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SESSÃO DE 8 DE ABRIL DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

SUMMARIO

Cinco officios de diversos ministerios e um da legação belga. - Segunda leitura e admissão de dois projectos de lei e de uma proposta para renovação de iniciativa. - Representação da camara municipal de Penamacor, apresentada pelo sr. Franco Frazão. - Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Alfredo Peixoto, A. J. d'Avila e Luciano Cordeiro, e um de interesse particular apresentado pelo sr. Pereira Borges. - Justificações de faltas dos srs. Avellar Machado, Antonio Joaquim da Fonseca, Teixeira de Sampaio e Vicente Pinheiro. - Resolve-se que seja publicada no Diario do governo uma representação mandada para a mesa na sessão anterior pelo sr. Franco Frazão. - Apresenta dois projectos de lei o sr. conde da Praia da Victoria. - O sr. Avellar Machado agradece o ter sido desanojado pela mesa por occasião do fallecimento de um seu cunhado. - Manda para a mesa um projecto de lei o sr. Alfredo da Rocha Peixoto. - Annuncia uma interpellação ao sr. ministro da fazenda e faz algumas considerações sobre o imposto do real de agua o sr. Germano de Sequeira.- O sr. Pinto de Magalhães participa a constituição da primeira secção da commissão de inquerito ao imposto do sal. - O sr. Teixeira de Sampaio insta pela remessa de uns documentos. - O sr. Scarnichia renova a iniciativa de um requerimento de interesse particular.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.° 29. - Apresenta uma questão previa e impugna o projecto o sr. Veiga Beirão. - Responde-lhe detidamente o sr. ministro da fazenda. - O sr. Avellar Machado manda para a mesa um parecer da commissão de obras publicas para ser enviado á de fazenda. - Usa da palavra contra o projecto, sustentando uma substituição, o sr. Consiglieri Pedreso, que fica com a palavra reservada.

Abertura - Ás duas horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - 60 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, A. J. d'Avila, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Carrilho, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Sanches de Castro, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, E. Coelho, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Barros Gomes, Franco Frazão, Augusto Teixeira, Scarnichia, João Arrojo, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Laranjo, José Frederico, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Reis Torgal, Luiz Jardim, M. J. Vieira, Marçal Pacheco, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Sousa e Silva, Antonio Centeno, Fontes Ganhado, Jalles, Sousa Pavão, A. Hintze Ribeiro, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Estevão de Oliveira, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, J. A. Pinto, Sousa Machado, Dias Ferreira, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Masearenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Dias, Luiz Osorio, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Tito de Carvalho e Vicente Pinheiro.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Garcia do Lima, Albino Montenegro, Silva Cardoso, Antonio Cândido, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Moraes Machado, Urbano de Castro, Fuschini, Neves Carneiro, Barão de Viamonte, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Guilherme de Abreu, Baima de Bastos, J. C. Valente, Melicio, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro aos Santos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Amorim Novaes, Correia de Barros, José Borges, José Luciano, Ferreira Freire, Oliveira Peixoto, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio do Vilhena, Lopo Vaz, Luiz Ferreira, Manuel d'Assumpção, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel do Medeiros, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Arthur Hintze Ribeiro, os esclarecimentos prestados pela administração do hospital do se. José.
Á secretaria.

2.° Do ministerio da justiça, remettendo, para ser guardado no archivo d'esta camara, o incluso autografo do decreto das côrtes geraes de 18 de março corrente, que proroga, até 22 de março de 1887, o praso ultimamente fixado na lei de 18 de março de 1383, para o registo dos onus reaes de servidão, emphyteuse, subemphyteuse, censo e quinhão.
A secretaria.

3.° Do ministerio da marinha, devolvendo, informado, o requerimento em que Isabel Maria Carreira da Silva, viuva do capitão tenente da armada, Germano Augusto da Silva, pede uma pensão.
A commissão do ultramar.

4.° Do mesmo ministerio, devolvendo, informados, os requerimentos em que, alguns mestres da armada pedem o vencimento de 25$000 réis quando reformados.
A commissão de marinha.

5.° Do ministerio das obras publicas, remettendo dois exemplares da cada, um dos trabalhos que acaba de publicar: «Plano hydrographico das barras e portos de Faro e Olhão», e folha n.° 36 da carta chorographica de Portugal.
A secretaria.

6.° Da legação belga, remettendo um exemplar da obra

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Avant-projet de loi ser les sociétés commerciales, par Albert Nyssens.
A secretaria.

Segundas leituras

Projectos de lei

1.° Senhores.- A carta de lei de 25 de junho de 1881, no artigo 57.° e tabella n.° 2, fixa o vencimento annnal de 300$000 réis aos amanuenses da direcção de contabilidade publica.
Considerando que a nomeação dos empregados do tribunal de contas e da junta do credito publico está pelo artigo 41.º § 6.° da citada lei sujeita ás mesmas regras de admissão e concurso que foram estabelecidas para os empregados da direcção geral de contabilidade;
Considerando que pelos artigos 1.° e 2.° do regulamento de contabilidade publica são os amanuenses do tribunal de contas consideradas de categoria igual á dos amanuenses da direcção geral de contabilidade publica;
Considerando, emfim, que já foi elevado o vencimento dos amanuenses da junta do credito publico, por fórma a ser equiparado ao dos que pertencem ao quadro da direcção geral de contabilidade:
Tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É supprimido no tribunal de contas um logar de amanuense, actualmente vago, sendo o ordenado dos amanuenses d'este tribunal equiparado ao dos que pertencem ao quadro da direcção geral de contabilidade.
§ unico. O governo poderá, sob proposta do presidente do tribunal de contas, supprimir mais quatro logares de amanuenses, á medida que forem vagando esses logares.
Sala das sessões, 31 de março de 1885.= José Gonçalves Pereira dos Santos.
Admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

2.° Senhores. -A actual organisação dos tribunaes de justiça militares no ultramar é em tal modo inconveniente e nociva aos interesses publicos, e os homens entendidos no assumpto, tanto nas colonias como na metropole, tão repetidas vezes tem reclamado contra ella, que maravilha não ver o governo sinceramente empenhado, como lhe cumpria, em acudir presuroso aos males existentes, de reconhecida notoriedade e que dia a dia mais se aggravam.
Sente-se aqui a mesma falta de iniciativa, a mesma inercia e indolencia governativa que tanto se manifestam e sobresaem em outros ramos de publica administração colonial, onde o organismo militar, debatendo-se em principios e preceitos antiquados e obsoletos, se apresenta relaxo, cahotico e desprestigiado, e a instrucção popular, envolvida nas trevas do mais nefasto e imperdoavel obscurantismo dá o triste, mas imante, exemplo de que entre nós se não tem querido comprehender a verdadeira noção dos deveres que ligam a mão patria ás suas colonias.
Entre os tribunaes militares, que ministram justiça no dominios ultramarinos, ainda funccionam as juntas de justiça, decretadas no regimento de 1 de dezembro de 1866, apenas modificada a de Macau pelo decreto com força de lei de 15 de julho de 1871. Os inconvenientes que a constituição d'esses tribunaes desde logo inquietaram a consciencia publica, tendo sido reconhecidos pelo governo no relatorio que precede o mencionado decreto de 1871, não foram comtudo ainda inteiramente remediados na provincia de Macau e Timor, onde o governador, que devêra ser estranho ao julgamento de processos, limitando a sua acção a simplesmente fazer cumprir as sentenças, continua a presidir a todos os tribunaes da segunda instancia, contra os memores principios de administração e contra os verdadeiros preceitos do direito publico constitucional portuguez, e muito menos o foram na provincia de Moçambique, que tenho a honra de representar em côrtes, e onde vigora linda a lei orgânica de 1 de dezembro de 1866, com todo cortejo das suas iniquidades e revoltantes absurdos. São n'esta provincia sete os vogaes da junta, tres militares e quatro das classes civis, e como a junta póde funccionar em cinco vogaes, deliberar por maioria e portanto tomar resoluções com três votos conformes, resulta que nos processos de fôro militar podem fazer vencimento exclusivamente os das classes civis e vice-versa, e que, envolvendo suspeita de parcialidade ou de incompetencia dos juizes, obresalta, com sobrada rasão, a consciencia publica e diminue o respeito ao tribunal.
Em parte removidos estes males quanto á provincia de Macau e Timor, mal se atina com os motivos que aconselhariam o governo a não estender á provincia de Africa oriental os preceitos exarados no decreto de 15 de julho de 1871, preceitos que, se não atalharam a todos os prejuizos emanantes da antiga organisação, de alguma sorte os remediavam com vantagem da justiça e do legitimo interesse publico.
Poderia limitar-me n'este momento a propor a divisão da junta de justiça de Moçambique em duas secções, uma para conhecer dos crimes militares, composta de individuos d'esta profissão, e outra para julgar os crimes communs, constituida por individuos não militares, conservando cada uma d'ellas a mesma alçada e funccionando com a mesma fórma de processo que o regimento de 1866 dá á junta para uma e outra classe de crimes, isto é, adaptar a organisação remodelada nos termos do decreto de 15 de julho de 1871 ás condições peculiares e ao organismo social da provincia de Moçambique.
Fôra já, sem a menor duvida, um avantajado passo no caminho da reformação dos tribunaes judiciaes das nossas colonias, e ficaria assim satisfeita, talvez, a minha vontade de deputado por Moçambique.
Não são, porém, os sentimentos de exclusividade que dominam o meu espirito, por mais que elles podessem lisongear o meu amor proprio.
Cumpre-me, na minha qualidade de representante da nação, encarar o problema de mais alto e estudal-o sob todos os aspectos, para que a solução abranja o maior numero de beneficios possivel e por igual contemple as sinceras aspirações do maior numero das colonias portuguezas.
A não serem as provincias de Macau e Timor, e Moçambique, em nenhuma outra existem juntas de justiça militar.
Em Nova Goa existe um supremo conselho de justiça militar para conhecer e julgar em segunda e ultima instancia os crimes commettidos por militares no estado da India; e a sua definitiva organisação, ainda vigente, foi decretada no já citado regimento de 1866.
Em Loanda funcciona o conselho superior de justiça militar creado pelo artigo 53.º do decreto de 30 de dezembro de 1852, com competencia para julgar, em segunda e ultima instancia, os crimes dos militares pertencentes às provincias de Angola e S. Thomé e Principe. As provincias da Guiné e de Cabo Verde são regidas, n'esta parte, pelo codigo de justiça militar de 9 de abril de 1875, ainda que não vigora em nenhuma d'ellas o respectivo regulamento disciplinar de 21 de julho do mesmo anno, que está em vigor no exercito do reino! É o tribunal superior de guerra e marinha, que tem a sua séde na capital do reino, quem exerce jurisdicção em todo o continente, ilhas adjacentes e provindas de Cabo Verde e Guiné portugueza.
Esta diversidade de tribunaes superiores produz necessariamente uma diversidade de jurisprudencia gravemente perniciosa á boa administração da justiça. Se ainda um só tribunal regula e fixa a maneira como a lei criminal e a fórma do processo devem ser entendidos, nem sempre é facil estabelecer unidade nas suas decisões, apresentando-se por vezes accordãos que sustentam doutrinas diversas, o mal aggrava-se sobremaneira com a multiplicidade de tribunaes formando analoga competencia.

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Uma reforma radical, quando as circumstancias permittissem decretal-a, após um detido e profundo estudo das diversas circumstancias que se prendem com o assumpto, talvez podessem aconselhar a extincção de todos os tribunaes militares da segunda instancia do ultramar e a ampliação da competencia do tribunal superior do guerra e marinha a todas as tropas da monarchia. E não bastaria, em tal hypothese, attender só aos tribunaes superiores de justiça; conviria, igualmente, como necessidade imperiosa, reformar a feitura dos tribunaes de primeira instancia, isto é, occupar-se da organisação completa, em todos os seus graus, das justiças militares em todas as nossas provincias ultramarinas, onde ainda se encontram em vigor os artigos de guerra do regulamento de 1763 e para as as transgressões disciplinares o regulamento de 30 de setembro de 1850. D'aqui se vê, sem longa detenção do espirito, a conveniente necessidade de se estudar para o ultramar um piano geral e uniforme da justiça militar, a que poderá servir de base o codigo de justiça militar, que vigora no reino, o qual, discretamente modificado, segundo as condições e a indole das diversas colonias, poderia ser-lhes applicavel por modo util e proveitoso.
Demanda, porém, este complexo estudo muita prudencia, grande força de vontade e profundos conhecimentos de jurisprudencia militar, que não possuo. Uma idéa, porém, deixarei aqui desde já consignada, e constitue ella uma aspiração no que respeita á organisação dos conselhos de guerra permanentes em todas as provincias ultramarinas. É um principio que ao governo cumpre tornar extensivo ao ultramar, e que deverá ser considerado detidamente quando se trate de decretar o futuro código de justiça militar para as possessões ultramarinas.
Emquanto, porém, o governo se não decida a volver a sua attenção para estes problemas, cuja importancia e gravidade todos reconhecem; cumpre-me o dever de secundar no parlamento os esforços dos meus concidadãos de alem mar, propondo e impetrando, a titulo provisorio, providencias que tendam a regularisar serviços, que correm mal, e a diminuir os vexames que a consciencia repelle por iniquos e a rasão condemna por absurdos.
As juntas de justiça não têem nenhuma rasão de ser, o ainda quando modificadas como o foi a de Macau, envolve principios que a sciencia administrativa não acceita. Proponho, por isso, a sua extincção, não só em Macau como em Moçambique, creando-se em seu logar tribunaes superiores com a jurisdicção do supremo conselho de justiça militar de Goa.
Acho justo que á relação de Nova Goa se dê a competencia para conhecer e julgar em via de recurso os crimes communs commettidos em todo o districto, sem prejuizo do fôro militar para os réus da respectiva classe. São tambem estes os desejos dos povos da India, como claramente se acha exposto no importante estudo sobre as necessidades d'aquella provincia, elaborado por uma commissão composta de homens reconhecidamente competentes e illustrados.
No que respeita às provincias da África occidental conservar-se-ha a actual organisação, emquanto o governo se não propozer, como é seu dever, de que não póde eximir-se por mais tempo, remodelar em novas bases todo o serviço judicial do ultramar.
Não terminarei estas breves considerações que, a meu ver, justificam os preceitos consignados no projecto, que segue, sem solicitar para este e outros importantes assumptos, que respeitam ao desenvolvimento material e moral da India, a coadjuvação dos illustres representantes por aquella provincia, a fim de que possamos todos em commum esforço, promover o bem estar d'aquelles povos, que estão reclamando, no presente, pela transformação de todo o organismo administrativo e social que ali se está operando por effeito do tratado luso-britannico de 26 de dezembro de 1878. o mais assiduo desvelo por parte dos homens publicos, em geral, e do governo em especial.
Com taes fundamentos, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A relação de Nova Goa comprehende o districto judicial oriental e tem a organisação constante do decreto de 14 de novembro de 1878.
Art. 2.° São extinctas as juntas de justiça das provincias de Moçambique e de Macau e Timor.
§ 1.° Os juizes de direito das referidas provincias julgarão de facto e de direito em primeira instancia os crimes communs, cujo conhecimento e julgamento pertencia áquellas juntas.
§ 2.° Á relação de Nova Goa compete conhecer ou julgar, por via de recurso dos mesmos crimes.
Art. 3.° Haverá em cada uma das provincias de Goa, Moçambique, Macau e Timor, um supremo conselho de justiça militar para conhecer e julgar em segunda e ultima instancia, dos crimes commettidos por militares.
§ unico. Estes tribunaes serão constituidos nos termos do regimento de 1 de dezembro de 1866.
Art. 4.° A justiça militar nas provincias da Africa occidental continuará a ser regida pela legislação vigente, emquanto se não promulgar o código de justiça militar nas colonias portuguezas.
Art. 5.° A alçada da relação de Goa será até ao valor de 1:000 rupias, qualquer que seja a natureza dos bens sobre que versar a acção, e em penas, até a que póde ser imposta em processo de policia correccional.
Art. 6.° A despeza com o pessoal da relação de Nova Goa, e sua secretaria, será paga pelo estado da India e pelas provincias de Moçambique, Macau e Timor.
Art. 7.° O governo organisará o pessoal da secretaria da relação de Nova Goa conforme for mais conveniente ao serviço.
Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario. = O deputado por Moçambique, Elvino de Brito.
Admittido e enviado ás commissões do ultramar, legislação civil e fazenda.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei que apresentei n'esta casa na sessão de 29 de março de 1884, auctorisando a camara municipal de Villa de Rei, do districto de Castello Branco a desviar fundos de viação municipal para applicar á instante construcção dos paços do concelho.
Sala das sessões, em 31 de março de 1885. = João Antonio Franco Frazão.
Lida na mesa, foi admittida, e enviada ás commissões de administração e de obras publicas.

O projecto de lei a que se refere esta proposta é o seguinte:

Senhores. - Villa de Rei, uma das mais antigas povoações do districto de Castello Branco, cabeça do concelho do mesmo nome, carece absolutamente de um edificio para paços do concelho, tribunal judicial, conservatoria, e outras repartições a cargo do municipio, porque o existente, alem de insalubre, é insufficientissimo.
A camara municipal d'aquelle concelho, para emprehender tão util como urgente obra, sendo-lhe impossivel aggravar mais os encargos do municipio, já muito sobrecarregado com as despezas da instrucção e outras que lhe são proprias, e não carecendo de applicar á viação o saído especial existente em cofre, na importancia de 877$792 réis, e bem assim 200$000 réis dos mesmos fundos do viação em cada um dos seis annos de 1884 a 1889, como expõe em sua representação, vem pedir que lhe seja auctorisado o desvio d'aquelles fundos de viação com applicação á referida obra.
Por me parecerem justas e instantes as rasões expendi-

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das pela referida camara, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E auctorisada a camara municipal de Villa de Rei a desviar dos fundos especiaes de viação municipal o saldo existente de annos anteriores, na importancia de 877$792 réis, e bem assim 200$000 réis em cada um dos seis annos de 1884 a 1889, e a applicar estas quantias á construcção de um edificio para paços do concelho.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 28 de março de 1884. = O deputado pelo circulo n.° 78, João Antonio Franco Frazão.

REPRESENTAÇÃO

Da camara municipal do concelho de Penamacor, contra a excessiva importação de farinhas e de trigos estrangeiros.
Apresentada pelo sr. deputado Franco Frazão, na sessão anterior, enviada á commissão de inquerito sobre a crise cerealifera e mandada publicar no Diario do governo, por deliberação da camara, tomada n'esta sessão.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Roqueiro que, pelo ministerio do reino, seja remettida a esta camara a relação nominal dos professores de instrucção publica, superior, especial ou secundaria, que, nos ultimos tres annos tenham exercido a industria de leccionação particular e o cargo de presidente ou vogal de mesa, em exames de instrucção secundaria. = Alfredo da Rocha Peixoto.
Mandou-se expedir.

2.º Roqueiro que seja enviado ao governo, pelo ministerio da guerra, o requerimento do primeiro sargento da 10.ª companhia de reformados, Manuel Correia, a fim de que se sirva informar a camara com relação a esta pretensão.
Igualmente requeiro que seja enviado á commissão de guerra o requerimento do Paulino José de Oliveira, veterinario de 1.ª classe, que na sessão passada foi remettido pela commissão de guerra á commissão de fazenda.
Sala da commissão, 8 de abril de 1885. = Antonio José d'Avila.
Mandou-se expedir o primeiro e satisfazer o segundo.

3.° Requeiro que, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, seja enviada a esta camara a correspondencia trocada entre o governo e a legação da Belgica, relativos aos negocios do Zaire, de 1876 até 1881 inclusive. = Luciano Cordeiro.
Mandou-se expedir.

4.° Requeiro que sejam enviados, com urgencia, a esta camara, pelo ministerio da marinha e ultramar:
I. Officio do governador geral de Angola, comprehendendo um requerimento feito por Isaak Zagury e um relatorio annexo, documentos que deram entrada n'aquelle ministerio em 1875 ou 1880;
II. Officio n.° 24 do governador geral de Angola, de 25 de setembro do 1880, e o relatorio junto, do commandante da corveta Duque da Terceira, e bem assim os relatorios que acompanham este;
III. Officio do mesmo governador, de 23 de agosto de 1880, contendo a copia das instrucções para uma commissão a exercer no Zaire. = Luciano Cordeiro.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Augusto Eugenio Alves, capitão do regimento de cavallaria n.° 5, pedindo que não seja attendida a pretensão do capitão de cavallaria, Miguel de Sá Nogueira, a que se refere o projecto n.° 112.
Apresentado pelo sr. deputado Pereira Borges e enviado á commissão de guerra.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que, por motivo justificado, faltei a algumas sessões d'esta camara. = Avellar Machado.

2.ª Declaro a v. exa. e á camara que tenho faltado ás sessões por motivo justificado. = O deputado por Alijó, Joaquim Teixeira Sampaio.

3.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado por S. Thomé, Antonio Joaquim da Fonseca, faltou á sessão de hoje e a mais algumas, por motivo justificado. = O deputado por Macau, João Eduardo Scarnichia.

4.º Participo a v. exa. que o sr. deputado Alves Matheus não póde comparecer á sessão de hoje por motivo justificado, nem poderá comparecer nas proximas sessões. = O deputado, Vicente Pinheiro.
Para a acta.

O sr. Presidente: - Na ultima sessão o sr. deputado Franco Frazão mandou uma representação para a mesa e requereu que fosse publicada no Diario do governo.
Por não haver na sala numero legal de srs. deputados, não pude n'essa occasião submetter á approvação da camara este requerimento.
Vou fazel-o agora.
Consultada a camara, resolveu-se afirmativamente.
O objecto da representação e o destino que se deu a estavão indicados a pag. 1000 d'este Diario.
O sr. Conde da Praia da Victoria: - Mando para a mesa um projecto de lei relativo ao restabelecimento da 5.ª divisão militar no archipelago dos Açores, com séde na cidade de Angra do Heroismo, na ilha Terceira.
Não tenho a acrescentar cousa alguma aos considerandos apresentados no relatorio que acompanha este projecto.
Corno açoriano, não posso comtudo deixar passar sem reparo as considerações que a illustrada commissão tomou por base para justificar a sua proposta para a extracção da 5.ª divido militar, porquanto essas mesmas considerações servirão ámanhã, convenientemente architectadas, para propor a extincção da relação judicial dos Açores, e assim se vão cerceando todas as regalias e commodidades d'aquelles povos, que tanta consideração mereceram n'outros tempos aos poderes superiores d'este paiz.
Mando tambem para a mesa outro projecto de lei auctorisando o governo a mandar construir uma doca ou quebra mar na bahia de Angra do Heroismo, deixando de fazer quaesquer considerandos, porque confio em que o governo e a camara não descurarão uma questão tão vital para a ilha Terceira.
Os projectos ficaram para segunda leitura.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa a declaração do que por motivos justificados faltei a algumas sessões d'esta camara.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para agradecer a v. exa. e á mesa a delicadeza de me mandar desanojar por occasião do fallecimento de um meu presado cunhado e amigo.
Agradeço tambem ao meu amigo e collega o sr. Avila a fineza de se dignar substituir-me, na resposta ao meu amigo o sr. Thomás Bastos, que eu não pude concluir pela rasão que a camara sabe.
A justificação vae publicada no logar competente.
O sr. Rocha Peixoto: - Marido para a mesa um pro-

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jecto de lei e um requerimento pedindo a relação nominal dos professores publicos, que nos ultimos tres annos tenham exercido o ensino particular.
O projecto ficou para segunda leitura; o requerimento vae publicado a pag. 1000 d'este Diario.
O sr. Germano de Sequeira: - Mando para a mesa a seguinte

Nota de interpellação.

Desejo interpellar o sr. ministro da fazenda sobre a execução do regulamento de 29 de dezembro de 1879 e artigo 133.° do mesmo regulamento, com respeito á formação da tabella geral de abatimentos para quebra dos generos em deposito, que o governo prometteu publicar.
Sessão de 8 de abril de 1880. = Joaquim Germano de Sequeira, deputado pelo circulo n.° 74.

Sr. presidente, em breves palavras mostrarei á camara a conveniencia que resulta da formação d'esta tabella.
Tem ella por fim marcar a percentagem ou o desconto que deve fazer-se nos generos depositados em virtude de processo de apprehensão e real de agua.
Em virtude da falta d'estas tabellas os agentes fiscaes empregados no real de agua exigem o que lhes convém, ou 5, ou 6, ou 7, ou 8 por cento, ou ainda mais. e fazem outra cousa que é não fazer desconto algum.
De certo que os generos são todos susceptiveis de quebra e o contribuinte fica sempre prejudicado, tendo pago o imposto pela totalidade sem dever pagal-o.
Isto faz que se tome urgente a formação d'esta tabella, e é tanto mais urgente quanto crescem as reclamações de alguns districtos contra os vexames praticados pelos agentes fiscaes que fazem as apprehensões.
É sempre inconveniente publicar uma lei ficando essa lei dependente de regulamento.
Eu entendo que os regulamentos são uma parte integrante da lei, e que sem elles, ou a lei se não executa, ou encontra na execução serias dificuldades.
O que não póde é que os regulamentos sejam substituidos pelo arbitrio, ou que a lei fique sem base para se applicar.
D'ahi resultam os inconvenientes, que todos sabem, do codigo administrativo de 1878, estar ainda dependente de uma tabella de salarios que devem receber os escrivães das administrações dos concelhos.
É sabido que aquelle codigo está em vigor, mas ainda até hoje não se publicou a respectiva tabella, de sorte que os escrivães das administrações do concelho têem de regular-se pela tabella de 1842; mas muitos actos ha que foram alterados pelo codigo de 1878 e que não tem contagem por aquella tabella, do que resulta que os escrivães das administrações dos pequenos concelhos estão vivendo quasi na miseria.
Estes inconvenientes não se dão só com relação ao codigo administrativo de 1878, mas ainda com respeito á lei de 21 de maio de 1884, que determinou que as execuções fiscaes passassem para o poder judicial, ficando dependente ainda de um regulamento que não appareceu, o que se quer dizer que esta lei é letra morta com respeito a este ramo de serviço, e assim succede a todas aquellas que ficam á espera de regulamento para que vigorem em suas disposições.
Parece-me ser esta assumpto de maxima importancia, devendo por isso merecer a attenção dos poderes publicos.
Sr. presidente, precisamente com relação á execução o regulamento de 29 de dezembro de 1879 tem sido vexatoria, abusiva e mesmo iniqua, a maneira por que procedem alguns empregados fiscaes, e já os commerciantes; de Braga representaram ao governo pedindo providencias pelos vexames contra elles exercidos pelo arbitrio em que se lançam os mesmos empregados, ou pela fraude com que se interpreta o regulamento.
O decreto de 14 de setembro de 1884 prometteu pessoal competente e sufficiente para a regularidade dos manifestos e declarações, sem incommodo pessoal e perda de tempo para os contribuintes, nem para os donos dos depositos sujeitos a imposto, e se me perguntarem se o pessoal da fiscalisação é sufficiente, não o posso dizer.
O que posso, porém, asseverar á camara é que é em parte incompetente.
Na minha qualidade de juiz posso affirmar que muitos dos empregados fiscaes são analphabetos, levantando autos de apprehensão sem saberem encher os dizeres d'esses autos e procedem com tal irregularidade, que muitos d'esses autos têem dado motivo a serem anulados os respectivos processos.
Não é tão má a falta de competencia, como a fraude em que se lançam para chegar aos seus fins.
Seria para desejar que estes funccionarios fossem retribuidos do madeira que não podessem praticar fraudes no exercicio das suas funcções.
A mira no interesso que lhes resulta na apprehensão, leva-os a interpretações cerebrinas do regulamento, que tambem está obscuro em algumas das sua disposições, obscuridade que começa logo por não se definir expressamente o que é transgressão, o que essencialmente dá logar ao processo que começa pela apprehensão.
Esta questão é de uma grande importancia, e é necessario resolvel-a, porque ao passo que a transgressão é punida apenas com multa, quando se dá a apprehensão, recáe uma multa grande sobre o valor do objecto apprehendido; e assim succede que se os empregados fiscaes querem proteger o contribuinte, levantam um auto de transgressão, e se não querem protegel-o, levantam um auto de apprehensão.
D'aqui resultam serios prejuizos para os contribuintes. (Apoiados.)
Na comarca de Castello Branco, onde eu estive servindo como juiz, succedeu o facto que vou narrar á camara.
Os empregados fiscaes quizeram multar os festeiros do um arraial de Santo Antonio por causa dos leilões, e se não fosse a intervenção de uma pessoa importante da localidade, aquelles empregados teriam sido vexados pelo povo, que se havia amotinado.
Ainda se praticam outros abusos.
Por exemplo, um individuo que tem uma adega e que offerece alguns litros de vinho a qualquer amigo seu, está arriscado a que se lhe faça a apprehensão de todo o genero que tem na mesma adega; e se os empregados fiscaes se querem servir dos meios de que tem lança-lo mão em certas localidades, fazem a apprehensão de todo o vinho.
Eu já vi uma portaria em que se determinava que os presentes deviam pagar real de agua.
Em certas comarcas é costume mandar presentes aos advogados, e eu sei de alguns que tiveram de pagar real de agua pelos frascos que lhe mandaram de presente.
Houve uma consulta a este respeito em que se decidiu que os empregados fiscaes tinham procedido bem.
Se o genero fosse destinado a consumo para revender, de accordo que só exigisse o pagamento do real de agua; mas sendo offerecido como presente, entendo que não deve ficar sujeito ao pagamento do imposto, porque não é destinado á revenda, e não se dá, como é evidente, o contrato de compra e venda. (Apoiados.)
E como tenho recebido queixas ácerca dos abusos na cobrança d'este imposto, e fosse dirigida ao governo uma representação dos negociantes de Braga, expondo a maneira vexatoria como ali se está executando o regulamento do real de agua, venho fazer esta reclamação pelo direito que me assiste como representante do meu circulo, do meu paiz, ou como em direito melhor haja...
Desejo que estas considerações calem no espirito do sr. ministro da fazenda, a fim de que s. exa. mande proceder á revisão do regulamento, porque alem d'estes abusos que

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acabo de apontar, ha ainda outros a que é mister por cobro.
Determina o regulamento que os manifestos se façam dentro de vinte e quatro horas, mas não determina como ellas se hão de contar. D'aqui resulta que um negociante vae fazer um manifesto e encontra a repartição de fazenda fechada, e como por este motivo não se póde cumprir a lei, os empregados fiscaes vão ao estabelecimento d'esse negociante, e fazem-lhe apprehensão em todos os generos, isto é uma grande injustiça.
Reputo este negocio de summa gravidade, e por isso peço ao sr. ministro da fazenda que, compenetrando-se das considerações que acabo de expor, proceda como julgar mais conveniente.
Não apresento um projecto de lei a este respeito, porque o considero inutil, por isso mesmo que tenho já apresentado quatro ou cinco projectos sobre differentes assumptos, e até hoje estão jazendo no limbo das commissões.
Eu faço parte da commissão de legislação, mas até hoje ainda não recebi convite algum para assistir ás suas reuniões, e se me fosse permittido penetrar n'aquelle vasto campo de mortos e dizer áquelles cadaveres que se levantassem, de certo elles protestariam com a rigidez da morte contra um tal attentado, e o aniquilamento, a que os votaram.
Portanto, julgando inutil a apresentação de um projecto de lei, limito-me a pedir ao sr. ministro da fazenda, que é uma intelligencia superior, e que tem dado tantas demonstrações de que deseja applicar todas as suas faculdades á boa administração da pasta que está a seu cargo, limito-me, repito, a pedir a s. exa. que olhe com olhos de caridade para o regulamento sobre o real de agua e que lance mão de qualquer expediente, de forma que os povos não sejam vexados e opprimidos.
Leu-se na mesa a nota de interpellação e mandou-se expedir.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Foram muitas e variadas as observações que o illustre deputado acabou de fazer ácerca do imposto do real de agua.
Para se conhecer quanto é difficil a fiscalisação deste imposto, basta reflectir que elle incide sobre a venda a retalho e sobre transacções de todos os dias, que são de pequena monta.
Effectivamente têem-se dado abusos, mas já se lhes tem posto cobro.
Um dos assumptos a que s. exa. se referiu, foi a differença que por vezes se nota na promptidão com que os escrivães de fazenda satisfazem o registo dos differentes manifestos.
Para mim é um assumpto a decidir, e sobre o qual espero tomar providencias, se a fiscalisação do real de agua deve comprehender a intervenção do escrivão de fazenda, ou se deve ficar exclusivamente a cargo dos empregados da fiscalisação externa.
Desde o momento em que se desprendam os dois serviços, isto é, o serviço dos escrivães de fazenda, já muito sobrecarregado e que diz respeito a assumptos muito importantes e muito variados, e o da fiscalização externa, quer-me parecer que a fiscalisação do imposto do real de agua se poderá tornar mais regular, segura e effectiva.
N'este ponto, o próprio sr. deputado só referiu ao decreto de 1884 pelo qual já tomei algumas providencias que me parecem uteis, exigindo que os empregados da fiscalisação d'aquelle imposto sejam todos militares, por serem os que offerecem melhores garantias de bom serviço sob o ponto de vista da disciplina, e ao mesmo tempo tenham as habilitações necessárias para que o illustre deputado não possa vir dizer á camara, como veiu hoje, que elles são completam ente analphabetos.
Note-se que, ainda assim, s. exa., logo em seguida, deu a conhecer que elles não são tão analphabetos que não estejam habilitados a redigir os autos de apprehensão e autos de transgressão, que têem de levantar.
Mas, ao mesmo tempo que eu estabeleci aquella providencia, procurei dar uma fórma differente á fiscalisação do imposto do real de agua, de maneira que, sem necessidade de separar os empregados da fiscalisação externa dos empregados especiaes do mesmo imposto, a unidade de todo o serviço podesse ser mais completa em todas as manifestações de actividade n'aquella fiscalisação.
O que posso dizer ao illustre deputado, e aqui agradeço as palavras benévolas com que s. exa. terminou as suas considerações, é que sobre esto assumpto está effectivamente recaindo toda a attenção do governo, e que pela minha parte espero em breve tornar mais facil e mais prompta a fiscalisação de tão importante imposto.
É difficil regularisar praticamente este assumpto, pela multiplicidade de attritos que se levantam constantemente contra a respectiva fiscalisação.
Succede, por exemplo, que se os empregados não cumprem o seu dever, como por vezes tem acontecido, a cobrança do imposto fraqueja; se pelo contrario elles procuram cumprir zelosamente e com boa vontade as suas obrigações, o resultado é que os povos se julgam vexados e levantam logo reclamações.
Basta isto para se reconhecer como o assumpto é difficil de regular praticamente; mas por isso mesmo deve merecer, e merece de certo, toda a attenção do governo, que, posso assim declarar ao illustre deputado, não o descura um só momento.
(S. exa. não revê as notas tachygraphicas dos seus discursos.)
O sr. Pinto de Magalhães: - Mando para a mesa a seguinte.

Participação

Participo que a 1.º secção da commissão de inquerito sobre o imposto do sal se acha constituida, sendo nomeado para seu presidente o sr. deputado Barros Gomes e a mim, participante, para secretario. = Pinto de Magalhães.
Para a acta.
O sr. Teixeira de Sampaio: - Mando para a mesa uma justificação das minhas faltas ás sessões da camara.
E já que estou com a palavra peço á mesa o favor de me dizer se o ministerio das obras publicas já mandou para a camara os esclarecimentos que pedi em janeiro, com relação ao caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella.
O sr. Vice-secretario (Sebastião Centeno): - O requerimento do sr. deputado foi expedido em officio de 9 de janeiro, mas ainda não veiu resposta alguma.
O sr. Teixeira de Sampaio: - Não obstante todo o trabalho necessario para serem enviados os documentos que requisitei, parece-me que já tem decorrido tempo sufficiente para se ter effectuado a remessa; mas visto que elles ainda não vieram, peço a v. exa. que, se porventura o sr. ministro das obras publicas se apresentar n'esta camara antes da ordem do dia, me permitia usar então da palavra.
O sr. Scarnichia: - Mando para a mesa uma justificação das faltas do sr. Antonio Joaquim da Fonseca, deputado por S. Thomé.
Mando tambem uma nota de renovação de um requerimento.
A justificação vae publicada na secção competente.
Leu-se na mesa a seguinte

Nota de renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do requerimento do coronel de Africa Occidental, João Xavier Grato, apresentado na legislatura passada, polo sr. deputado João de Sousa Machado.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 8 de abril de 1880. = João Eduardo Scarnichia, deputado por Macau.
Á commissão do ultramar.

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SESSÃO DE 8 DE ABRIL DE 1885 1003

O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa dois requerimentos pedindo ao governo, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, e pelo da marinha e ultramar, uns documentos de que careço.
Os requerimentos vão publicados na secção competente.
O sr. Elvino de Brito: - Apresentou um projecto de lei equiparando as ramagens, em dadas condições, aos facultativos habilitados pela escola medica do Goa e os que o são pelas escolas do reino. Pediu licença para ler o relatorio, que precede esse projecto e onde vem, em seu entender, claramente expostas as rasões que justificam o seu contrato.
Declara que se vê forçado a cansar muitas vezes a attenção da camara, referindo-se constantemente ás áridas questões da administração colonial, mas na sua qualidade de deputado pelo ultramar, e no cumprimento do que julga um imperioso dever, não póde deixar de o fazer, tanto mais que, infelizmente, nota absoluta carencia de medidas ministeriaes, tendentes a levantar do abatimento em que se encontram varios ramos de administração ultramarina.
Sente não ver presente o sr. ministro da marinha, porque a s. exa. diria que os seus projectos de lei, os que foram apresentados e os que tenciona apresentar, representam o seu protesto contra a inercia governamental.
Sempre que argue o sr. ministro do ultramar sobre um determinado assumpto colonial, s. exa. concorda logo em que esse assumpto precisa ser estudado seriamente.
Mas limita-se a isso, sem que se dê pressa a propor ao parlamento remedio para os males que confessa existirem.
Parecia-lhe que o seu logar era ali na camara, depois da formal accusação que s. exa. fizera na anterior sessão ao governador geral da India, declarando em pleno parlamento que aquelle governador, seu delegado de confiança, não cumprira com exactidão o telegramma que elle, ministro, lhe dirigíra, a proposito do imposto do solio e dos emolumentos judiciaes.
Elle, orador, não podéra usar largamente da palavra para replicar a s. exa. e fazer-lhe ver, que desde que um ministro accusa o seu delegado de confiança de haver abusado da sua posição e exorbitado das suas attribuições, sem que se dê pressa em demittil-o, o que aliás por fórma alguma deseja, e isto em assumpto de tamanha importancia como aquelle de que se tratava, deixa o paiz em duvida sobre a cumplicidade do ministro, ou sobre a sinceridade das suas declarações.
(O discurso será publicado na integra quando o sr. deputado restituir as notas tachygraphicas.)
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Pedi a palavra não para estranhar, porque o illustre deputado usa do seu direito, mas unicamente para significar o meu sentimento, de que s. exa. não guardasse as suas observações para quando estivesse presente o meu collega da marinha. (Apoiados.)
O sr. Elvino de Brito: - Eu declarei francamente a v. exa. que não me tinha sido permittido usar da palavra na presença do sr. ministro da marinha.
O Orador: - O illustre deputado fez o seu estendal de accusações; permitta-me agora que eu responda como me for possivel.
Não póde s. exa. accusar o sr. ministro da marinha de faltar ao cumprimento dos seus deveres, negando-se systematicamente a vir responder ás accusações formuladas pelo illustre deputado, porque o meu collega aqui tem estado repetidas vezes treçando com s. exa. sobre assumptos que respeitam á administração colonial. Sempre o illustre deputado aqui o tem encontrado firme no seu posto e preciso nas suas respostas.
Poderá o illustre deputado deixar de se conformar com as apreciações do sr. ministro da marinha; poderá não compartilhar das suas opiniões, o que não é para admirar, visto que o illustre deputado se senta nos bancos da opposição; mas o que não póde é arguil-o de só negar a vir dar explicações ao parlamento, porque a verdade é que elle tem vindo dal-as mais de uma vez. (Apoiados.)
O illustre deputado não póde pôr em duvida a lealdade das affirmações feitas por um ministro que lhe não póde responder n'este momento, por estar ausente; e eu, pela minha parte, n'um assumpto que não corre pelo ministerio a meu cargo, não posso dizer outra cousa senão que repillo a palavra deslealdade proferida por s. exa., convencido, como estou, de que não póde deixar de haver a maxima lealdade no modo de proceder dos meus collegas nos bancos ministeriaes; e isto não só em relação aos negocios que lhes estão confiados, como tambem em relação aos assumptos que só referem ao parlamento. (Muitos apoiados.)
S. exa. póde fazer as suas considerações quando o meu collega estiver presente. Eu mesmo o prevenirei do que o illustre deputado deseja continuar as suas já larguissimas apreciações ácerca da administração colonial; e estou certo de que o gr. ministro da marinha se apressara em vir á camara, não só por ser esse o seu dever, como tambem porque não se arreceia do vir responder a s. exa., ou a qualquer outro membro d'esta camara, que no uso do seu direito pretenda interpellal-o sobre os assumptos que digam respeito ao ministerio a seu cargo.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu a notas tachiygraphicas.)
O sr. Presidente: - Como a hora está muito adiantada vae passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem envial-os.

ORDEM DO DIA

Leu se na mesa o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 29

Senhores.- Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei do governo n.° 24-A, auctorisando a junta do credito publico, pela caixa geral de depositos, a distractar os emprestimos, contrahidos pela administração da casa real em contratos de 12 de agosto de 1880 e do 30 de dezembro de 1882, recebendo em pagamento a somma em inscripções que for necessaria para completar, em effectivo, a importancia do mencionado distracto, o podendo a mesma junta alienar essas inscripções, d'accordo com o governo, como mais conveniente for aos interesses da fazenda.
O contrato de 30 de dezembro de 1882 foi effectuado com varios estabelecimentos bancarios na importancia effectiva de 700:000$000 réis, para distracto de outras dividas da casa real, tendo sido creados titulos especiaes, nos termos do mesmo contrato, pela importancia de 752:500$000 réis, vencendo juro annual de 5 por cento, devendo o capital estar extincto em 1896, mas podendo a casa real amortisal-o antes, se assim lhe conviesse.
O banco de Portugal representa os estabelecimentos com os quaes a mencionada transacção foi realisada.
Nos termos d'esse contrato o capital por amortisar, em 1 de janeiro de 1885, era de 728:000$000 réis, havendo tambem em divida os juros vencidos desde o principio do anno actual.
A origem da divida de que se trata acha-se tão minuciosamente explicada no relatorio do governo, que a vossa commissão julga desnecessarias quaesquer outras informações sobre o assumpto.
A divida por contrato de 12 de agosto de 1880 foi contrahida segundo as auctorisações dadas pelas leis de 7 de abril de 1877 e 14 de maio de 1880.
A primeira das referidas leis auctorisou a vencia dos edificios das reaes cavallariças em Belem e de outros predios ou terrenos contiguos ás mesmas, que fossem designa-

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dos pela administração da fazenda da casa real, sendo o producto da venda applicado ao pagamento dos juros e amortisação de um emprestimo até á quantia de réis 120:000$000, que a dita administração podia levantar a fim de mandar proceder á construcção de umas cavallariças e suas dependencias nos terrenos adjacentes ao palacio da Ajuda e poderem-se effectuar varias reparações no mesmo palacio.
A segunda lei auctorisou um novo emprestimo de réis 80:000$000 para a conclusão das obras mencionadas, applicando para os respectivos encargos, não só o producto dos bens a vender, mencionados na lei de 7 de abril de 1877, mas quaesquer outros situados no concelho de Belém, designados tambem pela administração de fazenda da casa real.
Nos termos da primeira lei tinha sido celebrado pela casa real um contrato de emprestimo em 25 de agosto de 18777 pela importância de 120:000$000 réis, o qual devia estar amortisado em 24 de agosto de 1880. Não o foi; pela difficuldade, que ainda hoje existe, na venda dos bens, cujo producto era applicado ao distracto da somma em divida.
Assim em 12 de agosto de 1880 celebrou-se novo contrato com varios bancos, não só para a realisação do novo emprestimo de 80:000$000 réis, mas para o pagamento do anterior ao banco Lisboa e Açores; e acha-se a divida resultante do novo contrato elevada a 239:093$070 réis, alem dos juros vencidos desde o 1.° de janeiro proximo passado.
As rasões por que este emprestimo não se acha amortisado tambem se encontram no relatorio da proposta do governo o provém da difficuldade a que acima se allude na venda dos bens consignados.
É pois de 967:093$070 réis, alem dos juros vencidos desde o principio do actual anno, a somma a pagar pelo valor das inscripções pertencentes á corôa de Portugal, e que, segundo as contas da junta do credito publico, representavam a importancia nominal de 2.100:100$000 réis. em 3 de novembro proximo passado. E como a vossa commissão entende que o producto dos bens ainda a vender, de que fallam as leis de 7 de abril de 1877 e 14 de maio do 1880, deve ser convertido em inscripções com o averbamento á corôa de Portugal, parece-lhe que a somma total effectiva a distractar, segundo a proposta do governo, está amplamente coberta com o valor real dos titulos de divida consolidada, que são destinados, nos termos da mesma proposta, para a completa amortisação das dividas de que trata.
E considerando que nem dos contratos de 12 de agosto de 1880 e 10 de dezembro de 1892, que juntos vão a este parecer, resultou encargo para o thesouro nacional; nem do uso da auctorisação pedida pelo governo póde advir qualquer onus para a fazenda publica, visto como os titulos destinados para a amortisação das dividas da casa real pertencem á corôa, e nem o seu capital nem os respectivos juros fazem ou fizeram nunca parte dos recursos publicos, orçamentaes, ordinarios ou extraordinarios; entende que a proposta do governo deve ser approvada e convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a junta do credito publico a adiantar, no juro annual de 5 por cento, pela caixa geral de depositos, as quantias necessarias para pagamento dos emprestimos contrahidos pela administração da fazenda da casa real em contratos de 12 de agosto de 1880 e de 30 de dezembro de 1882, recebendo em caução valor sufficiente em inscripções do usufructo da corôa, que, para seu reembolso, poderá alienar, de accordo com o governo, como mais conveniente for aos interesses da fazenda.
§ unico. O producto dos bens da casa real de que tratam as leis de 3 de abril de 1877 e 14 de maio de 1880, que forem vendidos, será convertido em inscripções com Averbamento á corôa de Portugal.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão de fazenda, aos 18 de março de 1885.= José Dias Ferreira (vencido em parte) = Lopes Navarro = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Henrique de Sarros Gomes = Pedro Augusto de Carvalho = L. Cordeiro = Augusto Poppe = Frederico Arouca = Pedro Roberto Dias da Silva = José Maria dos Santos = Manuel d'Assumpção = F. A. Correia Barata = Moraes Carvalho = Franco Castello Branco = A. C. Ferreira de Mesquita = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

Contratos de 12 de agosto de 1880

Saibam quantos virem esta escriptura de cessão de direito e credito com procuração em causa propria, quitação, declaração e obrigação: que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1880, aos 12 dias do mez do agosto, perante mim, o tabellião Jorge Camelier, n'esta cidade de Lisboa e meu escriptorio na rua Aurea n.° 50, 1.° andar, freguezia de S. Julião, compareceram: de uma parte Manuel José Dias Monteiro e Victorino Vaz Junior, negociantes, na qualidade de membros e representantes da direcção do banco Lisboa & Açores, cujo domicilio é n'esta cidade, na rua Nova d'El-Rei n.° 158, e outorgando este banco por si proprio e como bastante e especial procurador das direcções do banco alliança, do banco commercio e industria e da nova companhia utilidade publica, todos da cidade do Porto, segundo me fizeram certo pela procuração que me apresentaram e que fica no meu cartorio para ser copiada nos traslados d'esta escriptura; e de outra parte Henry Burnay, negociante, e outorgando na qualidade de socio e representante da firma d'esta praça Henry Burnay & Ca., cujo domicilio é na rua Nova da Princesa n.° 10, este por si e como bastante e especial procurador das gerencias e direcções do banco alliança, nova companhia utilidade publica, banco commercial do Porto, banco commercio e industria, banco mercantil portuense e banco commercial de Lisboa, segundo consta das seis procurações que se acham archivadas no meu cartorio, por fazerem parte da escriptura lavrada hoje a fl. 98 d'este livro, e que mais serão copiadas nos traslados d'estas; todos os tres outorgantes pessoas cuja identidade reconheço; e que pelos primeiros outorgantes Manuel José Dias Monteiro e Victorino Vaz Junior, nas qualidades em que outorgam, foi dito perante mim, referido tabellião, e as testemunhas idoneas ao diante nomeadas e no fim assignadas:
Que o banco Lisboa & Açores e os tres mencionados estabelecimentos de credito, seus representados, são credores á fazenda da casa real pela quantia de 120:000$000 réis, cujo pagamento se deve effectuar até 24 do corrente mez, conforme tudo consta e se vê da respectiva escriptura de 25 de agosto de 1877, lavrada a fl. 81 do livro 240 de minhas notas;
Que este credito provém da abertura de credito com o juro de 6 1/2 por cento e a commissão de 1/2 por cento sobre a importância do lado maior da conta annual e corrente, se abriu á administração da fazenda da casa real pela citada escriptura;
Que esse credito foi todo levantado como consta dos cheques que existem no archivo do banco Lisboa & Açores;
Que assim são n'esta data credores á fazenda da casa real o banco Lisboa & Açores e os tres mencionados estabelecimentos de credito, seus co-mutuantes, pela quantia exacta de 120:000$000 réis;
Que d'este seu credito de 120:000$000 réis, e de todo o respectivo direito e acção que têem para o receber nos termos da citada escriptura de 25 de agosto de 1877, fazem pela presente escriptura plena cessão com procuração em causa própria á firma Henry Burnay & Ca. e aos seis mencionados estabelecimentos de credito, seus representados;

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Que esta cessão é feita pela quantia de 120:0004000 réis e com todos os respectivos direitos e obrigações accessorias;
Que da referida quantia de 120:000$000 réis (preço d'esta cessão) dão para todos os effeitos e nas qualidades em que outorgam plena quitação aos cessionarios Henry Burnay & Ca. e aos seis estabelecimentos, seus representados, visto que confessam ter já recebido essa quantia;
Que para os devidos effeitos declaram que não ha litigio algum sobre os cedidos credito e direito, nos quaes expressamente subrogam os declarados cessionarios a firma Heury Burnay & Ca. e os estabelecimentos seus constituintes;
Que se obrigam a sempre fazer boas e do paz estas cessão, quitação e subrogação, e a responder para com os cessionarios pela existencia e legitimidade dos credito e direito cedidos, não se obrigando porém a responder pela solvencia da fazenda devedora;
Que n'estes termos e nos mais de direito applicavel se obrigam, sempre nas qualidades em que outorgam, ao inteiro cumprimento da presente escriptura.
Pelo segundo outorgante Henry Burnay foi em seguida dito:
Que para a firma Henry Burnay & Ca. e para o banco alliança, nova companhia utilidade publica, banco commercial do Porto, banco commercio e industria, banco mercantil portuense e banco commercial de Lisboa, seus constituintes, acceita estas cessão, quitação, subrogação e obrigação nos termos em que se acham exaradas.
Foram-me apresentadas e adiante vão coliadas e inutilisadas cinco estampilhas do sêllo, no valor de 24$000 réis.
Assim o outorgaram e acceitaram, do que dou minha fé, na presença das testemunhas Manuel Evaristo Pires, morador na travessa da Assumpção n.° 25, e Eduardo de Campos e Andrada, morador na rua de Santo Antonio, á Estrella, n.° 74, ambos solteiros, empregados no commercio, e que nesta escriptura, assignam com os outorgantes e commigo tabellião, depois de ser lida. - D'esta 15200 réis. =A. J. Dias Monteiro = Victorino Vaz Junior = Henry Burnay & Ca. = Manuel Evaristo Pires = Eduardo de Campos e Andrada.
Logar de cinco estampilhas do imposto do sêllo, das quaes uma de 8$000 réis, outra de 6$000 réis, duas de 5$000 réis cada uma, e outra de 500 réis, devidamente colladas e inutilisadas com o seguinte: 12 agosto - 1880, 12 - agosto - 1880, 12 - agosto 1880, 12 - agosto 1880, 12 - agosto - 1880, e em cada uma das cinco tambem por extenso os dois ultimos algarismos da era. = Jorge Camelier. = Logar do signal publico. = Em testemunho da verdade - O tabellião, Jorge Camelier.

Saibam quantos virem esta escriptura de levantamento de emprestimo por meio de abertura de credito, fórma e praso de pagamento, cessão, estipulação de domicilio e obrigação, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1880, aos 12 dias do mez de agosto, perante mim o tabellião Jorge Camelier, n'esta cidade de Lisboa e meu escriptorio, rua Aurea u.° 00, 1.° andar, freguezia de S. Julião, compareceram: de uma parte o conselheiro Antonio José Duarte Nazareth, morador na rua da Emenda n.° 26, e outorgando na qualidade de administrador da fazenda da casa real; e de outra parte Henry Burnay & Ca., negociante, na qualidade de socio e representante da firma desta praça Henry Burnay & Ca., cujo domicilio é na rua Nova da Princeza n.° 10, esta por si e como bastante e especial procuradora das gerencias e direcções do banco allianca, nova companhia utilidade publica, banco commercial do Porto, banco commercio e industria, banco mercantil portuense e banco commercial de Lisboa, segundo me fez certo pelas seis procurações que me apresentou e que ficam no meu cartorio para serem copiadas nos traslados d'esta escriptura, ambos os outorgantes pessoas cuja identidade reconheço.
E que por ambos, nas qualidades em que outorgam, foi dito perante mim referido tabellião e as testemunhas idoneas ao diante nomeadas e no fim assignadas:
Que pelo artigo 2.° da carta de lei de 7 de abril de 1877, publicada no Diario do governo n.° 83, de 14 do mesmo mez, foi a administração da fazenda da casa real auctorisada para levantar um emprestimo até á quantia de 120:000$000 réis, a fim de ser começada a construcção das reaes cavallariças e suas dependencias nos terrenos adjacentes ao palacio da Ajuda, e fazerem-se varias reparações no mesmo palacio, e sendo o pagamento dos juros e a amortisação do emprestimo feito com o producto da venda dos edificios das reaes cavallaricas em Belem e de outros predios ou terrenos contiguos ás mesmas, que fossem designados pela administração da fazenda da casa real, conforme o artigo 1.° da citada lei, pela qual o governo foi auctorisado a proceder a essa venda;
Que este emprestimo foi contratado com o banco Lisboa & Açores, com o banco commercio e industria, nova companhia utilidade publica e banco alliança, nos termos constantes da escriptura de 25 de agosto de 1877, lavrada a fl. 81 do livro 240 de minhas notas, e tal contrato foi approvado por portaria do ministerio da fazenda de 31 do mesmo mez de agosto;
Que pelo artigo 1.° da carta de lei de 14 de maio ultimo, publicado no Diario do governo de 22 do mesmo mez, n.° 115, foi a dita administração da fazenda da casa real auctorisada a levantar um outro emprestimo da quantia de 80:000$000 réis para a conclusão da construcção das novas e alludidas cavaliariças, junto do real palacio da Ajuda, e para varias reparações no mesmo palacio ; sendo o pagamento dos juros e a amortisação d'este emprestimo feito com o saldo do producto da vencia dos bens a que se refere a citada carta de lei de 7 de abril de 1877, e no caso d'esse saldo ser insufficiente, com o producto de outros bens situados no concelho de Belem que forem designados pela administração da fazenda da casa real, os quaes bens o governo ficou auctorisado a vender, como tudo consta dos artigos 2.° e 3.° d'aquella carta de lei de 14 de maio d'este anno;
Que estando por pagar ao banco Lisboa & Açores e aos seus ditos representados aquelle emprestimo de 120:000$000 réis, e devendo o respectivo pagamento effectuar-se até ao dia 24 do corrente mez, em virtude das auctorisações que ficam expostas, este primeiro outorgante administrador da fazenda da casa real contratou com o segundo outorgante, nas qualidades com que fica dito, que outorga, o fornecimento ou emprestimo da quantia de 200:000$000 réis, por meio de um credito aberto em conta corrente na caixa da firma Henry Burnay & Ca. até á somma de 80:000$000 réis, e com a obrigação da mesma firma Henry Burnay & C.a, por si e como bastante procuradora dos estabelecimentos de credito que n'este contrato representa, se tornar até ao dia 24 do corrente mez cessionaria dos credores do emprestimo de 120:000$000 réis, pagando este, e prorogando o praso do seu embolso até ao dia 31 de dezembro de 1882;
Que realisando se agora o relatado contrato, o reduzem á presente escriptura, nos termos e pela fórma constantes dos artigos seguintes:
Artigo 1.° A firma Henry Burnay & Ca. por si e como representante dos cinco mencionados estabelecimentos de credito da cidade do Porto e do banco commercial de Lisbor, effectivamente faz á administração da fazenda da casa real um emprestimo até á quantia de 80:000$000 réis, para ser levantado em prestações, nos prasos e parcellas que forem convenientes segundo o progresso das obras; e para isso abre á mesma administração na sua caixa um credito de 80:000$000 réis.
Art. 2.° A mesma firma Henry Burnay & Ca., nas qua-

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lidades ditas, tambem effectivamente se obriga a pagar até ao dia 24 do corrente mez ao banco Lisboa & Açores e aos co-mutuantes seus representados os 120:000$000 réis do contrato constante da citada escriptura de 20 de agosto de 1877, isto por meio de cessão com procuração em causa propria e para ficar prorogado até 31 de dezembro de 1882 o praso que se havia estipulado para pagamento d'esses 120:000$000 réis.
Art. 3.° Para este fim a firma Hemy Burnay & Ca., nas qualidades com que outorga, abre conta para essas operações, e na sua caixa põe á disposição da administração da fazenda da casa real os competentes fundos.
Art. 4.° Fica fixado em 6 por cento ao anno o juro d'este novo emprestimo de 80:000$000 réis e será calculado em conta corrente sobre as quantias levantadas.
Art. 5.° Fica concedido á firma Henry Burnay & Ca., e aos seis estabelecimentos de credito co-mutuantes e seus representados, uma commissão de 1 por cento sobre a importancia do lado maior da conta annual.
§ unico. Os juros e a commissão serão livres para os mutuantes de todo e qualquer encargo especial e liquidar-se-hão a semestres em 30 de junho e 31 de dezembro.
Art. 6.° As prestações a que se refere o artigo 1.° d'este contrato serão entregues ao thesoureiro da fazenda da casa real por meio de cheques por este assignados.
§ unico. De todas as quantias requisitadas, que excederem 20:000$000 réis, por cada vez, será dado pela fazenda da casa real á firma Henry Burnay & Ca. um previo aviso com antecipação de quinze dias.
Art. 7.° A firma Henry Burnay & CA. e os co-mutuantes seus representados não fornecerão á administração da fazenda da casa real somma superior á avaliação dos bens do dominio da corôa destinados para a venda, segundo os respectivos artigos das citadas cartas de lei de 7 de abril de 1877 e de 14 de maio deste anno corrente de 1880.
§ unico. Em todo o caso, quando os bens vendidos em praça não derem producto igual ao das avaliações, a administração da fazenda da casa real fica obrigada e responsavel pela differença.
Art. 8.° Para os effeitos do precedente artigo, a administração da fazenda da casa real dará conhecimento á firma Henry Burnay & Ca., nas suas ditas qualidades, das avaliações dos bens á medida que forem sendo effectuadas.
Art. 9.° O producto da venda dos bens destinados ao pagamento dos juros e amortisação do presente emprestimo de 80:000$000 réis será entregue á firma Henry Burnay & Ca., nas qualidades em que outorga, pelo ministerio da fazenda, á proporção que os mesmos bens forem sendo vendidos pela repartição dos proprios nacionaes e para esse fim, approvado que seja este contrato, lhes fica desde já cedido em concorrente quantia o mesmo producto.
Art. 10.° A liquidação d'este emprestimo e do emprestimo de 120:000$000 réis e os seus totaes e integraes pagamentos far-se-hão até ao dia 31 de dezembro de 1882.
Art. 11.° Os cheques assignados pelo thesoureiro da fazenda da casa real, conforme o estipulado no artigo 6.° deste contrato, farão prova plena do direito e credito dos mutuantes pelas quantias nos mesmos cheques designadas; e a escriptura de cessão que a firma Henry Burnay & Ca., nas qualidades com que outorga, celebrar com o banco Lisboa & Açores e os estabelecimentos seus co-mutuantes, com plena quitação d'estes, fará prova plena do direito e credito da mesma firma e dos seis estabelecimentos de credito seus representados e co-mutuantes, com respeito ao pagamento do emprestimo dos 120:000$000 réis.
Art. 12.° O presente contrato principia a vigorar na data em que for approvado pelo ministerio da fazenda.
Art. 13.° As partes outorgantes obrigam-se nos termos de direito ao inteiro cumprimento do presente contrato, e para responderem por esse cumprimento estabelecem domicilio n'esta cidade.
Foram-me apresentadas e adiante vão colladas e inutilisadas tres estampilhas de sêllo no valor de 16$500 réis.
Assim o outorgam e acceitaram, do qual dou minha fé na presença das testemunhas, Manuel Evaristo Pires, morador na travessa da Assumpção n.° 25 e Eduardo de Campos e Andrada, morador na rua de Santo Antonio (á Estrella) n.° 64, ambos solteiros e empregados no commercio, e os quaes n'esta escriptura assignam com os outorgantes e commigo tabellião depois de ser lida. D'esta 6$900 réis. = Antonio José Duarte Nazarcth = Henry Burnay & Ca. = Manuel Evaristo Pires = Eduardo de Campos e Andrada.
Logar de tres estampilhas de imposto do sêllo, a primeira da taxa de 9$000 réis, a segunda da taxa de 5$000 réis e a terceira da taxa de 500 réis, devidamente colladas e inutilisadas com o seguinte: 12-agosto-1880, 12-agosto-1880, 12-agosto-1880, e em todas tres tambem por extenso os dois ultimos algarismos da era. = Jorge Camelier. = Logar do signal publico. - Em testemunho de verdade. = O tabellião, Jorge Camelier.

Contrato de 30 de dezembro de 1882

Saibam quantos virem esta escriptura de emprestimo, confissão de divida, consignação de juros para pagamento e mais obrigações que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1882, aos 30 dias do mez de dezembro, n'esta cidade de Lisboa, freguezia de S. Julião, rua Nova d'El-Rei n.° 148, edificio do banco de Portugal, onde eu tabellião, Camillo José dos Santos Junior vim, aqui compareceram os exmos.: em primeiro logar, o conselheiro Antonio José Duarte Nazareth, casado, administrador da fazenda da casa real, outorgando na qualidade de especial e bastante procurador de Sua Magestade El-Rei o senhor D. Luiz. E em segundo logar o conselheiro José Manuel Leitão e visconde de Ribeiro da Silva, outorgando na qualidade de director d'este banco de Portugal, Firmino Ribeiro Ermida e João Pedro de Miranda, na de directores do banco commercial de Lisboa, dr. Henrique Matheus dos Santos e Manuel Xavier Forte, na qualidade de directores do banco lusitano, Henrique Daehnhardt e Carlos Marcello dos Santos, na de directores do banco insulano, José Gregario da Rosa Araujo e Francisco de Almeida Rebello, na de directores do banco lisbonense; todos estes bancos com séde n'esta cidade; e Henry Burnay, outorgando na qualidade de socio e representante da firma Henry Burnay & Ca., e esta na qualidade de especial e bastante procuradora da direcção da nova companhia utilidade publica, da gerencia do banco alliança do Porto, da direcção do banco commercial do Porto, da direcção do banco união do Porto, da gerencia do banco mercantil portuense, da direcção do banco portuguez, da direcção do banco commercio e industria, todos com séde na cidade do Porto, e dos gerentes do banco do Minho com sede na cidade de Braga; o primeiro e ultimo outorgantes fizeram certo as suas qualidades pelas procurações neste acto presentes, que ficam no meu cartorio e hão de ser transcriptas nos traslados d'esta escriptura, todos os outorgantes pessoas cuja identidade reconheço.
Pelo primeiro outorgante foi dito na minha presença e na das testemunhas ao diante nomeadas e no fim assignadas.
Que a administração da fazenda da casa real está auctorisada, como consta da consulta do procurador geral da corôa, que por copia fica no meu cartório, e igualmente ha de ser transcripta nos traslados d'esta escriptura, a levantar um emprestimo de 700:000$000 réis effectivos.
Que o producto d'este emprestimo será applicado ao reembolso dos emprestimos em curso, feitos á casa real pelos bancos de Portugal e lusitano, e o remanescente fi-

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cara á disposição da administração da fazenda da casa real.
Pelos segundos outorgantes foi dito que, na qualidade que representam, acceitam o emprestar á administração da fazenda da casa real a quantia de 700:000$000 réis effectivos, debaixo das seguintes condições, e na proporção que se segue:
Banco de Portugal, 200:000$000 réis;
Banco commercial de Lisboa, 60:000$000 réis;
Banco lusitano, 50:000$000 réis;
Banco insulano, 20:000$000 réis;
Banco lisbonense, 20:000$000 réis;
Nova companhia utilidade publica, 70:000$000 réis;
Banco alliança, 70:000$000 réis;
Banco commercial do Porto, 50:000$000 réis;
Banco união do Porto, 50:000$000 réis;
Banco mercantil portuense, 40:000$000 réis;
Banco portuguez, 40:000$000 réis;
Banco commercio e industria, 20:000$000 réis; e
Banco do Minho, 10:000$000 réis.
Artigo 1.° Em representação do emprestimo de réis 700:000$000 effectivos a administração da fazenda da casa real creará 752:500$000 réis nominaes em titulos nominativos ou ao portador da importancia de 500$000 réis cada um.
Esses titulos vencerão o juro annual de 5 por cento, a contar do dia 1 de janeiro de 1883, pagavel por semestres vencidos nos dias 1.° de julho e 1.° de janeiro de cada anno, e serão amortisaveis ao par por sorteios semestraes, que se verificarão n'este banco de Portugal, nos mezes de junho e dezembro de cada anno consecutivamente.
§ unico. Póde haver fracções de 250,5000 réis, duas das quaes devem ter o mesmo numero e a distincção A e B.
Os titulos nominativos podem averbar-se ao portador e vice-versa na secretaria da administração da fazenda da casa real.
Art. 2.° A amortisação de todo o emprestimo deve ter logar até o dia 31 de dezembro de 1896, conforme o mappa da amortisação que me foi presente, fica assignado pelos outorgantes fé archivado no meu cartorio, para o fim de ser tambem transcripto nos traslados d'esta escriptura, e a administração da fazenda da casa real applicará para juro e amortisação as semestralidades especificadas no mesmo mappa da amortisação.
§ unico. Fica reservado á administração da fazenda da casa real o direito de augmentar as semestralidades estabelecidas no presente artigo, ou amortisar o emprestimo por uma só vez, em qualquer epocha da duração do contrato.
Art. 3.° Para pagamento das semestralidades mencionadas no artigo anterior, o primeiro outorgante, em nome de Sua Magestade El-Rei, consigna especialmente os juros dos titulos da divida publica portugueza, de que a corôa de Portugal tem o usufructo, nos termos das leis vigentes, titulos que deposita n'este banco, e que têem os numeros e valores constantes da relação que fica archivada no meu cartorio para o fim já indicado na importancia nominal de 2.024:100$000 réis, bem como os juros dos titulos que for successivamente adquirindo pela subrogação de varias propriedades a que, segundo as leis, se está procedendo, que tambem se ao depositados n'este banco, e consigna igualmente a parte necessaria da dotação real para completar as semestralidades estabelecidas na condição anterior, o que já foi determinado por portaria de 29 do corrente, cuja copia igualmente fica no meu cartono para o fim de tambem ser transcripta nos traslados d'esta, devendo para esse effeito o thesoureiro do ministerio da fazenda entregar directamente a este banco de Portugal, conforme lhe foi ordenado, as respectivas quantias nos mezes de maio e novembro de cada anno.
§ unico. Se no decurso do praso da amortisação os referidos titulos de divida publica forem vendidos, o producto d'essa venda deverá ser immediatamente applicado á amortisação dos titulos do emprestimo que se acharem em circulação, tambem por sorteio.
Art. 4.° O banco de Portugal, até final reembolso dos titulos do emprestimo, será o encarregado de receberdirectamente os juros e os titulos de divida publica de que trata o artigo 3.°, e bem assim de receber directamente do thesouro nos mezes indicados nos artigos anteriores, a parte da dotação real que faltar para completar estas semestralidades, e de pagar o juro e amortisação dos titulos representativos deste emprestimo, devendo o banco de Portugal entregar á administração da fazenda da casa real, no fim 4 e cada semestre, qualquer remanescente ou excesso da cobrança que houver.
Art. 5.° Os segundos outorgantes, nas qualidades que representam, obrigam-se a receber pelo seu valor nominal os titulos creados nos termos do artigo 1.°, e terão direito a uma commissão semestral de 1/2 por cento sobre a importancia nominal dos titulos creados, deduzidas successivamente as importâncias das amortisações realisadas, podendo o valor d'essa commissão ser recebido por antecipação e por inteiro, mediante o desconto de 5 por cento ao anno sobre os prasos das importancias a vencer.
Esta commissão é fixada, de commum accordo, em réis 52:500$000, pagavel nos titulos mencionados pelo seu valor nominal, e será deduzida no acto da liquidação do emprestimo, sem intuição de restituir quando este emprestimo seja distrahido no todo ou em parte antes dos prazos fixados n'este contrato.
Art. 6.° Resulta desta liquidação a seguinte distribuição de titulos e pagamentos:
O banco de Portugal recebe em titulos 215:000$000 réis e paga em effectivo 200:000$000 réis;
O banco commercial recebe em titulos 64:500$000 réis e paga effectivo 60:000$000 réis;
O banco lusitano recebe em titulos 53:750$000 réis e paga effectivo 50:000$000 réis;
O banco insulano recebe em titulos 21:500$000 réis e paga effectivo 20:000$000 réis;
O banco lisbonense recebe em titulos 21:500$000 réis e paga effectivo 20:000$000 réis,
A companhia utilidade publica recebe em titulos réis 75:250$000 e paga effectivo 70:000$000 réis;
O banco alliança recebe em titulos 75:250$000 réis e paga effectivo 70:000$000 réis;
O banco commercial do Porto recebe em titulos réis 53:750$000 e paga effectivo 50:000$000 réis;
O banco união, do Porto, recebe em titulos 53:750$000 réis e paga effectivo 50:000$000 réis;
O banco mercantil portuense recebe em titulos 43:000$000 réis e paga 40:000$000 réis;
O banco portuguez recebe em titulos 43:000$000 réis e paga 40:000$000 réis;
O banco commercio e industria recebe em titulos réis 21:000$000 e paga 20:000$000 réis;
E o banco do Minho recebe em titulos 10:750$000 réis e paga effectivo 10:000$000 réis.
Pelo primeiro outorgante foi dito:
Que em nome do seu augusto constituinte acceita este contrato, com todas as condições n'elle exaradas, obrigando-o ao exacto cumprimento d'ellas;
Que o constituinte é devedor da quantia de 752:500$000 réis, por que recebeu 700:000$000 réis n'este acto dos segundos outorgantes, representados em cheques, do que eu, tabellião, dou fé, sendo os 52:500$000 réis restantes a importancia da commissão de que trata o artigo 5.° d'esta escriptura.
Que em virtude d'este recebimento entrega n'este acto, do que eu tabellião tambem dou fé, aos segundos outorgantes os titulos provisorios da representação d'este empres-

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timo e de que trata o artigo 1.° d'esta escriptura, obrigando-se a trocal-os pelos definitivos no prefixo termo de sessenta dias contado de hoje.
Pelos segundos outorgantes foi dito:
Que acham conformes os mesmos titulos provisorios e que acceitam o praso marcado para a entrega dos definitivos;
Finalmente disseram todos que na qualidade que representam se obrigam ao exacto cumprimento do exarado n'este contrato.
Adiante será pago por estampilhas o sêllo do 151$060 réis.
Assim o disseram e outorgaram na presença dos srs. Antonio Augusto dos Santos, casado, chefe da repartição central da administração da fazenda da casa real e morador na rua do Ferregial de Baixo u.° 33, freguezia dos Martyres, e Valentim Augusto da Silva, casado, almoxarife do real paço de Cintra, morador na calçada da Ajuda n.° 93, freguezia da Ajuda, concelho de Belem, testemunhas idoneas e todos assignam commigo esta escriptura que lancei conforme as bases que me foram apresentadas, depois de lhes ser lida.
E eu, o tabellião, Camillo José dos Santos Junior, que a subscrevo e assiguo em publico e raso. D'esta nihil = Antonio José Duarte Nazartth = José Manuel Leitão = Visconde de Ribeiro da Silva = Firmino Ribeiro Ermida = João Pedro de Miranda = Henrique Matheus dos Santos = Manuel Xavier Forte = H. Dachnhardt = Carlos Marcello dos Santos = José Gregorio da Rosa Araujo = Francisco de Almeida Rebello = Henry Burnay & Ca. = Antonio Augusto dos Santos = Valentim Augusto da Silva.

Mappa dos juros e amortisação do emprestimo feito á casa real de 752:500$000 réis

Annos

1883 ....
1884 ....
1885 ....
1886 ....
1887 ....
1888 ....
1880 ....
1890 ....
1891 ....
1892 ....
1893 ....
1894 ....
1895 ....
1806 ....

Está conforme. - Banco de Portugal, 21 de março de 1885. = Joaquim Ernesto Pedreira, guarda livros.

Proposta de lei n.º 24-A

Senhores. - A carta constitucional da monarchia portugueza declarou no artigo 80.° que ás côrtes geraes da nação incumbia fixar a dotação do Rei, logo que succedesse no reino, e no artigo 85.° que os palácios e terrenos reaes ficariam constituindo apanagio da corôa, cuidando o parlamento nas acquisições e construcções que julgasse convenientes.
Em harmonia com estes preceitos, fixou a lei de 19 de dezembro de 1834 em 1:000$000 réis diarios, alem da fruição dos palacios e quintas reaes, a dotação de Sua Magestade a senhora D. Maria II; e esta dotação tem sido mantida aos seus augustos successores, subsistindo no actual reinado por virtude da lei de 11 de fevereiro de 1862.
Pelo que toca aos bens do coroa, a lei de 18 de março de 183-1, supprimindo a casa do infantado, e mandando reverter os seus bens para a fazenda nacional, designadamente exceptuou ás quintas e palácios, cujo usufructo, permaneceria na casa real.
São estes os apanagios da corôa.
Em differentes epochas se effectuaram, porém, donativos de parte da dotação regia; de 1838 até ao presente, sommam esses donativos 2.113:000$000 réis.
No reinado da senhora D. Maria II atrazaram-se as prestações da dotação, e foram depois envolvidas nas capitalisações ordenadas por leis de 31 de dezembro de 1841, de 28 de fevereiro e 3 de dezembro de 1851, e 30 de agosto de 1852; d'ahi resultou uma differença de réis 485:473$872, pois que, sendo de 826:230$872 reis as prestações devidas, as inscripções entregues, no valor nominal de 815:350$000 réis, tinham o valor real de réis 340:757$000.
Por lei de 16 de julho de 1855 ficou o governo auctorisado a despender annualmente até á quantia de 6:000$000 réis com es concertos e reparações necessarias á conservação dos jardins e palacios reaes; e ahi se consignou que o Rei poderia fazer rios bens da corôa as mudanças e construcções que julgasse convenientes, devendo essas bem-feitorias, bem como as acquisições, ser pagas por conta do estado mediante a decisão das côrtes.
A despeza que, alem dos 6:000$000 réis annuaes, votados por essa lei, se tem feito, á custa da casa real, com a conservação e bemfeitoria dos palacios, jardins e almoxarifados, e com a acquisição do palacio dos Carrancas, no Porto, desde 1855 até 31 de dezembro de 1884 sobe a 849:700$000 réis.

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Isto explica a divida que pesa sobre a casa real; divida que ao fallecimento do Senhor D. Pedro V, era de 416:000$000 réis, que successivamente se elevou a réis 1.030:000$000 em dezembro de 1875, e que desde então, e em consequencia de rigorosas providencias, baixou a pouco mais de 800:000$000.
D'esta divida, 700:000$000 réis se acha, representados no contrato de emprestimo feito em 30 de dezembro e 1882 por um grupo de casas bancarias do paiz, tendo por seu representante o banco de Portugal; o que resta em aberto facilmente se amortisará com prudente administração que hoje tem a casa real, quando cessem os encargos d'esse emprestimo.
No uso da auctorisação conferida pelas leis de 7 de abril de 1877 e de 28 de maio de 1880, contrahiu aquella administração, em 12 de agosto de 1880, um emprestimo de 200:000$000 réis, para a construcção de novas cavallariças reaes, devendo o juto e amortisação saír do producto da venda das antigas cavallariças, e de determinadas propriedades do usofructo da corôa.
Findou em 31 de dezembro de 1882 o praso o pagamento do capital e juros d'esse emprestimo, que importam já em 230:000$000 réis.
Não estando por emquanto livre o edificio das antigas cavallariças, e sendo morosa a venda das propriedades cuja alienação foi auctorisada, poderia recorrer-se ás inscripções que existem averbadas á corôa, como producto da venda de diamentos, e de predios rusticos, feira segundo as leis de 25 de julho de 1864 e de 12 de abril de 1876, se essas inscripções não estivessem depositadas em garantia do contrato de emprestimo, a que já me referi, de 30 de dezembro de 1882.
Assim, o que mais conveniente se afigura ao governo, no intuito de extinguir a divida em que se acha a casa real, desembaraçando a sua administração das difficuldades em que por vezes se tem encontrado, e prevendo á sustentação da dignidade da corôa, é que se auctorise o pagamento para isso, e até ao concorrente valor, as inscripções que são do usufructo real.
Taes são os fundamentos da proposta de lei que venho submetter á vossa alta consideração.

PROJKECTO DE LEI

Artigo 1.º É auctorisada a junta do credito publico, a adiantar pela caixa geral de depositos, as quantias necessarias para pagamento dos emprestimos contrahidos pela administração da casa real em contratos de 12 de agosto de 1880 e de 30 de dezembro de 1882, recebendo em caução valor sufficiente em inscripções do usufructo da corôa, que, para seu reembolso, poderá alienar, de accordo com o governo, como mais conveniente for aos interesses da fazenda.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 16 de março de 1885. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

O sr. Presidente: - Está em discussão tanto na generalidade como na especialidade.
O sr. Francisco Beirão (para uma questão previa): - Mando para a mesa a seguinte proposta:
«Proponho que a camara não delibere sobre este projecto de lei, sem que, ácerca d'elle, seja ouvida a commissão de legislação civil.»
O projecto, que v. exa. acaba de declarar em discussão tem, por fim auctorisar a junta do credito publico a adiantar certas quantias, necessarias para pagamento de emprestimos contrahidos pela administração da fazenda da casa real, caucionando-se tal adiantamento por meio de inscripções do usufructo da corôa, e dando-lhe mais a faculdade de se alienarem as mesmas inscripções para pagamento d'esse emprestimo.
Como v. exa. e a camara vêem, este projecto não inscreve nas suas disposições um principio politico que faça exclusivamente parte do programma de qualquer da partidos em que se divide esta assembléa, de modo que, á sua affirmação por um lado, tenha de corresponder, por outro, uma negativa absoluta e formal.
Para mim, este projecto encerra principal, se não exclusivamente, uma questão de direito civil; e é por isso que eu proponho, como questão previa, que a camara não delibere ácerca d'elle, sem que, sobre a sua materia, seja ouvida a illustre commissão de legislação civil.
Sendo assim, é evidente que considero esta questão como aberta para todos os lados da camara, (Apoiados.) ácerca da qual, por isso, ao mesmo passo, que os membros de um partido podem ter opiniões divergentes e até contrarias, adversarios políticos se podem encontrar em perfeita conformidade de idéas.
N'estes termos, sr. presidente, as considerações que vou apresentar á camara, representara apenas uma opinião, puramente, individual; não tem outra auctoridade que não seja a que provenha, não do meu nome, que é nenhuma, mas dos argumentos em que a fundamentar; e não envolvem outra alguma responsabilidade que não seja a minha.
Mas, sr. presidente, se considero a materia d'este projecto de lei como questão perfeitamente aberta para todos os lados da camara, ha um ponto que considero como sendo essencialmente politico, é que é um acto que envolve grave responsabilidade a qual recáe, completa, precipua e exclusivamente sobre o ministerio.
N'essa responsabilidade não serão, por certo, solidarios os partidos da opposição, e, faço justiça aos meus collegas da maioria, acreditando que elles proprios, d'ella, não partilham, pelo menos, directamente: esse acto é o da apresentação, na occasião presente, d'este projecto á deliberação parlamentar. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu posso apreciar, perfeitamente, este projecto de lei, com que o governo pretende, desembaraçar a administração da casa real das difficuldades, em que por vezes se tem encontrado e prover á sustentação da dignidade da corôa, sem que haja de trazer á discussão qualquer personalidade, que, não só pela constituição, mas tambem pelo meu proprio respeito, tenha como inviolavel e sagrada, e sem procurar impôr responsabilidade a qualquer poder, que seja, de sua natureza, irresponsavel.
Hei de usar na apreciação d'este projecto d'aquella liberdade, que é não só direito, mas dever para os representantes do paiz, mas hei de fazel-o, espero, sem que v. exa. tenha de me lembrar a observancia de qualquer artigo regulamentar, por virtude do qual se não possam discutir, no parlamento, a pessoa ou as opiniões do Rei.
Ainda mais. Creio que todos os deputados que tomarem parte n'esta discussão, quer a favor, quer contra, hão de fazel-o n'estes mesmos termos, e que a deliberação da camara, qualquer que ella seja a final, se ha de exprimir o voto consciensioso dos representantes do paiz, não ha de haver n'elle quebra ou falta do respeito devido a qualquer pessoa ou a um dos poderes do estado.
Mas, sr. presidente, a apreciação d'este projecto de lei não começou, e, não ha de acabar, no parlamento. Discussões de assumptos tão graves, e direi mais, tão melindrosos e delicados como este, têem, por sua propria natureza, tal força de expansão, que faz com que excedam os limites estreitos das casas do parlamento e vão alrgar-se por todo o paiz, agitando, lá fóra os varios elementos sociaes e politicos de cujo conjuncto resulta esta cousa incoercivel, mas nem por isso menos poderosa, que se chama, a opinião publica.
Ora, as discussões fóra do parlamento não são reguladas pelas prescrições de um regimento de antemão prudentemente elaborado, nem dirigidas por uma presidencia que tem por especial missão serenar os animos e acalmar as paixões; não se contem nas formulas estreitas de um con-

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vencionalismo politico, nem se sujeitam ás regras apontadas por onde se pautam as discussões parlamentares.
Direi mais. Lá fóra a multidão não é facil nem cautelosa em destrinçar responsabilidades, affastando, completamente, das discussões o que pela carta constitucional é irresponsavel; e é muito natural por isso que se possa transformar uma questão pura e simplesmente administrativa, numa questão politica.
Alem d'isso e preciso não esquecer o estado era que se encontram os espiritos no paiz.
Ha já uma grande turba de descontentes, a estes vão-se juntando, continuamente, muitos outros, formando assim todos uma corrente, que dia, a dia, vae engrossando, e em cujos principies não se comprehende, por certo, o de um respeito, ás vezes supersticioso, pelas formulas representativas e pelas facções constitucionaes. Esses todos hão de por certo, querer accumular responsabilidades, que convém trazer divididas, e tirar d'ahi argumento favoravel aos seus intuitos.
Tal é o estado em que se encontra o espirito publico. Acresce a isto a situação economica e financeira em que nos encontrâmos, e que é grave, mau grado a descripção favoravel que o sr. ministro da fazenda d'ella nos queira fazer, descripção contra a qual os algarismos protestam diaria e eloquentemente.
E, é em circumstancias taes, que o governo encontrou occasião apropriada para vir trazer, não digo á deliberação parlamentar, mas á discussão publica em todo o paiz, um projecto, pelo qual a nação vae pagar, com a propriedade de valiosos titulos, as dividas da administração da casa real!
Pergunto se isto é politica sensata? Se isto é ter a comprehensão verdadeira cia situação actual? (Apoiados.)
E, note-se mais, que este acto não é isolado, e antes parece ser mais uma resultante do systema de governo que o ministerio está seguindo.
Apesar de sermos côrtes constituintes, quasi não tem havido na actual sessão legislativa discussão alguma, nas duas casas do parlamento, a não ser de propostas em que o governo parece ter tido em mira desprestigiar os poderes do estado. (Apoiados.)
A primeira proposta que se apresentou aqui foi a da reforma dos serviços aduaneiros, proposta que não era mais do que a inversão de todos os principios e a confusão de todos os poderes. Desprestigio para a representação parlamentar. (Apoiados.)
Veio depois o bill para ser relevado o governo da responsabilidade em que incorreu por só haver arrogado a dictadura mais inutil e affrontosa de que ha memoria, e para defeza da qual, das bancadas dos ministros, não partiram argumentos, mas só gracejos, (Apoiados.) dictadura perpetrada, especialmente, em desprezo dos pares do reino. Desprestigio para a camara alta.
Mais tarde appareceu a proposta para se dispensar, n'uma concessão importantissima, o concurso publico, concurso que era aconselhado, não só por todas as indicações praticas, mas até pelos principios constitucionaes. (Apoiados.) Desprestigio para o poder executivo.
Finalmente, vem hoje offerecer-se á discussão, parlamentar e publica um projecto que, pelo menos, póde trazer desprestigio... não direi para quem, (Apoiados.) pois que não quero, nem indirectamente, associar-me ao governo na responsabilidade das consequencias que podem resultar, já não direi da apreciação parlamentar, mas da apreciação publica da presente proposta.
Essa responsabilidade cabe inteira e precipua ao governo; fique, pois, exclusivamente com ella. Julgou-se obrigado a apresentar este projecto? Seja. Cumpriu um dever. Muito bem; cumprirei o meu, discutindo-o. Discutamos pois.
Repito; considero este projecto principalmente como envolvendo uma questão de direito civil, que, por isso, vou apresentar pela fórma mais breve, clara e precisa, que possivel me for.
Este projecto tem por fim pagar dividas contratadas pela administração da fazenda real. Essas dividas podem, e devem constituir dois grupos distinctos, consoante a sua origem.
N'um dos grupos comprehende-se a divida que pesa sobre a casa real, e que, segundo as declarações do governo, se explica pela despeza, que, alem dos 6:000$000 réis annuaes, votados pela lei de 16 de julho de 1850, se tem feito, á custa d'aquella, com a conservação e bemfuitoria dos palacios, jardins e almoxarifados, e com a acquisição do palacio dos Carrancas, no Porto, desde 1855 até 31 de de dezembro de 1884. Segundo as declarações do governo, digo, pois que nenhuma outra prova tenho para o asseverar. E extraordinario é, em verdade, que o governo apresentasse á camara um projecto d'esta importancia, sem o trazer acompanhado dos documentos comprobativos de que estas dividas houvessem sido contratadas, exclusivamente, para os fins indicados. Pela minha parte quero acreditar que o fossem, mas entendo que, junto com o projecto, devia vir a prova documental da applicação que tiveram as quantias devidas!
Notando, como noto esta falta, repito, que acceito a declaração do governo, pois que não posso do modo algum duvidar de uma asserção feita, officialmente pelo, governo do meu paiz. A commissão de legislação civil, á qual peço seja presente o projecto, se entender que a camara não póde dispensar a prova de tal asserção, terá o cuidado de exigir a exhibição dos documentos de que, julgue, carecer.
As dividas da administração da casa real comprehendidas n'este grupo, ascendem a uma importancia grande, elevam-se, ainda hoje, como se diz no relatorio do projecto, a mais de 800:000$000 réis.
D'esta divida 700:000$000 réis acham-se representados n'um da contratos juntos ao parecer - o de 1882 - que se pretendem satisfazer com o adiantamento proposto: o resto, diz-se, será amortisado pela administração da casa real, quando cessem os encargos d'aquelle emprestimo.
É para sentir que no relatorio a que me estou referindo, e que é da responsabilidade do governo, se quizesse fazer separação entre a importancia das dividas existentes, no fim do reinado do Senhor D. Pedro V e a das contrahidas de então para cá. Não sei bem para que se fez esta divisão, e, se acaso esta destrinça póde ter alguma conveniencia, então o governo, que julgou dever mencionar a importancia das cessões parciaes da dotação real desde 1838 até hoje, devia ter procedido a outra destrinça, qual a das cessões feitas, n'aquelle, e nos outros reinados. O governo que tanto empenho tinha em dizer qual a importancia da divida da casa real á morte do Senhor D. Pedro V, para ser inteiramente justo, devia tambem dizer quanto aquelle monarcha tinha cedido da sua dotação; se o houvesse feito, ver-se ia que dos 2.113:000$000 réis de que, nos diz, a corôa tem desistido de 1838 para cá em favor do estado - isto, é n'um espaço de quarenta e sete annos, - durante o reinado do Senhor D. Pedro V, - que apenas durou oito annos - essas desistencias subiram a mais de 750:000$000 réis, ou seja a quantia superior a um terço d'aquella totalidade!
E, creio poder dizer isto, sem offensa para alguém, e até sem offensa para mim proprio, pois que, n'este ponto, não me poderão taxar de lisongeiro. D. Pedro V pertence á historia; já ha muito atravessou os aditos d'aquelle templo, á entrada do qual fenece a lisonja, e começa a justiça. (Apoiados.)
Foram, pois, estas dividas contrahidas para se pagarem despezas de conservação e bemfeitoria dos palacios, jardins e almoxarifados do usofructo real, bem como para satisfazer o preço da compra do palacio dos Carrancas.
Vejamos, pois, se a nação póde julgar-se, juridicamente e legalmente, obrigada ao pagamento de taes dividas.

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Como v. exa. sabe melhor do que eu, hoje, no moderno systema politico, não só em rasão dos principios constitucionaes, mas tambem por virtude das disposições do decreto de 13 de agosto de 1832, denominado dos foraes, ficou extincta a naturesa dos bens da corôa, assim como dos chamados direitos reaes, até as propriedades que estavam na posse da corôa são consideradas bens nacionaes. Os direitos o prerogativas da corôa ficaram definidos na carta constitucional. Assim, pois, propriedades da coroa, no sentido actual e vulgar, são áquellas que, sendo do dominio da nação, pertencem em usufructo aos Reis, usufructo que vae passando successivamente de uns para outros. Estas propriedades são as referidas no artigo 85.° da carta constitucional e as que eram da antiga casa e estado do infantado.
O artigo 85.° da carta, diz que os palácios e terrenos reaes, que tinham sido até então possuidos pelos Reis, ficariam pertencendo aos seus successores.
Pela lei de 18 de março de 1834 foi extincta a casa e o estado do infantado com todas as suas dependencias, por já não ter, politicamente, rasão para existir. A casa denominada do infantado fôro instituida por El-Rei D. João IV, que. receioso de que se renovasse o pretexto de um supposto direito de successão, anteriormente allegado por Filippe IV, apoiado n´um grande exercito, quiz assegurar melhor a successão da corôa na familia de Bragança, dando-lhe um fiador mais, e mais uma linha no segundo genito d´ella, e por isso entendeu dever-lhe estabelecer um património digno de tal objecto.
Ora, como a successão da corôa não corria o perigo que a ameaçara e a carta constitucional tomara as providencias necessárias para a sustentação e explendor de toda a familia real, deixou de ter rasão de existir a casa do infantado; e portanto foi extincta.. ficando os seus bens pertencendo á fazenda nacional e incorporados nos próprios d´ella, declarando-se, porém, que os palacios de Queluz, da Bemposta, do Alfeite, de Çamora Correia, de Caxias e da Murteira, casas, quintas o mais dependencias d´elles, serim destinados para decencia e recreio do soberano, como os palacios e terrenos de que trata o artigo 85.° da carta constitucional.
Portanto, fique bem assente que propriedades da corôa, n´este sentido, são simplesmente as de que fallam o artigo 85.° da carta constitucional e a lei de 18 de março de 1834, que extinguiu a casa e estado do infantado.
Estes bens pertencem em propriedade á nação e em usufructo successivo aos Reis: por consequencia os principios que regem o exercicio dos respectivos direitos e obrigações entre o Rei e o estado são, simplesmente, os que regulam as relações entre proprietários e usufructuarios.
Ora, é de direito, até expresso no artigo 2201.° do codigo civil, que os direitos e obrigações do usufructuario se regulam pelo titulo constitutivo do usufructo, e na falta ou deficiencia d´este, segundo as disposições legaes applicaveis.
Os direitos e obrigações dos usufructuarios das referidas propriedades da corôa, acham-se, em parte, reguladas nas leis de 16 de julho de 1855 e de 23 de maio de 1859; leis que, apesar de promulgadas em reinados anteriores ao actual, ainda hoje estão em pleno vigor, pois que não só nunca foram derogadas, mas que até foram confirmadas muito expressamente para regerem durante o reinado do actual monarcha. Com effeito, na lei de 11 de fevereiro de 1862 que, nos termos do artigo 80.° da carta constitucional, assignou a dotação correspondente ao decoro de El-Rei, se declaram em vigor, no presente reinado, as disposições das leis referidas nas suas partes principaes.
A lei de 16 de julho de 1855 continuou em vigor, no reinado de El-Rei D. Pedro V, a já citada lei de 18 de março de 1834, com a limitação da segunda de 19 de dezembro do mesmo anno, e declarou as propriedades referidas inalienaveis, imprescriptiveis, não podendo ser gravadas com hypothecas ou encargos.
N´essa lei distinguiam-se n´essas propriedades, umas que se podiam arrendar, e outras que se não podiam arrendar. Estas eram os jardins de recreio e os palacios destinados para residencia o recreio do Rei, aquellas eram todas as outras propriedades da corôa.
Com relação aos que podem ser arrendados, a lei fixa um praso limitado para os arrendamentos, de vinte annos o maximo, não sendo renovados antes dos ultimos tres annos. Os arrendamentos feitos na forma sobredita serão mantidos pelos successores, até á expiração do praso marcado, não havendo offensa, acrescenta a lei, de seus direitos em algumas das outras clausulas. D´aqui se vê que a lei foi sempre previdente o previdente em acautelar os direitos dos futuros usufructuarios.
Por esta lei ficou o governo auctorisado a despender, annualmente, até á quantia de 6:000$000réis, para os concertos e reparações que possam ser necessarias á conservação dos palacios e jardins, que, nos termos expostos, não podem ser arrendados.
O Rei póde fazer em todos os bens da corôa as mudanças e construcções que julgar úteis para a sua conservação, melhoramento e aformoseamento. Todas as bemfeitorias, que não forem concertos e reparações nos palacios e jardins, bem como as acquisições, serão pagas por conta do estado, havendo sobre a sua conveniencia a devida decisão das cortes, nos termos do artigo 85.° da carta constitucional.
Portanto, alem dos concertos e reparações necessarias á conservação dos palacios e jardins a que me referi, a que o estado é obrigado, este pude mais obrigar-se a pagar as bemfeiforios e acquisições que ao Rei approuver fazer nos bens da corôa, mas para isso, é precisa a clausula indispensavel de que o parlamento profira a sua decisão, resolvendo as cortes previamente sobre a conveniencia d´essas obras e acquisições, nos termos do artigo 85.° da carta constitucional.
Diz mais esta lei no artigo 7.°:
«As joias, diamantes e quaesquer outros objectos moveis que os Reis tem possuido, como pertencentes á corôa, continuarão do mesmo modo, no presente reinado, a ser possuidas pelo Rei, e serão considerados inalienaveis e imprescriptiveis; podendo comtudo substituir-se por outros aquelles que forem susceptiveis, de se deteriorarem pelo uso.»
Depois, manda-se proceder a um inventario judicial dos bens da corôa inoveis e immoveis, copias do qual hão de ser depositadas nos archivos das camaras legislativas.
Com relação aos rendimentos dos bens da corôa que tiverem vencimento durante o reinado, e bem assim ás quantias e creditos de dotação real, pecuniarios, determina a lei que se regulem quanto d sua livre disposição e successão pelas mesmas leis que regem quaesquer bens particulares.
Taes são as disposições applicaveis da invocada lei de 1855.
A lei de 23 de maio de 1859 permittiu a venda de tantos diamantes em bruto pertencentes á corôa, quantos necessarios fossem para, com o seu producto, se comprarem, para a mesma coroa, titulos de divida interna consolidada de assentamento a juro de 3 por cento, até á quantia nominal de 1.000:000$000 réis; regulou a fórma da venda; e mandou que o preço d´ella fosse empregado nos referidos titulos, sendo estes averbados á corôa d´estes reinos, recebendo o Rei os seus juros e d´elles podendo dispôr.
Diz mais a lei:
«Artigo 4.° Estes titulos ficarão pertencendo á corôa, como inalienaveis o imprescriptiveis; não poderão ser empenhados ou gravados com qualquer encargo, e sómente poderão ser permutados por virtude de uma lei.»
O emprego do producto da venda dos diamantes, o averbamento dos titulos, o dominio e usufructo d´estes, a sua

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inhabilidade, o lançamento das respectivas declarações da permuta no inventario e a referencia á lei de 1855, formam o objecto dos artigos 3.º a 6.° da lei a que me estou referindo.
Com relação á substituição de bens da corôa ainda houve outras leis. A de 25 do julho de 1864 permittiu o aforamento ou subrogação de terrenos e predios urbanos separados, mas dependentes dos jardins, palacios e quintas d´estinados pela carta para decencia e habitação do Rei, desnecessarios para uso da real casa, ou arruinados, tendo o governo ficado obrigado a fazer os regulamentos necessários para a execução da mesma lei. A lei de 12 de abril de 1876 permittiu a venda de tantos diamantes em bruto e lapidados, pertencentes á corôa, quantos necessarios para, com o seu producto, se comprarem para a mesma corôa titulos do divida publica com averbamento, ate ao valor nominal de 500:000$000 reis; mandando applicar a esta venda as disposições dos artigos 2.° a 6.° da lei de 23 de maio de 1859.
Taes são as disposições legaes, por virtude das quaes nos cumpre investigar se o estado e, ou não, obrigado ao pagamento das dividas contrahidas pela administração da casa real, e que formam um dos dois grupos em que ellas se teem de considerar divididas. Mais adiante tirarei, dos principios expostos, as competentes conclusões, juridicas e legaes.
O outro grupo de dividas comprehende as que foram contrahidas por virtude das auctorisações constantes das leis de 7 de abril de 1877 e de 14 de maio do 1880. Por estes diplomas foi o governo auctorisado a proceder á venda das reaes cavallariças do Belem e de outros predios o terrenos contiguos ás mesmas e ainda de outros sitos no concelho de Belem, que fossem designados pela administração da fazenda da casa real, para, com o producto das vendas se, prover ao pagamento dos juros e amortisação de dois emprestimos, um de 120:000$000 reis e o outro de 80:000$000 reis, contrahidos para se começar e concluir a construcção das reaes cavallariças e suas dependencias nos terrenos adjacentes ao palacio da Ajuda e se poderem effectuar varias reparações no mesmo palacio.
Tenho presente o relatorio que acompanhava o pn.jccto da segunda das referidas leis, por onde se vê que se tinham vendido já terrenos na importancia de 9:480$000 réis quando e certo que a avaliação d´esses mesmos terrenos dava simplesmente 7:518$000 réis, o que quer dizer que as avaliações eram baixas.
Allega-se, com respeito ás dividas resultantes d´estes emprestimo, que findára em 31 de dezembro do 1882 o praso para o pagamento do respectivo capital e juros, que importam já em 230:000$000 reis, mas que não estancio livre o edificio das antigas cavallariças, e sendo morosa, a venda das propriedades, cuja alienação fôra auctorisada, se não pode recorrer ás inscripções averbadas á corôa, como producto da venda do diamantes e predios rusticos feita segundo as leis, a que já me referi, de 25 de julho do 1864 e de 12 de abril de 1876, por estarem depositadas em garantia do contrato de emprestimo de 30 de dezembro de 1882.
Pareço em conclusão, ao governo conveniente alienar inscripções do usufructo da corôa para satisfação de todas estas dividas.
Expostos, como ficam os factos, e citadas as disposições legaes applicaveis, vejamos quaes as conclusões a que a logica nos leva.
A nação só é obrigada a pagar annualmente ate á importancia de 6:000$000 reis, para os concertos e reparações necessarias á conservação dos palacios e jardins do usufructo da corôa, que não podem ser arrendados. Creio que esta obrigação tem sido religiosamente cumprida, e, por isso, entendo que de todas as dividas de que trata o presente projecto de lei, a nação não tem responsabilidade alguma, e por isso nenhuma obrigação juridica ou legal lhe impende de as pagar, como, aliás, se lhe vem propor. E, o exame da applicação especial que o governo declara haverem tido os productos dos emprestimos contrahidos pela casa real, corrobora esta asserção, se e que mais e preciso.
Essa applicação foi, repito, para a conservação, bemfeitoria dos palacios e jardins e almoxarifados, e para a acquisição do palacio dos Carrancas. Comecemos por esta ultima e, vejâmos, se a nação e obrigada ao pagamento do respectivo preço.
A lei dá ao soberano a faculdade de fazer acquisições, mas, - ainda quando na disposição do artigo 5.° da lei de 16 do julho de 1855, se comprehenda a compra de um palacio, desnecessario para a conservação, melhoramento e aformoseamento dos bens da corôa, o que para mim e duvidoso, - o preço d´essa acquisição só teria de ser pago pelo estado, se tivesse havido, previamente, decisão das cortes sobre a sua conveniencia. É o que diz esta mesma lei e o que dispõe a carta constitucional.
Ora, pergunto ao governo: onde está a lei que auctorisou a administração da casa real a comprar o palacio da Carrancas? Quando foi reconhecida a conveniencia d´essa acquisição? Qual e o documento official? D´onde consta tudo isto?
Responde o silencio. Pois era necessario que se provasse haver o parlamento reconhecido a conveniencia d´essa acquisição, para que nos termos do proprio titulo constitutivo do usufructo real, a nação ficasse obrigada a pagar o preço da acquisição.
E, como tal se não provou, nem póde provar, a conclusão e considerar tal compra como puramente particular, não tendo, por isso, a nação, cousa alguma, direito ou obrigação, em similhante contrato.
Occupemo-nos agora das despezas com a conservação e bemfeitoria allegadas. Diz-se que foram feitas nos palacios, predios e almoxarifados.
Quanto ás despezas de conservação, ou por outra, de concertos e reparações, já demonstrei que só as feitas nos palacios e jardins, eram a cargo do estado, e que por isso, como taes, foram em tempo satisfeitas.
Como, porém, no relatorio do projecto se falla tambem em conservação e bemfeitoria de outras propriedades, alem d´aquellas, pois se mencionam, em geral, os almoxarifados vejamos se a nação era, ou está obrigada, ás respectivas despezas.
A lei de 16 de julho de 1855, reguladora do usufructo dos Reis, n´estes bens, manda applicar a todas as propriedades, não jardins e palácios, as regras geraes do direito relativas aos concertos e reparações a que e obrigado qualquer usafructuario. De modo que este titulo não só e omisso n´esta parte, devendo por isso vigorar a legislação geral, se não que elle proprio, a manda applicar.
Quanto a concertos e reparações para conservação dos predios, abro o codigo civil, e vejo que o usufructuario deve fazer as reparações ordinarias indispensaveis para a conservação da cousa. É o artigo 2:228.°
Suppondo ainda que as reparações foram extraordinarias, continuando a abrir o mesmo codigo, vejo no artigo 2:229.° que, com respeito a estas, incumbe ao usufructuario avisar em tempo o proprietario, que poderá, querendo, mandal-as fazer, e se este as não fizer, e ellas forem realisadas pelo usufructuario, este pode fazel-as á sua custa, e exigir o pagamento do valor que tiverem no fim do usufructo, guardando, sempre, o desenho e a fórma da obra.
Com relação a bemfeitorias, leio o artigo 2217.° do codigo que diz:
«O usufructuario pode fazer na cousa usufruida as bemfeitorias uteis e de recreio que bem lhe parecer, comtanto que não altere a fórma da cousa, mas não terá por isso direito a indemnisação alguma; poderá, todavia, levantar as ditas bemfeitorias, se o fizersem detrimento da cousa.»
Portanto, quer pelo titulo constitutivo do usufructo, quer pelo direito civil applicavel, o estado não tem obrigação de

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pagar nenhuma das importancias que forem dispendidas com reparações, concertos e bemfeitorios em bens da corôa, que não jardins e palacios.
Com respeito ás dividas do segundo grupo, e evidente que, o que o estado podia fazer, já o fez; auctorisou a venda de certos bens da corôa, e a successiva suboragação dos respectivos productos nas novas construcções o acquisições. A nada mais é ou pode ser obrigado.
Eu respeito muito a illustrada commissão de fazenda, que deu parecer sobre este projecto; mas os deputados que a compõe não têem, nem por certo pretendera ter, conhecimentos encyclopedicos, e, se são financeiros dos mais distinctos, podem não ser jurisconsultos, e ignorar, por isso, as muitas e varias disposições que tenho citado, de fórma que, ao elaborarem o parecer em discussão, não preveniram nem desfizeram todas estas duvidas que se podem levantar no espirito de mais alguem, como no meu, se levantaram.
Por isso desejara que a commissão de legislação civil fosse ouvida ácerca de taes dividas, antes de deliberar a final, sobre a materia do projecto.
Não tendo, porém, a certeza de que a minha proposta venha a ser approvada, não posso, por isso, deixar de fazer algumas considerações, encarando a questão só debaixo do aspecto em que a illustre commissão de fazenda a estudou.
Duas questões ha, que eu n´esta parte, não posso deixar de levantar.
É conveniente a approvação do projecto de lei que se nos apresenta? E, sendo-o, tem o parlamento faculdades bastantes para o poder approvar?
Eu declaro a v. exa. que li muitas vezes os contratos transcriptos com o parecer da commissão de fazenda, bem como os relatorios d´esta e do governo, e os respectivos projectos, e não pude acabar commigo convencer-me de que haja a minima conveniencia na approvação d´esta proposta.
Os emprestimos que a administração da casa real contrahiu, e cujo pagamento hoje se nos propõe estão representados nos titulos referidos no parecer: não vendo n´elle, porém, transcriptas todas as escripturas constituitivas d´estas dividas. As que se transcrevem são tres. Uma outra vem aqui simplesmente referida, não vem copiada, mas eu tive occasião de a ver, o que não era difficil, porque se acha transcripta entre os documentos que acompanham o relatorio dos actos do ministerio da fazenda durante o anno de 1877. É a escriptura de 25 de agosto d´esse anno. As referencias que a ella se fazem nos outros contratos de 1880 são sufficientes para a apreciar, convindo acrescentar que n´um dos seus artigos se diz, especificadamente, que o producto da venda dos bens destinados ao pagamento do emprestimo, seria entregue aos credores, á proporção que os mesmos bens fossem rendidos pela repartição dos proprios nacionaes. O credito resultante d´este contrato foi cedido pelos respectivos credores. Explicarei melhor o que foi esta cessão. Eram quatro os estabelecimentos bancarios que tinham feito o primitivo adiantamento de 120:000$000 réis á casa real, cujo pagamento se devia effectuar até 24 do referido mez de agosto.
Ora, os quatro estabelecimentos bancarios, que figuravam na primeira escriptura, são os mesmos que alem de mais sete, figuram tambem como cessionarios, na chamada escriptura de cessão. Isto, pois, não é uma cessão de credito a pessoas completamente estranhas, mas antes, uma ampliação de credores.
Na mesma data da chamada escriptura de cessão se fez, com os mesmos credores, o segundo emprestimo de réis 80:000$000, tomando estes sobre si o pagamento dos 120:000$000 reis ao primitivo grupo dos allegados cedentes, e prorogando o praso do seu embolso até 31 de dezembro de 1882.
Por circumstancias superiores á vontade dos contratantes, não se poderam vender os bens do concelho de Belem, a tempo de se poderem applicar ao pagamento de juros e amortisação d´este emprestimo dentro do praso estipulado.
N´estes termos, ou essas circumstancias se devem considerar como importando caso de força maior ou não. Na primeira hypothese a casa real não tem a prestar esse caso por ser superior á sua vontade; no outro os credores o que têem é direito a indenmisação de perdas e damnos desde o vencimento do praso para o pagamento. Nada mais.
O titulo do emprestimo dos 700:000$000 réis, gastos nas allegadas consevação, bemfeitoria, emprestimos e aquisições, é a escriptura de 30 de dezembro de 1882, transcripta com o parecer. Parece-me contrato perfeitamente legal.
A consulta da procuradoria geral da corôa e fazenda, que faz parte integrante da escriptura, creio que assim o declara, e creio, digo, por isso que ella não vem inserta no parecer.
O usufructuario podia levantar os capitães que quizesse e estabelecer o modo de pagamento que lhe parecesse conveniente. Consignou para isso os juros de umas certas inscripções, de que tinha o usufructo, e, como, especialmente, desde 1886 em diante não chegavam os juros d´essas inscripções para satisfação das annuidades estipuladas, consignou uma parte da sua dotação. Entendo que, legalmente, se podem fazer estas consignações.
O usufructuario pode fazer quantos contratos quizer, pode consignar para o pagamento d´esses contratos, ou das dividas que contrahir, o seu usufructo, mas só o usufructo, e não póde passar d´ahi.
É expresso o artigo 2207.° do codigo civil, que diz:
«O usufructuario pode gosar pessoalmente a cousa, emprestal-a, arrendal-a, ou alugal-a, e até aliviar o seu usufructo; mas os contratos que fizer não produzirão effeito senão emquanto o usufructo durar.»
Este contracto está, pois, perfeitamente assegurado, emquanto durar o usufructuario actual, e emquanto elle estiver no goso dos respectivos rendimentos. Por estas se podem e, devem pagar os credores.
N´estes termos nada ha a dizer quanto á legalidade do contrato.
Entendo, porém, que logo que o usufructuario, por desgraça desappareça, ou deixe de receber os respectivos redditos, desde esse momento os estabelecimentos que contrataram com o usufructuario para se embolsarem da sua divida, terão de recorrer aos bens particulares d´aquelles com quem haviam contratado.
Os primeiros contratos estão perfeitamente assegurados pela venda dos terrenos em Belem. Mas, allega-se, que se não pode effectuar essa venda dentro do praso fixado n´aquelle contrato. Também, como já mostrei, em direito, ha providencias para esse caso. Appliquem-se as que no caso couberem mas com isso nada tem, como provei, o estado.
O segundo contrato parece-me maduramente pensado e reflectidissimo. Junto á proposta está uma tabella dos juros e amortisação do emprestimo que se fez, emittindo-se titulos e dividindo-se a amortisação e o juro semestralmente por diversos annos. Calculou-se tudo com todo o rigor economico e financeiro, de modo que no anno de 1896 deve estar completamente extincto.
N´estes termos os credores entenderam que o seu direito estava perfeitamente assegurado em relação aos primeiros emprestimos pela venda dos terrenos em Belem; e, com relação ao ultimo, julgaram-se completamente satisfeitos com a cessão dos juros das inscripções e de uma parte da dotação regia.
Que mais podem querer em bom direito? Nada mais se lhes pode dar.
Quem lucra, pois, com esta transacção? A corôa? De certo que não. Obrigou-se, tanto quando podia: acccitaram essa obrigação, a nada mais é obrigada.

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E lembrarei á camara que a corôa fica perfeitamente a coberto de qualquer accusação que se lhe queira fazer, e que falta alguma de decoro se lhe pode censurar, porque ella contratou com pessoas que estavam no uso pleno de todas as suas faculdades e que tomaram todas as seguranças que entenderam necessarias para se acautelarem. A corôa não tinha nada mais a fazer. E qualquer venda de inscripções, privando-a do usufructo dos juros d´essas inscripções de 1896 em diante, é por isso um contrato ruinoso para ella.
Portanto, a corôa não tem nada a ganhar com esta transacção.
E o paiz terá alguma cousa a ganhar com ella?
O paiz é o proprietario, e vae pagar com o valor da sua propriedade, alienando estas inscripções, as dividas do usufructuario. (Apoiados.)
Esta é que é a verdade. (Apoiados.) Portanto, só tem a perder.
Mas diz a illustrada commissão de fazenda:
«E considerando que nem dos contratos do 12 de agosto de 1880 e de 10 de dezembro de 1882, que juntos vão a este parecer, resultou encargo para o thesouro nacional... »
De accordo.
E exactamente por isso mesmo e porque esses contratos estão muito bem feitos que este projecto não tem rasão de ser que continuem em vigor. Nada mais é preciso.
E continua a illustrada commissão de fazenda:
«... Nem do uso da auctorisação pedida pelo governo pode advir qualquer onus para a fazenda publica, visto como os titulos destinados para a amortisação das dividas da casa real pertencem á corôa, e nem o seu capital nem os respectivos juros fazem ou fizeram nunca parte dos recursos publicos, orçamentaes, ordinarios ou extraordinarios, etc.»
Diante d´estas considerações feitas pela illustrada commissão de fazenda mais me convenci da necessidade de se consultar a commissão de legislação civil, porque desejo saber se estas palavras que escreveu a mesma commissão pertencem á corôa, indicam que estes bens pertencem á corôa como parte do estado, ou se a corôa é uma entidade a quem os mesmos bens pertencem com exclusão do estado.
Eu, por emquanto, entendo que estes bens pertencem ao estado; e esta propriedade tem um certo valor.
A propriedade de dois mil e tantos contos de réis em inscripções tem valor; e alienar esta propriedade, para pagar dividas do usufructuario, dizendo-se que d´isto não advem onus para a fazenda, que a vão perder, por os juros d´esta quantia não fazerem parte dos recursos ordinarios e extraordinarios do estado, parece me cousa difficil de provar. (Apoiados.)
Depois, este argumento prova de mais. (Apoiados.) Ha muitos outros bens que nunca fizeram parte dos recursos orçamentaes ordinarios e extraordinarios do estado e por este argumento podiamos ir auctorisando a venda de todos.
A propriedade d´estes bens pertence ao estado, mas o estado vae alienal-as; portanto perde dois mil e tantos contos em inscripções, que é a quanto ellas montam.
Creio que isto é axiomatico, que não se pode discutir.
Portanto a corôa não ganha, e o estado de certo que perde. (Apoiados.)
Creio que tenho demonstrado esta proposição.
E os credores ganharão?
Não sei.
Elles julgaram se perfeitamente assegurados. Foram elles proprios que escolheram o modo de pagamento de que falham os contratos.
Se os seus capitães estão vencendo um juro mais pequeno do que aquelle que poderiam vencer, com isso nada temos; contrataram, e acautellaram-se como entenderam. Não nos cumpre apreciar se bem se mal, e muito menos, valer-lhes se acaso não pouco previdentes acautelosos, quanto lhes cumpria.
Se este projecto é para, elles se embolsarem mais rapidamente, o estado não pode ir inverter todas as regras do direito para fazer um tal adiantamento. (Apoiados.)
Portanto com os credores não temos nada, e não ha aqui conveniencia nem para o estado nem para a corôa.
Mas supponhâmos que havia essa conveniencia-o que assaz, ainda não se provou; podia ainda assim o parlamento votar este projecto?
Duvido muito.
Em primeiro logar vejo que se esqueceu aqui uma personalidade importantissima.
Na transacção proposta deviam figurar tres entidades: o estado, como proprietario; o actual usufructuario, que tem direito ao usufructo presente; e o usufructuario futuro. (Apoiados.)
O usufructuario futuro não está representado n´esta proposta.
Se o parlamento entender que pôde, em nome da nação, ceder a propriedade, a bem d´esta, perfeitamente. Se o usufructuario actual quer ceder do seu usufructo, que ceda.
Mas os direitos do usufructuario futuro?
O usufructuario futuro é o successor da corôa, que n´estes contratos não foi representado, e portanto não se comprometteu. O seu usufructo, pois, ficou a salvo das consignações feitas.
O usufructuario futuro, o successor á corôa, repito, n´este contrato não foi representado, não se comprometteu, nem se obrigou; como se ha de ir fazer uma venda privando-o do usufructo a que tem direito e que não foi nem podia ser onerado?
Isto é contra todos os principios de direito. (Apoiados.)
No tempo do reinado do Senhor D. Pedro V, uma das primeiras leis que se apresentou foi a que auctorisava o Senhor D. Fernando a fazer cedencias por conta da dotação de seu filho menor, entendendo-se que, sem isso, apesar de pae, não as podia fazer; hoje quer-se fazer approvar uma lei em virtude da qual os direitos do futuro successor não só não foram attendidos mas até vão ser violados!
E voltando ainda á questão de conveniencia; podemos nos diminuir os recursos da corôa? Não.
Pois nós com isto não vamos diminuir de futuro a dotação real?
Não haverá necessidade de ver de futuro augmentar a dotação, não digo ao monarcha presente, mas ao seu successor?
É preciso que vejamos a questão por todos estes aspectos.
Portanto, para a deliberação final d´esta proposta falta ouvir uma pessoa. E emquanto tal se fizer obsta ásua approvação e illegitimidade dos intervenientes.
Mas ainda quando essa falta não houvesse, podia o parlamento ir - e submetto este facto á consideração da illustrada commissão de legislação civil - pagar dividas da casa real com propriedade pertencente á nação?
A carta constitucional diz-nos que no principio de qualquer reinado se fixa a dotação real; e todos têem entendido, e passou em julgado, que a dotação real não pode ser, durante o mesmo reinado, alterada, nem para mais, nem para menos.
E, muito proficientemente n´esta camara se tem respondido muitas vezes áquelles que teem querido lançar impostos sobre os bens da corôa dizendo, que o lançamento de impostos era uma alteração na dotação real, que não cabia ao parlamento fazer.
Mas quando isto não esteja expresso e claro na carta e não seja um axioma em direito constitucional, temos nas leis que fixam as dotações regias disposição que pode levar-nos a duvidar se o parlamento tem ou não poderes para approvar o projecto.

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A lei de 19 de dezembro de 1834 que estabeleceu a dotação da Senhora D. Maria II, dizia no artigo 2.°:
«Nenhuma outra quantia alem da sóbredita será abonada para despezas da casa real, qualquer que seja a sua natureza e denominação.»
Isto é o que se dizia na lei que fixou a dotação da primeira Rainha constitucional.
Vamos ao reinado do Senhor D. Pedro V.
Quando se fixou a dotação real inseriu-se pela lei de 14 de março de 1854, n´essa lei a mesma disposição.
(Leu.)
Na lei de 11 de fevereiro de 1862, pela qual se lixou a dotação do Senhor D. Luiz, repete-se tambem a mesma disposição.
(Leu.)
Vamos ou não abonar uma quantia para despezas da casa real, que a lei diz que não podemos abonar?
Vamos.
Se o fizermos, pois, offendemos os principios e violamos a lei.
Entendo, pois, que este projecto nem é conforme com os principios de direito, nem é conveniente, nem, por ultimo, está nas faculdades do poder legislativo approval-o.
Pedia, pois, que o projecto fosse mandado á commissão de legislação civil, para que ella emitta sóbre a materia d´elle o seu illustrado parecer.
E, se ella confirmar as duvidas que tenho exposto, eu então - robustecida a minha opinião com a de tão abalisados jurisconsultos - farei votos para que esta camara, apesar de ter, por sólicitações do governo, mais de uma vez, abdicado dos seus direitos e das suas regalias, não consinta agora ao menos, em que se vae alienar propriedade da nação para pagamento de dividas a que ella não é obrigada.
A proposta, pois, que, qualquer poder do estado, para tal fim lhe faça, tenha a coragem de responder, com aquella respeitosa e nobre altivez dos nossós maiores: - não!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Questão previa

Proponho que a camara não delibere sóbre este projecto de lei sem que ácerca d´elle seja ouvida a commissão de legislação civil. = F. Beirão.
Foi admittida, ficando em discussão com o projecto.

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - A qualquer poder que se apresente a fazer uma sólicitação no sentido d´este projecto, pretende o illustre deputado que se responda «não», como responderiam os nossós maiores.
Não se trata de qualquer poder que venha ao parlamento fazer uma sólicitação: trata-se, unicamente, de uma proposta de lei, que o governo, e só o governo, usando da sua iniciativa, entendeu dever apresentar á consideração do parlamento, unico tambem que a pode votar. Nenhum outro pode aqui intervir. Outro qualquer poder está fóra da discussão. (Apoiados.)
A responsabilidade da iniciativa do projecto de lei, que se discute, como disse a principio o illustre deputado, mas era bom que s. exa. o tivesse repetido no final do seu discursó, cabe toda ao governo. É incontestavel. O governo torna inteira essa responsabilidade; não a rejeita, não a declina, não a enfraquece. Assume precipua e completa para si a iniciativa da proposta de lei, a responsabilidade da sua discussão, e a opportunidade ou a inopportunidade do debate que sóbre este assumpto se possa levantar no parlamento, ou possa haver lá fóra.
Dito isto e circumscripta a questão aos unicos limites em que ella se pode debater, aos limites unicamente traçados pelas relações entre o governo e a camara; e considerando este assumpto, não como assumpto que possa ir bater mais alto, mas como assumpto de mera administração, nos podemos discutil-o com o interesse das nossas convicções e com a sinceridade e desejo que todos temos de caminhar, não para o desprestigio das instituições, (Apoiados.) mas para que ellas se colloquem bem alto e bem acima de quaesquer suggestõos, que, de longe ou de perto, directa ou indirectamente, as possam ir ferir. (Muitos apoiados.)
N´este terreno posso discutir com s. exa. e pode discutir o parlamento só com o governo.
Sr. presidente, o illustre deputado impugnou a opportunidade da apresentação d´este projecto de lei, porque a sua discussão não fica circumscripta ao recinto da camara; debate-se tambem lá fóra, em qualquer parto, e s. exa. arreceia-se das apreciações que a opinião publica possa formular em um assumpto tão grave e de tamanha magnitude, como este de que nos occupâmos.
O illustre deputado accentuou ainda a sua censura julgando inopportuna e inconveniente a apresentação, por entender que no estado actual da fazenda publica não convinha discutir um projecto de lei que tem por objecto encargos, responsabilidades e obrigações tão graves, como as que d´elle resultam.
Pretendia ainda s. exa. resalvar completamente o prestigio dos poderes mais altos do estado para que não podessem ser assumpto de quaesquer apreciações, dentro ou fóra do parlamento, que contribuissem para o rebaixamento do alto respeito e da alevantada consideração que todos lhes devem tributar!
Sereno o seu animo o illustre deputado.
Altos estão esses poderes e altos ficarão, sem embargo da discussão d´este projecto de lei. (Apoiados.)
É uma questão de administração e como tal a acceitâmos.
Quem é que faz d´ella uma questão politica?
Não é o illustre deputado?! Para que levantou então s. exa. uma ponta d´esse véu com que queria encobrir uma questão d´essa natureza?
Para mim, a questão é unicamente de administração, e neste terreno podemos discutil-a serena e friamente, á luz dos principios, como á luz da rasão juridica e das conveniencias do estado, e nada mais. (Apoiados.)
Questão politica! Quem fallou aqui n´ella? O illustre deputado. Para que?
Não considero eu, como já indiquei, a questão sob esse ponto de vista; essa responsabilidade pertence a s. exa., não a mim, que a considero, repito, como questão de pura administração.
E para que se vem trazer a terreno a questão de fazenda na discussão d´este projecto?
Porventura a votação d´elle traz mais encargos para o thesóuro e vae affectar os seus recursos ordinarios ou extraordinarios? Porventura as receitas do estado ficam oneradas? Porventura as despezas que o estado tem a seu cargo satisfazer, deixam por esse motivo de ter a fonte de receita que até agora tinham ou porventura o credito e o prestigio dos titulos da divida publica do estado ficam de alguma maneira affectados desde que se vote este projecto de lei?
De maneira nenhuma.
A que vem pois a questão de fazenda?
Se este projecto de lei não affecta os recursos do estado, nem traz encargos ao thesouro; se esta questão deve ser considerada como o illustre deputado tambem disse, uma questão puramente de administração, nas relações entre o thesouro, como proprietario dos bens da corôa, e a corôa como usufructuana d´esses bens, para que vem suscitar-se a questão de fazenda como se porventura só pelo facto de se votar este projecto, ficassem assoberbados, apoucados e amesquinhados os recursos do estado?
Ponha s. exa. de parte a questão de fazenda e a questão politica. Ponha de parte o respeito e o prestigio da

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altas instituições do estado em que ninguem toca. Considere esta questão como uma questão de administração, que eu n´este terreno estou prompto a discutir com o illustre deputado, repetindo, pelo que toca á iniciativa e á responsabilidade da apresentação d´esta proposta de lei, e á opportunidade do seu debate, que o governo, pela minha palavra, toma sobre si inteira e precicua essa responsabilidade; não a declina sobre s. exa., nem sobre a maioria dos seus amigos. Toma a completa e única perante o paiz e perante o parlamento. (Apoiados.)
Agora discutâmos a proposta que o illustre deputado apresentou no sentido de ser este projecto ainda presente á commissão de legislação civil, a fim de que a mesma commissão de o seu parecer sobre graves duvidas juridicas que ao espirito do illustre deputado se apresentam.
Vejâmos se essas duvidas são ponderosas o se effectivamente havia motivo para considerar esta questão como tão emaranhada em apices de direito que valesse a pena demorar o seu andamento até ser ouvida a commissão de legislação civil.
O illustre deputado desejava que com o projecto viesse a prova documentada das despezas em que se baseou a divida que se pretendo amortizar; mas s. exa. não reflectiu em que eu citei essas despezas; citei as que se fizeram com os concertos, construcções e reparos dos palácios e quintas reaes, como citei tambem os donativos que representavam deducções nas dotações regias; como citei do mesmo modo differentes desfalques no pagamento das prestações da dotação no reinado da Senhora D. Maria II.
E citei isto tudo, para mostrar que se verifica a existencia da divida para cuja amortização se formulára esta proposta, auctorisando a junta do credito publico, pela caixa geral de depositos, a fazer o necessario adiantamento de capitães.
O illustre deputado não duvida da exactidão dos dados aqui apresentados: mas desde o momento que não põe em duvida essa exactidão, ha de necessariamente aceeital-os como taes para o effeito da argumentação.
Se s. exa. reclamasse outra qualquer prova, ser-lhe-ía fornecida, como foram os esclarecimentos, solicitados por um outro sr. deputado para a discussão d´este projecto. E se eu não mo neguei a mandar á camara esses esclarecimentos que me foram pedidos, da mesma forma não me negaria a mandar outros quaesqucr que s. exa. entendesse dever solicitar para se elucidar sobre os fundamentos em que baseei esta proposta.
Uma vez, porém, que o illustre deputado os não requisitou e acceita a exactidão dos dados fornecidos, nada mais tenho que acrescentar n´este ponto em resposta á sua argumentação.
O illustre deputado como que estranhou que, no relatorio que precede a proposta de lei apresentada ás côrtes, eu fizesse separação das dividas que respeitam ao reinado do Senhor D. Pedro V das que tocam ao actual reinado.
Sobre este ponto devo dizer que não foi para extremar os dois reinados, nem para pôr em confronto a administração da casa real nas duas epochas, que eu apontei aquelles dados estatisticos.
Eu não podia pôr em confronto a administração referente a um Rei que nos legou a mais saudosa memoria, (Apoiados.) com a do outro a quem todos respeitamos. (Apoiados.) Não podia estabelecer parallelos entre a administração que foi e a administração que é.
Apresentei o facto para mostrar que as dividas vinham de epocha antiga, vinham de longo, e que, portanto, convinha satisfazel-as para regularisar a administração da casa real.
O illustre deputado, proseguindo nas suas considerações e depois de ter explicado qual era a legislação reguladora da propriedade e do usufructo dos bens da corôa, e que são as leis de 16 de julho do 1855 e de 23 de maio de 1859, chegou á conclusão de que, o estado ou o thesouro não é responsavel pelas dividas contrahidas para occorrer ás despezas com a reconstrução, concerto ou reparações nos palacios e quintas reacs.
Para isto, citou uma disposição da lei de 16 de julho de 1855, e estabeleceu a doutrina de que os bens chamados da corôa são propriedade do estado e que o usufructo d´ella pertence á coroa; que segundo a citada lei de 1855, os melhoramentos n´essas propriedades só são permittidos sob certas condições, por isso que o estado apenas está auctorisado a dispender aunualmente até 6:000$000 réis com os reparos e concertos, só existindo assim responsabilidade para o thesouro, quando tenha havido decisão previa das côrtes.
S. exa. argumentando n´estes termos, apenas se esqueceu de que essa previa decisão das côrtes, não a exige a lei de 1855.
Diz essa lei o seguinte:
«Artigo 5.° O Rei poderá fazer em todos os bons da coroa, de que trata esta lei, as mudanças ou construcções que julgar uteis para a sua conservação, melhoramento ou aformoseamento; e todas as bem feitorias ou construcções não comprehendidas no artigo antecedente, bem como as adquirições, serão pagas por conta do estado havendo sobro a sua conveniencia a devida decisão das côrtes nos termos do artigo 85.° da carta constitucional.
«§ unico. São applicaveis aos mesmos bens as regras geraes que determinam, relativamente aos córtes em arvoredos, os direitos e obrigações dos usufructuarios.»
Onde está aqui a declaração de que seja obrigatoria a previa decisão das côrtes, para que estes melhoramentos se possam effectuar? O artigo não o diz.
O Rei póde fazer as reparações, concertos ou construcções que julgar convenientes, e se em favor d´estas obras se pronunciarem as côrtes, assumem estas a responsabilidade.
É exactamente o que estamos fazendo. Effectuada a despeza, o parlamento examina-a, discuto a e vota-a. É o cumprimento da lei de 1855.
Mas não é necessario ser jurisconsulto abalisado, como o illustre deputado, não é necessario ter largos conhecimentos praticos e um longo tirocinio de cousas juridicas, para saber que, se porventura fosse necessaria a previa decisão das cortes para se decretar o pagamento das despezas e se essa decisão já tivesse tido logar, nada tinhamos agora que fazer.
Desde o momento em que as cortes tivessem auctorisado estas despezas, reconhecendo a conveniencia do seu pagamento, a questão já não era de lei; era apenas da execução d´ella, e eu não precisava de vir incommodar o parlamento com uma proposta; bastava-me acatar e cumprir o que as cortes tivessem determinado e satisfazer as despezas por ellas auctorisadas.
A lei de 1855 não exige, como já mostrei, a previa decisão das cortes ácerca das despezas que se hão de fazer com mudanças e acquisições a effectuar noa palacios e quintas reaes. Pertence á administração da casa real o effectual-as; mas se o parlamento o julga conveniente, decreta a responsabilidade d´essas despezas e auctorisa o seu pagamento.
É isto exactamente o que estamos fazendo.
Se, pelo contrario, fossa necessaria a previa decisão, e esta já tivesse tido logar, então era desnecessaria nova lei, e eu não tinha a fazer mais do que cumprir o que as cortes tivessem determinado.
O principal argumento do illustre deputado, pelo que respeita á questão juridica, foi que o estado não tinha obrigação de satisfazer estas dividas; porquanto, pelo que respeita á quotisação annual do 6:000$000 réis votados para reparos e construcções, tinha ella sido satisfeita pontualmente todos os annos; e pelo que toca ás despezas excedentes, nenhuma responsabilidade cabe ao estado.
Pois eu digo ao illustre deputado que o governo, reconhecendo a conveniencia do pagamento da divida que

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resulta d´estas despezas e de outras que eu apontei, entendeu que a responsabilidade podia caber ao thesouro para o effeito de alienar o numero de titulos da divida publica sufficientes para o pagamento das dividas assim contrahidas.
D´este modo, posta de parte a questão juridica, porque como fundamento ou como justificação da moção apresentada por s. ex.a, eu não vi outra conclusão que não fosse esta, discutâmos tambem a questão da conveniencia.
Disse o illustre deputado que se fizeram dois contratos de divida: um, o ultimo, de 700:000$000 réis com differentes bancos; e outro, o primeiro, de 200:000$000 réis.
Não foram dois contratos, foram tres. Primeiro houve a lei de 1877, e depois a de 1880. Em virtude da lei de 7 de abril de 1877 contrahiu-se a divida de 120:000$000 réis, e em conformidade da lei de 14 de maio de 1880 fez-se outro contrato de 80:000$000 réis, prefazendo ambos a quantia de 200:000$000 réis.
Vê, portanto, a camara que esta divida de 200:000$000 réis, afora os juros, é a divida que a administração da fazenda da casa real foi auctorisada a tomar sobre si, em consequencia de duas leis, que são as de 1877 e 1880, que acabo de citar, para a construcção das cavallariças reaes, mediante a verba de determinadas propriedades que estavam dentro do concelho de Belem. Foram dividas que essa administração contrahiu em execução de leis que o parlamento votou.
Não as confundamos, portanto, com outras dividas que foram objecto do contrato de 1882, na importancia de 700:000$000 réis.
Mas vamos á argumentação do illustre deputado.
Diz s. exa. que ao presente ha dois contratos; ha o contrato de 1880 na importancia de 200:000$000 réis, e ha o contrato de 1882 na importancia de 700:000$000 reis; que em ambos estes contratos, os que emprestaram, as instituições bancarias que n´elles intervieram, foram perfeitamente livres; ninguem as compelliu; tomaram responsabilidades sobre si, porque as quizeram tomar; por conseguinte, os termos dos contratos estão legaes, e na sua execução não ha mais a fazer do que esperar que esses contratos se liquidem, que essas dividas se amortisem nos proprios termos das convenções celebradas.
Ora este argumento do illustre deputado pecca precisamente pela base; e pecca pela base, porque s. ex.a, pelo que toca ao primeiro contrato, e chamo-lhe primeiro, porque s. exa. assim o considerou, mas realmente é o segundo, pelo que toca, digo, ao contraio dos 200:000$000 réis não tomou em linha de conta a lei que o auctorisou.
Pois o que diz a lei de 14 de maio de 1880 que tenho presente?
Diz o seguinte:
«Artigo 1.° É auctorisada a administração da fazenda da casa real a levantar, por empréstimo, a quantia de réis 80:0000000 para a conclusão da construcção das novas cavallariças junto do real paço da Ajuda, e para varias reparações no mesmo palacio, effectuando-se estas obras, conforme o disposto na carta de lei de 7 de abril de 1877.
«Art. 2.° Ao pagamento dos juros e amortisação do referido emprestimo será applicado o saldo do producto da venda dos bens pertencentes á casa real, aos quaes se refere a citada carta de lei de 7 do abril de 1877, e não sendo sufficiente esse producto, e de outros situados no concelho de Belem, e que foram designados pela administração da fazenda da mesma casa.»
Já vê a camara que são duas disposições perfeitamente distinctas e os que intervieram no contrato, como emprestando á casa real, não têem a restricta responsabilidade, senão em virtude de uma disposição de lei.
As duas condições perfeitamente distinctas, são as seguintes: a primeira, está na auctorisação dada á administração da fazenda da casa real para contrahir um emprestimo de 80:000$000 réis, que com o emprestimo antecedente de 120:000$000 réis se eleva a 200:000$000 réis; a segunda, é a que prove ao pagamento d´esses 200:000$000 réis, pagamento que se effectuaria pela venda de determinadas propriedades, existentes no concelho de Belem.
Ora, em execução do primeiro d´estes preceitos, fezes-effectivamente o contrato de emprestimo de 80:000$000 réis, que com os 120:000$000 réis antecedentes se elevou á quantia de 200:000$000 réis.
E a que se obrigaram os que effectuaram esse emprestimo?
A entregar o capital. E entregaram-no.
E a que ficaram com direito?
A levantar esse capital; mas quando?
Porventura, quando em execução da disposição segunda d´aquella lei, se liquidasse a venda dos bens e das propriedades?!
Não, de certo.
Ficaram com direito a receber o pagamento d´aquella quantia, no praso que então se estipulou, praso que era de dois annos; praso que se venceu.
Por conseguinte, em virtude desta lei, contratou-se, é verdade, este emprestimo porque a lei o auctorisou, mas contratou-se n´um praso que está já vencido e que dá direito aos que effectuaram o empréstimo a reclamar o seu prompto pagamento.
Para occorrer a esse pagamento é que estava destinada a verba proveniente da venda de determinadas propriedadades; mas como ella não se effectuou, e o illustre deputado foi o primeiro a reconhecer os embaraços que a impediram, desde que esses meios, legalmente auctorisados, se não poderam utilisar, diga-me s. exa. qual é a situação da fazenda da casa real em presença da lei e em presença do contrato?
Em presença do contrato, tem o emprestimo já vencido e que é obrigada a pagar desde já.
Em presença da lei, tem a faculdade de fazer venda de determinadas propriedades, mas venda que ainda não póde effectuar.
Por conseguinte, pelo que toca á responsabilidade que lhe assiste, essa não está liquidada; pelo que toca á obrigação contrahida, essa está vencida.
É necessario, portanto, occorrer ao pagamento, e, para isso, desde que a venda d´essas propriedades, repito, se não effectuou, era indispensavel recorrer a outros meios, e, d´esses, o mais prompto, era exactamente recorrer á venda das incripções que pertencem em usufracto á corôa.
Mas, desde que essas inscripções estão sujeitas a outro contrato, que é o de 1882, o contrato dos 700:000$000 réis que foram depositados, a fim de com os seus juros, se occorrer aos encargos d´este segundo emprestimo, é claro que essas inscripções não podem ser levantadas para amortização do primeiro, emprestimo, e que, por conseguinte faltam estes meios para occorrer ao pagamento das obrigações contrahidas e vencidas.
Aqui tem o illustre deputado qual a situação presente.
Vejamos agora se ha ou não conveniencia em se pagar uma divida que se contrahe e se vence na conformidade da lei, e que por consequencia é necessario pagar.
Eu não sei que maior conveniencia possa haver para quem deve, do que satisfazer os seus debitos, em presença de uma lei que o auctorisou a levantar esse emprestimo.
Mas, disse o illustre deputado: o contrato dos réis 700:000$000 é um contrato feito com determinadas clausulas, que as partes que n´elle intervieram acceitaram, e a que só ellas se obrigaram; mas essas clausulas não obrigam o usufructo successivo; só obrigam o usufructo pessoal.
Emquanto o actual usufructuario da corôa, e, por consequencia, emquanto o actual monarcha existir, a sua responsabilidade subsiste; se, porém, em virtude de uma desgraça qualquer, que o illustre deputado lamentava, esse

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1018 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

usufructuario desapparecease, os bancos perdiam; a divida não tinha de se solver.
E s. exa. folga com isso, e entende que era uma grande conveniencia não amortisar agora um emprestimo que em uma dada occasião poderia não haver obrigação de amortisar!
Isto, sr. presidente, já não é uma questão juridica, é uma questão que não sei bem appellidar. Chamar-lhe-hei uma questão de moralidade publica. (Apoiados.)
Quando um monarcha contrahe uma divida, paga a, e se morre lega a ao seu successor. (Apoiados.)
O contrato dos 700:000$000 réis não é uma questão juridica; mas a moralidade não póde ser posta de parte por aquelles que, ou contrahiram essa obrigação do contrato, ou que tenham de receber o legado do usufructo successivo, em consequencia da desgraça que o illustre deputado lamentava.
Queria então s. exa. que, quando viesse um successor ao throno, começasse por não acceitar as dividas, obrigações ou compromissos tomados pelo seu maior, dando assim um testemunho de que oram pouco leaes e serios os compromissos que o seu antecessor tinha tomado? Era a isto que s. exa. chamava conveniencia?
Permitta-me o illustre deputado dizer-lhe que pela minha parte renuncio a similhante conveniencia, que não acceito esse beneficio que o illustre deputado quer para o thesouro, porque entendo que acima de tal beneficio, ha um principio mais alto, o da moralidade, que deve regular o procedimento de quem governa.
A conveniencia está, pois, estabelecida pelo que toca ao contrato de 1880, porque esse contrato está vencido e é necessario satisfazel-o, porque representa uma divida contrahida em virtude de lei que o auctorisou. Desde que o praso chegou, e desde que a divida é exigida, convem que a ella se satisfaça; e ahi está uma conveniencia que s. exa. não póde rejeitar.
É isto ainda conveniente, pelo que respeita ao segundo contrato, porque é necessario que esses compromissos acabem por uma vez e que a administração da fazenda da casa real se regularise. Até mesmo ha n´isto vantagem para o prestigio das instituições, o que s. exa. de certo deseja, não menos do que eu.
Pelo que toca á ultima consideração feita pelo illustre deputado, quando perguntou como é que nós tomavamos o compromisso em nome do futuro usufructuario da coroa, permitta-me responder-lhe que é bem melhor herdar menor usufructo em titulos de divida publica, mas sem dividas, do que herdar um usufructo maior, mas acompanhado de uma divida cuja responsabilidade vae pesar sobre quem adiro essa herança.
Não são, por conseguinte, nem os direitos, nem os interesses do futuro usufructuario da corôa, que ficam postergados por este projecto; pelo contrario, trata-se de uma regularisação de direitos, de uma liquidação de interesses, pela forma mais justa e conveniente, sem prejuizo para o thesouro, sem encargos para as receitas do estado, e sem affectar os recursos com que o mesmo thesouro póde contar, indo ao mesmo tempo levantar a administração da fazenda da casa seal, porque a desembaraça de qualquer difficuldade com que de futuro podesse ver-se a braços.
Em presença do que deixo dito, não me faz peso o argumento do illustre deputado de que nós, constitucionalmente, não podemos pagar essa divida, porque não podemos abonar mais quantia alguma.
Peço licença para observar a s. exa. que eu considero como um preceito constitucional, em que se não póde tocar, a dotação que é fixada no começo de qualquer reinado.
Mas a lei que s. exa. citou, pela qual nenhuma outra despeza se poderia abonar á casa real, é uma lei ordinaria que póde ser revogada pelo parlamento, segundo as circumstancias o aconselharem.
E essa lei que é ordinária póde ser emendada pela lei actual; e o parlamento póde decidir n´este assumpto com inteira liberdade de acção, sem perigo nem risco de offender os preceitos constitucionaes.
Vou concluir, porque me parece ter respondido a todas as observações feitas pelo illustre deputado. (Apoiados.)
Pelo que toca á responsabilidade deste projecto, o governo, repito, assume-a para si inteira e completa.
Pelo que respeita ás duvidas juridicas, suscitadas por s. ex.a, ponho-as completamente de parte, por isso que entendo que na presença da propria lei de 1855 a camara póde tomar em consideração as despezas effectuadas nos termos do artigo 5.° d´esta mesma lei.
E ainda mesmo quando ella não fosse applicavel, para fazer leis é que os parlamentos servem, inspirados nas conveniencias do estado e nas circumstancias da occasião.
Finalmente, quanto ás conveniencias financeiras, eu entendo que este projecto não representa um encargo para o thesouro, mas sim um altissimo beneficio para as instituições que a todos cumpre acatar e respeitar.
Esse beneficio é a regularisação da administração da fazenda da casa real, e a solução de compromissos assumidos, o que me parece conveniente para todos, e muito mais para quem reina.
Não é, por consequencia, ao parlamento que cabe responder «não» a qualquer poder, como responderiam os nossos maiores, no dizer do illustre deputado.
Ao parlamento cabe, acatando as conveniencias publicas e observando as circumstancias que se dão, sem deixar de se inspirar nos verdadeiros deveres de civismo e de respeito pelas instituições superiores, ao parlamento, digo, cabe decretar uma medida que hão offende os principios constitucionaes, que póde alterar uma lei, mas que é uma lei ordinaria, e que em todo o caso se traduz pela liquidação de interesses de todo o ponto respeitáveis e attendiveis.
Não diga o parlamento «não» sem ter examinado conscienciosamente a questão. Creio eu que, depois de bem a examinar, a sua deliberação não póde deixar de ser affirmativa, como affirmativa foi a do governo.
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não revê os seus discursos.)
O sr. Avellar Machado (por parte da commissão de obras publicas): - Mando para a mesa o parecer da commissão de obras publicas sobre a proposta de lei do governo para a construcção de um porto artificial no Funchal.
Á commissão de fazenda.
O sr. Consiglieri Pedroso (sobre a ordem):- Começou lendo a seguinte substituição ao projecto:
«Artigo 1.° É auctorisada a junta do credito publico a adiantar pela caixa geral de depositos as quantias necessarias para pagamento dos emprestimos contrahidos pela administração da casa real em contratos de 12 de agosto de 1880 e 30 de dezembro de 1882, recebendo em caução valor sufficiente de inscripções do usufructo da corôa, e devendo as quantias emprestadas pela referida caixa geral de depositos ser amortisadas no espaço de dez annos, consignando-se annualmente para esse fim uma parte da dotação real, correspondente em cada anno ao decimo da importancia total do adiantamento com os respectivos juros.
«Art. 2.° É auctorisado o governo a alienar em beneficio do thesouro pela fórma mais conveniente aos interesses da fazenda, e á medida que se for realisando a amortisação a que se refere o artigo 1.° do presente projecto de lei, as inscripções destinadas a caucionar o adiantamento feito pela caixa geral de depositos das quantias necessarias para pagamento dos emprestimos mencionados no artigo anterior.
«§ unico. Emquanto as mencionadas inscripções não forem alienadas, reverterão a favor do estado os respectivos juros.

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«Art. 3.° O producto da venda dos bens da casa real, de que tratam as leis de 3 de abril de 1877 e 14 de maio de 1880, reverterá igualmente a favor do estado.
«Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
«Sala das sessões, 8 de abril de 1885.= Consiglieri Pedroso.»
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Fica reservada a palavra ao sr. deputado.
A ordem do dia para ámanhã, é a continuarão da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 14 de março, e que devia ler-se a pag. 751, col. 2.ª

O sr. Alfredo Peixoto: - Permitta me v. exa. uma leve infracção do regimento. Deixe que, antes de ler a minha moção d´ordem e umas propostas emendas, que vou ter a honra, do enviar para a mesa, tranquillise o nosso illustrado collega o sr. Beirão, a quem sou sinceramente affeiçoado, não tanto pela sympathia que s. exa. inspira a todos, não tanto ainda pelas gratissimas relações que ha muito me ligam a uma pessoa de sua familia, como e principalmente, pela respeitabilidade do nome que s. exa. teve a fortuna de herdar, respeitabilidade que tem conservado sempre immaculada; e, se não a tem ennobrecido mais, é porque ninguem póde exceder a que seu venerando pae sempre mereceu.
Quero socegar o illustre deputado, assegurando a s. exa. que nunca d´esse lado da camara ha de levantar-se alguém para combater qualquer acto ou qualquer proposta d´este governo, sem que d´este lado se levante a responder lhe o ministro combatido ou qualquer dos muitos e bem dedicados amigos seus.
S. exa. sabe muito bem que os homens da maioria têem maior difficuldade em obter a palavra para tratar qualquer questão, porque, ao passo que os illustres deputados da opposição vão fallando pela ordem da inscripção, que até póde ser combinada, os deputados da maioria estâmos sujeitos aos caprichos da inscripção; nem podemos calcular a quem teremos a honra de responder, nem qual será o especial assumpto de que devamos occupar-nos, porque somos preteridos, e sempre com vantagem, pelos ministros e deputados relatores.
Desejo tambem socegar o illustre deputado, que parece abysmado diante do negro quadro que foi aqui traçado, ha dias pelo sr. Mariano de Carvalho.
Sei bem que n´esta casa ha quem creia que o sr. Mariano de Carvalho, em questões de numeros, é como o mythologico Eolo com o governo dos ventos e das tempestades; que s. exa. tem os números fechados na mão; que os solta como, quando e para onde quer, com a força que lhe agrade.
Estão em erro.
Diante das leis dos numeros o sr. Mariano de Carvalho, com toda a pujança do seu incontestavel talento, com o immenso vigor da sua infatigavel actividade, sempre a mesma, quaesquer que sejam as questões que tenha de tratar, por muitas e variadas que estas sejam, vale tanto como qualquer outro diante das leis dos numeros.
Se ha leis perante as quaes somos todos, em verdade, os mesmos, são essas as leis dos numeros.
Contra essas não valem privilegios nem convenções.
Assim houvesse a mesma igualdade perante as leis politicas, civis e criminaes!
Assim houvesse a mesma n´esta camara!
Agora e emfim vou ler a minha moção de ordem e as emendas que tenho a honra de propor.
(Leu.)
No meio d´esta discussão houve um facto bem significativo, que não me surprehendeu, antes me deu grande satisfação.
O sr. Luciano de Castro, com nobre franqueza de animo deu um espontaneo testemunho de louvor pela maneira e pelo justissimo interesse com que o nobre ministro da fazenda, coadjuvado peio conselheiro director geral das alfandegas, se tem empenhado na administração aduaneira e fiscal.
Para um ministro da corôa não comprehendo mais subida honra do que essa que o sr. conselheiro Hintze Ribeiro recebeu de tão distincto e respeitavel parlamentar.
Assim era que eu muito desejava que o sr. Veiga Beirão, segundo o exemplo do sr. Luciano de Castro, tivesse sido justo e louvado o illustre ministro da fazenda.
Antes de proseguir e para entrar na questão de fazenda, quero francamente declarar que em assumptos de fazenda, instrucção publica, colonias e obras publicas, nunca hei de fazer politica. Fallo da politica a que se referiu o sr. conselheiro Luciano de Castro, quando declarou que o sr. ministro da fazenda não a tem feito no serviço das alfandegas; não fallo da que o sr. Veiga Beirão considerou no seu formoso discurso.
Se eu tiver a fortuna de occupar um logar n´esta assembléa, quando estiverem n´aquellas cadeiras (as dos ministros) os srs. conselheiros Luciano de Castro e Barros Gomes, o sr. Veiga Beirão e outros ornamentos do partido progressista, desde já lhes declaro que em questões d´esta magnitude não terão em mim um adversario politico.
Se s. exas. vierem pedir uma auetorisação como esta, com bases tão definidas e em tão attendiveis circumstancias, e se eu tiver aqui um voto, desde já me comprometto a apoial-os.
Faço esta declaração, certo, como estou, de que ninguem duvida da minha sincera dedicação e do meu leal enthusiasmo pelo partido regenerador; está ao abrigo de qualquer suspeita quem já tem um passado, que não é curto, de apoio continuo a um partido.
No decreto de 30 de dezembro ultimo encontro uma disposição de subido alcance, que significa energica vontade de acertar no sr. ministro da fazenda, pleno conhecimento das responsabilidades de quem julga, segura e justa garantia de quem trabalha e estuda, de quem possue merecimentos. Refiro-me ao artigo 16.°; e é pena que tenha de ser eu, um deputado da maioria, quem venha apontar ao paiz uma medida tão importante. Bem quizera eu antes que tivesse sido o primeiro a render ao sr. ministro da fazenda esta homenagem de louvor, consideração e estima o sr. deputado Veiga Beirão, que possue as sympathias de todos nós.
O decreto de 30 de dezembro ultimo, que regula as nomeações para o ingresso e as promoções rio quadro das alfandegas, prescreve o seguinte no artigo 16.°:
«Art. 16.° A classificação de cada um dos concorrentes será feita depois de previa discussão, terminada a qual se procederá a votação, a qual nunca será feita por escrutinio secreto, consignando-se em seguida o resultado na competente acta.»
O honrado ministro da fazenda teve a coragem de abolir no julgamento d´estas provas o escrutinio secreto: e não duvido affirmar que poucos homens publicos conheço com coragem para tanto. Ainda nenhum outro a teve nos conselhos da coroa. A s. exa. rendo o tributo dos meus louvores, que são bem sinceros.
Por fortuna ou desgraça, tenho a honra de ser professor. Ainda não tinha completado o primeiro anno de serviço, e tendo logar n´esta casa, vim pedir n´um projecto de lei que aos professores, no exercicio de funcções de julgamento, fosse reconhecida e garantida em toda a plenitu-

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de com inteira publicidade, a responsabilidade do seu juizo. Vim protestar contra o escrutinio secreto; fui o primeiro a erguer esse protesto, que era um brado da minha consciencia; sem orgulho, antes com pesar, declaro que tenho sido o único a pedir votação nominal e publica no julgamento de todas as provas do saber e do talento.
Foi em 1876 que apresentei esse projecto; renovei a sua iniciativa em 1879, e n´esta sessão legislativa; durante o tempo que estive fóra da camara, não houve aqui um deputado que o adoptasse.
Dizem-me a experiencia e o coração que hei de ainda ter necessidade de renovar a iniciativa do mesmo projecto; e talvez mais de dez annos ou toda a minha vida de professor tenha de passar sem ter alcançado esta lei de bem reconhecida necessidade.
Abstenho-me de classificar o escrutinio secreto a que são forçados os professores, porque receio exceder os justos limites da indignação. É um triste vexame que opprime a consciencia. (Apoiado do sr. Simões Dias.)
Pois a esse vexame não estarão já sujeitos os funccionarios que constituirem os jurys nos concursos para o provimento dos logares do quadro das alfandegas, graças á coragem, á rectidão e ao espirito illustrado do sr. ministro da fazenda, que prohibiu o escrutinio secreto em todos os concursos; note bem a camara, sem quetão justa providencia lhe tenha sido solicitada.
Só por esta sabia e insta medida o sr. ministro da fazenda merece a auctorisação que solicita para a reorganisação dos serviços aduaneiros e fiscaes. Se o illustre deputado, meu respeitavel amigo, o sr. conselheiro Luciano de Castro, voltar a gerir os negocies da instrucção publica; se solicitar uma auctorisação para a reforma da instrucção superior, reforma que é uma necessidade inadiavel; se tomar o compromisso de que n´essa reforma ha de prescrever a votação nominal e publica em todos os exames e actos, no julgamento de todas as provas de saber e talentoso; se eu tiver logar n´esta assembléa, desde já declaro a s. exa. que lhe darei plena essa auctorisação.
Rogo até a s. exa. que proteja com o seu valimento esta aspiração de muitos professores; e louvarei este honrado ministro, se para os exames e concursos de instrucção publica determinar o mesmo que o sr. Hintze Ribeiro, por iniciativa propria, acaba de prescrever para os concursos das alfandegas.
A moção de ordem que tive a honra de enviar para a mesa, sr. presidente, tem já n´esta camara dois votos de approvação, votos de muita auctoridade, por todos reconhecida.
Não fatigarei, portanto, a camara fundamentando esta moção de justo louvor pela excellente publicação que tenho diante de mim. Póde ser que a opposição a não approve; mas esta magnifica obra já foi aqui espontanea o nobremente elogiada pelo sr. conselheiro Barros Gomes e pelo sr. Mariano de Carvalho.
O sr. Veiga Beirão: - Se v. exa. quer tambem o meu voto?
O Orador: - E para mim immensamente agradavel que v. exa. acompanhe com o seu esclarecido voto estes nossos distinctos collegas, como tambem teria sido que v. exa. tivesse chamado a attenção do paiz para o artigo 16.° do decreto de 30 de dezembro de 1884.
O sr. Beirão ficou muito assustado com o orçamento rectificado, que o sr. conselheiro Barros Gomes nos mostrou d´ali (a caleira do sr. Barros Gomes) como se na mão tivesse um sudario.
Pois não tem motivos para sustos.
Basta que s. exa. leia com attenção a pag. 7 do mesmo orçamento rectificado, onde encontrará o seguinte:

[Ver Tabela na Imagem]

Importancia das receitas ordinarias do estado na metropole, rectificadas para o exercicio de 1884-1885....
Importancia das receitas extraordinarias, não provenientes de emprestimos, receitas proprias especiaes calculadas em....

Somma....

Estas são receitas calculadas para cobrança effectiva.
As despezas, tambem calculadas, são:

Ordinarias....
Extraordinarias....

Portanto, o deficit assim calculado, é de....

e a relação p entre o deficit d e a somma das receitas calculadas r, deduzida da proporção fundamental....

é

relação inferior á que para o anno economico de 1880-1881, anno que é quasi todo da responsabilidade do ultimo governo progressista, e do sr. conselheiro Barros Gomes em especial, se deduz dos elementos fornecidos pelo segundo dos documentos que acompanham o primoroso relatorio do nobre ministro da fazenda.
No referido anno economico as receitas ordinarias e extraordinarias, como constam da conta do thesouro, com 813:643$506 réis deduzidos do. rendimento do imposto sobre a importação do tabaco em 1878-1879, com mais 26:116$981 réis de receita de Macau, constituem a somma de 26.749:339$484 réis; as despezas ordinarias o extraordinarias custaram 34.638:047$814 réis; sendo portanto o déficit 7.888:708$330 réis e p = 29,49.
Aqui tem o illustre deputado progressista o sr. Veiga Beirão, comparada a gerencia financeira, segundo o orçamento rectificado do corrente anno economico com a do anno economico de 1880-1881, segundo as contas do thesouro.
Em occasião opportuna, que sem duvida teremos, desenvolverei estas singelas considerações, que derivam facil e promptamente do operações de arithmetica elementar, ás quaes n´esta casa é uso dar-se a pomposa denominação de calculos.
Sr. presidente, é com sincera estranheza que tenho notado n´estas discussões o constante erro de comparar os deficits do differentes annos, sem ser considerado a respectiva receita para cada um.
A situação financeira do um estado, como a de um estabelecimento ou mesmo de uma casa particular, é representada pela relação entre o saldo, positivo ou negativo, e o rendimento.
Imaginemos duas casas quaesquer, uma possuindo réis 200:000$000, e outra apenas 60:000$000 réis, devendo cada uma d´ellas, por exemplo, a quantia de 15:000$000 réis. E claro que a primeira deve menos que a outra; que tem mais recursos para solver os seus encargos; e emfim que para esta é menos sensivel a divida.
É elementar esta consideração; mas realmente é necessario lembral-a á attenção da camara, já que aqui tantos e de incontestavel competencia n´estes assumptos insistem em apreciar a situação da fazenda publica unicamente pela importancia do deficit.
Quantas vezes já temos ouvido n´esta sessão que estamos muito mal, quasi perdidos, porque já temos um deficit de 8:000 e tantos contos de réis!
O que está calculado, no orçamento rectificado, é um deficit de 25,46 por cento das receitas calculadas; inferior ao do ultimo anno de administração progressista, a qual foi de 29,49 por cento das receitas cobradas.

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Devo ainda declarar que este resultado é favoravel á administração financeira progressista. É obtido na hypothese, que não é a mais provavel, de ser de 813:643$506 réis, a correcção que tem de ser feita nas receitas do anno economico de 1880-1881, em virtude da antecipação proveniente do augmento dos direitos de importação do tabaco, por effeito da lei de 31 de março de 1879. Não é exacto o calculo feito no excellente relatorio do nobre ministro da fazenda; aqui ha um erro, como logo mostrarei, erro que é desfavoravel para a apreciação das administrações financeiras regeneradoras.
Os srs. deputados conselheiro Barros Gomes e Mariano de Carvalho, teriam dado uma prova da sua imparcialidade, se tivessem apontado este erro; mas s. exas. não quizeram proceder assim; tanto pode a paixão politica!
Como logo mostrarei, no calculo approximado da conveniente distribuição do adiantamento proveniente do augmento dos direitos de importação do tabaco, por effeito da referida lei, o sr. conselheiro Barros Gomes, approxima-se mais da verdade que o sr. ministro da fazenda; neste ponto estou com aquelle illustre deputado. Assim já v. exas. vêem que a minha dedicação e o meu enthusiasmo pelo partido regenerador e pelo governo não vão até ao extremo de sacrificar, perante o relatorio do sr. ministro da fazenda, as leis dos numeros e a verdade dos factos.
Aos poucos que estão a escutar-me n´esta questão, que é de verdadeiro interesse, embora pareça arida e ingrata, peço a bondade de examinar os dois primeiros documentos que acompanham o relatorio do sr. ministro da fazenda.
Do primeiro deduzi os tres quadros seguintes.
Relação p entre o deficit e a receita, sendo esta a arrecadada segundo as contas do thesouro e as despezas respectivas pagas segundo as contas do ministerio, excluidas as receitas e as despezas ainda hoje escripturadas como operações de thesouraria, nas gerencias desde o anno economico de 1878-1879 até 1883-1884:

1.° quadro - Receitas e despezas ordinarias:

[Ver Tabela na Imagem]

1878-1879....
1879-1880....
1880-1881....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

2.° quadro - Receitas e despezas extraordinarias:

[Ver Tabela na Imagem]

1878-1879....
1879-1880....
1880-1831....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

3.° quadro - Receitas e despezas totaes:

[Ver Tabela na Imagem]

1878-1879....
1879-1880....
1880-1881....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

O documento n.° 2, que enche as paginas 54 e 55 do relatorio do nobre ministro da fazenda, abrangendo as receitas e as despezas como constam das contas do thesouro e umas correcções, algumas das quaes estão erradas em sentido desfavoravel á critica das administrações financeiras regeneradoras, conduz a estes tres quadros:

1.° Receitas e despezas ordinarias:

[Ver Tabela na Imagem]

1878-1879....
1879-1880....
1880-1881....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

2.° Receitas e despezas extraordinarias:
1878-1879....
1879-1880....
1880-1881....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

3.° Receitas e despezas totaes:

[Ver Tabela na Imagem]

1878-1879....
1879-1880....
1880-1881....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

O segundo d´estes quadros é o mesmo que o segundo dos tres primeiros, menos em relação ao anno economico de 1878-1879; para esto ha uma pequena differença, que provem de 18:525$941 réis, despeza feita com cereaes para as ilhas adjacentes, despeza que não está designada no primeiro documento.
Eis o que dizem os numeros.
Podem v. exas., srs. deputados da opposição, fazer quantos discursos queiram, discursos primorosos de erudição o eloquencia; hão de cair vencidos e prostrados diante d´estes numeros, que por mim foram verificados cinco vezes. Estou persuadido de que não ha n´elles um erro, até á approximação que adoptei e me parece sufficiente; mas não affirmo que estejam isentos de erros. Por isto convido os illustres deputados a verifical-os por seu turno. A ninguem reconheço a infallibilidade em operações numericas; essa infallibilidade nem de Roma vem. De Roma podem vir indulgencias; mas estas não servem para taes questões.
Basta a inspecção d´estes quadros para qualquer pessoa de tino e paciencia poder fazer idéa segura das administrações financeiras de differentes annos economicos. N´estas questões entendo que é de capital importancia a simplicidade. É preciso que nos esforcemos todos para destruir o erro, em que tantos estão, de que para o estudei critico das administrações financeiras, para o exame de uma gerencia, é necessario um privilegio de capacidade especial. A solução da questão de fazenda envolve grandes difficuldades; é certo; não é para todos; exige condições que poucos homens possuem. Mas o exame e observação de uma administração financeira é questão ao alcance de toda a gente, desde que haja a sufficiente clareza na escripturação.
Por isto quizera eu que tivesse sido acrescentada a esta excellente e minuciosa conta geral da administração financeira da metropole uma columna, na qual fosse lançado o valor de p, isto é, a relação entro o deficit e a receita. Assim fôra muito mais facil a qualquer apreciar a situação financeira do estado; bastava olhar para a columna que indico.
Desejo igualmente que estes documentos tenham uma publicação mais larga; que não sejam distribuidos sómente pelos membros do parlamento e por alguns jornaes, pois creio que não passam d´aqui. Desejo e lembro que sejam distribuidos por todas as associações commerciaes; que, pelo menos, um exemplar seja mandado para cada concelho, até para os mais sertanejos do paiz, depois de ter-lhes sido dada uma fórma clara. Assim ha de o paiz ser esclarecido; assim acompanharão estas questões com interesse muitas pessoas que agora lhes são indifferentes.

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Acerca da administração financeira dos primeiros annos a que me referi, já declarei e repito que me desvio de alguns dos numeros indicados no seu relatorio pelo nobre ministro da fazenda; em alguns approxima-se mais da verdade o sr. conselheiro Barros Gomes, que estuda estas questões com notavel zêlo e excellente methodo.
O sr. conselheiro Hintze Ribeiro, tanto na apreciação do adiantamento resultante do augmento dos impostos da importação do tabaco, como na apreciação dos despachos adiantados em 1881-1882 nos direitos de importação, seguiu um processo que não é exacto, commettendo um erro desfavoravel para a critica das administrações financeiras regeneradoras, como já tenho dito.
Vejamos.
Na pag. VII da nota preliminar da conta geral da administração financeira do estado na metropole, relativa á gerencia do 1883-1884, encontra-se um quadro estatistico dos rendimentos arrecadados nas alfandegas e em especial dos direitos de importação do tabaco desde o anno economico de 1870-1871.
Mostra este quadro que, desde o anno economico 1871-1872 até 1878-1879, subiram os impostos da importação do tabaco; que n´este ultimo anno chegaram quasi ao dobro da importancia a que tinham chegado no immediatamente anterior; que no anno seguinte desceram a menos da sexta parte do que tinham sido em 1878-1879; que no anno do 1880-1881 subiram, ficando porém, abaixo da somma de cada um dos annos decorridos desde 1872-1873.
Está portanto revelada com evidencia uma importação extraordinaria de tabaco em 1878-1879. Foi o resultado, aliás natural e previsto, da lei de 31 de março de 1879, que augmentou em 20 por cento os direitos de importação do tabaco.
No rendimento d´estes direitos em 1878-1879 ha portanto uma parte que cabe á receita de 1879-1880 e outra pertencente á do anno immediatamente seguinte. A distribuição d´estes rendimentos nos tres referidos annos é feita, no relatorio do sr. ministro da fazenda, como se o rendimento fôra o mesmo para cada anno. São sommados os rendimentos dos tres annos; a cada um d´estes é attribuido um terço d´essa somma. É uma operação elementar de medias arithmeticas; mas esta operação não póde ser applicada a este caso.
É sabido e elementar que as medias hão de ser tomadas entre quantidades que variem pouco entre si, pouco relativamente á approximação sufficiente, e que variem em sentidos diversos.
Ora, tendo havido augmento n´estes direitos, nos sete annos anteriores, e claro que não podemos tomar a media entre as importancias dos mesmos direitos para cada anno; ou antes, não ha media.
Vejamos agora que augmentos houve do um anno para o seguinte; é o que bem claramente mostra o seguinte quadro:

[Ver quadro na Imagem]

Annos economicos
Direitos de importação do tabaco
Augmentos

1871-1872....

872-1873....
1873-1874....
1874-1875....
1875-1876....
1876-1877....
1877-1878....

O primeiro augmento, de 212:176$239 réis, é muito maior que cada um dos seguintes; estes variam em sentidos diversos; temos, pois, uma media para estes augmentos, dos quaes devemos excluir o primeiro. Assim procedeu o sr. conselheiro Barros Gomes.
A media destes cinco annos é a importancia de réis 161:206$805, um pouco differente da que achou o mesmo sr. deputado; esta foi de 158:000$000 réis aproximadamente.
Para o anno economico de 1872-1873, que tomou para ponto de partida, computou s. exa. a receita do tabaco em 2.044:000$000 réis, quantia que differe cerca de 6:000$000 réis, do que consta do quadro que vem na citada pagina da Conta geral da administração financeira do estado na metropole. Tambem ha differença em relação ao anno de 1877-1878, para o qual computou a receita indicada em 2.836:000$000 réis, quantia inferior em perto de réis 20:000$000 á designada no mesmo quadro.
Mas, por ser muito grande em relação aos seguintes o terceiro augmento, tomarei só a media dos ultimos tres, a qual é de 140:000$000 réis; e, contando o ultimo, colloco-me em situação desfavoravel, por ser este muito pequeno em relação aos immediatamente anteriores. Se ha erro, é no sentido de conduzir-nos a um rendimento menor para o anuo do 1878-1879, anno quasi todo de administração financeira regeneradora.
Assim, temos que o rendimento proprio d´este anno ha de ter sido approximadamente do 2.996:000$0000 réis, ficando 2.481:000$000 réis, que têem de sor distribuidos pelos dois annos seguintes, dos quaes o primeiro é todo, e o segundo quasi todo, da responsabilidade financeira do partido progressista.
Para esta distribuição não temos regra, nem indicio de sufficiente aproximação; entendo, portanto, que devemos fazel-a de modo que no quadro final appareça harmonia verosimil nas variações dos rendimentos que estamos considerando. Unicamente por esta observação, decomponho os 2.481:000$000 réis em duas partes: uma de 1.781:000$000 réis para o anno de 1879-1880, outra de 700:000$0000 réis para 1880-1881.
Assim, chegamos ao seguinte quadro approximado.

[Ver Tabela na Imagem]

Annos economicos
Direitos de importação do tabaco
1875-1876....
1877-1878....
1879-1880....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

Para descobrir a lei das variações d´estes rendimentos fiz todas as tentativas mais ou menos provaveis; imaginei as diversas hypotheses que podem ser concebidas. Cheguei ao convencimento do que, na importação do tabaco, nos ultimos annos, tem influido uma causa perturbadora, cujos effeitos escapam ao calculo.
Permitta-me a camara uma rapida digressão para associar-me ao sr. deputado Elvino de Brito nas suas aspirações pelo progresso da estatistica entre nós. A estatistica é a primeira base, a pedra fundamental, da sciencia positiva.
Em 1849, isto é, em epocha já distante, na qual éramos umas creanças quasi todos os que aqui estamos, o fallecido general dr. Filippe Folque, que eu ainda tive a honra de conhecer, e com cuja distincta benevolencia fui obsequiado, escreveu o seguinte:
«É inquestionavel que o cadastro, a topographia e a estatistica são os três grandes elementos da sciencia de go-

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vernar; d´elles se deriva o conhecimento dos factos, que é o fundamento do verdadeiro saber; por consequencia, é da rigorosa obrigação do um governo que se chama illustrado, de um governo próprio do grande seculo em que vivemos, estabelecer incessantemente estes meios governativos.»
Lê-se isto na primorosa memoria sobre os trabalhos geodesicos executados em Portugal, memoria que, por ordem de Sua Magestade a fallecida Rainha D. Maria II, publicou o sabio, illustre e honrado cidadão general dr. Filippe Folque.
Os elementos estatisticos ácerca da importação do tabaco revelam, como já tive occasião de observar, uma causa perturbadora, cuja influencia não póde ser determinada; estes mesmos elementos confirmam o que revelam, como rapidamente vou mostrar.
Seguirei os methodos de exploração numerica, os unicos proprios para a solução das questões d´esta ordem; os mesmos pelos quaes Kepler deduziu dos quadros das
Observações de seu mestre Tycho-Brahe as suas conhecoidas leis do nosso systema planetario.
É de 342:000$000 réis a differença entre os rendimentos da importação do tabaco nos annos economicos de 1882-1883 e 1877-1878. A este augmento no periodo de cinco annos correspondem 68:000$000 réis approximadamente por cada anno.
Para que esta tenha sido a lei reguladora do phenomeno, fôra necessario que os rendimentos da importação do tabaco tivessem sido em

[Ver Tabela na Imagem]

1878-1879....
1879-1880....
1880-1881....

Sendo, portanto, a somma d´estas quantias superior em 683:000$000 réis á que consta da estatistica.
Deixando o ultimo d´estes cinco annos, observamos que é de 97:000$000 réis a differença entre os rendimentos de 1881-1882 e 1877-1878. O augmento annual é de réis 24:000$000; e para este caso temos o seguinte resultado:

[Ver Tabela na Imagem]

1878-1879....
1879-1880....
1880-1881....

Os tres annos sommam....

que excede a quantia de 8.293:000$000 réis.
Procuremos outra hypothese.
Sejam a, b, c e d os rendimentos dos annos de 1876-1877, 1877-1878, 1881-1882 e 1882.1883; temos as seguintes relações:

b/a = 1,03 d/c = 1,08

Sejam e, f e g os rendimentos dos tres annos comprehendidos entre o segundo e o terceiro ultimamente indicados; e averiguemos a que resultados nos conduzem as hypotheses:

b/e =1,04 f/e = 1,05 g/f = 1,06

Segundo esta lei, teriamos:

e = 2.970:000$000
f = 3.119:000$000
g = 3.306:000$000

e+f+g = 9.395:000$000

Era isto facil de prever por ser a somma dos rendimentos dos tres annos economicos de 1878-1879, 1879-1880 e 1880-1881 inferior ao triplo do rendimento do anno economico de 1877-1878.
De tudo isto é licito concluir-se a existencia de uma causa que perturba a importação do tabaco; ou, o que é mais provavel, que ha um forte contrabando n´esta mercadoria.
E aqui temos demonstrada, só pela inspecção de quadros numericos e sem necessidade de inqueritos nem de informações, a necessidade de reforçar-se a fiscalisação alfandegaria do paiz.
Conclusão legitima não é a que tirou d´aqui o nobre de putado sr. Barros Gomes. Comparando as receitas dos ultimos annos economicos, disse s. exa. que não contava os rendimentos de importação do tabaco, porque desde 1879 têem sido inferiores ao que seriam se o augmento annual tivesse continuado em proporção como até 1877-1878, sem a elevação de direitos estabelecida na lei de 31 de março de 1879. Quando um imposto rende menos do que indicam os calculos, mais ou menos provaveis, o que temos a investigar é a causa de similhante facto; não podemos deitar fóra os rendimentos arrecadados, nem riscal-os da contabilidade.
Na apreciação do deficit dos annos de 1881-1882 e 1882-1883 uma outra correcção é necessaria.
Pelas mesmas rasões que já expendi quando tratei dos rendimentos do tabaco, não acceito a distribuição dos direitos de importação que vem feita na pagina 8 do relatorio do sr. ministro da fazenda.
Em 1881-1882 houve despachos adiantados; é certo. Percebe isto quem olhar para os quadros dos direitos de importação, emolumentos geraes e taxas complementares.
Temos, portanto, de distribuir convenientemente o adiantamento que possa calcular-se. Demorar-me-hei n´esta questão, quando tiver outra vez a honra de fallar sobre a questão de fazenda.
Devo mesmo não continuar hoje, porque estes assumptos fatigam o espirito de quem os ouve, embora sejam de manifesto interesse e ao alcance de quem queira estudal-os com attenção.
Para a comparação das administrações financeiras regeneradoras com as progressistas, não é absolutamente indispensavel esta correcçaõ, porque são da responsabilidade dos mesmos os annos a que ella se refere. O que, porém, devo declarar sem maior demora, já que os srs. deputados Barros Gomes e Mariano de Carvalho não quizeram ter esse gosto, é que na referida pagina 8 do relatorio do sr. ministro da fazenda vem um erro, que não póde ser desprezado. É contra a administração regeneradora; e talvez tenha sido por isto que estes nossos distinctos collegas não o apontaram.
Para o anno de 1881-1882 encontra-se, na referida pagina, que os direitos de importação renderam 7.727:863$620 réis, quando o mappa dos rendimentos cobrados nos cinco annos economicos de 1879-1880 a 1883-1884, sem distincção de exercicios, mostra que chegaram á somma de 8.591:869$895 réis; veja-se a pag. 75 da conta geral da administração financeira do estado na metropole.
Encontra-se uma confirmação na pag. 297 do mesmo documento.
No mappa do desenvolvimento das receitas cobradas, pertencentes ao exercicio de 1881-1882, findo em 30 de junho de 1883, encontra-se:

[Ver Tabela na Imagem]

Direitos de importação
No continente....
Nas ilhas....

cuja somma é a já indicada quantia de 8.591:869$893 réis.
É evidente que esta correcção é de grande influencia no valor da relação p; pois que augmenta a receita, denominador de p, e diminue o deficit, que é um dos dois factores do numerador.

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1024 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Mariano de Carvalho, analysando os direitos de importação, affirmou que teem descido consideravelmente, de anno para anno, estes rendimentos.
Consultem v. exas. o quadro, a que já me referi, da pag. 75 da conta geral da administração financeira do estado na metropole, relativa á gerencia de 1883-1884; encontrarão o seguinte:

[Ver quadro na Imagem]

Annos economicos sem distincção de exercicios
Direitos de importação
Emolumentos geraes das alfandegas de Lisboa e Porto
Taxa complementar
Somma em contos de réis

1879-1880....
1880-1881....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

O anno de 1881-1882 figura aqui como um maximo; foi anno de despachos adiantados; n´estes impostos comprehende rendimentos que pertencem ao anno seguinte.
Mostra este quadro que os direitos de importação de cada um dos annos de 1882-1883 e 1883-1884 são inferiores ao de cada um dos annos de 1879-1880 e 1880-1881; isto é exacto.
Mas agora deixem-me seguir o sr. Barros Gomes, que sabe tratar d´estes assumptos com methodo.
Os direitos de importação dos dois annos de 1879-1880 e 1880-1881, administrações progressistas, dão a somma de 15. 498:000$000 réis; os dos dois annos seguintes, administrações regeneradoras, chegam a 15.873:000$000 réis.
Sommando as importancias dos referidos direitos nos tres ultimos annos indicados, temos a quantia de 23.435:000$000 réis; sommando a quantia de 15.498:000$000 réis com a metade da mesma quantia, 7.749:000$000 réis, temos 23.247:000$000 réis.
Estes numeros, obtidos pelos methodos do sr. Barros Gomes, methodos que são os unicos proprios para estas questões, respondem ao sr. Mariano de Carvalho.
No Diario do governo n.° 31 d´este anno, de 10 de fevereiro, na pag. 402, encontra-se um quadro do desenvolvimento das receitas ordinária e extraordinaria, sem distincção de exercicio, cobradas e escripturadas no mez de novembro de 1884, no continente do reino, comparadas com as de igual mez de 1883, reunião dessas receitas com a dos mezes anteriores, tanto no actual anno economico como no antecedente.
D´este quadro deduzi o seguinte:

[Ver Tabela na Imagem]

Impostos de importação nos cinco mezes de julho a novembro de 1884....
Taxa complementar no mesmo periodo....
Somma....

Impostos de importação nos mesmos cinco mezes de 1883....
Taxa complementar no mesmo periodo....
Somma....

Nos primeiros cinco mezes do corrente anno economico teem portanto estes impostos excedido os do mesmo periodo do anno ultimo em 229:540$664 réis.
Já que estes numeros respondem ao sr. Mariano de Carvalho, peço a s. exa. a bondade de não attribuir a falta de resposta minha a qualquer outra causa.
Pelos subsidios que tenho encontrado na conta geral da administração financeira do estado na metropole, gerencia de 1883-1884, creio que tenho justificado a minha moção de louvor para esta magnifica obra, louvor que já ouvimos proclamado pelos srs. Barros Gomes e Mariano de Carvalho.
Permittam-me v. exa. e a camara umas palavras mais, que poucas serão, para justificar outras propostas.
A primeira é para que a vantagem concedida no terceiro numero do artigo 1.° do projecto em discussão seja concedida ás viuvas, ás filhas e netas orphãs de mãe e pae menores de dezoito annos; aos filhos e netos orphãos de mãe e pae menores de quatorze annos; na falta d´estes parentes, ás mães, avós e viuvas.
As differentes condições de vida para meninas e rapazes justifica a differença da idade que considero n´esta proposta.
O projecto, fallando de filhos, alem das viuvas, fixa o limite da idade em treze annos para aquelles; não sei de onde veiu esta lembrança dos treze annos, unicamente porque o nosso código civil estabelece a idade de quatorze annos para a acquisição de certos direitos, como o de testar, o de contrahir matrimonio com permissão dos paes, julgo rasoavel o limite de idade que proponho.
É uma differença pequena; de um anno apenas; mas; por este mesmo motivo, devemos todos aproveitar as indicações fornecidas pela harmonia das leis e de costumes.
Peço a mesma vantagem para os netos, orphãos de mãe e pae, dos empregados de fiscalisação externa; e para mostrar a justiça do meu pedido, vou informar a camara de um caso de que tenho vaga noticia.
Um meu consocio do montepio official contaram-me que tinha entrado para esta associação tendo uma filha; que esta casara e pouco depois perdêra o marido, ficando com um filho; que pouco sobrevivera a seu marido; que o avô era emfim a unica protecção do pequeno.
Pois, senhores, este meu consocio, um velho só com um neto, teve de retirar-se do montepio official, porque os estatutos d´esta sociedade não incluiram os netos entre as pessoas habeis para receber pensão.
Para que este caso não seja repetido com qualquer empregado da fiscalisação externa que esteja nas circumstancias d´este meio consocio e seja victima de um conflicto com os contrabandistas, é que entendo que a camara deve acceitar a emenda que lembro.
É triste e atrozmente injusto recusar aos netos, orphãos de mãe e pae, os beneficios concedidos aos filhos.
Lembro-me de ter lido, em livros de Victor Hugo, que talvez haja ou póde haver paes que não estimem seus filhos; mas que não ha avós que não estimem os netos.
Outra proposta tem por fim a exigencia da carta do curso geral dos lyceus como habilitação indispensavel para a admissão ao concurso para o ingresso nos logares de todas as alfandegas, quatro annos depois da publicação do decreto da reforma de que se trata.
É de summa e manifesta vantagem esta proposta. Sem a habilitação que lembro para ser exigida, haverá mais probabilidades de ser feita escolha acertada do pessoal que ha de servir nas alfandegas.
Notem v. exas. que proponho apenas a exigencia do curso geral dos lyceus, curso de quatro annos, curso que uma creança de quatorze a quinze annos póde muito bem ter concluido.
Eu quizera até que esta habilitação fosse exigida para todos os empregos publicos.
Proponho que esta habilitação seja exigida só passados quatro annos depois de decretada a reforma dos serviços aduaneiros e fiscaes, por ser de quatro annos o curso que a constitue.
Observarei tambem que por este meio serão arredadas dos concursos muitas incapacidades, as quaes hão de importunar os examinadores.
Emfim proponho que a pena de prisão em caso nenhum possa ser substituida ou remida por dinheiro. Não quero

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com isto lembrar que seja decretada a pena de prisão para qualquer contrabando; longe d´isso estou. O que pretendo é que, para os casos em que tão dura pena seja estabelecida, nunca possa ser ella substituida por uma quantia qualquer.
A lei é igual para todos; e por isso julgo contraria á carta constitucional, que estabelece este preceito, a remissão das penas a dinheiro. (Apoiado do sr. Avelino Calixto.)
Não tenho feito largos estudos sobre direito penal, embora eu os considere de summo agrado e grandíssimo interesse para todos; mas é opinião minha que a pena de dinheiro ha de variar não só com as circumstancias do crime, mas tambem com as do delinquente.
Uma quantia que um possa e queira gastar como numa extravagancia qualquer, sem que lhe faça falta, sem que lhe custe, ás vezes até por ostentação, póde representar para outro uma grande necessidade, um sacrificio de muitos dias; e não é justo que para o mesmo crime seja imposta a mesma pena em dinheiro a individuos era tão diversas circumstancias.
Com a prisão, meus senhores, não é tão flagrante a desigualdade, já que esta nem sempre póde ser evitada.
Tenho-me demorado muito; corto aqui estas reflexões, declarando que ácerca da questão de fazenda hei de aproveitar a primeira occasião em que a camara possa ouvir-me.
(Foi Cumprimentado pelo sr. ministro da fazenda.)

Discurso proferido pelo sr. deputado Zofino Consiglieri Pedroso, na sessão de 14 de março, e que devia ler-se a pag. 752, col. 1.ª

O sr. Consiglieri Pedroso: - Vou ser muito breve, sr. presidente, e a prova de que desejo sel-o, é que não subo á tribuna, para escapar á tentação de me alongar de mais. Fico aqui, neste mesmo logar, para fazer as observações que tenciono apresentar á camara acerca, deste projecto, observações que pela minha parte quasi se limitam a uma simples declaração de voto.
Mas como pedi a palavra sobro a ordem, preciso, nos termos do regimento, mandar para a mesa a moção que justifique este pedido. É verdade que, se pedi por esta forma para ser inscripto, foi unicamente para ter probabilidade de fallar no debate que eu já sabia não poder prolongar-se muito. Por isso mais conviria talvez n´esta occasião apresentar uma simples proposta de adiamento.
Em todo a caso a proposta existe do mesmo modo revestindo apenas, pela necessidade das circumstancias, a fórma de moção. A minha moção é pois a seguinte:
«A camara considerando que a maneira como está formulada a proposta de lei, auctorisando o governo a reorganisar differentes serviços das alfandegas, é offensiva das suas prerogativas, por tornar impossivel a discussão, na especialidade, das bases que acompanham a referida proposta, resolve que o projecto em discussão volte á commissão respectiva, a fim de ser redigido conforme as verdadeiras praxes parlamentares, e passa á ordem do dia».
Como v. exa. vê, sr. presidente, esta moção resume as observações que, com relação á maneira como vem formulado o projecto, foram feitas, sem excepção, por parte de todos os deputados opposicionistas que tomaram a palavra neste debate. Com effeito, não posso eu votar o projecto de que se trata por diversos motivos, sendo o primeiro d´elles indubitavelmente porque entendo, que este projecto não vem sufficientemente acautelado no que respeita á sua redacção, para salvaguardar as prerogativas da camara. Ora sem um protesto não póde o parlamento voluntariamente despojar-se do que constitue para elle a primeira de todas as garantias. (Apoiados.)
Sr. presidente, a parte grave do projecto está exactamente nas bases que o acompanham, e que nós não poderemos discutir na especialidade, graças á determinação do governo, á qual ainda mal! se associou, tornando-se d´ella cumplice, a illustre commissão de fazenda.
O projecto propriamente dito, não é mais do que uma simples formula de auctorisação, para o governo poder pôr em vigor as bases, que são a verdadeira doutrina e a essencia do projecto.
E é precisamente sobre estas bases que não póde haver uma larga e seria discussão na especialidade, o que, em verdade, equivale a ficarem sem ser discutidas!
Não ha ninguém com effeito, sr. presidente, por mais habilitado que se encontre para tratar da questão que se ventila; não ha ninguem, por mais ao facto que esteja dos negocios d´este ramo especial dos serviços publicos, que possa num unico discurso de generalidade occupar-se concienciosamente de todos os variados e complexos assumptos a que se referem as bases do projecto.
Sufficientemente mostraram a verdade desta minha asserção os discursos do homens tão versados no assumpto, como os srs. Barros Gomes, Mariano de Carvalho, Beirão e Luciano de Castro. Revelaram bem estes discursos, sr. presidente, pelo vago em que necessariamente tinham de conservar-se, que não ha ninguem que possa, com plena consciencia do seu voto, discutir conjunctamente á generalidade e a especialidade pela fórma por que ellas vem amalgamadas n´este projecto, onde só tem ao mesmo tempo que attender a todos os assumptos variados que dizem respeito á administração aduaneira, no seu significado mais lato considerada.
É esta a maneira de illudir as garantias da camara, porque d´esta fórma e com a maior semcerimonia convertem se as duas discussões, a da generalidade e a da especialidade, numa única discussão da generalidade, o que é contrario á doutrina expressa no regimento d´esta casa e ás boas praxes seguidas em todos os parlamentos do mundo! É este o motivo, sr. presidente, por que eu não voto o projecto em discussão, ainda que estivesse de accordo com a sua doutrina. E este o motivo tambem por que eu redigi a minha moção pela fórma por que a camara acaba de ouvir. Voto contrario e moção significam pois, primeiro que tudo, um protesto contra a desconsideração que acaba de soffrer o parlamento. É pena que a illustre commissão de fazenda, que faz parte da camara tambem, não quizesse associar-se a esta justa reivindicação dos direitos parlamentares. Ninguém comtudo melhor do que ella tinha n´este caso auctoridade para corrigir a altaneria ministerial.
Não venho neste momento, srs. deputados, tratar da questão de fazenda. Qualquer que seja a sua importancia e gravidade, afigura-se-me tal discussão no momento actual um pouco deslocada: hão de aqui apresentar-se as propostas de lei do sr. ministro da fazenda; o orçamento ha de discutir-se; e espero que então teremos ensajo de poder, com mais largueza e mais apropositadamente, discutir a questão de fazenda, sob todos os seus aspectos; pois eu creio que este assumpto é aquelle, em que mais nos devemos esforçar todos por sobre elle derramar uma viva luz, pondo de parte illusões que dentro em pouco nos podem ser bem funestas, e emancipando-nos para sempre dessas habilidosas mas estereis prestidigitações de cifras sem realidade, de deficits sem verosimilhança, de orçamentos sem claresa, onde todos de boa fé pressentem enormes desequilibrios, sem se poder ao certo indicar com precisão os insolviveis encargos que os oneram!
Tão pouco me compete pela posição, que occupo n´esta camara, vir contrapor algum plano financeiro de amigos meus ao plano do sr. ministro da fazenda. Ainda não chegou para mim a epocha d´essas retaliações tanto em moda, embora absolutamente estereis.
De maneira que, estando o projecto no que diz respeito propriamente ás suas disposições, discutido largamente na generalidade por parte dos meus collegas da opposição monarchica, só me resta declarar que em relação ás diversas

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duvidas por elles levantadas no correr da discussão eu me associo completamente ás suas observações.
Assim, não voto o projecto porque vejo que elle traz importante augmento de despeza, e ao mesmo tempo um inevitavel cerceamento de receita; não o voto, porque entendo que, na parte que se refere á revisão da legislação repressiva dos descaminhos de direitos e de contrabando, se pede uma faculdade que eu não posso por modo nenhum conceder ao governo. Com effeito se a execução da nova disposição penal for confiada a empregados menos dignos e menos respeitadores das garantias individuaes póde ella offender gravemente a liberdade de todos nós, pois conforme multo bem disse o sr. conselheiro José Luciano de Castro depois de votadas pelo parlamento estas bases não sabemos a que contingencias poderemos ficar sujeitos na interpretação d'esta lei; interpretação que póde ser mais ou menos lata, mais ou menos liberal, mais ou menos restrictiva, não digo já por culpa do sr. ministro da fazenda, mas por culpa dos empregados subalternos que tiverem de fazer sob propria responsabilidade essa interpretação!
Não voto tambem o projecto, porque implicando elle antes de tudo um acto de confiança, ao ministro que o ha de executar, na minha qualidade de opposição radical não posso dar esse voto de confiança, não só ao sr. ministro da fazenda actual, mas a nenhum ministro da fazenda, qualquer que fosse o seu partido, porque nem a amigos meus eu votaria uma auctorisação tão latitudinaria.
Demais, n'este ponto, e sem offensa pessoal para o sr. ministro da fazenda, direi que s. exa. em relação apromettimentos e compromissos é o ministro que menos auctoridade para mim tem e o que menos confiança me merece para lhe poder dar sem receio uma auctorisação d'esta ordem.
Toda a camara se lembra do facto occorrido em uma das primeiras sessões do anno passado, relativamente a um assumpto que só prendia strictamente com a gerencia administrativa do actual sr. ministro da fazenda.
Um dia, um deputado da opposição, o sr. Mariano de Carvalho, pediu aqui certos e determinados esclarecimentos pelo ministerio da fazenda relativamente a um celebre concurso que tivera logar na alfandega, insistindo o referido deputado pelos originaes dos documentos que solicitara para, dizia, s. exa., chegar até á accusação criminal do sr. ministro, se porventura por esses documentos se provasse ter elle a sua responsabilidade directamente presa a esse facto que eu não quero classificar agora para não renovar questões extinctas, mas que o paiz já julgou de um modo bem triste para o prestigio do poder executivo e muito especialmente para a dignidade do sr. Hintze Ribeiro.
A camara recordar-se-ha tambem de que por essa occasião o sr. ministro da fazenda, não direi habilmente, mas teimosamente, se negou a mandar á camara o original dos documentos pedidos, a pretexto de que estando affectos taes documentos ao poder judicial não podia ser o assumpto com que elles se relacionavam avocado pela camara.
Faço justiça, sr. presidente, á illustração do sr. ministro, acreditando que elle proprio reconhecia a inanidade da argumentação; assim como julgo ser justo tambem attribuindo á sua difficil posição perante o parlamento essa mirifica descoberta feita por s. exa. para se desculpar, declarando solenmemente que o procurador geral da corôa era poder judicial!!
Mas se o sr. Hintze Ribeiro se negou obstinadamente a mandar á camara os documentos que haviam de provar a sua innocencia nessa deplorável questão, comprometteu se implicitamente e sob sua palavra a não descurar por um momento o assumpto, a promover o exemplar castigo dos culpados, e a trazer elle proprio á camara o resultado das investigações judiciaes a que se estava procedendo, e que por todos os modos ia activar, conforme gravemente affirmava.
Uma das rasões mesmo que apresentava com mais insistencia o sr. Hintze, para não patentear os documentos de que se tratava, era que a acção da justiça não podia ser demorada nem um dia, nem urna hora; o crime tinha sido tão grande que a mais justa e severa punição não devia nem podia ser adiada por discussões inopportunas.
Como cumpriu o sr. ministro a promessa feita solemnemente e em tão especiaes circumstancias perante a representação nacional?
Mais de um anno se tem passado depois desse compromisso de honra e o parlamento portuguez, sr. presidente, triste é dizel-o, espera ainda que lhe venham trazer os culpados auctores de um negocio fraudulento, que o próprio sr. Hintze duramente estygmatisou, de um crime contra a honestidade e contra a boa fé dos concursos!!
Já vê o sr. ministro da fazenda que, quando affirmava ha dois dias que, se lhe fossa dada a auctorisação e se não cumprisse com os preceitos de justiça e economia a que se havia obrigado, os deputados lhe pedissem estreitas contas; já vê s. exa., digo, que não era bastante esta affirmação para eu confiar na sua palavra, pois tendo em circumstancias bem mais melindrosas para o seu credito, como acabei de o recordar á camara, tomado um igual compromisso perante o parlamento, e não se tendo até agora d'elle desempenhado, ha de permittir que, sem offensa para o seu caracter pessoal, eu não possa acreditar n'esta nova promessa que s. exa. acaba de fazer, não sei se já com a intenção reservada de a deixar no olvido!
Assim se não voto o projecto em discussão porque o acho redigido em termos menos convenientes para a dignidade do parlamento, não o voto tambem e com muito mais rasão porque não dou auctorisações d'esta ordem a ninguem, mas muito especialmente ao sr. ministro da fazenda, que pelos seus precedentes não me merece confiança política.
Não voto, porém, esto projecto em virtude só das rasões que acabo de referir; não o voto sobretudo, sr. presidente, porque entendo que elle é completamente inutil e inefficaz para alcançar os resultados que s. exa. o ministro teve em vista, e que a commissão de fazenda entendeu dever patrocinar com uma condescendencia sem igual, apesar de haver n'ella quem tenha os elementos bastantes para não confiar no remedio proposto.
Diz a commissão no seu relatorio, com effeito:
«A actual organisação dos serviços de que se trata não satisfaz ao commercio nas suas justas exigências, não evita a importação fraudulenta que faz concorrencia ao commercio licito, afflige as industrias nacionaes e prejudica gravemente os interesses do thesouro publico. Em vista d'estas considerações a commissão entende que deve ser concedida a auctorisação ao governo para no praso de um anno, e segundo as bases mencionadas, proceder á reforma da direcção geral das alfandegas e contribuições indirectas, conselho geral das alfândegas e serviços dependentes, e bem assim para a organisação dos quadros da fiscalisação interna e externa.»
Sr. presidente, se o nobre ministro da fazenda, se o illustre relator da commissão, ou algum sr. deputado governamental, dos que n'esta questão têem tomado a palavra, for capaz de me convencer com argumentos sérios que este projecto é sufficiente para evitar o descaminho dos direitos, que este projecto é efficaz para fazer cessar o contrabando em Portugal, não direi que vote a auctorisação, que se discute, porque não quero faltar ao que me obrigam as minhas primeiras declarações motivadas, mas desde já prometto, sentando-me immediatamente, não levar por diante a renhida opposição que tenciono fazer á proposta ministerial.
Ninguem, porém, conseguirá levar-me ao espirito tal convencimento, pela rasão muito simples de que todos os que conhecem o assumpto estão convencidos que o remedio aconselhado é perfeitamente anodyno.
Por isso, sr. presidente, eu considero que este sacrifício

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de novas despezas, que se nos pede, é absolutamente esteril e perdido, porque o contrabando ha de continuar a existir, emquanto as circumstancias economico-administrativas actuaes, e os princípios vigentes da legislação aduaneira em Portugal e Hespanha, não mudarem radicalmente.
Ahi é que está o ponto central do problema, que devemos corajosamente atacar para chegarmos a uma solução definitiva.
Sou o primeiro a reconhecer com os illustres deputados que têem tomado a palavra d'este debate, que o estado das nossas relações commerciaes com a Hespanha é insustentavel e insupportavel especialmente para o nosso paiz.
N'este ponto estou plenamente de accordo com o sr. ministro da fazenda e com o illustre relator da commissão.
Todos sabem que muitas das nossas industrias, algumas mesmo das mais importantes, se queixam amargamente da concorrencia illicita que lhes faz o contrabando hespanhol. Todos sabem que successivos ministros da fazenda em differentes situações toem procurado, remodelando a curtos intervallos a organisação das nossas corporações fiscaes, introduzir a ordem n'este cahos e dominar por severas medidas de inspecção e fiscalisação esta anarchia. Apesar, porém, das numerosas reformas que successivamente se realisaram n'estes ultimos vinte annos, e ainda anteriormente vemos que o contrabando tem zombado de todas as providencias repressivas e continua a introduzir-se largamente no paiz, apesar de todas as pelas legaes que se lhe oppõe. V. exa. julga porventura que n'esta lucta ardilosa do estado com o contrabandista nós possamos chegar a organizar alguma vez as nossas forças fiscaes no pé em que as sustentam nas suas fronteiras nações de muito maiores recursos, como a Franca por exemplo? Pois, ainda que conseguíssemos, a questão do contrabando entre Portugal e a Hespanha ficaria pouco mais ou menos na mesma situação. Hoje o contrabando (tomarei sempre esta palavra como synonimo de descaminho de direitos, apesar de actualmente quasi não haver contrabando pela nossa legislação) entre os dois paizes faz-se ainda pelos antigos processos rudimentaes, sufficientes para illudirem uma fiscalisação rudimentar tambem.
A organisação fiscal de que dispomos não exige mais da habilidade dos que com tão grande facilidade a inutilisam, e por isso não temos a combatel-a por ora maior numero de astúcias, de subtilezas e de artimanhas da parte dos que constantemente pensam em invalidar as mais bem architectadas disposições repressivas e penaes. Mas se amanha melhorarmos os nossos serviços de inspecção aduaneira, veremos na mesma proporção augmentarem as manhas dos contrabandistas, que a final hão de acabar sempre por levar a melhor. Esta é a historia de todos os tempos e de todos os paizes.
Para que nos convencessemos com effeito de que uma simples disposição fiscal, por mais draconiana que fosse, bastava para impedir o descaminho de direitos, era necessario que não conhecêssemos nos seus interessantíssimos pormenores a historia do contrabando em todas as epochas e em todos os povos ainda os de legislação mais severa.
Não sabe v. exa., sr. presidente, que o contrabando zombou sempre da mais implacavel e poderosa das organisações repressivas que jamais foram inventadas, da organisação fiscal da Hespanha no tempo de Carlos V e de Filippe II, apesar das terríveis comminações do systema colonial então em vigor parecerem dever levantar uma muralha de ferro entre a metrópole e as suas possessões americanas, por um lado, e as nações estrangeiras pelo outro? Não nos diz isto a historia, fazendo-nos assistir dia a dia ao assalto do contrabando hollandez e inglez, que nunca a privilegiada e inquisitorial legislação da Casa de contratacion de las Indias foi capaz de evitar com todos os seus rigores?
Mas ha mais, e para isto chamo particularmente a attenção do sr. relator da commissão.
S. exa., que é um cavalheiro illustrado e versadissimo nestes assumptos, e a cujo saber eu presto a devida homenagem, não ignora de certo o que se passa hoje nas fronteiras da Suissa.
S. exa. deve conhecer as celebres matilhas de cães contrabandistas; e deve saber que apesar de todos os esforços que se têem feito para impedir o contrabando na fronteira franceza, apesar da creação em larga escala das matilhas de cães fiscaes para perseguirem os animaes habilmente empregados na industria illegal e fraudulenta do descaminho de direitos, o contrabando persiste por tal fórma e com tal segurança que relógios comprados em Berne em Zunich são mandados collocar habilmente pelos fabricantes suissos em qualquer ponto de França mediante apenas um pequeno premio contra o risco eventual do uma tomadia, que raras vezes tem logar, como bem se deprehende da insignificante percentagem do seguro.
Pois, se no seculo XVI o commercio illicito zombava impunemente da organisação fiscal de Carlos V e de Filippe II; se hoje mesmo com uma organisação fiscal perfeita, tanto quanto o póde ser uma organisação d'esta ordem, o contrabando da Suissa na fronteira franceza terá meios de conseguir os seus intentos, illudindo a mais prevenida vigilancia; como se quer que nós com uma pobre e incompleta organisação, que ainda será de todo o ponto insufficiente depois de o sr. ministro a ter reformado mais uma vez, como se quer que nós, repito, possamos impedir e Portugal e a Hespanha, quando ha causas permanentes, constantes, que estào actuando a todo o momento e que tornam fatal a continuação do que á face da lei escrita é um crime, ou pelo menos um delicto, mas que á lei d'essas outras leis de economia política não é mais do que o natural e necessario correctivo aos defeituosos systemas aduaneiros actualmente em vigor nos dois paizes da peninsula?
Eu podia citar aqui, sr. presidente, ora defeza d'esta minha asserção, as palavras de um distincto economista francez, mr. Blanqui, que sustenta com muito boas rasões, e mesmo com o exemplo da historia de todos os paizes, que o contrabando é o indispensavel correctivo e a benefica compensação á tyrannia dos falsos regimens aduaneiros. Mas este argumento de auctoridade nem sequer é preciso na presente occasião, e muito especialmente na hypothese que se discute. Todos os que me escutam, a começar pelo proprio ministro, que eu vejo n'este momento fazer um gesto de assentimento ás minhas palavras, estão convencidos de que o contrabando é uma consequencia, é um resultado que se torna mister combater nas suas causas, que é preciso destruir nesse anormal estado de cousas que lhe dá origem e o alimenta. Pois bem, se todos nós chegámos a este convencimento, não ataquemos o symptoma, ataquemos antes a doença que produz esse symptoma deleterio; não nos limitemos a atacar o contrabando que existe na fronteira, mas ataquemos sobretudo a sua causa predominante, isto é, as circumstancias económicas ou melhor as disposições aduaneiras que tornam possível a existencia de um largo e remunerador commercio fraudalento entre os dois povos.
Não quero alongar de mais este debate, sr. presidente, e serei por isso muito breve; mas não posso deixar de dar á camara conhecimento de algumas passagens de um escripto muitíssimo interesse, que de certo é conhecido do sr. ministro da fazenda e do sr. relator da commissão.
Intitula-se o livro a que me refiro: «Estudios ácerca de las relaciones mercantiles entre Espanã y Portugal» é seu auctor o sr. D: Manuel Marquez Perez de Aguiar, que o dedicou ao ex-ministro da fazenda do reino vizinho o sr. D. José Garcia de Barzanallana.
Este escripto bastante recente (1880), e como tal com todo o valor de actualidade, é muito importante, por isso que coteja constantemente os dados da estatística commercial portugueza com os dados correspondentes da estatística commercial hespanhola, podendo deduzir-se bem do resultado do exame d'esse curioso confronto até que ponto

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chega, e qual é, a influencia do contrabando entre Portugal e a Hespanha. Antes, porem, que leia á camara esses trechos, acrescentarei ao que disse o sr. Mariano de Carvalho, que não é simplesmente, conforme indica um folheto anonymo ha pouco publicado contra a administração das alfandegas, e que eu li tambem, que não é, digo, simplesmente um cabique que tem desapparecido das aguas de Lisboa, não se podendo averiguar o seu destino ulterior; são esquadras inteiras, sr. presidente, que entre Portugal e Hespanha desapparecem, como se fossem compostas de «navios phantasmas», sem deixarem vestígio algum da sua passagem, senão na estatística de uma das alfandegas, quando o deixam; porque pelos precedentes comprovados, é licito suspeitar que muitos navios farão largo commercio illicito entre as duas nações, escapando ao mesmo tempo á fiscalização de saída e á de entrada respectivamente era cada um dos paizes!
Não estou improvisando, póde crel-o a camara. O que eu affirmo é um facto consignado em documentos que fallam bem alto e que dispensam quaesquer considerações ou commentarios da minha parte.
Mas permitta-me v. exa. que ainda antes de ler estes trechos, eu faça notar á camara e ao governo duas circumstancias que bem evidentemente provam que a existencia do contrabando entre Portugal e a Hespanha, todos os dias se accentua de uma maneira tão irrefutavel que não sei francamente, o que o sr. ministro da fazenda espera, para vir propor ao parlamento alguma medida verdadeiramente radical!
No decennio de 1865 a 1875 o movimento comrnercial entre Portugal e a Hespanha conservou-se constante, estacionário, apenas com insignificantissimas oscillações. Assim pelas estatísticas portuguezas, por exemplo, vê-se que a importação para consumo no nosso paiz foi nestes dez an-nos de 2.100:000$000 réis por anno e que a nossa exportação para a nação vizinha se manteve durante o mesmo periodo na cifra de 1.100:000$000 réis annuaes, pouco mais ou menos.
No quinquennio de 1875 a 1880 ainda o movimento commercial se conserva á mesma altura sem sensivelmente a ultrapassar.
Ora, pergunto eu, sr. presidente, é crivei, que dados os actuaes aperfeiçoamentos na viação accelerada dos dois paizes; e crivei, que estando Portugal nestes últimos quinze annos ligado com a Hespanha por duas secções importantes de caminhos de ferro, por diversas estradas ordinarias, que antes deste período não existiam, por todos os meios, emfim, que o progresso tem naturalmente trazido aos dois povos peninsulares; é crivel, que tendo desapparecido neste lapso de tempo tantas barreiras moraes de preconceitos e de desconfianças, que mais que quaesquer outras nos separavam dos nossos irmãos hespanhoes; é crivel, repito, que o commercio de importação e exportação entre os dois paizes se tenha conservado perfeitamente estacionario, quando, alem do que fica dito, ainda devemos attender ao notavel progresso economico que durante este importante período se tem realisado de um e outro lado da fronteira?!
E como é que se dá este phenomeno de paralysação de relações exactamente com a Hespanha, emquanto que o progresso d'estes últimos quinze ou vinte annos tem sido o sufficiente, para extraordinariamente alterar, modificando-os radicalmente, os números da nossa estatística commercial a respeito de outras nações, ás quaes laços, aliás muito menos intimos, nos ligam?!
Mysterio! sr. presidente, mysterio! Ou antes mysterio para os que não querem ver!...
Mas passemos a examinar o livro hespanhol.
As revelações que n'elle se fazem são da mais alta importância e provam qual é a extensão do contrabando entre Portugal e a Hespanha.
Temos a dividir esse contrabando, sr. presidente, em contrabando marítimo e em contrabando pela raia secca. Ha uns certos e determinados artigos que escolhem de preferencia a raia secca, e outros que pelo contrario escolhem a via marítima.
Se o sr. ministro da fazenda não tem conhecimento d'este livro, peço-lhe por um momento a sua attenção para a leitura que vou ter a honra de fazer á camara, pois encontrará n'essa leitura factos que são profundamente eloquentes:

[Ver Tabela na Imagem]

Anno de 1870
Navios
Tripulantes

Navios hespanhoes carregados que durante o dito anno saíram de portos portuguezes para Hespanha, segundo a estatística portugueza ....
Entrados nos portos hespanhoes, segundo a estatística hespanhola ....
Navios hespanhoes em lastro que durante o dito anno saíram de portos portuguezes para Hespanha, segundo a estatistica portugueza ....
Entrados nos portos hespanhoes, segundo a estatística hespanhola ....
Total da estatística portugueza ....
Differença ....

Que parecem á camara estes números? São ou não estas revelações verdadeiramente assombrosas?! Mas vejamos um novo quadro.
Quer v. exa. saber, sr. presidente, quaes são no mesmo anno os numeros que a estatística hespanhola accusa a respeito dos navios carregados em portos hespanhoes com destino aos portos portuguezes?

[Ver Tabela na Imagem]

Anno de 1870
Navios
Tripulantes

Navios hespanhoes carregados, despachados nos portos hespanhoes para portos portuguezes, segundo a estatistica hespanhola ....
Entrados em portos portuguezes, segundo a estatistica portugueza ....
Navios hespanhoes em lastro, despachados nos portos hespanhoes para portos portuguezes, segundo a estatistica hespanhola ....
Entrados em portos portuguezes, segundo a estatistica portugueza ....
Total da estatistica hespanhola ....
Total da estatistica portugueza ....
Differença ....

De fórma que, segundo a estatística hespanhola, apenas saíram de Hespanha para Portugal, em 1870, 71 navios com 450 tripulantes; emquanto que as estatísticas portuguezas accusam 523 navios com 4:493 tripulantes! O que é isto, sr. ministro da fazenda?!
Era 1871, 1872 e 1873 continuam as mesmas extraordinarias differenças!
Vejamos ainda o seguinte quadro, relativo a determinados portos do nosso paiz:

[Ver Tabela na Imagem]

Anno de 1870
Carregados
Em lastro

Navios hespanhoes que figuram na estatística portugueza, saídos para Hespanha e despachados:
Em Lisboa ....
Em Lagos ....
No Porto ....
Em Villa Real ....
Total ....

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[Ver Tabela na Imagem]

Anno de 1870
Carregamentos
Em lastro

Navios hespanhoes entrados em Hespanha, segundo a estatística hespanhola e procedentes:
De Lisboa ....
De Lagos ....
Do Porto ....
De Setubal ....
De Villa Real ....
Total ....

Não é um navio, como se vê, são esquadras inteiras que mysteriosamente desapparecem ou apparecem sem se saber qual a sua proveniencia.
Onde passaram e para onde fórum todos esses navios e esses milhares de tripulantes? Isto é verdadeiramente assombroso, srs. deputados, e eu não sei como foi necessaria a revelação do folheto hespanhol para que um facto de tal importancia se tornasse conhecido! Para que serve então a fiscalisação?!
Ha mais; passemos ao anno de 1874:

[Ver Tabela na Imagem]

Anno de 1874
Navios
Tripulantes

Navios hespanhoes saídos de Portugal no dito anno com destino a portos hespanhoes (estatística portugueza), carregados ....
Navios hespanhoes procedentes de Portugal, entrados era portos hespanhoes (estatística hespanhola), carregados ....
Navios hespanhoes saídos de Portugal no dito anno, com destino a portos hespanhoes (estatística portugueza), em lastro ....
Entrados em portos hespanhoes, segundo a estatistica hespanhola ....
Total da estatística portugueza ....
Total da estatística hespanhola ....
Differença ....
Navios hespanhoes carregados dados na estatística hespanhola com destino a portos portugueses ....
Navios hespanhoes carregados entrados em Portugal, segundo a estatística portugueza ....
Navios hespanhoes dados na estatística hespanhola com destino a portos portuguezes ....
Navios hespanhoes entrados em Portugal, segundo a estatística portugueza ....
Total da estatística hespanhola ....
Total da estatística portugueza ....
Differença ....

De modo que no anno de que só trata, e conforme as palavras do auctor que estou lendo, 697 navios com 8:509 tripulantes eu se abysmaram na profundeza dos mares ou zombaram das leis aduaneiras dos dois paizes!
Oh! sr. presidente, ou isto tudo é um sonho, ou estes dados são completamente phantasticos, o que não póde ser attenta a sua proveniência official, ou eu não sei como póde ainda vir aqui fallar-se a serio em reprimir o contrabando, dando apenas uma nova organisação a alguns corpos da fiscalisação aduaneira?
Ainda mesmo que o sr. ministro da fazenda use do modo o mais proveitoso d'esta auctorisação e com toda a latitude que cila comporta, não se evitará nunca por tal meio o contrabando. Faço mesmo justiça ao talento e á illustração de s. exa. para não acreditar que o sr. Hintze Ribeiro esteja a illudir-se a si proprio e ao parlamento. E para deixar de vez as estatísticas marítimas seja-me ainda permittido ler á camara mais alguns números referentes ao anno de 1874.
Segundo os dados officiaes publicados pelo governo portuguez, saíram com destino a portos hespanhoes e com bandeira hespanhola os seguintes navios durante o anno de 1874:

[Ver Tabela na Imagem]

Navios carregados
Navios em lastro

De Lisboa ....
Do Porto ....
De Setubal ....
De Lagos ....
De Villa Real ....
Total ....
Segundo a estatística hespanhola entraram apenas:
De Lisboa ....
Do Porto ....
De Setubal ....
De Lagos ....
De Villa Real ....
Total ....
De menos pela estatística hespanhola ....

Segundo a estatística portugueza de 1874 entraram em Portugal com Landeira hespanhola e procedentes dos portos do Hespanha:

[Ver Tabela na Imagem]

Navios carregados
Navios em lastro

Em Lisboa ....
No Porto ....
Em Lagos ....
Em Setubal ....
Em Villa Real ....

Para não cançar mais a attenção da camara direi que os numeros correspondentes da estatística hespanhola são totalmente differentes.
Já não tenho, srs. deputados, phrases interjectivas com que possa acompanhar cada uma das revelações que se encontram n'este folheto.
Passo ainda alguns curiosos dados em claro, sr. presidente, porque não desejo occupar por mais tempo a attenção dos meus collegas, e entro immediatamente na apreciação do contrabando pela raia secca, a respeito do qual vejo no folheto em questão os seguintes dados para os quaes peço a attenção da camara por me parecerem curiosissimos e bastante elucidativos do presente debate:

Quadro indicando as differenças que existem entre as estatisticas portugueza e hespanhola em determinados artigos durante os dois annos citados, e que revelam por consequencia a saida por territorio hespanhol, com subtracção da direitos, nos annos de 1870 e 1874

[Ver Quadro na Imagem]

Mercadorias
Unidades
Importadas era Portugal, segundo a estatística portugueza
Exportadas para Portugal, segundo a estatística hespanhola
Saídas de Hespanha por contrabando nos aunos de 1870 e 1874

Centeio ....
Trigo ....
Pão cozido ....
Farinha de centeio ....
Assucar ....
Aguardente ....
Vinho ....
Tabaco ....
Lã commum e fiada ....
Tecidos de algodão ....
Tecidos de linho ....
Gado vaccum ....
Gado lanígero e caprino ....
Gado suino ....

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1030 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Este é o contrabando com relação ás alfandegas hespanholas, e portanto, sob esto ponto de vista, favorável na apparencia a Portugal.
Vamos a ver, porém, o reverso da medalha.
É este:

Quadro indicando o contrabando de determinados artigos effectuado em Portugal nos annos de 1870 e 1874

[Ver Quadro na Imagem]

Mercadorias
Unidades
Exportadas para Portugal, segundo a estatistica hespanhola
Importadas em Portugal, segundo a estatistica portugueza
Contrabando entrado em Portugal

Cereaes ....
Azeite ....
Farinha de trigo ....
Fructas ....
Tecidos de lã ....

Sr. presidente, creio que estes numeros são bem eloquentes, e dispensam qualquer commentario da minha parte.
São tirados das estatísticas hespanholas e das estatísticas portuguezas, e como taes insuspeitos quanto á sua veracidade.
V. exa. comprehende, com effeito, bem que (a não ser com pequenas correcções, sem influencia alguma e incapazes de affectar o grosso destes algarismos) é evidente que as mercadorias que, como exportação, saem de Hespanha para Portugal devem ser pouco mais ou menos equivalentes às que na mesma epocha são importadas n'este paiz, e vice-versa. Não succede, porém, assim.
Ha, como se vê dos numeros, que acabo de ler á camara, uma differença grande, enorme mesmo em certos casos, umas vezes contra as alfandegas portuguezas e outras vezes contra as alfandegas hespanholas.
Quer dizer que, pelo confronto das estatísticas dos dois paizes, se denuncia a existencia de um contrabando em larga escala, que respectivamente é accusado ora pelos dados officiaes de Portugal, ora pelos de Hespanha.
Mas, sr. presidente, alem desse contrabando, que assim é denunciado, embora por um modo indirecto, deve haver porventura outro, talvez o mais importante, que não é accusado nem pelos dados estatísticos de Hespanha, nem pelos dados estatísticos de Portugal, porque os géneros saem já de um paiz como contrabando e como contrabando entram no outro.
Esta supposição, longe de ser gratuita, é perfeitamente fundada e rigorosamente se deduz dos factos que até agora tenho apresentado á camara.
Como sé pretende remediar este triste estado de cousas? Como se intenta obviar a este mal profundo de que soffre o nosso commercio licito? Como se quer pôr cobro a esta grave perturbação, que tão perniciosos effeitos tem na nossa economia social?
Com regimentos fiscaes? Com uma legislação imaginariamente repressiva? Oh! sr. presidente, eu não creio que o sr. ministro da fazenda tenha, a serio, tal ingenuidade!
Podem escalonar quantos guardas quizerem pela fronteira; podem dessiminal-os pelo interior do paiz, obrigando todos os cidadãos a um repugnante, regimen de vexames e de violências que hão de tornar-se tanto maiores quanto mais efficaz se pretender que seja a fiscalisação; podem dar a essa fiscalisação uma organisação militar; podem fazel-a puramente civil; podem transformar os guardas aduaneiros em corpos sedentários severamente organisados, ou em companhias francas ambulantes; podem fazer uma fiscalisação publica ou uma fiscalisação secreta; podem fazer tudo, emfim, o que a sua phantasia lhes sugerir, inclusive o aggravamento das penas, como tambem n'esta auctorisação se pede; que eu digo, e direi sempre, que, emquanto o regimen pautal vigente e as actuaes circumstancias económicas se derem entre Portugal e a Hespanha, o contrabando ha de existir e em tanto maior escala quanto maior for a facilidade de meios de transportes entre um e outro paiz.
É isto o que se tem dado em todas as epochas, em toda a parte e é o que se está dando hoje mesmo na relativamente pouco extensa fronteira franco-suissa, apesar dos grandes recursos da fiscalisação franceza!
Quantos guardas tem o sr. ministro da fazenda para a fiscalisação da nossa raia?
Tem 300 ou 400?...
Creio que o numero d'elles não andará muito longe disto.
Pois bem, sabe s. exa. de quantos agentes de fiscalização aduaneira póde dispor a França?
Pôde dispor de 15:000, de 20:000 ou de 30:000; mas apesar disso e de as relações economico-pautaes entre a França e a Suissa serem muito diversas das dos dois povos da península, o contrabando por este lado da França persiste em circumstancias muito importantes como acabámos de ver ha pouco.
Qual será então a maneira radical de pôr de vez um termo a este estado de cousas que, na opinião de todos, a começar pelo próprio ministro, é verdadeiramente insupportavel?
E haverá meio de atacar o contrabando hispano-portuguez na sua origem, em logar de pretender destruil-o numa ou noutra das suas manifestações, conforme até hoje só tem feito, sempre com êxito negativo, como aliás era de esperar?
É o que vamos tentar esclarecer.
As alfandegas, sr. presidente, são ao mesmo tempo para qualquer nação um instrumento fiscal e um instrumento economico.
Como instrumento fiscal exige-se-lhes que dêem o maximo rendimento para o estado; como instrumento economico pede-se-lhes que protejam com as suas pautas as industrias nacionaes libertando as da concorrencia incommoda e não raro esmagadora das industrias similares estrangeiras.
Havendo contrabando é claro que este duplo fim das alfandegas fica simultaneamente prejudicado. Nem ellas dão receita para o thesouro publico, nem dão protecção ás industrias do paiz.
E, não só não doo protecção às industrias nacionaes, mas deixam-nas ainda em mais desgraçadas condições de concorrencia.
Com effeito, os productos das industrias similares ás nossas que entrassem legalmente tinham de accrescentar ás facilidades de preço proprias dos paizes productores a taxa do direito que eram obrigados a pagar por muito baixo que esse direito fosse; mas entrando por contrabando nem o imposto fiscal tem que pagar e portanto a concorrência que vem estabelecer no paiz torna-se ainda mais desvantajosa para os nossos industriaes, que deste modo são obrigados a sustentar lucta ruinosa com um inimigo que se não vê, porque é impossível a prevenção contra a concorrência illicita e subrepticia do contrabando.
Mas como não ha de existir o contrabando só é tão grande a differença de taxação, para os mesmos productos, entre a pauta convencional franco-portugueza e a pauta convencional franco-hespanhola?
Quer a camara exemplo bem frisante?
Um notarei escriptor deu-se ao trabalho de confrontar alguns artigos da tabella B do tratado franco-hespanhol com iguaes artigos da respectiva tabella do tratado franco-portuguez ou da pauta geral portugueza nos casos applicaveis.
Os resultados a que chegou podem bem avaliar-se no seguinte quadro, em que se indica em réis qual o direito

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que a unidade kilogramma, de tecidos, paga respectivamente pelos tratados franco-hespanhol e franco-portuguez:

[Ver Tabela na Imagem]

Tratado franco-hespanhol
Tratado franco-portuguez

Tecidos de lã, feltros ....
Tecidos, mantas ....
Tecidos, pannos e cazimiras de lã pura ....
Tecidos de lã e algodão ....
Tecidos de lã pura ....
Tecidos de seda, lisos ou lavrados ....
Tecidos de seda, velludos e pellucias ....

Mas não nos disse ha pouco o sr. relator que era media a differença entre os direitos idênticos das duas pautas era de 70 por cento a mais na pauta portugueza?
Como não ha de então augmentar o contrabando, se a tendência da pauta hespanhola é baixar sempre accentuando todos os dias o desequilíbrio?
Mas neste ponto cumpre-me, de certo modo, dar rasão (porque eu desejo ser justo) a uma observação apresentada pelo sr. relator em resposta ao sr. Mariano de Carvalho e aos diversos oradores pertencentes ao partido progressista, que têem tomado parte na discussão.
Propozeram com effeito, estes deputados, como remédio infallivel para a cessação do contrabando entre Portugal e Hespanha, a approximação da nossa pauta da pauta convencional franco-hespanhola.
Em primeiro logar, e neste ponto concordo plenamente com o sr. relator, é isto possível ou pelo menos fácil?
Em segundo logar, consistirá nisto apenas o remédio contra o descaminho de direitos actualmente existente?
Longe de mim, sr. presidente, vir defender a nossa pauta convencional.
Pois se ella assenta na pauta geral, que é má, como não ha de ser peior ainda e mais disparatada do que esta?!
Para qualquer, que pensar um momento n'estes asumptos, a nossa pauta geral não é em verdade uma tarifa aduaneira; é um verdadeiro monstro!
Com a sua taxa complementar, com os seus addicionaes com os seus direitos ad valorem, nem é uma pauta proteccionista, nem é uma pauta fiscal. E um amontoado de disposições cahoticas que participa de todos os expedientes de momento, que successivamente toem vindo aggravar, sem favorecer o thesouro, a sorte das nossas industrias, estabelecendo a confusão e raras vezes protegendo efficazmente o trabalho nacional.
Mas, se isto é verdade, torna-se necessario não esquecer também, que, má como é, a nossa pauta tem á sua sombra creado no paiz interesses, que cumpre não ir levianamente e sem estudo atacar ou destruir.
E neste ponto tenho a lembrar ao sr. Pinto de Magalhães que, se a minha posição nesta casa é extremamente desvantajosa em certas occasiões, é em outras pelo contrario absolutamente desafogada e favorável como, por exemplo quando se trata das retaliações, com que os deputados da minoria monarchica estão sendo constantemente aqui feridos.
Effectivamento s. exa. disse que o sr. Barros Gomes não tivera rasão em se queixar do não se haver reformado a nossa pauta, de a não terem sabido approximar da pauta franco-hespanhola, porque a culpa não era do actual governo mas de todos os governos que desde 1869 se tinham succedido na administração dos negócios, incluindo o progressista; por quanto todos elles haviam deixado a pauta portugueza rãs mesmas condições, apesar de outro dever ter sido o procedimento dos estadistas portuguezes em presença da reforma pautal realisada em Hespanha, pelo sr. Figuerola, illustre ministro da revolução de setembro. Este argumento de retaliação, porém, se se póde applicar aos membros do partido progressista em si nada prova, porque eu que não tenho responsabilidade alguma noa actos de qualquer ministério, seja elle qual for; eu que não tenho culpa de não só ter reformado ha mais tempo a nossa pauta; continuarei a accusar todos os ministros da fazenda sem excepção, regeneradores, progressistas e constituintes, por terem desprezado criminosamente tão grave problema, que importa ao mesmo tempo aos interesses do thesouro e ao futuro da industria nacional!
Fica neste caso apurado então que, em vez da incúria de um ministro, temos a lançar á conta de perdas do paiz a incúria de todos os que ha quinze annos nos governam, o que em verdade melhor quadra á minha these republicana!
Feito este reparo, e tendo accentuado bem a posição do meu partido diante deste processo das retaliações, tanto em moda presentemente, vou responder á observação feita pelo sr. Pinto de Magalhães aos que vêem um prompto remédio contra o descaminho de direitos na simples approximação da pauta portugueza da pauta hespanhola, observação que me parece, como já tive occasião de o dizer, eminentemente justa.
A iniciativa de uma prompta e radical revisão da nossa pauta geral é hoje uma questão séria e grave, não simplesmente pela diminuição da receita fiscal, porque para essa sempre haveria compensação, mas pela desastrosa perturbação que viria indubitavelmente trazer às nossas industrias e á economia do trabalho nacional. E, alem disso, tal reforma não se poderá nunca fazer com probabilidades de bom êxito, sem um rigoroso inquérito realisado em todo o paiz; para se saber quaes as industrias que devem ser protegidas, e quaes as que sem desvantagem, antes com utilidade publica, podem ser abandonadas aos azares de uma larga concorrência. Só assim se poderá fazer a nova pauta, que, ao mesmo passo que será um indispensável instrumento económico para o desenvolvimento do paiz, deve proporcionar também, como mechanismo fiscal, importantes quantias ao thesouro. E preciso ter, quando tal reforma se emprehenda, a coragem de arrostar com as tempestades, venham ellas donde vierem, mas que necessariamente se levantarão. Ainda que assim fosse, porém; ainda que a reformação da pauta portugueza se levasse rigorosamente a cabo no sentido de a approximar o mais possível da pauta hespanhola; ainda que similhante revolução no nosso regimen pautai fosse possível num momento, sem que transtornos ou embaraços de qualquer ordem lhe viessem perturbar e inutilisar os effeitos; sómente uma parte do problema, talvez a menos grave para nós, é que ficava resolvida. Porventura, o contrabando hespano-portuguez realisa-se apenas nos artigos que, entrando pela fronteira franco-hespanhola á sombra de direitos mais baixos, passam depois subrepticiamente a nossa fronteira? E o contrabando com artigos propriamente peninsulares, hespanhoes, não e mais importante ainda?!
De modo que sempre ficaria persistindo grande parte do commercio illicito que a Hespanha introduz no nosso paiz, como ha pouco mostrei á camara, commercio que vem procurar a fronteira portugueza, illudindo a nossa fiscalisação, e que consiste principalmente em fazendas, cereaes, azeite, fructos, etc., quer dizer em productos exclusivamente do interior da península.
Ora, este contrabando arruina-nos da mesma forma, o comtudo os productos que o alimentam não estão sujeitos á pauta franco-hespanhola, porque se criara ou se fabricam aquém da raia onde esta pauta vigora.
Como se ha de então evitar tal contrabando que vem depauperar a nossa industria e empobrecer o nosso thesouro ?
Estas singelas considerações bastam para indicar ao sr. ministro da fazenda actual e a todos os ministros da fazenda futuros, que não é simplesmente com pequenos expedientes de momento - fallo na hypothese dada - que

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se póde applicar o verdadeiro cautério ao estado profundamente pathologico em que se encontra toda a economia portugueza, estado em parte resultante do facto a que nos estamos referindo. Não é com expedientes de fiscalisação já gastos, que se póde atalhar este mal; mas sim estudando cuidadosamente quaes serão as medidas radicaes, verdadeiramente inspiradas no interesse de ambos os povos e que, embora se afastem da rotina, tão querida dos nossos estadistas, serão o unico meio, capaz de por um termo aos inconvenientes que apontámos e que todos os partidos deploram sem lhe poderem encontrar ou sem lhe quererem applicar-o remédio.
Não venho aqui, sr. presidente, apresentar um conjuncto de medidas para ser posto em pratica desde já, porque, no estado a que as cousas chegaram, é preciso reflectir, e reflectir muito, antes de proceder de modo definitivo; mas por isso mesmo não posso deixar de estranhar que uma questão que interessa tanto á economia portugueza não esteja, não digo já resolvida, mas estudada, porque, quando se trata de assumptos desta ordem, o estudo das condições do problema importa uma meia resolução. Alem disso eu sou de opinião que estas questões attinentes á riqueza publica se devem estudar reflectida, meditada e profundamente, para em presença dos elementos colhidos por esse estudo se tomar uma resolução acertada, e não impensada e leviana, como aconteceu com o malfadado imposto do sal, imposto que está ameaçando fazer desapparecer do quadro das nossas industrias a industria da pesca, que em todos os paizes merece especial cuidado da parte dos governos, a ponto de se lhe concederem prémios para a animar noa esforços empregados em melhorar as suas condições, a fim de poder vantajosamente luctar com a concorrencia nos mercados do mundo, ao passo que entre nós não só se lhes nega protecção, mas esmaga-se com os mais iniquos, injustos e vexatórios tributos. (Apoiados.)
Depois do imposto do pescado, que é monstruoso, e que só em Portugal poderia ser considerado como uma fonte legitima de receita para o thesouro, vem o imposto do sal aggraval-o e transformar num insupportavel martyrio a tristíssima condição dos nossos pescadores. (Apoiados.)
São tão profundamente verdadeiras, sr. presidente, as palavras que estou proferindo neste momento, que a camara, de ordinário para mim tão muda, me applaude significativamente. Recordo-me agora até, que o sr. Costa Pinto, que vejo fallando com o sr. ministro da fazenda, apesar de ser deputado da maioria, apesar de apoiar freneticamente o governo, não duvidou, com uma isenção que applaudo e louvo, vir apresentar na sessão passada ao parlamento um projecto de lei abolindo o imposto do pescado...
O sr. Costa Pinto: - Peço perdão; não apresentei.
O Orador: - Não tenho agora á mão os documentos necessários para comprovar a minha asserção, de cuja verdade estou perfeitamente seguro. Como o sr. deputado, porém, declara formalmente que não apresentou similhante projecto de lei, acceito por agora a declaração. Mas, emfim, tenciona apresentai-o ...
O sr. Costa Pinto: - Não, senhor.
O Orador: - É na verdade doloroso, sr. presidente, que em Portugal a disciplina partidária se comprehenda de um modo tão extraordinário!
Quando se julga, com effeito, fazer um elogio á independência e á hombridade de qualquer membro da maioria, porque praticou um acto digno de louvor nestes tempos que vão correndo, elle toma á má parte essa referencia, não digo amável, porque não venho aqui dirigir amabilidades a ninguém, mas cortez, e pelo tora com que lhe replica, parece mais ter recebido uma desconsideração ou um insulto...
O sr. Costa Pinto: - Neste ponto disse a v. exa. que não tinha apresentado nenhum projecto de lei, pedindo a abolição do imposto do sal toda a camara sabe que me comprometti unicamente com a abolição do imposto do pescado para attenuar...
O Orador: - Mas foi isso exactamente o que eu disse! (Riso.) Eu referia-me ao imposto do pescado, que v. exa. propoz abolir, e não ao imposto do saí! Só um mal entendido zelo de disciplina partidária levou v. exa. a não ser justo com a justiça que eu lhe queria fazer! (Riso.) Pois bem, continua o imposto do pescado, de tal maneira monstruoso, sr. presidente, que muitos deputados da maioria acabam, com os seus applausos às minhas palavras, de dar perante a camara e perante o paiz claro testemunho de como os laços de solidariedade política que os prendem aos ministros, que se sentam n'aquellas cadeiras, não são bastante fortes para os impedirem de manifestar a mais accentuada repugnância contra tão dura imposição fiscal!
Esses deputados entenderam que não podiam por mais tempo persistir silenciosos perante a tyrannia d'esse imposto esmagador, desse imposto sobre a miséria, desse imposto, finalmente, cobrado às vezes sobre a morte!... (Riso.)
(Interrupção que não se ouviu.)
Diz-me aqui um meu collega que esse imposto é cobrado sobre a morte do peixe! .. (Riso.) É triste, sr. presidente, é tristíssimo, srs. deputados, que quando se abrem as paginas das luctas mais heróicas desse punhado de portuguezes que se chamam - os nossos pescadores essas paginas despertem apenas um dito picante e engraçado, ou o riso franco e sem ceremonia da camara. (Apoiados.)
Ah! senhores, como este riso contrasta com as lagrimas, com o lucto e com a orphandade, que quasi sempre são a triste herança que em cada lar se encontra, nos nossos districtos marítimos! ...
Sr. presidente, continuo a dizer que o imposto sobre o pascado é um imposto cobrado sobre a morte! Porque v. exa. que ha de ter visto, ou ouvido contar, o que se passa, durante o inverno, nas aldeias da pescadores, em toda a extensa linha da nossa costa, não póde ignorar quantos lances commovedores e amictivos, que não raro importam a perda de famílias inteiras, são às vezes a moeda luctuosa em que se paga ao fisco o preço de muitas vidas.
A pobre população trabalhadora das nossas praias ganha a custo o amargo pão de cada dia, insufficiente quasi sempre até para as mais urgentes necessidades, tendo de arrostar a todo o momento com a morte; mas o imposto do pescado lá lhes vae tirar sem piedade as magras migalhas de um miserável lucro, sem attender às angustias que esse lucro representa, porque em metade do anno é elle obtido com perigo da própria vida!
Ainda ha pouco tempo, sr. presidente, ha dias apenas, uma dessas infelizes populações foi assaltada por tremenda desgraça.
O Oceano em fúria destroçou, junto á praia da Nazareth, alguns bateis que voltavam da pesca, á vista de mães, esposas e um rancho de creanças, todos loucos de dor e já de lucto, pois iam em breve ficar privados do seu unico amparo!
Com effeito os barcos perderam-se, morrendo parte da tripulação que n'elles estava. E já que recordo á camara esta triste historia, mas que tão vulgar é entre nós, não posso deixar de fazer notar o condemnavel abandono em que todos os governos, sem excepção, têem deixado os interesses de uma das classes deste paiz mais dignas de sympathia! Não houve, vergonha éter que dizel-o, sr. presidente, a um ministro portuguez, não houve na occasião d'esse desastre, a que acabo de referir-me, um virador, um salva-vidas, um unico meio para arrancar aos horrores da morte aquelles pobres desgraçados, a quem o fisco implacável já esperava em terra, para a costumada imposição.
Ao menos desta vez o mar cioso roubou a presa á voracidade da fazenda!
E, no entretanto, a praia da Nazareth é uma das que

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mais concorre para avolumar o imposto do pescado. Saiba-se, porém, novamente o repito para vergonha de todos, que, apesar de ser tão conhecida do fisco, não ha ali um salva-vidas, não ha ali um cabo, não ha ali uma bóia de salvação; e se tem hoje um telephone (para ao menos não ser só pela curiosidade dos jornaes que se tenha conhecimento dos desastres ali succedidos), alguém, que está nesta casa, sabe bem quem foi que para lá o pediu.
Haverá palavras bastante severas para condemnar tão criminoso desleixo?!
Mas, voltemos ao assumpto principal deste discurso, de que tive por um momento de afastar-me, para responder aos apartes que me foram feitos.
Continuando, direi, que o contrabando importante e enorme, que se faz entre Portugal e Hespanha, não é simplesmente com approximar a pauta portugueza da pauta franco-hespanhola, que se póde cohibir; acabaria, quando muito, neste caso, o contrabando externo, mas persistiria ainda assim o contrabando interno entre os dois paizes da peninsula.
Qual será então o meio de obviar a este inconveniente, que é um segundo elemento perturbador da nossa economia, pelo menos tão importante como o primeiro?
Dizia eu, sr. presidente, antes de ter sido interrompido pelo incidente que acaba de ter logar, que me admirava, de que não tivesse sido aqui apresentada, se não como medida para resolução immediata, ao menos como alvitre para estudo, uma idéa que naturalmente deve occorrer a todos aquelles que quizerem conscienciosamente occupar-se d'esta questão.
Refiro-me á união das alfândegas portuguezas e hespanholas, ao que podemos chamar, para nos servirmos de uma phrase já consagrada, o Zollverein peninsular.
Para ninguém é desconhecido, sr. presidente, que a união alfandegária dos dois paizes da península, que um Zollverein hispano-portuguez, seria uma reforma de grande alcance económico para qualquer dos dois povos. Eu por mim reputo-a mesmo como a única capaz de por um termo ao estado anormal em que se encontram respectivamente parte das industrias portuguezas e das industrias hespanholas.
E esta opinião que agora emitto, nem é nova, nem é utópica, insensata ou menos patriótica. Ha annos a sociedade económica matritense discutiu largamente a questão da união das alfândegas hespanholas e portuguezas, chegando a nomear mesmo uma commissão, que elaborou um projecto de lei neste sentido.
Em Portugal tambem a idéa encontrou adeptos, e decerto são bem conhecidos da camara os esforços, de propaganda que para o íriumpho de tal reforma empregou o fallecido visconde de Villa Maior, que de certo ninguém apodará de pouco illustrado ou de menos amigo do seu paiz.
No entretanto não apontarei como uma solução de occasião para desde já o Zollverein peninsular, porque, embora eu creia que elle será altamente útil e proveitoso, não ignoro tambem infelizmente que às rasões económicas, todas ellas favoráveis, rasões políticas contrarias se haviam de associar, fazendo com que no momento actual essa medida de interesse publico não podesse ser levada a cabo.
A camara conhece a historia do Zollverein allemão, dessa união alfandegária germânica que, conjunctamente com a reforma das pautas inglezas realisada por Gladstone, é considerada como um dos factos mais importantes da economia política do século xix.
A theoria do Zollverein allemão, que foi levada á pratica, creio eu, pela primeira vez era 1828, em virtude do tratado entre a Prússia e o Hesse-Dormstadt, Cátendeu-se pouco a pouco a todos os estados da Allemanha. Em 1829 entram na liga o Wurtíemberg e a Baviera. Em 1833 entra a Saxonia. Em 1835 Baden. Algum tempo depois Nassau e Frankfort. Em 1841 e 1842 Lippe, Brunswick e Luxemburgo. E assim successivamente se foi generalisando esta robusta federação económica, a ponto de abranger na sua harmonia todas as autonomias aduaneiras locaes. O Zollverein como instituição do império, está finalmente regularisado na constituição allemã de 1871, tendo portanto attingido a sua máxima expansão, se exceptuarmos os territórios allemães da Áustria, que cedo ou tarde, póde bem prover-se, entrarão na grande federação também. Infelizmente, porém, o exemplo desse Zollverein económico, que terminou por uma unificação política, prejudica-nos, porque, como na Allemanha, a união alfandegária trouxo comsigo a destruição da independência dos estados que n'ella entraram, e viriam as preoccupações políticas fazer recuar, não sei se com rasão ou sem ella, os próprios srs. ministros.
Mas pondo de parte a questão da união alfandegária luso-hespanhola, que no entretanto como objecto de estudo eu recommendo com instancia ao sr. ministro da fazenda, porque é indispensável que este grave problema fique esclarecido sob todos os seus aspectos, antes de sobre elle se, tomar qualquer resolução, não podemos fazer cousa alguma com relação ao statu que pautal, com respeito ao regimen aduaneiro existente entre Portugal e a Hespanha?
Eu sei que a clausula de nação mais favorecida inserta no nosso primeiro tratado de commercio com a França, e a incomprehensivel assimilação da Hespanha nesse tratado às demais nações da Europa, nos prende a liberdade de acção para ulteriores negociações.
Mas como ha um tratado de commercio com a Hespanha actualmente pendente, pergunto ao sr. ministro da fazenda se não seria ainda possível na redacção ultima desse tratado reduzir, por exemplo, o numero dos artigos da respectiva pauta, e combinar até onde fosse possível os direitos d'esses artigos de modo a fazer com que o commercio illicito o contrabando, deixasse de ser num grande numero de casos lucrativo, convidativo mesmo pelas compensações de ganho a arrostar com o risco da infracção de lei. Se ainda é tempo de attender a este ponto, se os tratados anteriores, tão levianamente ultimados, nos deixam alguma liberdade de acção, peço ao sr. ministro que, conjunctamente com o seu collega dos negócios estrangeiros, metta hombros á empreza, porque estou bem convencido que mais do que todas as reformas fiscaes será esse o único meio efficaz de debellar o contrabando.
A respeito do contrabando, sr. presidente, dá-se um facto análogo ao que se passa com relação aos crimes communs.
Podemos fazer decretar a legislação criminal que quizer-mos, podemos escrever os seus artigos com sangue, restaurando as mais draconianas disposições, que isso não fará com que o estado de moralidade do paiz melhore! Somente o que ha de contribuir para melhorar esse estado, diminuindo o numero de delictos, é a mudança dos costumes, operada pela acção lenta, mas constante, da educação publica.
Pois o mesmo acontece exactamente com o contrabando.
Approximem o nosso estado económico do dos outros paizes com os quaes estamos em contacto; approximem a nossa legislação aduaneira da legislação dos paizes com os quaes mais relações temos, especialmente da Hespanha; estabeleçam de um modo normal as correntes económicas entre Portugal e a nação vizinha; e podem ficar descansados que mesmo sem o aggravamento das penas e sem a remodelação da nossa legislação criminal o contrabando cessará, porque terá deixado de existir a sua rasão de ser.
Só deste modo poderá terminar um estado de cousas, contra o qual se têem revoltado em vão quasi todos os ministros desde 1834, e que continua apesar disso com a mesma gravidade como quando em nome de D. Maria II, ha quasi cincoenta annos, se expediam portarias sobre portarias para lhe pôr um termo,- que nunca chegou, e que

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hoje o actual sr. ministro da fazenda por seu turno nos promette!
E deve ainda a camara lembrar-se de uma cousa, em que de ordinário se não attenta. O contrabandista não é considerado um criminoso na nossa raia; pelo contrario! É até um heroe, a quem se faz uma lenda, e que a imaginação e digamos tambem agradecimento popular transformam em protogonista de bailadas guerreiras e de apaixonados descantes. Todos o auxiliam nas suas em prezas, to dos o protegem quando perseguido, todos o acoitam e lhe dão agasalho! Exerce a fascinação que outrora exerciam nas populações certos bandidos da Itália!
Não se vê mesmo agora o que está succedendo a respeito de um caso verdadeiramente melodramático, passado com um empregado da fiscalisação das alfândegas?
Não se vê como o nome de um contrabandista celebre - o afamado José das Redes - anda aureolado pela sympathia popular, e como se contrapõem com uma notável insistência aos crimes do representante da justiça social as acções nobilíssimas e os actos generosos d'aquelle, que sómente alcançou celebridade por ter tantas vezes conseguido zombar das leis?!
Não obedece esta apotheose ao mesmo sentimento, que especialmente nas fronteiras faz ver uma espécie de bem-feitor no contrabandista? O povo da raia cobre com o manto da sua protecção o descaminhador de direitos; dispensa-lhe todos os auxílios; atraiçoa para o servir os agentes do poder.
Como é possivel querer então, com a simples fiscalisação fazer cessar um estado de cousas em que populações inteiras de um e outro lado da fronteira estão tão intimamente interessadas?!
Mas eu prometti, sr. presidente, ser breve e fui infiel involuntariamente á minha promessa. No momento em que vinha accusar o sr. ministro da fazenda de não ter sabido honrar os seus compromissos perante a camara; n'esse mesmo momento estava eu tambem a dar prova, sem o querer, de que não sabia desempenhar-ma d'aquillo a que mo havia obrigado, embora haja uma grande differença entre a qualidade dos compromissos, que cada um de nós tomou. No entretanto vou terminar já, para não aggravar as minhas culpas.
Não entro agora na questão de fazenda, pois me reservo para mais tarde em ensejo melhor appropriado o fazer. Também não responderei ao illustre deputado da maioria que me precedeu, o sr. dr. Rocha Peixoto, por differentes motivos. O primeiro, porque não quero nesta occasião occupar-me da questão de fazenda, como acabei de declarar; o segundo, porque o illustre deputado esteve respondendo ao que disse o sr. Barros Gomes, e este illustre deputado ha de provavelmente querer replicar a s. exa., não devendo eu ir intrometter-me em contenda que me não diz respeito nem ao meu partido; o terceiro, finalmente, porque o sr. dr. Rocha Peixoto confessou que em questões de algarismos não ha ninguém infallivel, «tal infallibilidade nem de Roma póde vir», chegou mesmo s. exa. a dizer, e apesar disto foi encastellando emmitinitavel fieira números sobre números, que por muito que os tenha conferido e contraprovado sempre serão o producto da sua faubilidade, segundo a declaração que s. exa. ha pouco fez. (Apoiados.)
Já vê, portanto, a camara que por todas estas rasões eu estou dispensado de discutir no momento actual a questão de fazenda com o sr. Alfredo Peixoto.
Ha dois dias, sr. presidente, um illustre deputado, cuja voz é sempre aqui escutada com interesse e actualmente com certa curiosidade (como de resto a camara o manifestou cercando o orador, quando elle discorria sobre a questão da reforma que se está discutindo), pintou um quadro não direi negro, mas perfeitamente verdadeiro quanto a mim, do estado desastroso das nossas finanças, da nossa melindrosissima situação económica e do triste e annuviado futuro que se nos antolha.
Disse então esse illustre parlamentar, e eu não me atreveria a repetir taes palavras, se não me encontrasse fortalecido por tão competente auctoridade, disse o sr. Mariano de Carvalho, porque é este o deputado a quem me refiro: «é preciso que acabe esta orgia!» Foi esta a palavra que s. exa. aqui proferiu intencionalmente três ou quatro vezes sem levantar um protesto da parte da camará, nem ser interrompido pelo sr. presidente.
Eu concordo plenamente, srs. deputados, em. que isto é uma verdadeira orgia! E ainda nos perguntam, como o fez o sr. Franco Castello Branco e o sr. Correia Barata, o que nós representámos aqui, nós os deputados republicanos?! que idéas são as nossas? qual é a nossa missão?
Oh! sr. presidente, o sr. Mariano de Carvalho encarregou-se de responder por mim. Nós, vimos protestar contra a orgia, a que se referiu o deputado progressista! Aqui está qual é a nossa missão!
E se não tivéssemos rasão própria de existência, se não estivéssemos aqui em virtude de uma evolução orgânica, normal e profundamente benéfica para o paiz, bastava esta causa negativa de protesto para que o logar, que no parlamento portuguez occupâmos, fosse indispensável e insubstituível!
Vimos aqui, sr. presidente, para protestar contra esta loucura em que vós todos estaes empenhados e que nos ha de levar necessariamente a uns e outros para o abysmo que criminosamente estaes abrindo diante das aspirações da nação !
Vimos aqui, sr. presidente, para protestar contra esta política financeira que nos dá orçamentos rectificados, com despezas de 40.000:000$000 réis, receitas de 31.000:000$000 réis e deficits de 8.000:000$000 réis ou 9.000:000$000 réis (Apoiados.)
Estou ainda pouco pratico é verdade, como creio que diz o illustre deputado, em assumptos financeiros, porque a pratica destes assumptos não é fácil adquiril-a lá fora. E necessario conviver aqui com os meus collegas da maioria e com o governo para ter essa pratica «á moda da terra» conforme dizia o meu illustre amigo, o sr. José Dias Ferreira. É a primeira vez que aqui entro e por isso não admira que esteja pouco versado nestas habilidades e argucias financeiras, que têem apenas o defeito de remédio nenhum darem ao desequilíbrio do nosso orçamento.
Estou muito atrazado. Não sei distinguir ainda entre déficit ordinário e déficit extraordinário; não sei ou não quero saber por ora a differença que existe entre déficit real e déficit orçamental; apenas sei porque o aprendi nos meus compêndios de finanças que, sendo a receita 31.000:000$000 réis e a despeza 40.000:000$000 réis, o déficit é de réis 9.000:000$000.
É verdade que se falla em despezas extraordinárias; mas tambem ha receitas com este caracter, por tal signal que constituam ingressos normaes no nosso orçamento, o taes receitas fictícias são simples adiantamentos sobre o futuro são letras sacadas sobre os nossos filhos, e talvez mesmo sobre o ri próximos annos da nossa própria vida, sobre os quaes recairão as difficuldades do bolvimento de compromissos Ho levianamente tomados ! (Apoiados.)
Pois digam-me todos os homens de boa fé, que me escutam, se porventura, com empréstimos successivos a que se está constantemente occorrendo todos os annos, para saldar o déficit ordinário, que apenas por artifícios orçamentaes consegue figurar como déficit extraordinário, digam-me se é possível que o paiz com similhante e tão louco abuso do credito possa continuar assim a viver sem que tal situação tenha mais tarde ou mais cedo um desfecho tristíssimo?
E note v. exa., sr. presidente, que isto que affirmo e que a minha posição política me permitte dizer sem receio de retaliações, não é simplesmente uma condemnação da geren-

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cia do sr. ministro da fazenda actual, mas sim refere-se a todos quantos toem desempenhado esse importante cargo.
Tenho sempre ouvido dizer, com effeito, que os ministros da fazenda do meu paiz são estadistas muitíssimo honrados, muitíssimo illustrados, com muita pratica dos negócios, e ardendo em vehementes desejos de levantar as finanças publicas do abatimento em que se encontram. No desempenho do seu prograrnma, todos têem promettido extinguir o deficit num futuro muito próximo. Pois bem! Eu, que apesar de deputado republicano, não tenho duvida em acceitar as boas intenções de todos os ministros da monarchia, vejo no entretanto com surpreza que nenhum d'elles póde ainda resolver a importante questão do nosso equilíbrio financeiro, sem embargo dessas boas intenções, de que se dizem animados! Pelo contrario, o cancro continua a alastrar, a despeito de todos os talentos e de todos os sinceros desejos. Conseguintemente, sr. deputados, tenho com boa rasão o direito de suppor que o defeito, não sendo dos homens, é das instituições dentro das quaes a esses homens é licito governarem. Com effeito o dilemma é fatal: ou salvaes os homens, e neste caso condemnaes irremediavelmente o systema, que tem inutilizado tantos esforços iatelligentes e generosos, ou para salvardes o systema tendes que lançar a um severo ostracismo toda essa pleiade de estadistas, que ha cincoenta annos nos têem governado, annunciando-nos sempre as mesmas esperanças, e caindo sempre nas mesmas desillusões!
Pela minha parte desejava que os ministros da fazenda, todos sem excepção, podessem sempre d'esse logar apresentar as provas de uma grande illustração, de uma grande energia e de uma grande honradez na gerencia dos negócios públicos. Desta forma ficava, pelas mais competentes e insuspeitas auctoridades, demonstrada a verdade da minha these republicana, applicada á hypothese portugueza!
Não tenho mais nada que dizer, sr. presidente, pois creio ter dito o bastante para justificar o meu voto.
Sinto muitas vezes, na verdade, ter de estar a occupar, mais do que desejava, a attencão da camara, mas creiam v. exas. que não é por um desejo injustificado ou pretericioso de tornar-lhes tempo, que eu não raro largamente, assumptos sobre os quaes outros illustres deputados já têem fallado com toda a competência. A camara bem comprehenderá que um partido que está nas condições parlamentares d'aquelle a que eu pertenço, precisa a todo o momento dar a rasão do seu voto, para que a sua opinião fique perfeitamente consignada, tanto mais que esta opinião differe por vezes do modo de ver dos outros partidos da opposição.
Direi, pois, para concluir, que voto, alem dos outros motivos, contra o projecto, porque julgo assim pugnar por uma prerogativa que desejaria ver defendida pelos deputados que se sentam d'aquelle lado da camara, e que constituindo a maioria, e, portanto, representando a força deliberativa desta assembléa, não deviam consentir que os srs. ministros fossem successivamente, embora com palavras brandas e por meios disfarçados, usurpando todas as nossas garantias, que já bem poucas são!
Oh! Sr. presidente, se nos custa tanto a chegar aqui, quando não apoiamos o governo; se, para que o deputado independente entre nesta casa, tem de passar por uma tão trabalhosa Odyssea; se ainda depois de entrar neste recinto elle vê tantas vezes sophismados os seus direitos; para que hão de ainda rasgar diante do publico, que nos observa, a ultima das ficções constitucionaes - a apparencia de uma discussão?!...
Deixem crer que ao menos ainda gosãmos um simulacro dos nossos direitos, embora os srs. ministros lá fora, nos corredores, por detrás dos reposteiros, façam quantas combinações quizerem, combinações no emtanto que não se podem, que não devem trazer para aqui, sem que um discreto véu lhes encubra a nudez!
Ao menos na apparencia salvaguardem-se as nossas prerogativas, porque, salvaguardando as prerogativas desta camará, acautelam-se tambem os futuros direitos dos srs. ministros actuaes, que, se amanhã saírem dessas cadeiras para os bancos da opposição, não deixarão de vir declamar contra as propotencias e contra os atropelos da lei por parto do governo que os substituir, e é necessario então que os novos zelotas tenham nesse momento toda a força moral, para que as suas palavras possam ser acreditadas e a nação deposite confiança no que lho dizem os seus homens públicos. (Apoiados.)
Disse.

Rectificações

Na sessão de 30 de março, Diario n.º 55, pag. 967, depois do discurso do sr. Dias Ferreira, deve ler-se o seguinte:
Leu-se na mesa a proposta do sr. Dias Ferreira e foi admittida, ficando em discussão com o projecto.
Na mesma sessão, a pag. 969. col. 1.ª, depois do extracto do discurso do sr. Pedro de Carvalho, deve ler-se o seguinte:
Leram-se na mesa as três propostas do sr. Pedro d? Carvalho, e foram admittidas, ficando em discussão com o projecto.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Na mesma sessão, a pag. 970, col. 1.ª, no final do discurso do sr. Tito de Carvalho, em legar das palavras: «as duas seguintes j propostas», deve dizer-se: «as minhas duas propostas»,
E logo depois, em vez da palavra (Leu.), deve dizer-se:
Foram lidas na mesa e admittidas á discussão.
Na mesma sessão, a pag. 974, col. 2.ª, depois das palavras (O orador foi comprimentado.) deve dizer-se o seguinte:
Leu-se na mesa e foi admittida a proposta do sr. Laranja.

Redactor = S. Rego.

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