O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1032 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

se póde applicar o verdadeiro cautério ao estado profundamente pathologico em que se encontra toda a economia portugueza, estado em parte resultante do facto a que nos estamos referindo. Não é com expedientes de fiscalisação já gastos, que se póde atalhar este mal; mas sim estudando cuidadosamente quaes serão as medidas radicaes, verdadeiramente inspiradas no interesse de ambos os povos e que, embora se afastem da rotina, tão querida dos nossos estadistas, serão o unico meio, capaz de por um termo aos inconvenientes que apontámos e que todos os partidos deploram sem lhe poderem encontrar ou sem lhe quererem applicar-o remédio.
Não venho aqui, sr. presidente, apresentar um conjuncto de medidas para ser posto em pratica desde já, porque, no estado a que as cousas chegaram, é preciso reflectir, e reflectir muito, antes de proceder de modo definitivo; mas por isso mesmo não posso deixar de estranhar que uma questão que interessa tanto á economia portugueza não esteja, não digo já resolvida, mas estudada, porque, quando se trata de assumptos desta ordem, o estudo das condições do problema importa uma meia resolução. Alem disso eu sou de opinião que estas questões attinentes á riqueza publica se devem estudar reflectida, meditada e profundamente, para em presença dos elementos colhidos por esse estudo se tomar uma resolução acertada, e não impensada e leviana, como aconteceu com o malfadado imposto do sal, imposto que está ameaçando fazer desapparecer do quadro das nossas industrias a industria da pesca, que em todos os paizes merece especial cuidado da parte dos governos, a ponto de se lhe concederem prémios para a animar noa esforços empregados em melhorar as suas condições, a fim de poder vantajosamente luctar com a concorrencia nos mercados do mundo, ao passo que entre nós não só se lhes nega protecção, mas esmaga-se com os mais iniquos, injustos e vexatórios tributos. (Apoiados.)
Depois do imposto do pescado, que é monstruoso, e que só em Portugal poderia ser considerado como uma fonte legitima de receita para o thesouro, vem o imposto do sal aggraval-o e transformar num insupportavel martyrio a tristíssima condição dos nossos pescadores. (Apoiados.)
São tão profundamente verdadeiras, sr. presidente, as palavras que estou proferindo neste momento, que a camara, de ordinário para mim tão muda, me applaude significativamente. Recordo-me agora até, que o sr. Costa Pinto, que vejo fallando com o sr. ministro da fazenda, apesar de ser deputado da maioria, apesar de apoiar freneticamente o governo, não duvidou, com uma isenção que applaudo e louvo, vir apresentar na sessão passada ao parlamento um projecto de lei abolindo o imposto do pescado...
O sr. Costa Pinto: - Peço perdão; não apresentei.
O Orador: - Não tenho agora á mão os documentos necessários para comprovar a minha asserção, de cuja verdade estou perfeitamente seguro. Como o sr. deputado, porém, declara formalmente que não apresentou similhante projecto de lei, acceito por agora a declaração. Mas, emfim, tenciona apresentai-o ...
O sr. Costa Pinto: - Não, senhor.
O Orador: - É na verdade doloroso, sr. presidente, que em Portugal a disciplina partidária se comprehenda de um modo tão extraordinário!
Quando se julga, com effeito, fazer um elogio á independência e á hombridade de qualquer membro da maioria, porque praticou um acto digno de louvor nestes tempos que vão correndo, elle toma á má parte essa referencia, não digo amável, porque não venho aqui dirigir amabilidades a ninguém, mas cortez, e pelo tora com que lhe replica, parece mais ter recebido uma desconsideração ou um insulto...
O sr. Costa Pinto: - Neste ponto disse a v. exa. que não tinha apresentado nenhum projecto de lei, pedindo a abolição do imposto do sal toda a camara sabe que me comprometti unicamente com a abolição do imposto do pescado para attenuar...
O Orador: - Mas foi isso exactamente o que eu disse! (Riso.) Eu referia-me ao imposto do pescado, que v. exa. propoz abolir, e não ao imposto do saí! Só um mal entendido zelo de disciplina partidária levou v. exa. a não ser justo com a justiça que eu lhe queria fazer! (Riso.) Pois bem, continua o imposto do pescado, de tal maneira monstruoso, sr. presidente, que muitos deputados da maioria acabam, com os seus applausos às minhas palavras, de dar perante a camara e perante o paiz claro testemunho de como os laços de solidariedade política que os prendem aos ministros, que se sentam n'aquellas cadeiras, não são bastante fortes para os impedirem de manifestar a mais accentuada repugnância contra tão dura imposição fiscal!
Esses deputados entenderam que não podiam por mais tempo persistir silenciosos perante a tyrannia d'esse imposto esmagador, desse imposto sobre a miséria, desse imposto, finalmente, cobrado às vezes sobre a morte!... (Riso.)
(Interrupção que não se ouviu.)
Diz-me aqui um meu collega que esse imposto é cobrado sobre a morte do peixe! .. (Riso.) É triste, sr. presidente, é tristíssimo, srs. deputados, que quando se abrem as paginas das luctas mais heróicas desse punhado de portuguezes que se chamam - os nossos pescadores essas paginas despertem apenas um dito picante e engraçado, ou o riso franco e sem ceremonia da camara. (Apoiados.)
Ah! senhores, como este riso contrasta com as lagrimas, com o lucto e com a orphandade, que quasi sempre são a triste herança que em cada lar se encontra, nos nossos districtos marítimos! ...
Sr. presidente, continuo a dizer que o imposto sobre o pascado é um imposto cobrado sobre a morte! Porque v. exa. que ha de ter visto, ou ouvido contar, o que se passa, durante o inverno, nas aldeias da pescadores, em toda a extensa linha da nossa costa, não póde ignorar quantos lances commovedores e amictivos, que não raro importam a perda de famílias inteiras, são às vezes a moeda luctuosa em que se paga ao fisco o preço de muitas vidas.
A pobre população trabalhadora das nossas praias ganha a custo o amargo pão de cada dia, insufficiente quasi sempre até para as mais urgentes necessidades, tendo de arrostar a todo o momento com a morte; mas o imposto do pescado lá lhes vae tirar sem piedade as magras migalhas de um miserável lucro, sem attender às angustias que esse lucro representa, porque em metade do anno é elle obtido com perigo da própria vida!
Ainda ha pouco tempo, sr. presidente, ha dias apenas, uma dessas infelizes populações foi assaltada por tremenda desgraça.
O Oceano em fúria destroçou, junto á praia da Nazareth, alguns bateis que voltavam da pesca, á vista de mães, esposas e um rancho de creanças, todos loucos de dor e já de lucto, pois iam em breve ficar privados do seu unico amparo!
Com effeito os barcos perderam-se, morrendo parte da tripulação que n'elles estava. E já que recordo á camara esta triste historia, mas que tão vulgar é entre nós, não posso deixar de fazer notar o condemnavel abandono em que todos os governos, sem excepção, têem deixado os interesses de uma das classes deste paiz mais dignas de sympathia! Não houve, vergonha éter que dizel-o, sr. presidente, a um ministro portuguez, não houve na occasião d'esse desastre, a que acabo de referir-me, um virador, um salva-vidas, um unico meio para arrancar aos horrores da morte aquelles pobres desgraçados, a quem o fisco implacável já esperava em terra, para a costumada imposição.
Ao menos desta vez o mar cioso roubou a presa á voracidade da fazenda!
E, no entretanto, a praia da Nazareth é uma das que