770 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
ctoridades portuguezas n'um paiz onde a colonia constituida pelos nossos irmãos é tão florescente, tão cheia do mais nobre patriotismo, tão importante, emfim, para os interesses moraes e economicos d'esta nação!
Infelizmente, quasi todos os governos, sem excepção, da nossa terra, têem tratado com a mais criminosa indifferença a colonia portugueza no imperio do Brazil! E no entretanto, póde dizer-se com affoutesa, que ella é mais proveitosa para Portugal, sob todos os pontos de vista, do que as verdadeiras colonias onde exercemos soberania territorial!
E esta indifferença, ou antes este desleixo anti-patriotico, alem de ser da parte dos nossos poderes publicos uma ingratidão para aquelles a quem tanto devemos, é ainda uma vergonha que cobre de opprobio o nosso nome do outro lado do Atlantico. Senão, vejamos o que se tem passado ácerca dos tristes factos a que acabo de referir-me.
A respeito do assassinato de Manuel de Sousa, a legação portugueza no Rio de Janeiro, apesar das reclamações da imprensa dos dois paizes, e apesar mesmo de uma sessão do parlamento brazileiro, em que o assumpto ali se debateu, conservou-se, como se prova pelos documentos que tenho em meu poder, n'um mutismo absolutamente inexplicavel, mutismo que só tem igual no silencio quasi completo do ministro dos negocios estrangeiros de então, o sr. Bocage, que não soube immediatamente corrigir, pelo menos, com uma admoestação, o nosso representante diplomatico no Rio, por não ter prestado a attenção devida a assumpto tão importante.
Pelo que toca á desgraçada questão do desfalque no consulado do Rio de Janeiro, não tenho á minha disposição os mesmos elementos para poder, não só formular uma pergunta, mas mesmo annunciar uma interpellação ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque, apesar de todos os meus esforços e apesar desta questão ter já sido levantada ha um anno n'esta casa do parlamento, pelo meu collega e amigo o sr. conde de Thomar, o sr. conselheiro Bocage, ministro dos negocios estrangeiros n'essa epocha, entendeu que não devia mandar á camara os esclarecimentos que eu solicitara. E para negar taes esclarecimentos, inventou até a curiosa desculpa de que, estando a questão do desfalque affecta a uma commissão de syndicancia na capital do imperio, não podiam vir ao parlamento documentos que deviam ficar secretos emquanto a commissão não desse por findos os seus trabalhos!
A desculpa é de todo o ponto futil, porque os documentos que eu tenho pedido não se referiam aos elementos propriamente ditos do processo administrativo ou judicial; os documentos que eu desejava eram meramento politicos e serviam para avaliar até que ponto a responsabilidade do governo da metropole e a do nosso representante na capital do imperio brazileiro estavam a coberto de qualquer accusação. Bem claramente eu o indicava no requerimento em que reclamava os respectivos documentos; tratava-se apenas de uma nota de correspondencia official trocada entre o governo portuguez e a nossa legação no Brazil a respeito d'este assumpto.
Queria saber, e com todo o direito, a quem devia pedir a responsabilidade do desleixo e da incuria causadores d'aquelle tristissimo acontecimento, que tanto nos deslustrou perante a nação brazileira e tanto tem contribuido para abalar o prestigio, que todos nós devemos esforçar-nos, que o nome portuguez mantenha nas terras da America lusitana!
Chamo, pois, com todo o empenho a attenção do actual ministro dos negocios estrangeiros para este grave assumpto, e creio que s. exa. bem começaria a sua gerencia dando todas as providencias para que similhantes factos, não só se não repitam, mas para que quanto antes cessem os seus perniciosos effeitos!
Se para nós, deputados da nação, e se para o governo, deve ser pundonoroso timbre ver o nome portuguez dignamente representado junto às côrtes estrangeiras, este timbre tem mais de accentuar-se quando se trata da corte brazileira, onde tão graves interesses nossos se acham empenhados. Basta recordar que no imperio do Brazil se encontra estabelecida a nossa maior e mais rica emigração, emigração que era bem digna do attento cuidado e do constante zêlo por parte, não só do governo, mas de todos os membros d'este parlamento, porque em parte alguma do nosso Portugal, devo dizel-o sem receios de susceptibilisar qualquer melindre, pulsa mais forte o amor da patria de que no coração desse grupo de beneméritos portuguezes que nas terras da America são o exemplo vivo de como as distancias não apagam, antes tornam mais intenso o amor do homem á terra que o viu nascer! (Apoiados.)
Nos momentos mais dolorosos, com effeito, desta nação, nas crises mais difficeis por que tem passado este paiz, nunca o amor dos seus filhos de alem do Atlantico tem deixado de se traduzir em valiosissimos soccorros, de toda a especie, evidenciando de uma forma commovedora essa confraternidade, que em troca nos impõe obrigações indeclinaveis e deveres sagrados! Mais de um benemerito da patria tem recebido da colonia portugueza do Brazil a verdadeira consagração dos seus talentos ou dos seus esforços! (Apoiados.)
Por isso, embora o nome portuguez tivesse por desgraça nossa de ser mal apreciado em todos os paizos do mundo, ao menos no imperio brazileiro devia elle estar cercado de uma aureola de respeito e de gloria! Era a unica maneira de pagar aos nossos irmãos ahi estabelecidos a divida de honra que com elles temos contratada! (Apoiados.)
Não digo mais, sr. presidente, porque este assumpto está no espirito, e mais que no espirito, está no coração de todos nós! (Apoiados.)
Tenho a certeza de que o sr. ministro dos negocios estrangeiros ha de empregar toda a sua boa vontade para que os nossos negocios na côrte brazileira corram de hoje para o futuro, com o patriotismo que elles reclamam.
O governo não póde por mais tempo persistir no systema de tolerancia, de longanimidade, ou talvez melhor de relaxismo, que nos está prejudicando muito perante a opinião publica do Brazil. (Apoiados.) É necessario que o desleixo não continue, é necessario que os descuidos se não repitam, e que não possa impunemente contar com a confiança, senão do paiz, pelo menos do governo, quem pelos seus actos não tem mostrado saber zelar nem defender os nossos melhores interesses! (Apoiados.)
Não ha da minha parte, desnecessário é dizel-o, a menor intenção pessoal contra quem quer que seja; não conheço nenhum dos cavalheiros que podem estar envolvidos n'esta minha apreciação. Não é mesmo de individuos que eu trato; é dos funccionarios diplomaticos e consulares que no Brazil nos representam, e que têem a sua responsabilidade ligada aos factos a que me referi, e a outros, que julgo neste momento inopportuno relembrar.
Tratemos principalmente de evitar as funestas consequencias dos precedentes, que tão fataes podem ser á nossa colonia.
Se hoje deixarmos que fique impune o assassinato de um portuguez, amanhã novos assassinatos repetir-se-hão! E onde está então a segurança dos nossos compatriotas? (Apoiados.) Onde está a garantia indispensavel para que elles continuem, pelo seu trabalho e pelo seu esforço, a representar a fracção mais laboriosa e mais querida do nosso Portugal? (Apoiados.) Se hoje deixarmos um roubo importante, envolto nas trevas de uma meia protecção official, como podemos exigir amanhã, para a propriedade dos nossos irmãos no Brazil, o respeito que é devido ao producto do trabalho honrado e persistente? (Apoiados.)
N'esta questão inclue-se ao mesmo tempo a necessidade de attender a uma questão mais alta. E indispensável que o sr. ministro dos negocios estrangeiros preste toda a sua