados dias, depois da nossa chegada, elles que premeditavam de longa data fugir e vingar-se, poderam obter meio de evadir-se, e foram para as Novas Conquistas; organisaram-se em guerrilhas, ou antes quadrilha de bandidos, e d'ahi, o que a camara sabe, conseguindo esquartejar o botto, que os tinha ultrajado e perseguido, e alarmando por tantos annos todo o estado da India.

Isto ha de continuar a fazer-se emquanto não houver justiça, como é preciso que haja nas nossas possessões do ultramar. (Apoiados.)

Eu disse tambem que era falta de administração; repito o que disso, e affirmo-o.

Áquelle paiz, depois que pertence á corôa portugueza, pouco mais tem que tribus nómadas; o governo portuguez ficou senhor de todos os terrenos; tem feito alguns aforamentos, sobretudo a pessoas estranhas ao paiz.

O sr. conde de Torres Novas quiz dar desenvolvimento á agricultura n'aquellas fertilissimas e desaproveitadas regiões, e honra seja feita á sua memoria (apoiados), mas a maior parte dos habitantes das Novas Conquistas não têem um palmo de terra que possam chamar seu. Queimam em cada anno um pouco de mato, destruindo ás vezes importantes florestas, e ahi semeiam furtivamente, os seus legumes; colhemos ante - sessão, verdes ainda, o á pressa, para se subtrahirem á voracidade das camaras agrarias e ás imposições da auctoridade fiscal, que lhes leva o que bem lhe padece; d'ali fogem os pobres nómadas, indo no anno seguinte fazer os seus como rins a outra parte. O remedio é dar a esta gente miseravel terrenos onde se fixem fazendo os cidadãos, e é dar-lhes auctoridades civis em vez de commandos militares, que lá têem o nome de administrações

geraes. Feito isto, hão de acabar as guerras e os bandidos das Novas Conquistas.

O sr. visconde de S. Januario viu este mal e quiz dar terras aquella população das Novas Conquistas. Não teve tempo.

O illustre ministro sabe isto, não estou a dar lhe novidade nenhuma; sei que s. ex.ª presta toda a attenção ás questões que estão affectas aos ministerios que dirige; pareceu-me, porém, dever secundar os intuitos do meu nobre amigo o sr. Luiz de Lencastre. (Apoiados.)

E a primeira vez que fallo do ultramar, e, indubitavelmente, não tenho a honra de o representar no parlamento, e vejo que elle está representado muito dignamente; mas visto que tomei a palavra quando se fallava da sua magistratura, e como eu me lembrei da India, onde servi, peço ao sr. ministro que olha para aquella parta da nossa monarchia, que nos dá ainda hoje muita honra, e que sendo bem administrada, póde dar muito interesse a Portugal.

E justo não esquecer que, ao passo que as nossas ricas possessões de Africa oriental têem constantemente pedido ao governo da metropole rios de dinheiro, a India pegava todos os seus encargos e ainda tinha sobras. E de ella acaso tudo quanto póde dar?

A India não é tão pobre como todos os dias aqui se diz. E note V. ex.ª que se acaso se quizer que haja um bom systema de colonisação entre nós, faça-se como se faz na Inglaterra, estudam-se os pontos de aclimatação, e verão que a India deve ser a nossa primeira paragem. Alem d'isso temos lá um viveiro de pessoal, mais ou menos habilitado, que póde com vantagem ser empregado nas nossas possessões da Africa, porque os habitantes da India dão se perfeitamente em todos os paizes, e resistem a todas as latitudes onde temos colonias, não devendo esquecer que é a maior das deshumanidades mandar directamente gente de Portugal para a Africa, especialmente para a provincia de Moçambique.

Peço perdão do incidente, foi-me inspirado pelas considerações muito sensatas de que o meu prezado amigo, o sr. Lencastre, acompanhou a apresentação da sua proposta.

Agora desejava que o sr. ministro das obras publicas estivesse presente, para lhe pedir o favor de não se esquecer de um modestissimo projecto de lei que, como representante do circulo de Bragança, tive a honra de apresentar n'esta casa na sessão passada, e que me pareceu bem acolhido por s. ex.ª; porém a verdade é que das suas boas palavras á boa pratica dista já toda a sessão que lá vae, toda esta, o intervallo de sessão a sessão, e s. ex.ª não me fez o favor ainda de realisar a quasi promessa que, ha mais de um anno, me fez.

O caminho de ferro do Douro não póde ficar no Pinhão. O caminho de ferro do Douro, atravessando a provincia de Traz os Montes, tem de ir procurar á fronteira a vizinhança de uma estação dos caminhos de ferro da Hespanha. Esta estação poderá ser Zamora. Não é para mim designar a directriz; peço apenas que de estude, e isto hei de pedir e por isto hei de instar emquanto tiver um logar no parlamento, embora não seja representante de algum dos circulos d'aquelle districto.

Queria pedir ao nobre ministro que olhasse para as necessidades, para as urgências da provincia de Traz os Montes, para o desequilibrio dos preços que facilmente se notam entre os mercados d'aqui e os mercados de lá. (Apoiados.) Nós para pedirmos as contribuições aos povos não avaliámos isto, e é preciso avalia-lo. (Apoiados.)

O proprietario de Traz os Montes vende por meio tostão um alqueiro de castanhas, e nós compartamo-lo por 500 réis em Lisboa. (Apoiados.) ih bom que o governo saiba isto.

Ora equiparar, para o facto da imposição dos tributos, os preços d'aqui com os preços de lá, é o mais injusto dos arbitrios. (Apoiados.)

Não ha meio algum de restabelecer este equilibrio senão dando vias de communicação ás provincias que não

sessão de 31 de março