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778 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

corre-me o indispensavel dever de francamente declarar que, pelo que devo a mim, ao sr. presidente do conselho de ministros e ao sr. ministro das obras publicas, na attitude especialmente hostil que hei do tomar para o sr. Marianno de Carvalho, nunca adoptarei os processos de que s. exa. usou largamente, até ao abuso inconveniente, como opposição, no parlamento, e fóra d'elle, contra o governo regenerador, e contra todos a quem se lembrava de combater.
Nunca usarei de similhantes processos; nem a elles recorreria para chegar a qualquer logar que pretendesse, ainda que reconhecesse que só assim poderia obtel-o.
Á minha indole e á minha educação repugnam esses processos; mas se assim não fosse, eu teria de renunciar a elles pela consideração pessoal que dedico ao chefe do gabinete e ao illustre ministro das obras publicas.
A este conselheiro da corôa, meu amigo de tantos annos desde o tempo em que frequentámos a universidade, estou preso por uma distinctissima fineza, com que teve a bondade de obsequiar-me n'uma das occasiões mais dolorosas da minha vida, no meio de pungentissimas angustias. N'esse tempo o sr. Emygdio Navarro nem sequer pensava em ser ministro da corôa; mas já tinha revelado superiores merecimentos.
Essa, fineza, sr. ministro das obras publicas, sabe v. exa. que a tenho sempre em lembrança de sincera gratidão; e assim será lembrada por todas as pessoas da minha familia, pelas que eram já nascidas quando a recebi, como pelas que depois têem vindo a este mundo. O nome de v. exa., sr. ministro das obras publicas, é e será sempre muito estimado por todos nós.
Faço esta declaração com franco desassombro. Não me seduz a idéa de lisongear um ministro cheio de tantas esperanças, cuja influencia é notavel na governação publica.
O nome do illustre ministro está vinculado a um dos trabalhos que escrevi para o meu acto de conclusões magnas, em pagina de eterna saudade. Ali prestei ao leal e dedicado amigo de meu irmão as homenagens da minha gratidão: com a mesma sinceridade as presto hoje, sem que me deslumbre o brilha de posição elevada a que s. exa. subiu pelos seus incontestaveis merecimentos.
Ao sr. presidente do conselho devo a primeira fineza que recebi n'esta casa, uma das que mais me têem penhorado. Foi s. exa. de benevolencia honrosissima para mim, numa das primeiras occasiões em que fallei n'esta casa, quando se realisou uma celebre interpellação ácerca da administração do districto do Vianna. S. exa., que já tinha sido ministro e era um parlamentar por todos considerado em subida estima, deu-me a honra de responder-me com tão distincta consideração, que me prendeu para sempre. E essa benevolencia, sr. presidente, confirmou-a s. exa. ainda ha poucos mezes, prestando-se com a mais obsequiosa vontade a distinguir-me com uma subida fineza na minha carreira de professor.
O meu reconhecimento pessoal a estes dois ministros da corôa, longe de afastar-me da analyse demorada e severa dos seus trabalhos e actos, impõe-me a obrigação de ser mais cuidadoso e mais attento ainda. Creio que, na minha opposição politica a s. exas., hei de mostrar-me bem digno da sua estima pessoal.
Quando disse que a minha posição havia de ser essencialmente hostil ao sr. ministro da fazenda, não foi por lembrar-me de quaesquer aggravos que de s. exa., ou antes do seu jornal, tenha recebido; mas só pela pasta que a s. exa. está confiada. Tanto isto é exacto, que tomo, desde já, o compromisso de approvar todas as suas propostas de fazenda que sejam boas, justas e convenientes para o paiz.
Mas, meus senhores, não me anima a esperança de que s. exa., no curtissimo espaço que nos resta para terminar o praso legal desta sessão, só apresente propostas n'estas condições, pois ainda hoje tive occasião de ler uma em que o illustre ministro apparece opprimido pelo funesto influxo do empyrismo e da imaginação. Emfim, quando se discutir essa proposta fallarei mais largamente sobre o assumpto; não é esta a occasião conveniente para similhante discussão.
O meu excellente amigo e nosso illustre collega, o sr. Sebastião Centeno, fez-me a fineza de annunciar, em meu nome, duas interpellações, ha mez e meio, creio eu; uma sobre o estado tumultuario, anarchico, desgraçadissimo, emfim, do observatorio astronomico da universidade de Coimbra, a respeito do qual v. exa., sr. presidente, póde ser bem informado pelo cavalheiro que se senta á sua direita; a outra, ácerca do cahotico e irregularissimo ensino da theologia nos seminarios diocesanos.
Essas interpellações não foram dirigidas especialmente aos cavalheiros que se sentavam nas cadeiras do governo, os srs. Barjona de Freitas e Manuel d'Assumpção; foram dirigidas aos ministros da corôa.
Declaro a v. exa. que insisto n'estas interpellações; e peço aos dois ministros presentes que previnam os seus collegas do reino e da justiça de que desejo realisal-as.
Mal pensava eu, quando annunciei a interpellação ácerca do ensino da theologia nos seminarios diocesanos, que, pouco tempo depois, um facto extraordinario viria confirmar a necessidade d'esta interpellação, um facto que então eu reputava impossivel!
Annunciei esta interpellação, depois de ter meditado muito sobre o seu assumpto, depois de muitos mezes de estudo e de especial exame dos mappas que têem sido publicados com as consultas da junta geral da bulla da cruzada.
Tendo visto que nos seminarios das nossas dezenove dioceses do continente e das ilhas adjacentes não era do mesmo modo ensinada a theologia; tendo observado enormes e inexplicaveis divergencias nos seus quadros disciplinares, no movimento escolar e nas despezas; tendo sido surprehendido pelo monstruoso processo adoptado para o provimento dos legares de professores para este ensino, que é indispensavelmente necessario que seja superior; convenci-me immediatamente da urgentissima necessidade de uma reforma radical, que, em meu parecer, não póde deixar de ser a suppressão de taes institutos, para que sejam substituidos por faculdades de theologia e cursos annexos ás mesmas. Tal é a providencia que, para ser efficaz, impreterivel e digno o ensino da sagrada theologia, tive a honra de propor no projecto de lei para a reforma da instrucção superior, projecto que aqui apresentei na sessão de 5 de janeiro.
Disciplinas essenciaes para o estudo da theologia têem faltado ou tido insufficiente desenvolvimento em alguns dos nossos seminarios. Não tem havido regularidade na distribuição dos fundos do cofre da bulla da cruzada. Na organisação do pessoal tem havido incriveis anomalias. Emfim, meus senhores, para a nomeação dos professores para estes institutos, que deviam ser de instrucção superior, os professores são escolhidos com menos rigor e com menos cuidado que os de instrucção primaria! Os professores dos seminários diocesanos, como os provisorios dos lyceus, são nomeados sem concurso; e esta habilitação essencial é exigida a todos os outros professores, até aos das primeiras letras em escola sertaneja!
Estes são os motivos que me determinaram a propor a suppressão dos seminarios diocesanos, substituindo-os pela forma que já tive a honra de indicar-vos; desenvolvel-os-hei em occasião mais opportuna.
Sei a que perigos fico exposto; e quantas injustiças vão erguer-se contra mim. Mas, senhores, pelo estudo, adquiri tão decidida convicção, que entendi que não devia desistir d'este projecto; não significa isto falta de consideração pelo clero, nem menos dedicação pelo serio estudo da theologia.
No mesmo projecto é evidente o meu interesse pela sorte do clero portuguez e pelo progresso dos estudos theo-