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SESSÃO DE 2 DE ABRIL DE 1886
Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)
Secretarios os exmos. srs.:
Augusto Ribeiro dos Santos Viegas.
Augusto Neves dos Santos Carneiro.
SUMMARIO
Leu-se um decreto autographo, datado de hontem, pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 8 do corrente mez de abril inclusivamente. - Leu-se um officio do sr. secretario da academia real das sciencias de Lisboa, remettendo 3 exemplores do tomo III dos Documentos remettidos da India, que a mesma corporação acaba de publicar sob a direcção do academico Raymundo Antonio de Bulhão Pato. - Teve segunda leitura um projecto de lei dos srs. Adolpho Pimentel, Franco Castello Branco, Santos Viegas, Pereira Leite, Guilherme de Abreu, Oliveira Peixoto e Alfredo da Rocha Peixoto, para que os recrutas que os districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes devem para o preenchimento dos contingentes para o exercito e para a armada, decretados desde 1870 a 1884, possam remir-se, no praso de um anno, da obrigação do serviço militar, mediante o pagamento de 50$000 réis. - Leu-se na mesa uma mensagem da camara dos dignos pares, remettendo a proposição de lei que tem por fim modificar as disposições do artigo 66.° do codigo do processo civil. - O sr. ministro da fazenda apresentou uma proposta de lei auctorisando o governo a proceder á cobrança dos impostos e mais rendimentos publicos no exercicio de 1886-1887, e a applical-os às despezas do estado. - Para dar parecer sobre esta proposta de lei foi auctorisada a commissão do orçamento a reunir-se durante a sessão. - Por proposta do sr. Lopes Navarro foi aggregado á commissão de emigração o sr. Santos Diniz. - O mesmo sr. deputado apresentou um projecto de lei para que os escrivães de fazenda que se impossibilitarem physica ou moralmente de exercer as funcções do são cargo, e emquanto durar essa impossibilidade, ou não chegarem á idade de sessenta annos para poderem ser aposentados pela forma que determina a lei de 27 de junho de 1883, sejam temporariamente substituidos por um empregado de fazenda. Este projecto foi declarado urgente. - O sr. Agostinho Lucio apresentou um projecto de lei, auctorisando o governo a contribuir com a quantia que julgar conveniente para a subscripção publica, aberta pela academia das sciencias de Paris, para a fundação do instituto Pasteur, destinado ao tratamento prophylactico da raiva. Foi tambem declarado urgente.- O sr. Lopes -Navarro apresentou algumas considerações com relação às irregularidades que se estão dando no serviço do correio, e á desigualdade de tarifas no caminho de ferro para os productores de azeite. - Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Correia de Barros apresenta uma representação da camara municipal de Villa Nova de Foscôa. - O sr. Consiglieri Pedroso fez algumas considerações, chamando a attenção do governo para a promessa da abolição do imposto do sal, e bem assim para alguns acontecimentos do Brazil.-Responderamos srs. ministros da fazenda e dos negocios estrangeiros. - O sr. Adolpho Pimentel referiu-se ao facto do ministro das finanças em França propor o augmento dos direitos de importação sobre os vinhos estrangeiros. - Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros. - O sr. Lamare referiu-se á commissão encarregada de estudar o assumpto da classificação da engenheria civil, perguntando se os seus trabalhos iam adiantados. - Respondeu-lhe o sr. ministro das obras publicas.- Propõe o sr. Agostinho Lucio que a mesa seja auctorisada a nomear a commissão de saude publica; é approvada a proposta e nomeada a commissão pela mesa.
Na ordem do dia finda a discussão do projecto n.° 34 e é approvado depois de algumas considerações do sr. Bernardino Machado, a que respondeu o sr. ministro do reino, indo á commissão as pró postas apresentadas pelo sr. Alfredo Peixoto, menos a terceira, que foi retirada pelo seu auctor.- Uma proposta apresentada pelo sr. Bernardino Machado, e acceita pela commissão, foi approvada. - Trocaram-se algumas explicações entre os srs. Alfredo Peixoto, Laranjo, Bernardino Machado e presidente do conselho, ácerca da seguinte moção, e nada se resolveu por já não haver numero na sala: "A camara affirma que só ao estado portuguez compete a suprema inspecção do ensino publico de todas as sciencias e disciplinas em Portugal; e categoricamente protesta contra quaesquer tentativas d'estas indispensaveis attribuições do estado. = O deputado da nação portugueza, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto." - No fim da sessão o sr. Barbosa Centeno apresentou um projecto de lei, assignado por outros srs. deputados, abolindo o imposto do sal. - O sr. Consiglieri apresentou outro, assignado tambem por outros srs. deputados, para a abolição do mesmo imposto. - Ficaram para segunda leitura. - O sr. Carrilho apresentou o parecer sobre a proposta de lei de meios para o exercicio futuro de 1886-1887. - Declaram faltas os srs. Teixeira de Vasconcellos e José Novaes.
Abertura - Ás tres horas e meia da tarde.
Presentes á chamada - 65 srs. deputados.
São os seguintes:-Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Antonio Candido, Pereira Côrte Real, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Carrilho, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Albuquerque Calheiros, Conde de Thomar, E. Coelho, Sousa Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Francisco de Campos, Castro Matoso, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Franco Frazão, Scarnichia, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, Joaquim do Sequeira, J. J. Alves, Oliveira Martins, Simões Ferreira, D. Jorge de Mello, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz Dias, M. J. Vieira, Marcai Pacheco, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Barbosa Centeno, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Antonio Baptista, Garcia Lobo, Cunha Bellem, Almeida Pinheiro, Fuschini, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Góes Pinto, Fernando Caldeira, Costa Pinto, Melicio, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, José Luciano, M. P. Guedes, Miguel Tudella, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos e Vicente Pinheiro.
Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, António Centeno, A. J. da Fonseca, Pereira Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Seguier, Urbano de Castro, Pereira Leite, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Conda de Villa Real, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Vieira das Neves, Correia Barata, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Mota, Baima de Bastos, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Borges de Faria, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, José Maria Borges, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Jardim, Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Pedro Correia, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Dantas Baracho, Visconde de Alentem, Visconde de
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Pindella, Visconde de Reguengos, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
1.° Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte decreto de prorogação da camara:
Decreto
Usando da faculdade que mo confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.°, § 4.°, e a carta de lei de 24 de julho do anno passado no artigo 7.°, § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as curtes geraes ordinarias da naçào portugueza até ao dia 8 do corrente mez de abril inclusivamente.
O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza o tenha assim entendido para os effeitos convenientes. Paço da Ajuda, em o 1.° de abril de 1883. = REI. = José Luciano de Castro.
Mandou-se archivar.
2.° Da academia real das sciencias, remettendo 3 exemplares do tomo III dos Documentos remettidos da India, que esta academia acaba de publicar sob a direcção do academico Raymundo Antonio de Bulhão Pato.
Á secretaria.
3.° Da camara dos dignos pares do reino, remettendo a proposição de lei que tem por fim modificar as disposições do artigo 66.° do codigo do processo civil.
Á commissão de legislação civil.
Segundas leituras
Projecto de lei
Senhores. - Não obstante as diligencias de toda a espécie empregadas nos ultimos annos pelos poderes publicos do estado para liquidar a enorme divida de recrutas, que existe no nosso paiz, essa divida ainda attinge proporções de tal ordem, que reputo difficil, se não impossivel se tornaria a sua liquidação, que, por sem duvida alguma acarretaria enormes vexames para os povos, e consideravel prejuizo á agricultura nacional, que tão falta está de braços vigorosos que a desenvolvam.
A lei de 15 de junho do 1882 concorreu consideravelmente para diminuir essa divida, mas a diminuição que a pratica da faculdade permittida por essa lei produzira, é annullada pelo que á divida antiga acresceu das faltas dos contingentes de 1880 para cá.
As rasões que justificaram essa lei de 15 de junho de 1882 e em parte fundamentaram a proposta de lei de 10 de maio de 1880, assignada pelo actual sr. ministro do reino e presidente do conselho de ministros, subsistem ainda para aconselharem a approvação do projecto de lei que temos a honra de mandar para a mesa.
Realmente, aos mancebos que não entraram nas fileiras por não se haver cumprido pontualmente a lei do recrutamento, causaria por certo grave inconveniente serem agora chamados ao serviço militar, por se acharem em idade mais avançada, terem contraindo novos encargos e por outros motivos igualmente attendiveis.
O effectivo do exercito durante a paz não comportava o numero de mancebos em divida se porventura estes se apresentassem todos para o serviço militar. O governo, pois, ver-se-ia em sérios embaraços se tal circumstancia se desse.
O thesouro lucta com graves difficuldades financeiras, que mal podem permittir que se dê inteira execução á ultima reforma do exercito, e se cuide a serio da nossa marinha. Pela approvação do presente projecto de lei, obter-se-ia uma consideravel receita para o thesouro, que seria paga com a melhor das boas vontades, assegurar-se ia a tranquillidade de muitas familias e prestar-se-ia um importante serviço á nossa agricultura, por isso que lhe conservavam braços acostumados á cultura e amanho das terras.
Por todas estas rasões e por outras que ao espirito esclarecido d'esta camara facilmente acudiriam, esperamos confiadamente que honrareis com a vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os recrutas que os districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes devem para o preenchimento dos contingentes para o exercito e para a armada desde 1870 a 1884 podem remir-se da obrigação do serviço militar mediante o pagamento de 50$000 réis.
§ 1.° Os mancebos que, pertencendo a algum dos mesmos contingentes tenham sido considerados refractários, podem remir-se mediante o pagamento de 80$000 réis.
§ 2.° Os mancebos que deixaram de ser incluidos no respectivo recenseamento no referido periodo de 1870 a 1884 podem igualmente remir-se mediante o pagamento de 80$000 réis.
§ 3.° Estes pagamentos podem ser feitos por uma vez ou em duas prestações semestraes, á vontade dos interessados.
Art. 2.° É fixado em um anão, a contar da data ou publicação desta lei o praso em que as disposições do artigo antecedente podem ter applicação.
§ unico. Findo este praso, os mancebos de que trata o artigo 1.° e seus §§ 1.° e 2.° e que se não aproveitarem do beneficio ahi concedido ficam sujeitos á legislação em vigor na data d'esta lei.
Art. 3.° Os fundos provenientes da execução da presente lei serão postos á disposição do ministerio da guerra para serem applicados á compra de armamento e despezas indispensaveis para a organisação das reservas.
§ unico. As sommas provenientes da remissão dos mancebos destinados ao serviço da armada, serão postas á disposição do ministerio da marinha para serem applicadas na compra do armamento, ou outras despezas extraordinarias d'aquelle ministerio, auctorisadas por lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 29 de março de 1886. = Adolpho Pimentel = Franco Castello Branco = Antonio Ribeiro dos Santos Viegas = Pereira Leite = Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu = José Alaria de Oliveira Peixoto = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Foi admittido e enviado á commissão respectiva.
Projecto de lei
Senhores. - A lei de 27 de junho de 1883 estabeleceu aos escrivães de fazenda a aposentação, fixando a idade de sessenta annos para ella poder ter logar. A lei fixando esta idade teve em vista impedir abusos e tornar menos pesadas ao thesouro as despezas com as aposentações, todavia, é certo, que não ha escrivão de fazenda que, entregando-se com zêlo ao desempenho e cumprimento das multiplices e variadas funcções do seu cargo que demandam aturado estudo e continuo trabalho, chegue á idade de sessenta annos em estado do prestar bom serviço; porque n'este viver agitado e tempestuoso a que o escrivão de fazenda está sujeito e no meio dos attritos e difficuldades que tem de resolver, o que só pude ser bem conhecido por quem tenha consumido a maior parte da sua vida em negocios da fazenda, não ha robustez e vigor que possa resistir tanto tempo, e a velhice do escrivão de fazenda apparece muitas vezes prematuramente, sendo certo que já hoje existem alguns escrivães de fazenda que, sem terem a idade legal para se aposentarem, estão inteiramente impossibilitados do serviço, e esta impossibilidade resultou-lhe do muito trabalho e actividade que desenvolveram no
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exercicio das suas funcções. Sendo isto assim e sendo necessario, por um lado garantir-lhes os meios de subsistencia emquanto durar a sua impossibilidade, e por outro prover às necessidades do serviço publico, fazendo com que elle seja desempenhado por outros empregados em melhores circumstancias de o poderem fazer, e tudo isto sem augmento de despeza para o thesouro, torna-se urgente que os escrivães de fazenda n'aquellas circumstancias sejam substituidos por outros empregados de fazenda, que se mostrem competentes para o serviço, ficando pertencendo ao escrivão proprietario e impossibilitado as quotas pela cobrança taxadas na tabella que faz parte do decreto de 25 de junho de 1874, e ao empregado temporariamente nomeado as gratificações certas e incertas e todos os mais emolumentos da respectiva repartição.
Por estes fundamentos, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os escrivães de fazenda que se impossibilitem physica ou moralmente de exercer as funcções do seu carga, e emquanto durar a impossibilidade ou não chegarem á idade de seis ânuos, para poderem ser aposentados pela forma que determina a lei de 27 de junho de 1883 serão temporariamente substituidos por um empregado de fazenda.
§ unico. Este empregado será escolhido de entre os escrivães de fazenda dos concelhos de ordem inferior, escripturarios das repartições de fazenda dos concelhos de qualquer ordem e dos officiaes e aspirantes das repartições de fazenda dos districtos.
Art. 2.° A nomeação para tal substituição será feita pelo governo, sob proposta fundamentada do delegado do thesouro.
Art. 3.° A commissão deste empregado findará:
1.° Quando se mostre menos zeloso no cumprimento de seus deveres;
2.° Quando o escrivão de fazenda impossibilitado, e por elle substituido, se achar em condições de reassumir as suas funcções;
3.° Quando o mesmo escrivão de fazenda tenha sido aposentado por ter completado a idade legal.
Art. 4.° O bom ou mau serviço prestado pelos empregados assim nomeados será tomado em consideração para futuras promoções.
Art. 5.° Os escrivães de fazenda temporariamente substituidos e emquanto durar a sua impossibilidade, ou não forem aposentados, terão direito a receber as quotas que lhes pertencerem pelo seu respectivo logar, conforme a tabella que faz parte do decreto de 25 de junho de 1874.
Art. 6.° Os empregados nomeados para substituir os escrivães de fazenda lêem direito, alem da quota ou ordenado, que pelo seu logar lhes pertencer às gratificações certas e incertas, e a todos os mais emolumentos da respectiva repartição de fazenda onde servirem em substituição do proprietario.
Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 2 de abril de 1880. = O deputado, Lopes Navarro.
Lido na mesa, declarado urgente, e enviado á commissão de fazenda.
Projecto de lei
Senhores.-Em 20 de outubro de 1885 foi apresentada á academia das sciencias de Paris uma communicação scientifica na qual L. Pasteur revelava a descoberta do methodo de tratamento para prevenir a raiva nos individuos mordidos por animaes atacados de virus rabico, bem como a descripção das primeiras applicações que acabava de realisar.
Com esta data inscrevia a academia franceza, nos seus que fastos, altamente gloriosos, uma descoberta de tal ordem, que não sabemos que haja palavras capazes de exprimir a grandeza da sua importancia e celebridade.
Em 1775 inoculou pela primeira vez mr. Eduard Jenner em Berkeley, o virus vacinico contra a variola.
Em 1885 inoculou Pasteur, em Paris, e pela primeira vez também, o virus rabico attenuado contra a hydrophobia. Ambos inspirados pela mesma concepção theorica luctaram na obscuridade annos inteiros em experiencias successivas, até que a victoria, coroando os seus trabalhos indefesos, elevou Jenner e Pasteur á culminancia de dois salvadores da humanidade, fazendo illustrar dois seculos com as mais assombrosas conquistas de medicina prophylactica, de ha muito em lucta aberta e permanente contra esses flagellos que têem assoberbado as gerações de seculos inteiros.
O echo estrondoso da descoberta de Pasteur, reflectindo-se em toda a Europa, na Asia e na America, tem levado ao laboratório da rua de Ulm centenares de individuos em procura de remédio, que já tem salvado centenares de pessoas, condemnadas aos horrores de uma doença cruel e á morte, termo fatal de um dos mais dolorosos dramas da pathologia humana.
Já vão caminho de Paris tres portuguezes, tres creanças, que um generosissimo coração, que tanto se compraz em affrontar e combater máguas e soffrimentos alheios, tomou sob a sua augusta egide.
E pois, que ali vão procurar remedio para um mal imminente, justo é que, quando a França appella para a philantropia, a todos nacionaes e estrangeiros, Portugal, que não cede em sentimentos de generosidade e nobreza a qualquer outra nação, faca inscrever na lista dos subscriptores para o altamente humanitario instituto Pasteur, o obulo, com que a consciencia nacional entende dever contribuir. E assim tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a contribuir com a quantia, que julgar conveniente, para a subscripção publica, aberta pela academia de sciencias de Paris, para a fundação do instituto Pasteur, destinado ao tratamento prophylactico da raiva.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões em 29 de marco de 1886. = O deputado, Agostinho Lucio.
Ás commissões de fazenda e de saude publica.
REPRESENTAÇÃO
Da camara municipal de Villa Nova de Foscôa, pedindo que se demarque em Villa Nova de Gaa uma area, unicamente destinada para receber vinhos, procedentes do Douro, e que só estes possam ser exportados com o, nome de Porto.
Apresentada pelo sr. deputado Correia de Barros, e enviada ás commissões de agricultura e de fazenda.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não tendo podido assistir às ultimas sessões da camara, por motivo de doença, aproveito esta occasião para declarar que, se estivesse presente na sessão em que se votou a proposta de lei, que lixa a dotação de Sua Alteza Real o Principe D. Carlos, em 40:000$000 réis, e em que se determina que seja entregue a Sua Magestade El-Rei a quantia de 10:000$000 réis, para as despegas extraordinarias com o faustissimo consorcio de Sua Alteza Real, o teria approvado.
Declaro tambem que, se tivesse assistido á sessão em que votou uma recompensa aos benemerito exploradores; Capello e Ivens pelos heroicos serviços prestados á patria, o teria approvado. = Visconde de Balsemão.
Para a acta.
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JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
1.ª Declaro a v. exa. e á camara que o sr. deputado João Pereira Teixeira do Vasconcellos não tem podido comparecer a algumas sessões, nem comparecerá ainda a mais algumas por motivo justificado. = O deputado, Lopes Navarro.
2.ª Mando para a mesa a declaração de que o sr. deputado José Novaes não tem comparecido às sessões da camara por motivo justificado. = Agostinho Lucio.
Para a acta.
CONSTITUIÇÃO DE COMMISSÃO
Declaro a v. exa. que se acha constituida a commissão de legislação, escolhendo para presidente o sr. deputado José Maria Borges, para secretario o sr. deputado Joaquim Antonio Neves, havendo relatores especiaes. = O deputado e membro da commissão, J. G. de Sequeira.
Para a acta.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte proposta de lei.
(Leu.)
Leu-se na mesa a proposta de lei auctorisando o governo a proceder á cobrança dos impostos e mais rendimentos publicos no exercicio de 1886-1887, e a applical-os às despezas do estado.
Foi mandada publicar do Diario do governo, e enviada á commissão do orçamento.
Vae publicada no fim da sessão a pag. 776.
O sr. Carrilho: - Pedia a v. exa. se dignasse consultar a camara sobre se permitte que a commissão do orçamento possa reunir se hoje, mesmo durante a sessão, a fim de dar o parecer sobre a proposta que acaba de mandar para a mesa o sr. ministro da fazenda.
Consultada a camara, assim se resolveu.
O sr. Lopes Navarro: - Mando para a mesa uma proposta para ser aggregado á commissão parlamentar de emigração o sr. deputado Pedro Guilherme dos Santos Diniz, de que peço a urgencia.
Mando tambem para a mesa um projecto de lei, de que tambem peço a urgencia, para que, dispensando-se a segunda leitura, elle possa ir desde já á respectiva commissão.
Esse projecto estabelece que os escrivães de fazenda que se impossibilitarem physica ou moralmente de exercer as funcções do seu cargo, e emquanto durar essa impossibilidade, ou não chegarem á idade de sessenta annos para poderem ser aposentados pela forma que determina a lei de 27 de junho de 1883, sejam temporariamente substituidos por um empregado de fazenda.
Passo a lel-o:
(Leu.)
Dispensei-me de ler o relatório que o precede para não tomar muito tempo á camara. N'elle se acham clara e terminantemente expostas as rasões que justificam plenamente, segundo o meu modo de ver, a sua apresentação; e por isso eu espero que a esclarecida commissão de fazenda e a camara o tomem na consideração que merece, pois que com a sua approvação se preencherá uma importante lacuna na lei a que já me referi e que regula a aposentação dos escrivães de fazenda, e não se augmentará com isso a des-pe.za publica, o que é sobremodo attendivel na presente conjunctura.
Já que estou com a palavra, permitta-me v. exa. que eu chame a attenção do sr. ministro das obras publicas para as irregularidades que se estão dando na transmissão da correspondencia que de Lisboa e Porto vae para o dtstricto de Bragança, pela Beira Alta, as quaes por forma nenhuma podem continuar, vistos os gravissimos transtornos que a todos causam.
Assim, a correspondencia que vae do Porto e segue pela linha do Douro á Barca de Alva e d'ahi a Freixo de Espada a Cinta, Lagoaça, Mogadouro, etc., chega á Barca de Alva às nove horas da manhã e fica ali retida até á uma hora da tarde!
Quando depois chega a Freixo de Espada a Cinta, já o correio que dali a leva para Mogadouro por Lagoaça tem partido para o seu destino, acontecendo por isso que a correspondencia que devia seguir no mesmo dia de Freixo para Lagoaça e Mogadouro só para ali vae no dia seguinte, isto é, com o atrazo de vinte e quatro horas! Mas não para aqui o caso.
A correspondencia que vem d'aquellas localidades para o Porto, chega á Barca de Alva á meia hora depois do meio dia, e só vae para o Porto às quatro horas da tarde!
Do mesmo modo a correspondencia que da Barca de Alva segue por Pinhel e caminho de ferro da Beira Alta para Lisboa, só sáe da Barca do Alva á meia noite, tendo ali chegado á meia hora depois do meio dia !
Finalmente, a correspondencia que vae de Lisboa pelas linhas da Beira Alta e Pinhel chega á Barca de Alva às onze horas da noite, e só sáe de lá para Freixo do Espada á Cinta no dia seguinte á uma hora da tarde!
Isto é realmente extraordinario e custa a crer que até hoje se não tenham remediado estas irregularidades, quando de mais a mais ellas constantemente estão sendo em parto indicadas pelo zeloso e digno director do correio de Freixo á repartição immediatamente superior!
Este estado de cousas não póde continuar, (Apoiados.) e por isso espero que s. exa. o sr. ministro das obras publicas tome providencias promptas e energicas a fim de que taes irregularidades não continuem a dar se e a correspondencia siga sempre para o seu destino sem a menor interrupção.
Desejava por ultimo pedir ao mesmo illustre ministro, que attenda á desgraçada situação em que se encontram os productores de azeite nacional com relação aos produtores de azeite hespanhol.
Acontece que o azeite hespanhol é transportado mais barato pelas nossas linhas férreas, do que azeite nacional, e a rasão é porque os productores de azeite hespanhol, ou os individuos que com elle negoceiam, se combinam e fazem contratos com as companhias de caminhos de ferro portuguezes, para obterem assim como obtêem, tarifas mais baratas do que as que são applicadas ao transporte do azeite nacional, ficando por isso os productores d'este em peiores condições do que os productores d'aquelle, o que não deve ser e nem póde continuar a dar-se. (Apoiados.)
O azeite nacional, que é de primeira qualidade, principalmente o da provincia de Traz os Montes, (Apoiados.) está por um preço tão diminuto, que já não remunera o productor, compensando-lhe quando muito as despezas que faz e as contribuições que paga, sem rendimento algum liquido! (Apoiados,)
Isto não póde continuar assim, e para isso basta lembrarmos-nos de que o preço do alludido genero está por metade do que estava ainda ha menos de quatro annos. (Apoiados.)
A desgraçada provincia de Traz es Montes, a que já alludi, perdeu completamente a industria da seda, que só no districto de Bragança lhe deixava para cima de réis 300:000$000 tem as suas vinhas perdidas na maior parte com a philloxera, e o cereal e o azeite estão pelo preço que todos sabem. (Apoiados.)
N'estas circunstancias, pois, como querem que ella pague os impostos existentes, e venha ainda por cima soffrer um aggravamento sobre elles?! (Apoiados.)
Se o preço do azeite e do cereal não for elevado por
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medidas promptas e justas, os respectivos proprietarios d'aquella malfadada provincia terão de entregar ao fisco os seus predios por não poderem pagar os onerosissimos encargos que os subcarregam. (Apoiados.)
Sr. presidente, não quero por mais tempo fatigar a camara, e por isso vou concluir, pedindo ao sr. ministro das obras publicas, que tão bem como eu conhece a desgraçada provincia de Traz os Montes, tome o assumpto na consideração que merece, a fim de que, conseguindo uma redução de tarifas rios nossos caminhos de ferro para o transporte de azeite nacional, este seja sempre mais barato do que o transporte de azeite hespanhol.
Olhe s. exa. para este ramo da agricultura, com paternal solicitude, alevante-a do abatimento em que se encontra, e terá feito um relevante serviço ao paiz. Disse.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Por parte da commissão parlamentar de emigração, requeiro a aggregação á mesma, do sr. deputado Pedro Guilherme dos Santos Diniz. - O deputado, Lopes Navarro.
Foi approvado.
O projecto foi declarado urgente e enviado á commissão de fazenda.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Tomo nota das observações do sr. deputado a respeito das irregularidades commettidas no serviço do correio, e tomarei as providencias para que ellas cessem.
Com relação á tarifa do azeite e às desigualdades de que se queixa o illustre deputado, direi que esse assumpto não é da competencia do ministro das obras publicas; o remedio que lhe acho é os productores de azeite nacionais organisarem um syndicato para alcançar as mesmas vantagens que os seus concorrentes da Hespanha, e então facilmente poderão obter reducção nas tarifas. No entretanto estudarei o assumpto, e o que estiver na minha alçada fal-o-hei.
O sr. Coelho de Campos: Sr. Presidente, deve estar sobre a mesa um projecto de lei, que tive a honra de apresentar nesta casa ha de haver um mez, e que tem já o parecer das commissões respectivas.
Esse projecto foi por ellas modificado, e como n'elle e trata de beneficiar a uma viuva ou duas, que perderam os maridos no cordão sanitario, pedia a v. exa. que contratasse a camara sobre se, dispensando o regimento, permittia que elle entrasse desde já em discussão.
O sr. Presidente: - Sobre a mesa não ha parecer nenhum que tivesse sido enviado e não fosse a imprimir.
O Orador: - Foi enviado para a mesa, está na gaveta de v. exa.
O relator é o sr. Lamare.
O sr. Agostinho Lucio: - Sr. presidente, mando para a mesa um projecto.
Este projecto vae precedido de um brevissimo relatorio, que peço licença para ler, mesmo porque não desejo apresentar outras rasões para mostrar quanto elle é necessario e conveniente.
(Leu.)
Peço a v. exa. a urgencia d'este projecto, visto que o tempo das sessões parlamentares é breve, e entendo que é necessario que tornemos qualquer deliberação prévia sobre este assumpto.
Aproveito a occasião para tambem mandar para a mesa uma nota de justificação de faltas do sr. deputado Amorim Novaes.
Foi approvada a urgencia.
O sr. Presidente: - O projecto vae ser enviado às commissões de fazenda e de saude publica.
O sr. J. J. Alves: - Mando para a mesa um projecto do lei, tendente a garantir aos facultativos empregados nos diversos municipios do reino o seu futuro e de suas familias.
Effectivamente mal se comprehende que, sendo os facultativas pagos pelo municipio, e portanto empregados das camaras municipaes, deixem de estar comprehendidos na doutrina do artigo 353.° do codigo administrativo de 1878, que concede aos outros empregados uma aposentação no fim de trinta annos de serviço com o ordenado por inteiro.
Ora, sendo a missão dos facultativos municipaes bastante espinhosa, porque, não só curam de clinica, que, na maioria dos casos é exercida sob o rigor das estações, mas ainda porque têem a seu carpo a fiscalização da saude publica vezes com risco da propria vida, justo é que pese sobre esta classe de funccionarios, já tão mal remunerada, uma desigualdade como a que sã nota na lei.
Sr. presidente, ninguém desconhece os serviços que prestam estes funccionarios á saude dos povos, para que deixem de ser devidamente compensados.
Apresentando, pois, este projecto, ponho nas mãos do parlamento uma causa justa, e unicamente peço ás commissões, a que tenha de ser submettido, o considerem como entendo que merece.
O sr. Correia de Barros: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação da camara municipal de Foscôa, em que pede para que sejam adoptadas as resoluções tomadas em sessão de 19 de dezembro de 1885.
O sr. Germano de Sequeira: - Mando para a mesa a declaração de que se acha constituida a commissão de legislação civil, tendo sido nomeado presidente o sr. José Maria Borges, secretario o sr. J. A. Neves, e havendo relatores especiaes.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Como está presente o sr. ministro da fazenda, desejava fazer uma pergunta a s. exa.
Em uma das primeiras sessões em que s. exa. se apresentou a esta camara, como ministro, por uma deliberação completamente espontanea, annunciou que ia abolir o imposto do sal.
Eu fui um dos que applaudiram s. exa. por similhante declaração; como, porém, esta sessão está a findar, e como até agora não vi apresentar, por parte do governo essa proposta de lei tão desejada por todos nós, membros da opposição, e mesmo polo sr. ministro da fazenda, que como deputado, já uma vez propoz a abolição do impsto do sal, desejava saber quando é que s. exa. tencionava cumprir a promessa que tão espontaneamente fez ao parlamento.
Como vejo presente, o sr. ministro dos negocios estrangeiros, aproveito a oceano a, fim de chamar a attenção de s. exa. para factos que me parecem da mais alta gravidade, pois se relacionam com bem estar, com a segurança e até com a dignidade da grande colonia portugueza do Brazil.
Quando ainda estava no poder o governo regenerador, eu pedi diversos documentos e formulei uma nota de interpellação com respeito ao conflicto devoras lastimoso succedido no Pará, na noite de S. João do anno findo, conflicto de que resultou infelizmente o assassinato do subdito portuguez Manuel de Sousa.
Ao mesmo tempo requeri tambem os esclarecimento necessarios para poder levantar n'esta camara a desgraçadissima questão do desfalque occorrido no consulado portuguez do Rio de Janeiro. (Apoiados.)
Com relação ao primeiro facto, foram-me enviados os documentos por mim requeridos, e por esses documentos eu hoje estou no caso de poder affirmar que as nossas auctoridades consulares e diplomaticas, que deviam intervir em não melindroso assumpto, não só não cumpriram com os mais triviaes preceitos que lhes impunha a qualidade da sua posição, mas principalmente não cumpriram com os delicadissimos deveres que é de direito exigir-se às au-
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ctoridades portuguezas n'um paiz onde a colonia constituida pelos nossos irmãos é tão florescente, tão cheia do mais nobre patriotismo, tão importante, emfim, para os interesses moraes e economicos d'esta nação!
Infelizmente, quasi todos os governos, sem excepção, da nossa terra, têem tratado com a mais criminosa indifferença a colonia portugueza no imperio do Brazil! E no entretanto, póde dizer-se com affoutesa, que ella é mais proveitosa para Portugal, sob todos os pontos de vista, do que as verdadeiras colonias onde exercemos soberania territorial!
E esta indifferença, ou antes este desleixo anti-patriotico, alem de ser da parte dos nossos poderes publicos uma ingratidão para aquelles a quem tanto devemos, é ainda uma vergonha que cobre de opprobio o nosso nome do outro lado do Atlantico. Senão, vejamos o que se tem passado ácerca dos tristes factos a que acabo de referir-me.
A respeito do assassinato de Manuel de Sousa, a legação portugueza no Rio de Janeiro, apesar das reclamações da imprensa dos dois paizes, e apesar mesmo de uma sessão do parlamento brazileiro, em que o assumpto ali se debateu, conservou-se, como se prova pelos documentos que tenho em meu poder, n'um mutismo absolutamente inexplicavel, mutismo que só tem igual no silencio quasi completo do ministro dos negocios estrangeiros de então, o sr. Bocage, que não soube immediatamente corrigir, pelo menos, com uma admoestação, o nosso representante diplomatico no Rio, por não ter prestado a attenção devida a assumpto tão importante.
Pelo que toca á desgraçada questão do desfalque no consulado do Rio de Janeiro, não tenho á minha disposição os mesmos elementos para poder, não só formular uma pergunta, mas mesmo annunciar uma interpellação ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque, apesar de todos os meus esforços e apesar desta questão ter já sido levantada ha um anno n'esta casa do parlamento, pelo meu collega e amigo o sr. conde de Thomar, o sr. conselheiro Bocage, ministro dos negocios estrangeiros n'essa epocha, entendeu que não devia mandar á camara os esclarecimentos que eu solicitara. E para negar taes esclarecimentos, inventou até a curiosa desculpa de que, estando a questão do desfalque affecta a uma commissão de syndicancia na capital do imperio, não podiam vir ao parlamento documentos que deviam ficar secretos emquanto a commissão não desse por findos os seus trabalhos!
A desculpa é de todo o ponto futil, porque os documentos que eu tenho pedido não se referiam aos elementos propriamente ditos do processo administrativo ou judicial; os documentos que eu desejava eram meramento politicos e serviam para avaliar até que ponto a responsabilidade do governo da metropole e a do nosso representante na capital do imperio brazileiro estavam a coberto de qualquer accusação. Bem claramente eu o indicava no requerimento em que reclamava os respectivos documentos; tratava-se apenas de uma nota de correspondencia official trocada entre o governo portuguez e a nossa legação no Brazil a respeito d'este assumpto.
Queria saber, e com todo o direito, a quem devia pedir a responsabilidade do desleixo e da incuria causadores d'aquelle tristissimo acontecimento, que tanto nos deslustrou perante a nação brazileira e tanto tem contribuido para abalar o prestigio, que todos nós devemos esforçar-nos, que o nome portuguez mantenha nas terras da America lusitana!
Chamo, pois, com todo o empenho a attenção do actual ministro dos negocios estrangeiros para este grave assumpto, e creio que s. exa. bem começaria a sua gerencia dando todas as providencias para que similhantes factos, não só se não repitam, mas para que quanto antes cessem os seus perniciosos effeitos!
Se para nós, deputados da nação, e se para o governo, deve ser pundonoroso timbre ver o nome portuguez dignamente representado junto às côrtes estrangeiras, este timbre tem mais de accentuar-se quando se trata da corte brazileira, onde tão graves interesses nossos se acham empenhados. Basta recordar que no imperio do Brazil se encontra estabelecida a nossa maior e mais rica emigração, emigração que era bem digna do attento cuidado e do constante zêlo por parte, não só do governo, mas de todos os membros d'este parlamento, porque em parte alguma do nosso Portugal, devo dizel-o sem receios de susceptibilisar qualquer melindre, pulsa mais forte o amor da patria de que no coração desse grupo de beneméritos portuguezes que nas terras da America são o exemplo vivo de como as distancias não apagam, antes tornam mais intenso o amor do homem á terra que o viu nascer! (Apoiados.)
Nos momentos mais dolorosos, com effeito, desta nação, nas crises mais difficeis por que tem passado este paiz, nunca o amor dos seus filhos de alem do Atlantico tem deixado de se traduzir em valiosissimos soccorros, de toda a especie, evidenciando de uma forma commovedora essa confraternidade, que em troca nos impõe obrigações indeclinaveis e deveres sagrados! Mais de um benemerito da patria tem recebido da colonia portugueza do Brazil a verdadeira consagração dos seus talentos ou dos seus esforços! (Apoiados.)
Por isso, embora o nome portuguez tivesse por desgraça nossa de ser mal apreciado em todos os paizos do mundo, ao menos no imperio brazileiro devia elle estar cercado de uma aureola de respeito e de gloria! Era a unica maneira de pagar aos nossos irmãos ahi estabelecidos a divida de honra que com elles temos contratada! (Apoiados.)
Não digo mais, sr. presidente, porque este assumpto está no espirito, e mais que no espirito, está no coração de todos nós! (Apoiados.)
Tenho a certeza de que o sr. ministro dos negocios estrangeiros ha de empregar toda a sua boa vontade para que os nossos negocios na côrte brazileira corram de hoje para o futuro, com o patriotismo que elles reclamam.
O governo não póde por mais tempo persistir no systema de tolerancia, de longanimidade, ou talvez melhor de relaxismo, que nos está prejudicando muito perante a opinião publica do Brazil. (Apoiados.) É necessario que o desleixo não continue, é necessario que os descuidos se não repitam, e que não possa impunemente contar com a confiança, senão do paiz, pelo menos do governo, quem pelos seus actos não tem mostrado saber zelar nem defender os nossos melhores interesses! (Apoiados.)
Não ha da minha parte, desnecessário é dizel-o, a menor intenção pessoal contra quem quer que seja; não conheço nenhum dos cavalheiros que podem estar envolvidos n'esta minha apreciação. Não é mesmo de individuos que eu trato; é dos funccionarios diplomaticos e consulares que no Brazil nos representam, e que têem a sua responsabilidade ligada aos factos a que me referi, e a outros, que julgo neste momento inopportuno relembrar.
Tratemos principalmente de evitar as funestas consequencias dos precedentes, que tão fataes podem ser á nossa colonia.
Se hoje deixarmos que fique impune o assassinato de um portuguez, amanhã novos assassinatos repetir-se-hão! E onde está então a segurança dos nossos compatriotas? (Apoiados.) Onde está a garantia indispensavel para que elles continuem, pelo seu trabalho e pelo seu esforço, a representar a fracção mais laboriosa e mais querida do nosso Portugal? (Apoiados.) Se hoje deixarmos um roubo importante, envolto nas trevas de uma meia protecção official, como podemos exigir amanhã, para a propriedade dos nossos irmãos no Brazil, o respeito que é devido ao producto do trabalho honrado e persistente? (Apoiados.)
N'esta questão inclue-se ao mesmo tempo a necessidade de attender a uma questão mais alta. E indispensável que o sr. ministro dos negocios estrangeiros preste toda a sua
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attenção á reforma imprescindivel dos nossos serviços diplomaticos e consulares.
Lembra-se de certo o illustre ministro que o anno passado, com o applauso de s. exa., tive eu ensejo de chamar a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros de então para a urgencia de o governo reformar aquelles serviços, e de fazer com que, em vez de constituirem quasi sinecuras, com honrosas excepções, elles se transformassem em elementos de utilidade real para o nosso paiz. Similhante reforma não se póde nem se deve protrahir. Tudo o que diz respeito ao Brazil será por essa occasião, assim o espero, objecto do mais desvelado interesse e da mais patriotica solicitude. Se, porém, o não for, esteja certo o governo e em particular o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que a minha voz se ha de levantar com a necessaria energia, para que emfim se faça a justiça devida á benemérita população portuguesa da America, cujas prosperidades, desde a do mais humilde trabalhador até á do mais opulento capitalista, devem ser o nosso ardente anhelo, e cujos desastres cobririam de luto o coração de todos aquelles, que sentem pulsar no peito o sagrado amor da pátria e que ainda têem confiança no futuro desta nacionalidade ! (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Vae dar-se conta de uma mensagem vinda da outra casa do parlamento.
Leu-se uma mensagem da camara dos dignos pares do reino, remettendo a proposição de lei que tem por fim modificar as disposições do artigo 66.° do codigo do processo civil.
Foi enviada á commissão de legislação civil.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Mantenho o compromisso que tomei de que será abolido o imposto do sal; mas tenho motivos de força maior para não poder apresentar na actual sessão legislativa a proposta de abolição desse imposto. A força maior é que não posso faltar d consideração devida ae esta camara, que votou o imposto.
Portanto n'esta sessão legislativa não me parece possivel apresentar isoladamente a esta camara a proposta para a abolição do imposto do sal. Não quer isto dizer que eu não possa a esta mesma camara apresentar na sessão seguinte esta proposta conglobada em um systema de propostas financeiras, mas isoladamente não tenho ousadia para tanto. Póde entretanto o illustre deputado ficar certo de que, quando o governo apresentar, as suas propostas de fazenda, o que não virá longe, ha de comprehender n'ellas a abolição do imposto do sal.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - O illustre deputado o sr. Consiglieri Pedroso, chamou mais uma vez a attenção do governo para um assumpto que com rasão s. exa. classificou de gravissimo, e não deve por isso admirar que s. exa. no desempenho sempre zeloso dos seus deveres de representante da nação insista em formular as suas idéas e em manifestar as suas apprehensões ácerca dos pontos a que alludiu.
Referiu se s. exa. ao homicidio de um subdito portuguez no Pará, e ao facto d'elle não ter sido seguido por todos aquelles actos energicos a que se devia proceder para que a segurança e a vida dos nossos compatriotas não sejam sujeitas de futuro a graves accidentes. Referiu-se tambem o illustre deputado ao facto não menos grave do alcance verificado já no consulado do Rio de Janeiro.
Sobre o primeiro ponto só direi que neste momento ainda não me considero bastante habilitado para responder, mas que toda a attencção do governo se ha de dirigir para esse assumpto, e que todas as providencias que caibam na nossa alçada hão de ser tomadas, não para evitar as consequencias immediatas de um acto que infelizmente já não se póde remediar, mas para que as circumstancias que o acompanharam e a elle se seguiram não possam ser incentivo a crimes identicos áquelles a que s. exa. se referiu.
Com respeito aos negocios consulares do Rio de Janeiro devo dizer a s. exa. que logo que entrei na secretaria a meu cargo imediatamente avoquei a mim o processo respectivo, tenho trabalhado sobre esse processo, que é muito volumoso, e que carece ainda de ser apreciado ou estudado mais maduramente, porque não póde apreciar se de repente.
O governo está procurando fixar a sua opinião no assumpto partindo do todos os elementos, já colligidos. E creia s. exa. n'esta declaração, que agora faço e lhe peço para registar, cabendo mais tareie a s. exa. o direito de importe-me a responsabilidade das minhas palavras n'este momento, caso os meus actos não correspondam ao que estou affirmando, no que respeita á questão gravissima da nossa representação diplomatica e consular no Brazil, não póde haver no animo do governo e particularmente do ministro dos negocios estrangeiros, que é responsavel n'este assumpto, outra idéa que não seja a de attender cabalmente aos interesses gravissimos que andam ligados a essa representação.
Toda e qualquer consideração pessoal ha de ser impiedosamente afastada do meu animo, porque o meu propósito é a de procurar a solução que melhor se compadeça com os interesses e a dignidade do paiz. (Apoiados.)
Acompanho cordealmente o illustre deputado nas palavras que proferiu n'esta assembléa; approvo a doutrina de s. exa. com respeito á consideração, amisade, sympathia e deveres que temos para com aquelles nossos conterraneos, que com o suor do seu trabalho vão fecundando as terras do Brazil e accumulando fortunas, com que mais tarde vem por seu lado enriquecer as provincias portuguezas.
Eu entendo que toda a protecção official é devida a estes nossos compatriotas, e que essa protecção carece de uma excellente representação diplomatica e consular para que possa ser cabalmente exercida. É a esta consideração que hei de subordinar os meus actos. E qualquer modificação que tenha a fazer no pessoal diplomatico e consular no imperio do Brazil será a contento e segundo os desejos de s. exa. Pelo menos é esta, a minha intenção e espero conseguil-a.
Chamou ainda o illustre deputado a minha attenção para o estado dos serviços consulares e diplomaticos em geral.
No intervallo que medeia entre a actual sessão legislativa e a futura, hei de estudar o assumpto e amadurecer algumas idéas que tenho sobre uma reforma, cuja urgencia certos factos parecem indicar.
Não deixarei, portanto, quanto em mim caiba de ter era conta os desejos do illustre deputado, que são os meus proprios, e de trazer qualquer proposta de lei á camara n'esse sentido.
Mas seja qual for o resultado d'esse meu estudo, o que procurarei em todo o caso dentro da legislação actual, é deligenciar cumpril-a o que muitas vezes não succede, e obter vantagens possiveis dentro do quadro que a emmoldura e determina; e isso muitas vezes representa já um certo resultado e uma certa conveniencia. Muitas vezes a reforma das leis é necessária, mas a sua execução ainda se torna mais urgente.
Pelo ministerio dos negocios estrangeiros nem sempre tem sido possivel conter inteiramente os serviços dentro da orbita que lhes marca a respectiva legislação.
Procurarei tirar d'essa legislação todo o partido de que ella seja susceptivel. Se assim mesmo entender que é indispensavel uma reforma, como n'este momento supponho que é, procurarei trazel-a á camara.
Creia s. exa. que empenharei todos os meus esforços no estudo d'esses problemas, que são de alta importancia, porque dizem respeito á nossa representação em paizes estrangeiros, isto é a dignidade do paiz, á defeza de interesses para nós tão sagrados, e que não deixarei, se assim, o reputar indispensavel de trazer á camara uma proposta de lei filha d'esse estudo.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
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O sr. Azevedo Castello Branco (por parte das commissões de fazenda e de obras publicas):-Mando para a mesa o parecer d'essas commissões sobre a proposta de lei n.° 156-A.
O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre o projecto n,° 26-D, sobre o qual tambem deu parecer a commissão de guerra.
O sr. Adolpho Pimentel: - Tinha pedido a palavra para fazer algumas considerações, em resposta às que n'uma das ultimas sessões fizera o sr. presidente do conselho por occasião de se occupar da questão entre Braga e Guimarães; mas, como s. exa. não está presente, peco a v. exa. que me reserve a palavra para quando s. exa. comparecer.
Já que estou no uso da palavra, aproveito a para chamar a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros, sobre um assumpto importante, que diz respeito á agricultura portugueza.
Li nos jornaes uma noticia, não sei se verdadeira, que poz em sobresalto os interesses da maior parte dos agricultores do paiz.
Diz-se que o ministro das finanças de França querendo augmentar as receitas publicas, intenta elevar os direitos sobre a importação dos vinhos estrangeiros.
Peço a s. exa. que procure informar-se se a noticia é verdadeira, e no caso de o ser empregue todos os seus esforços, entabolando as devidas negociações no sentido de zelar quanto possivel os interesses da agricultura portugueza, seriamente compromettidos diante da realisação d'aquelle plano.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - O assumpto para que o illustre deputado chamou a attenção do governo é effectivamente d'aquelles que mais nos devem preoccupar, visto que se refere ao ramo mais importante da producção nacional.
É facto que as medidas financeiras agora submettidas á apreciação do parlamento francez podem, até certo ponto, e indirectamente, vir affectar o commercio dos nossos vinhos, mas não pela forma por que s. exa. o disse; e que resulta de apenas ter tido conhecimento pelos jornaes de que poderiam ser augmentados os direitos de importação que recaem sobre os nossos vinhos.
Contra esse perigo estamos garantidos pela clausula expressa do tratado do commercio, que estabelece o imposto de 3 francos por hectolitro; mas referindo se essa proposta a um imposto de consumo, é possivel, por uma das disposições d'esse tratado, que se accumule com o direito de importação o direito do consumo que ora se vae aggravar, pelo facto do limite da escala alcoolica, que era de 15 graus, alem do qual o consumo dos vinhos francezes estava sujeito a um imposto, baixar, em virtude da proposta do sr. Sadi Carnot, a 12 graus.
Este assumpto chamou immediatamente a attenção do governo, que se deu pressa a dar ao seu representante em Paris instrucções no sentido de defender os nossos justos interesses; e como se dá a circumstancia de em condições analogas ás de Portugal, se encontrarem outras nações do sul da Europa productoras de vinhos ricos de alcool e de cor, e por isso mesmo proprios para adubo dos vinhos francezes, havemos de encontrar naturalmente nos representantes dessas nações, porque a natureza das cousas o está indicando, poderosos auxiliares aos nossos esforços na defeza de um dos ramos mais importantes da nossa producção.
Ha mais. Na propria França são muito importantes OB interesses que podiam ser affectados por essa ora providencia submettida á discussão do parlamento.
É, pois, natural, que da união de todos estes esforços resulte que qualquer providencia a adoptar no sentido de augmentar os rendimentos do fisco francez, não venha affectar o commercio dos vinhos do sul da Europa, e portanto o de Portugal.
Pelo menos é esta a esperança que, pela minha parte, manifesto, e neste sentido, em todo o caso, posso assegurar ao illustre deputado que hei de empregar todos os meus esforços.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Agostinho Lucio: - Ouvi ha pouco annunciar que o projecto de lei que apresentei ia ser enviado às commissões de fazenda e de saude publica.
Como a commissão de saude publica ainda não está eleita, proponho que ella seja nomeada por a mesa.
O sr. Presidente: - O sr. deputado manda a sua proposta por escripto para a mesa?
O sr. Agostinho Lucio: - Se v. exa. me dá licença, eu substituo a proposta por, um requerimento, para que seja consultada, a camara a este respeito.
O sr. Presidente: - Deve ser mandada para a mesa uma proposta por escripto.
O sr. Agostinho Lucio: - Eu vou mandar a proposta para a mesa.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a mesa seja auctorisada a nomear a commissão de saude publica. = Agostinho Lucio.
Foi declarada urgente e approvada.
O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Pedi a palavra logo que tive noticia de que estava constituida a commissão de legislação civil, para rogar a essa commissão que do o mais depressa possivel o seu parecer sobre o projecto de lei que apresentei ha dias n'esta casa, para que sejam considerados como comprehendidos na categoria extraordinaria e distincta para o pariato os serviços relevantes e extraordinarios dos bravos officiaes da armada portugueza, Hermenegildo Carlos de Brito Capello e Roberto Ivens.
Esse projecto de lei não foi precedido de relatorio, e declaro a v. exa., á camara e á commissão a rasão por que o relatorio não appareceu.
ealmente, diante do extraordinario da empreza d'aquelles distinctos exploradores, eu entendi que o melhor era apresentar o projecto de lei com a maior singeleza.
Peço, pois, á commissão de legislação civil que o mais brevemente que lhe seja possivel, e creio que póde ser hoje mesmo, se a camara der auctorisação para isso, dê o seu parecer sobre este projecto.
A uma parte da camara devo dizer que o sr. ministro da marinha e ultramar declarou estar de accordo com elle.
O sr. Lamare :-Em 22 de fevereiro ultimo, quando o governo se apresentou n'esta casa, disse o sr. ministro das obras publicas que tinha mandado suspender a classificação da engenheria em virtude das reclamações que tinha recebido, tendentes a pedir modificações n'aquella classificação; e que tinha nomeado uma commissão para prover de remedio aquellas difficuldades.
Eu desejava saber se s. exa. já installou aquella commissão e se os trabalhos d'ella vão em regular andamento.
Pedi n'uma das sessões passadas varias informações pelo ministerio das obras publicas; e confiando na benevolencia do illustre ministro d'esta pasta, pedia-lhe agora que, quando se dignasse enviar a esta camara os differentes documentos que requeri, para poder acompanhar o governo no seu pensamento estrategico e politico quanto á nova directriz do caminho de ferro da Beira Baixa, desse as ordens necessarias para que junto com esses documentos viessem as copias dos dois officios do governo pedindo as duas consultas á commissão de defeza.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Quanto ao primeiro ponto, devo dizer que ainda não installei a commissão, e por este motivo não posso apresentar n'esta sessão o resultado dos seus trabalhos; mas
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logo que se encerre, hei de immediatamente tomar uma resolução a esse respeito.
Em relação ao segundo ponto, faço declaração igual á que fiz na camara dos dignos pares.
Mando para a camara os documentos originaes, mas só para com a maioria da para a camara ter conhecimento d'elles, porque entendo, em regra geral, que os documentos d'esta ordem não destinados á publicidade.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Agradeço ao sr. Ministro dos negocios estrangeiros as explicações que fez o favor de me dar, e creia s. exa. que tomo nota das declarações categoricas que acaba de fazer para que, se não eu, alguem possa na proxima sessão legislativa interrogar s. exa. a este respeito.
Com relação á resposta dada pelo sr. ministro da fazenda, tenho a ponderar a s. exa., que me parece demasiadamente meticuloso o seu escrupulo, quando não deseja que esta camara se contradiga por uma votação opposta áquella em virtude da qual hoje se mantem o imposto do sal. Em primeiro logar, permitta-me o sr. ministro da fazenda eu lhe diga, que esta camara está, não direi tão identiticada com o governo, porque não quero fazer offensa ao credo regenerador dos illustres deputados da maioria, agora commigo na opposição, mas está usando e talvez abusando tão largamente da mais incondicional benevolencia para com este ministerio, que, se o sr. Marianno de Carvalho lhe pedir com bons modos, (Riso.) a camara reconsiderará sem reluctancia, não havendo da parto dos meus collegas regeneradores ninguém que se levante contra um pedido feito por esta fórma.(Riso)
Mas, nem é necessario invocar os sentimentos benevolentes de que está animada a maioria regeneradora d'esta casa, porque v. exa. ha de lembrar-se de que o parecer da
ommissão especial, em virtude do qual foi no anno passado reduzido a metade o imposto do sal, indicava desde logo, que essa medida era meramente de caracter provisorio, e deixava entrever a possibilidade de ser esto anno abolido o referido imposto.
Alem d'isso, na malfadada questão do sal, a camara está completamente á prova de todas as contradições, porque, ou não ha já logica, ou n'este assumpto os meus illustres collegas esgotariam até á ultima gota, o calice da amargura das mais imprevistas reconsiderações! Com effeito é a terceira ou quarta vez que a camara muda de parecer em similhante questão. Primeiramente o imposto do sal foi estabelecido com uma taxa, pode dizer-se, prohibitiva do consumo d'este genero.
Depois, em virtude das reclamações que de todos os lados se levantaram, teve de ser redigido o quantum da primitiva taxa. O anno passado, depois de uma viva campanha, em que me honro de ter tomado parte activa, a commissão de inquérito nomeada pela camara foi de parecer que se reduzisse a metade ainda a taxa do imposto, e assim se votou.
Não se trata pois, agora, senão de completar aquillo que tão justamente foi por esta camara começado. Não receie o sr. ministro da fazenda offender a coherencia do parlamento, se quer realmente manter o seu compromisso, e se a rasão invocada não foi um mero pretexto para illudir a promessa, de que talvez já esteja arrependido.
Acaso o sr. ministro da fazenda não queria dar a esta camara a gloria de ao menos no testamento, votar uma lei sympathica?
Mas sendo assim, eu então dirijo-me á maioria, e peço-lhe que resgate tantas votações contrarias aos interesses do paiz, e que infelizmente a não recommendam ao agradecimento publico, associando-se a uma medida que lhe trará as sympathias de uma classe tão merecedora de consideração, e que não deve por mais tempo estar soffrendo as consequencias de tão iniquo imposto.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Eu tenho o infortunio de estar em desaccordo com o illustre deputado.Sobretudo no que respeita aos sentimentos do coração. Outro dia, por exemplo, eu fallava em delicadeza de sentimentos, e o illustre deputado transformou isto em sentimentalismo, o que é muito differente. Hoje, eu disse que era e devia ser respeitoso para com a maioria da camara, s. exa. transformou o respeitoso em meticuloso, o que tambem são cousas differentes.
O illustre deputado disse que o governo está tão identificado com a maioria, que, só quizesse, alguma cousa podia conseguir n'esse assumpto de que occupou; mas depois acrescentou que actualmente s. exa. militava na opposição, justamente com a maioria. Ora, parece-me que essa posição de s. exa. é muito mais favoravel do que a do governo para conseguir o que o illustre deputado deseja.
Se eu, pedindo com bons modos, posso conseguir, muito melhor o póde s. exa. Provoque s. exa. uma resolução da camara, convidando o governo a apresentar um projecto de lei para a abolição do imposto do sal, e o governo o apresentará.
Apresente s. exa. um projecto de lei abolindo esse imposto, e consiga parecer favoravel da commissão, que eu prometto que o governo acceita o projecto.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Não tenho duvida de apresentar um projecto do lei, se s. exa. me declarar que o acceita.
O Orador:- Pois é o que eu digo.
Eu estou lembrando qualquer dos dois alvitres ao illustre deputado.
Provoque s. exa. uma decisão da camara, convidando o governo a apresentar esse projecto, e o governo apresenta-o; ou então apresente s. exa. mesmo, ou qualquer outro illustre deputado, esse projecto, consiga parecer favoravel da commissão, e o governo acceita o projecto. Já vê o illustre deputado que eu faço quanto posso para lhe ser agradavel; mas o que não posso é, para ser agradavel ao illustre deputado, fallar em testamento a quem está cheio de vida e saude, sobre tudo para mim era isso mais desagradavel porque, geralmente, quem falla em testamento são os herdeiros ou os que esperam sel-o e n'isto estão portanto interessados; emquanto que eu não pretendo ser herdeiro da maioria. Deus me livre portanto de fallar-lhe em testamento(Riso.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: A mesa nomeia para a commissão de saude, em conformidade com a declaração da camara, os seguintes srs.:
Adriano Emilio Sousa Cavalheiro.
Adriano Xavier Lopes Vieira.
Agostinho Lucio e Silva.
Antonio Freire Garcia Lobo.
Antonio José Pereira Borges.
Antonio Manuel da Cunha Bellem.
Antonio Mendes Pedroso.
Arthur Hintze Ribeiro.
José de Azevedo Castello Branco.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto do lei n.° 34
Foram lidas e admittidas á discussão diversas emendas do sr. Rocha Peixoto, e uma moção de ordem, apresentadas na sessão antecedente.
São as seguintes:
1.ª Proponho o seguinte:
Artigo ... As provas escriptas nos exames em que as houver, serão feitas no mesmo dia das oraes, por cada alumno e julgadas juntamente com estas. = Alfredo da Rocha Peixoto.
2.ª Proponho o seguinte:
Art. ... A votação será nominal e publica, devendo o presidente e cada um dos vogaes da mesa respectiva de-
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clarar o seu voto de approvação com a palavra "approvo" e de reprovação com a palavra "reprovo."
§ 1.° Depois do exame e antes da votação poderá o jury reunir-se em conferencia secreta, logo que o declarar necessario o presidente ou qualquer dos vogaes do jury.
§ 2.° O primeiro a declarar o voto será o mais moderno dos vogaes do jury e o ultimo o presidente.
Art. ... Quando por qualquer circumstancia faltar ao exame o presidente ou algum dos vogaes do jury e houver empate na votação, ficará de nenhum effeito o exame, que então se repetirá dentro do praso de dez dias perante o jury completo.
§ unico. Se o presidente ou qualquer dos vogaes do jury não poder funccionar n'este segundo exame, o governo, sobre proposta do inspector da respectiva circumscripção, nomeará quem ha de substituil-o.
Art. ... O vogal mais moderno lavrará acta do exame, com a declaração expressa do voto do presidente e de cada um dos vogaes do jury, os quaes todos tres a assignarão.
29 de março de 1886= Alfredo da Rocha Peixoto.
3.ª Proponho o seguinte:
Art. ... O serviço de presidente e vogal de jury é obrigatorio para todos os professores de instrucção publica, superior, especial e secundaria, sem prejuizo dos trabalhos proprios dos estabelecimentos scientificos a cujo corpo docente pertençam.= Alfredo da Rocha Peixoto.
4.ª Proponho o seguinte:
Artigo ... Os presidentes das mesas dos exames, em praso que não exceda quinze dias depois do ultimo dia de serviço, apresentarão um relatorio do mesmo serviço, com mappas estatisticos, especialmente os dois seguintes:
1.° Dos alumnos distinctos, approvados e reprovados;
2.° Das notas obtidas por cada alumno em cada argumento e em cada ramo da disciplina a que se referir o exame.
29 de março de 1886.-Alfredo da Rocha Peixoto.
5.º Proponho o seguinte:
Artigo ... Serão publicados no Diario do governo, com os mappas respectivos, os relatorios dos inspectores de instrucção secundaria, menos quaesquer informações ou esclarecimentos confidenciaes, que n'ellas haja.- 29 de março de 1886.= Alfredo da Rocha Peixoto.
Moção de ordem
A camara affirma que só ao estado portuguez compete a suprema inspecção do ensino publico de todas as sciencias e disciplinas em Portugal, e categoricamente protesta contra quaesquer tentativas d'estas indispensaveis attribuições do estado. = O deputado da nação portugueza, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
O sr. Bernardino Machado: - Disse que não vinha discutir as bases do projecto. Não o achava bom, mas tambem não achava possivel organisar um bom systema de exames sem ter resolvido satisfactoriamente a questão do ensino, tanto official como particular.
Pediu a palavra sobre o projecto para mandar para a mesa a proposta que leu. E seu intento remediar um esquecimento que houve, quando se reduziu o preço das propinas de exames ás quantias em que o projecto as mantém. Esqueceram os exames singulares, que são aliás feitos por individuos quasi sempre de poucos meios, e que nem são válidos para o curso ordinário dos lyceus. Pede, pois, que para esses não haja que pagar senão 2$500 réis de propina.
E, em seguida, accentuando que o systema de exames prende com a legislação do ensino, que este é o essencial, emquanto que os exames são apenas um meio de inspecção do ensino e de demonstração de estudos, approveitou o ensejo para dirigir ao sr. presidente do conselho algumas perguntas.
Observou primeiro que o tranquillisára a declaração feita por s. exa., de que apresentaria às cortes uma proposta para se exigirem habilitações a todos os que pretendam exercer o magisterio secundario particular. Não conhecia igualmente bem as idéas de s. exa. a respeito do ensino official.
Applaudia a tenção que s. exa. manifestara de pôr ponto às nomeações do professores provisorios para os lyceus.
É urgente.
Não póde continuar o estado em que o ensino secundario tem permanecido desde 1869, perante o qual parece que não são os professores destinados a preparar pelos seus esforços os alumnos, mas sim os alumnos que servem para á sua custa preparar os professores. Sabe que ha professores provisorios dignos, mas a esses mesmos falta a consagração moral que lhes daria um concurso. Folga de que o sr. ministro do reino esteja no propósito de só nomear as pessoas assim habilitadas.
Mas perguntará: julga s. exa. acceitavel o jury de exames composto, como dispõe a lei de 1880, de professores proprietários de um lyceu central presididos por um delegado da escolha do ministro? Tal principio é vicioso. Só a instrucção superior é autonomica e póde reger-se a si propria; a secundaria o a primaria têem que ser dirigidas vigilantemente pela instrucção superior. Ora o primeiro e fundamental acto d'esta direcção é o recrutamento do magisterio secundario.
Pergunta tambem ao sr. ministro do reino se julga verdadeira a comprehensão da instrucção secundaria como se define no programma da lei de 1880. O orador reputa-o insufficiente, desproporcionado e incoherente, o que demonstrou a traços largos. E esta é a base em que assenta todo o ensino secundario.
Terminou, perguntando ainda ao sr. ministro do reino se pensa em completar o ensino secundario para o sexo masculino, organisando o ensino que alguns chamam especial, outros intermédio, e que se professa na Allemanha nas escolas reaes; e se tem a peito crear o ensino secundario para o sexo feminino. E explanou as rasões e as vantagens e necessidade que militam pela realisação d'estes pensamentos, d'estas suas ardentes aspirações.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
§ 2.° Os individuos que requererem exame singular pagarão por cada um a só propina de 4$500 réis = Bernardino Machado.
Foi admittida.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão do orçamento sobre a proposta da lei de meios para o exercicio de 1886-1887. Peço a v. exa. que o mande imprimir com urgencia, a fim de poder ser distribuido por casa dos srs. deputados e poder entrar em discussão amanha, se a camara assim o entender.
Foi approvado este requerimento.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Frederico Laranjo:-Poucas palavras tenho a dizer em resposta ao sr. deputado Rocha Peixoto, e poucas, porque fui prevenido na resposta pelo sr. ministro da marinha.
Com relação às propostas de s. exa., peço que sejam mandadas á commissão para ella as considerar, mas sem prejuizo do andamento e da approvação d'este projecto.
Com relação á proposta mandada para a mesa pelo sr. Bernardino Machado, em nome da commissão, acceito-a.
As considerações que o illustre deputado e meu amigo fez a respeito da instrucção secundaria foram respondidas, e em grande parte acceitas pelo sr. ministro do reino. Eu uno a minha voz á do sr. Bernardino Machado, para que a instrucção secundaria se levante do estado cahotico em que
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tem estado; e um dos meios para sair d'esse abatimento é sujeitar a aptidão dos professores ao concurso. É isto que é regular e constitucional, e o que é necessario que se faça o mais depressa possivel; o que não quer, porém, dizer que comecemos pelo concurso antes de haver uma lei que reforme a instrucção secundaria: mas não ha reforma util sem a escolha do professorado por meio do concurso.
Resta-me só dizer poucas palavras em resposta a algumas considerações que em invectiva fremente me fez o sr. Rocha Peixoto. S. exa. exclamou que era muito differente esta epocha d'aquelle tempo, 1879, em que eu aqui combati um decreto de dispensa de exames; que agora já era relator de um projecto de dispensa de exames Via n'isto uma grave incoherencia da minha parte. Mas não ha incoherencia.
Em 1879 eu combati um decreto, por meio do qual se alterava uma lei, um decreto illegal; hoje relato um projecto de lei; então combatia um decreto que tinha um caracter pessoal, applicavel a dois individuos, que não sei quem eram, nem quero saber quem são; hoje sou relator de um projecto de lei que tem um caracter geral, que se applica a todos os individuos que estão em determinadas circumstancias, que são muitissimos, de certo.
A incoherencia foi, pois, simplesmente um resultado da imaginação de s. exa., e nada mais.
Tenho dito.
O sr. Presidente: - Antes de por á votação o projecto, parece-me que seria conveniente resolver se as propostas do sr. Alfredo Peixoto devem ser enviadas á commissão para serem consideradas sem prejuizo da votação do projecto.
O sr. Alfredo Peixoto (sobre o modo de propor): - Peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta, que tem o n.° 3.
Aproveito esta occasião para declarar que era meu proposito apresentar uma proposta prohibindo que fosse nomeado examinador qualquer professor de instrucção superior ou secundaria, que durante o anuo electivo anterior tivesse exercido a leccionação particular. Não apresentei essa proposta por esquecimento, mas em virtude da observação que v. exa. acaba de fazer relativamente á remessa da minha proposta á commissão de instrucção primaria e secundaria, o que eu acho rasoavel, e por outro lado, tendo sido enviado a essa commissão, ou á commissão de instrucção superior, o meu projecto de lei prohibindo o ensino particular aos professores de instrucção superior e secundario, entendo que não ha necessidade de apresentar essa proposta.
Peço portanto licença para retirar a minha terceira proposta.
Foi auctorisado a retirar a proposta n.° 3.
O sr. Presidente: - O sr. Alfredo Peixoto tambem mandou para a mesa uma moção de ordem.
Vae ler-se.
(Leu-se.)
O sr. Frederico LaranjO, (relator): - A moção de ordem mandada para a mesa pelo sr. Rocha Peixoto, na sua primeira parte é um axioma, e como tal não póde ter
nem votação, nem discussão. Agora se com a moção se quer ferir alguma questão que esteja pendente, entendo que se deve rejeitar como deslocada.(Apoiados.) Do que se trata? De um projecto de instrucção secundaria, elle determina qual o modo como devem ser feitos os exames, e parece-me inconveniente que a proposito de um projecto que se restringe simplesmente a isto, venha apresentar-se uma moção sobre cousas diversas, que regularmente nem deveria ser admittida.
Em todo o caso, não querendo prejudicar qualquer solução relativamente a essa moção de ordem, de que não sei qual o fim que tem em vista, peço que se faça com respeito a ella o mesmo que se fez com respeito às propostas, isto é, que seja enviada á commissão.
O sr. Rocha Peixoto: - (O sr. Deputado não estituiu as notas tachygraphicas do seu discurso.)
O sr. Bernardino Machado( sobre o modo de propor):- Eu creio que a camara manifestou sufficientemente que não desejava n'uma questão tão especial, envolver uma outra que deve ser apreciada largamente em outra occasião.(Apoiados.)
Parece-me, pois, que o sr. Rocha Peixoto concordará comnosco em deixar essa questão para a sua opportunidade. Assim s. exa. ficará satisfeito, porque discutirá por sua parte largamente esse assumpto, e n'esse debate poderão intervir tambem largamente os outros membros da camara.
Repito, exa. ficará assim satisfeito, e acamara tambem, porque esta deu a demonstração de que não desejava por agora estar a tratar de um assumpto, que, realmente, supposto que prenda com o objecto, que estava em discussão, não é envolvido por ella.
Espero portanto que o illustre deputado retirará a sua proposta, preferindo fazer violencia a si proprio a fazel-a á camara. (Muitos apoiados.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Frederico Laranjo (sobre o modo de propor): - A moção do illustre deputado o sr. Rocha Peixoto, na sua primeira parte, quando affirma que pertence ao estado a inspecção suprema do ensino, é perfeitamente axiomatica e nenhum inconveniente haveria em votal-a, se nós estivessemos aqui para votar axiomas, e se não houvesse n'ella occuita alguma outra cousa, que deve ser afastada d'esta discussão. O que se pretende com a moção ?
Pretende-se levar-se a camara subrepticiamente, por desprezo, a dar um voto qualquer de censura a alguém; e n'este ponto eu entendo, como entende o governo, que o que é conveniente é discutir o assumpto em interpellação especial, quando isso seja opportuno e possivel.
Eu sou de opinião effectivamente que o estado tem o direito da suprema inspecção sobre o ensino, como tem o direito de inspecção sobre todos os serviços publicos; mas apresentar esta idéa só por si será proprio de uma academia de uma universidade; não é próprio de uma camara; e reunir essa idéa a um facto qualquer para o censurar ou o elogiar, isso é atrribuição da camara, mas é conveniente que a camara o faça ligando a moção com o acto, havendo a respeito d'elle uma discussão especial, aberta e franca, em que se possam oppôr moções a moções, e é inconveniente que se pretenda surprehender a camara, para depois se dizer lá fora que ella votou n'este ou n'aquelle sentido contra esta ou aquella pessoa. Contra isto é que eu protesto. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Não ha numero para se poder votar, e por isso proceder-se--ha á votação na sessão immediata.
Tenciono submetter a moção á deliberação da camara, dividindo-a em duas partes, porque, em vista das declarações feitas pelos srs. deputados que se inscreveram sobre o modo de propor, vejo que não ha divergencia senão a ultima parte. A
primeira parte é esta:
"A camara affirma que só ao estado portuguez compete a suprema inspecção do ensino publico de todas as sciencias e disciplinas em Portugal."
Tem a palavra o sr. Barbosa Centeno, que a pediu para antes de encerrar a sessão.
O sr. Barbosa Centeno: - Em vista da declaração feita ha pouco pelo sr. ministro da fazenda, relativamente , ao imposto do sal, que é a repetição de outras que s. exa. tem feito em diversas sessões, mando para a mesa um projecto de lei abolindo aquelle imposto.
Apresentando este projecto não ha incoherencia da minha parte, porque, quando na sessão de 1883 esse imposto
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foi aqui proposto pelo sr. conselheiro Hintze Ribeiro, eu fallei contra elle, e só forçado pelas circumstancias estranhas á minha vontade mandei para a mesa uma proposta, reduzindo-o, creio eu, a 2 réis por litro.
Na sessão da commissão de inquerito que teve logar n'um dos ultimos dias do anno passado, pondo-se á votação uma proposta para ser abolido esse imposto, eu votei a favor d'ella. Já vê, pois, v. exa. que sou coherente com os precedentes que a este respeito tenho seguido.
Mando para a mesa o projecto que está assignado por varios collegas meus de diversas proveniencias politicas.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento para que este projecto possa desde já ser lido na mesa e declarado urgente.
O sr. Presidente: - Eu mando-o ler, mas não posso consultar a camara sobre a urgencia, porque não ha numero na sala.
Tem a palavra o sr. Consiglieri Pedroso, que tambem a pediu para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Ainda bem que consegui, pela primeira vez, que as minhas palavras n'esta casa fizessem alguma impressão sobre a maioria. (Riso) Vejo que, em virtude d'ellas, o meu amigo e collega o sr. Barbosa Centeno acaba de mandar para a mesa um projecto quê eu tinha promettido a v. exa. apresentar amanhã.
Folgo tanto mais que fosse o meu illustre collega que o apresentasse, quanto s. exa. sabe que foi apenas por falta de espaço, que o seu nome deixou de figurar no projecto que apresento agora.
ste projecto está assignado por varios cavalheiros que pertencem indistinctamente a todos os lados da camara, para lhe tirar toda e qualquer significação politica.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a votação da moção do sr. Alfredo Peixoto, o parecer da commissão do orçamento sobre a lei de meios, que será distribuido por casa dos srs. deputados, e o projecto n.° 36.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da fazenda
N.º 40-A
Senhores. - Achando-se adiantada a actual sessão legislativa e sendo necessario ficar o governo habilitado legalmente com os recursos precisos para fazer face às despezas do serviço publico no proximo exercicio, é conveniente e opportuno submetter ao vosso exame e approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° E auctorisado o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos, relativos ao exercicio de 1886-1887, e a applicar o seu producto às despezas ordinarias do estado, correspondentes ao mesmo exercicio, segundo o disposto nas cartas de lei de 21 de junho de 1883 e 22 de março de 1886 e demais disposições legislativas de execução permanente em vigor.
§ 1.° Do saldo disponivel dos rendimentos, incluindo juros de inscripções vencidos e vincendos dos conventos de religiosas, supprimidos depois da lei de 4 de abril de 1861, entrará na receita do estado a somma de 30:000$000 réis, como compensação do encargo da dotação do clero parochial nas ilhas adjacentes.
§ 2.° São prorogadas até 30 de junho de 1887 as disposições do artigo 6.° e seus paragraphos da lei de 23 de abril de 1880.
§ 3.° A contribuição predial do anno civil de 1886 é fixada e distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes nos termos do disposto nos §§ 1.° e 3.° do artigo 7.° da lei de 17 de maio de 1880.
§ 4.° A despeza extraordinaria do estado no exercicio de 1886-1887 é fixada na somma de 3.800:000$000 réis, segundo o mappa junto a esta lei, e que d'ella faz parte.
§ 5.° O governo decretará, pela direcção-geral da contabilidade publica, nos mappas das receitas e nas tabellas de distribuição de despeza, as necessarias rectificações, em harmonia com esta lei e com o orçamento proposto para o futuro exercicio.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio da fazenda, 2 de abril cie 1886. = Marianno Cyrillo de Carvalho.
Mappa das despezas extraordinarias do estado para o exercicio de 1886-1887
a que se refere a lei datada de hoje
MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA GUERHA
CAPITULO UNICO
Estrada militar da circumvallação, continuação das obras de fortificação de Lisboa e seu porto, e acquisição de torpedos e material correlativo .... 140:000$000
Reparação extraordinaria de quarteis .... 20:000$000
MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA MARINHA E ULTRAMAR
Marinha
CAPITULO 1.º
Reparação e construcção dos navios da armada .... 90:000$000
Para ferias e maiorias de jornaes aos operarios provisorios, empregados nas
reparações e construcção dos navios da armada .... 10:000$000
CAPITULO 2.°
Construcção e reparação nos edificios de marinha .... 20:000$000
CAPITULO 3.°
Para satisfazer o augmento de preço que porventura possam ter as rações das praças embarcadas nos navios, em serviço das divisões navaes, pelo facto dos generos componentes das mesmas rações serem adquiridos n'aquellas paragens.... 20:000$000
CAPITULO 4.º
Para satisfazer o abono das rações aos contingentes militares que forem para o ultramar ou d'elle regressarem .... 15:000$000
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CAPITULO 5.º
Para satisfazer o custo de material, se durante o exercicio se elevar o numero de navios do armamento naval .... 10:000$000
Ultramar
[Ver tabela na imagem]
MINISTERIO DOS NEGOCIOS DAS ODRAS PUBLICAS, COMMERCIO E INDUSTRIA
[Ver tabela na imagem]
Ministerio dos negocios da fazenda, em 2 de abril de 1886.=Marianno Cyrillo de Carvalho.
Discurso proferido pelo sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 5 de março ,de 1886, e que devia ler-se a pag. 593, col. 1.ª
O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Começo por confirmar as declarações que os meus illustres collegas e excellentes amigos os srs. Sebastião Centeno e Santos Viegas tiveram a bondade de fazer á camara, justificando a minha longa ausencia; e confirmo essas declarações, assegurando a v. exa. e á camara que o motivo das minhas faltas foi muito mais justificado do que seria um incommodo de minha saude.
Tendo entrado pela primeira vez nesta casa ha quinzo annos, quando abri os olhos á luz da politica, e tendo desde então servido com toda a lealdade nas fileiras do partido regenerador, julgo-me dispensado de fazer quaesquer declarações diante dos cavalheiros a quem foram ultimamente confiadas as pastas da governação publica; mas, desde que nos conselhos da corôa está o sr. Marianno de Carvalho,
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corre-me o indispensavel dever de francamente declarar que, pelo que devo a mim, ao sr. presidente do conselho de ministros e ao sr. ministro das obras publicas, na attitude especialmente hostil que hei do tomar para o sr. Marianno de Carvalho, nunca adoptarei os processos de que s. exa. usou largamente, até ao abuso inconveniente, como opposição, no parlamento, e fóra d'elle, contra o governo regenerador, e contra todos a quem se lembrava de combater.
Nunca usarei de similhantes processos; nem a elles recorreria para chegar a qualquer logar que pretendesse, ainda que reconhecesse que só assim poderia obtel-o.
Á minha indole e á minha educação repugnam esses processos; mas se assim não fosse, eu teria de renunciar a elles pela consideração pessoal que dedico ao chefe do gabinete e ao illustre ministro das obras publicas.
A este conselheiro da corôa, meu amigo de tantos annos desde o tempo em que frequentámos a universidade, estou preso por uma distinctissima fineza, com que teve a bondade de obsequiar-me n'uma das occasiões mais dolorosas da minha vida, no meio de pungentissimas angustias. N'esse tempo o sr. Emygdio Navarro nem sequer pensava em ser ministro da corôa; mas já tinha revelado superiores merecimentos.
Essa, fineza, sr. ministro das obras publicas, sabe v. exa. que a tenho sempre em lembrança de sincera gratidão; e assim será lembrada por todas as pessoas da minha familia, pelas que eram já nascidas quando a recebi, como pelas que depois têem vindo a este mundo. O nome de v. exa., sr. ministro das obras publicas, é e será sempre muito estimado por todos nós.
Faço esta declaração com franco desassombro. Não me seduz a idéa de lisongear um ministro cheio de tantas esperanças, cuja influencia é notavel na governação publica.
O nome do illustre ministro está vinculado a um dos trabalhos que escrevi para o meu acto de conclusões magnas, em pagina de eterna saudade. Ali prestei ao leal e dedicado amigo de meu irmão as homenagens da minha gratidão: com a mesma sinceridade as presto hoje, sem que me deslumbre o brilha de posição elevada a que s. exa. subiu pelos seus incontestaveis merecimentos.
Ao sr. presidente do conselho devo a primeira fineza que recebi n'esta casa, uma das que mais me têem penhorado. Foi s. exa. de benevolencia honrosissima para mim, numa das primeiras occasiões em que fallei n'esta casa, quando se realisou uma celebre interpellação ácerca da administração do districto do Vianna. S. exa., que já tinha sido ministro e era um parlamentar por todos considerado em subida estima, deu-me a honra de responder-me com tão distincta consideração, que me prendeu para sempre. E essa benevolencia, sr. presidente, confirmou-a s. exa. ainda ha poucos mezes, prestando-se com a mais obsequiosa vontade a distinguir-me com uma subida fineza na minha carreira de professor.
O meu reconhecimento pessoal a estes dois ministros da corôa, longe de afastar-me da analyse demorada e severa dos seus trabalhos e actos, impõe-me a obrigação de ser mais cuidadoso e mais attento ainda. Creio que, na minha opposição politica a s. exas., hei de mostrar-me bem digno da sua estima pessoal.
Quando disse que a minha posição havia de ser essencialmente hostil ao sr. ministro da fazenda, não foi por lembrar-me de quaesquer aggravos que de s. exa., ou antes do seu jornal, tenha recebido; mas só pela pasta que a s. exa. está confiada. Tanto isto é exacto, que tomo, desde já, o compromisso de approvar todas as suas propostas de fazenda que sejam boas, justas e convenientes para o paiz.
Mas, meus senhores, não me anima a esperança de que s. exa., no curtissimo espaço que nos resta para terminar o praso legal desta sessão, só apresente propostas n'estas condições, pois ainda hoje tive occasião de ler uma em que o illustre ministro apparece opprimido pelo funesto influxo do empyrismo e da imaginação. Emfim, quando se discutir essa proposta fallarei mais largamente sobre o assumpto; não é esta a occasião conveniente para similhante discussão.
O meu excellente amigo e nosso illustre collega, o sr. Sebastião Centeno, fez-me a fineza de annunciar, em meu nome, duas interpellações, ha mez e meio, creio eu; uma sobre o estado tumultuario, anarchico, desgraçadissimo, emfim, do observatorio astronomico da universidade de Coimbra, a respeito do qual v. exa., sr. presidente, póde ser bem informado pelo cavalheiro que se senta á sua direita; a outra, ácerca do cahotico e irregularissimo ensino da theologia nos seminarios diocesanos.
Essas interpellações não foram dirigidas especialmente aos cavalheiros que se sentavam nas cadeiras do governo, os srs. Barjona de Freitas e Manuel d'Assumpção; foram dirigidas aos ministros da corôa.
Declaro a v. exa. que insisto n'estas interpellações; e peço aos dois ministros presentes que previnam os seus collegas do reino e da justiça de que desejo realisal-as.
Mal pensava eu, quando annunciei a interpellação ácerca do ensino da theologia nos seminarios diocesanos, que, pouco tempo depois, um facto extraordinario viria confirmar a necessidade d'esta interpellação, um facto que então eu reputava impossivel!
Annunciei esta interpellação, depois de ter meditado muito sobre o seu assumpto, depois de muitos mezes de estudo e de especial exame dos mappas que têem sido publicados com as consultas da junta geral da bulla da cruzada.
Tendo visto que nos seminarios das nossas dezenove dioceses do continente e das ilhas adjacentes não era do mesmo modo ensinada a theologia; tendo observado enormes e inexplicaveis divergencias nos seus quadros disciplinares, no movimento escolar e nas despezas; tendo sido surprehendido pelo monstruoso processo adoptado para o provimento dos legares de professores para este ensino, que é indispensavelmente necessario que seja superior; convenci-me immediatamente da urgentissima necessidade de uma reforma radical, que, em meu parecer, não póde deixar de ser a suppressão de taes institutos, para que sejam substituidos por faculdades de theologia e cursos annexos ás mesmas. Tal é a providencia que, para ser efficaz, impreterivel e digno o ensino da sagrada theologia, tive a honra de propor no projecto de lei para a reforma da instrucção superior, projecto que aqui apresentei na sessão de 5 de janeiro.
Disciplinas essenciaes para o estudo da theologia têem faltado ou tido insufficiente desenvolvimento em alguns dos nossos seminarios. Não tem havido regularidade na distribuição dos fundos do cofre da bulla da cruzada. Na organisação do pessoal tem havido incriveis anomalias. Emfim, meus senhores, para a nomeação dos professores para estes institutos, que deviam ser de instrucção superior, os professores são escolhidos com menos rigor e com menos cuidado que os de instrucção primaria! Os professores dos seminários diocesanos, como os provisorios dos lyceus, são nomeados sem concurso; e esta habilitação essencial é exigida a todos os outros professores, até aos das primeiras letras em escola sertaneja!
Estes são os motivos que me determinaram a propor a suppressão dos seminarios diocesanos, substituindo-os pela forma que já tive a honra de indicar-vos; desenvolvel-os-hei em occasião mais opportuna.
Sei a que perigos fico exposto; e quantas injustiças vão erguer-se contra mim. Mas, senhores, pelo estudo, adquiri tão decidida convicção, que entendi que não devia desistir d'este projecto; não significa isto falta de consideração pelo clero, nem menos dedicação pelo serio estudo da theologia.
No mesmo projecto é evidente o meu interesse pela sorte do clero portuguez e pelo progresso dos estudos theo-
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logicos. No projecto que apresentei em relação ás categorias para o pariato, deixei bem consignados os meus sentimentos de justa consideração pelos principes da igreja portugueza e mais dignidades ecclesiasticas.
Fui aconselhado por pessoas que muito me estimam, sr. presidente, a desistir d'este projecto n'esta parte; mas attendi sómente ás inspirações da minha consciencia; e apresentei-o.
Depois de ter annunciado a interpellação sobre tão importante assumpto, fui obsequiosamente brindado pelo egregio prelado de Coimbra, o sr. bispo-conde, com um livro ultimamente publicado por s. exa. Tenho aqui o proprio exemplar que s. exa. teve a bondade de offerecer-me e que estimo muitissimo.
Faço esta sincera declaração; mas a minha estima por este livro não póde ir até ao ponto de acceitar eu como boas todas as doutrinas n'elle expostas.
Tenho por este virtuoso prelado a mais profunda veneração e verdadeira gratidão. S. exa. é um dos prelados mais dignos de Portugal; e considero-o mesmo com merecimentos para modelo do episcopado portuguez.
Mas estou muito longe de considerar que s. exa. seja incapaz de commetter um erro; como estou persuadido de que o seu animo, naturalmente generoso, não hesitará em confessar e reparar os próprios erros, logo que d'elles seja convencido.
Se eu estivesse persuadido de que este antistite da igreja lusitana era capaz de persistir nos erros, depois do tel-os reconhecido, então, com franqueza, declaro que não viria pedir providencias com a fé que agora me anima.
A paginas 6 d'este livro, diz s. exa.:
«Tambem não posso ser arguido de cooperar com o governo portuguez na grande injustiça por elle praticada, de dispor dos bens da igreja, sem intervenção e accordo prévio com a Santa Sé.»
Não leio este periodo para discutir as idéas ou opiniões de s. exa. revma. o sr. bispo conde, leio-o para que os srs. ministros da corôa me declarem: primeiramente se acceitam esta doutrina; e depois se entendem que da parte do governo ha necessidade de refutal-a.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarra): - Peço a palavra.
O Orador: - Já vêem v. exas. que não venho censurar o acto do egregio antistite da santa igreja de Coimbra; é apenas meu desejo que se esclareça este ponto.
Errou o illustrado bispo? Entendo que errou.
Mas não basta que eu o entenda assim; a minha opinião, embora inspirada por consciencia honesta e roborada pelo pleno conhecimento que do assumpto adquiri pelo estudo, tambem é certo que pouco vale diante da magnitude da questão. Indispensavelmente necessaria e urgente é a do governo. Para emittil-a aqui e já, é claro que tão competente é o sr. ministro da fazenda como o sr. ministro das obras publicas, presentes, como os srs. presidente do conselho de ministro, e dos negocios ecclesiasticos, que não tenho a satisfação de ver hoje aqui.
Mas ha mais e muito mais; e é esse o ponto principal das brevissimas considerações que vou expor.
Tenho aqui uma primorosa memoria escripta por um meu collega na universidade, tão primorosa que a considero com justissimo orgulho una brasão, um titulo de gloria para a universidade de fr. Martinho de Ledesma.
Alludo á memoria escripta pelo dr. Damazio Jacinto Fragoso.
Ha pouco, declarei a v. exa. que era verdadeiramente grato a s. exa. revma. o sr. bispo conde e que lhe tributava a mais grata veneração. Acrescento agora que a cada um dos lentes da faculdade de theologia me prendem as mesmas relações de amisade e os mesmos sentimentos de sympathia. É pois certo que estou na melhor situação para poder apreciar o conflicto travado entre s. exa. revma. O sr. bispo conde e os lentes de theologia da universidade.
Na memoria a que ha pouco me referi, diz o dr. Damazio Fragoso:
«O estado não póde, nem deve abdicar o direito, que tem, de fazer respeitar e tornar validos os graus academicos de uma faculdade em que exerce directa e exclusiva superintendencia e por intermédio da qual poderá influir, de um modo efficaz, no bom regimen das dioceses.»
Refere-se o sabio theologo á sua faculdade.
Aqui está um ponto gravissimo em que desejo e é preciso que qualquer dos membros do governo me diga se acceita ou não a doutrina d'esta memoria. O sr. bispo conde não a acceita.
O illustre prelado diz:
«São elles (os bispas portuguezcs) com o Papa os unicos juizes da fé e os unicos mestres da doutrina e do ensino catholico em Portugal.»
Na carta escripta por s. exa. aos illustres lentes da faculdade de theologia, depois da mais brilhante prova de confraternidade que se tem presenceado n'este paiz, diz o seguinte:
«Tambem a carta de v. exas. desvanece os receios que porventura tivessemos, não obstante o exposto, de sermos menos justos para com v. exas., inferindo do voto de louvor a approvação da doutrina da citada memoria «refere se s. exa. revma. ao grandioso escripto do sr. dr. Damazio Jacintho Fragoso» porque a respeito do que ella tão terminantemente expõe e affirma sem explicação ou restricção alguma - que o estado exerce directa e exclusiva superintendencia na faculdade de theologia e que por meio d'ella poderá influir de um modo efficaz no bom regimen das dioceses - o que nós não queriamos crer que a faculdade perfilhasse, declarara v. exas. tambem sem explicação ou restricção alguma, que, entre outros pontos da referida memoria, approvam e fazem sua esta doutrina.»
Já vêem v. exas. a necessidade de que o governo declare se porventura entende que só ao estado compete a suprema inspecção do ensino publico da sagrada theologia.
Este caso é mais grave do que póde parecer á primeira vista. (Apoiados.) De tanta gravidade é, que n'essa mesma gravidade tenho a resposta a quem possa estranhar que eu esteja levantando esta questão na ausência do sr. ministro da justiça. Tão importante é, que entendi dever solicitar para este assumpto a attenção d'esta assembléa, logo que chegasse a esta casa, qualquer que fosse o governo que estivesse n'aquellas cadeiras, qualquer que fosse o partido que ali estivesse representado.
Estas mesmas considerações exporia eu aqui, com a franqueza que reputo dever meu, se ainda viesse encontrar a, mesma situação que deixei quando tive de retirar-me.
V. exa. sabe que não é nova esta minha declaração de que em questões de instrucção publica, fazenda, obras publicas e ultramar, não me decido por considerações politicas nem por sympathias, quaesquer que sejam as consequencias. Trato estas questões como as entendo. Mais que uma vez o declarei na ultima sessão legislativa.
(Interrupção.)
Para a questão de facto, a que alludo, tão habilitado está a responder o sr. ministro das obras publicas, ou qualquer dos outros, como o da justiça.
Na questão de direito creio que não ha aqui quem se lembre de contestar ao sr. Emygdio Navarro superior competencia.
Não estranhe pois o illustre deputado, que teve a bondade de interromper-me, o meu distincto amigo, que prosiga n'estas rapidas reflexões, na ausencia do sr. ministro dos negocios ecclesiasticos, a quem mais particularmente pertence este assumpto, pela parte que n'ella tem s. exa. revma. o sr. bispo de Coimbra, e na ausencia do sr. ministro do reino, que tem de intervir para fazer valer os incontestaveis direitos e as elevadas attribuições da illustradissima faculdade de theologia. Proseguirei pois.
O distincto lente da universidade e meu amigo dr. Da-
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780 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
masio Jacinto Fragoso escreveu esta primorosissima memoria como delegado da faculdade de theologia ao conselho superior do instrucção publica; e apresentou-a a este alto corpo academico em sessão plenaria, isto é, em sessão a que tinham concorrido os membros das duas secções que o constituem, a permanente e a electiva.
Esta memoria foi o trabalho do mais distincto valor que foi apresentado então; trabalho até sufficiente para justificar a creação do mesmo conselho, que na sua sessão plenaria prestou á instrucção publica serviços relevantes.
Faço esta declaração com natural satisfação de professor, se bem que tive a honra de propor a suppressão d'este conselho, por uma outra ordem de rasões, no projecto do lei que, em sessão de 5 de janeiro, submetti á illustrada apreciação d'esta assembléa.
O conselho superior de instrucção publica recebeu esta memoria coia sympathia e apreço, reconhecendo e proclamando o merecimento d'ella por unanimidade e sem discussão, o que consta do relatório do vice presidente do referido conselho, trabalho publicado no Diario do governo.
Depois d'esta justissima e altamente honrosa apreciação, o conselho da faculdade de theologia, por unanimidade e sem discussão, conferiu um voto de louvor ao seu erudito delegado perante o supremo conselho de instrucção publica pela maneira superiormente distincta como ali a tinha representado.
Eis os factos em toda a sua singeleza.
Note v. exa. que a faculdade de theologia foi tão prudente e modesta, que não emittiu o voto do seu louvor sem que o supremo conselho de instrucção publica tivesse terminado os seus trabalhos.
Já então tinha sido publicada pelo seu auctor, na imprensa da universidade, a memória a que me tenho referido.
N'essa occasião, depois da manifestação solemne da faculdade de theologia, foi que s. exa. revma. o sr. bispo de Coimbra e conde de Arganil censurou o periodo d'esta memoria que li ha pouco.
Creio que v. exa., um distincto homem de sciencia, ha de ter lido esta primorosa memoria; e então já v. exa. sabe que o seu auctor não reclama nem solicita mais do que tinha sido reclamado e solicitado na Memoria historica e commemorativa da sua faculdade em 1872, e em diversas consultas e representações pelo conselho da mesma faculdades dirigidas ao governo.
Não ha doutrina mais justa do que esta, nem mais sensata, nem mais patriotica.
A carta de lei de 28 de abril de 1845 equiparou para o effeito especial do provimento das dignidades ecclesiasticas os bachareis formados em direito aos bachareis formados em theologia. A revogação d'esta monstruosa disposição é um dos pontos especiaes das reclamações sustentadas nesta memória com notavel energia. Vejam v. exa. e toda esta assembléa se póde um theologo condemnar esta justa reclamação!
O provimento dos logares de professores nos seminarios diocesanos, nos termos do artigo 3.° da mesma carta de lei, é feito sem concurso! Vejam v. exas. que assim ha para a escolha destes professores menos cuidado que para a dos professores de instrucção primaria. Para esta monstruosidade pede remedio prompto e efficaz, em nome da sua faculdade, o dr. Damazio Jacinto Fragoso. Notem que muito antes d'esta reclamação, já o sr. Barjona de Freitas, como ministro dos negocios ecclesiasticos, tinha publicado uma portaria, muito bem elaborada e deduzida, e indicara a necessidade do concurso para o ingresso no professorado do seminario diocesano.
Creio ter demonstrado, ainda que rapidamente, e n'esta occasião fora inopportuno o desenvolvimento completo deste assumpto, a grave importancia da questão e a necessidade de declarações por parte do governo, perante o conflicto
travado entre o antistite da igreja conimbricense e a universidade de Coimbra.
E todavia, ha ainda circumstancias mais graves, meus senhores.
Tenham os meus collegas a bondade de ligar os três factos que vou apontar-lhes sem commentarios.
O Santo Padre Leão XIII recommendou o ensino da philosophia de S. Thomás de Aquino. Não é agora occasião de discutir se a rocommendação foi ou não conveniente.
(Interrupção.)
O que sei é que o sr. bispo conde foi o primeiro prelado portuguez que fundou uma academia destinada especialmente ao ensino d'aquella philosophia.
V. exa. não póde fazer idéa do explendor com que essa academia foi inaugurada, nem do brilho com que têem sido feitas as festas annuaes para a solemne celebração do anniversario da installação da mesma academia.
Com a mesma franqueza de que tenho usado a apreciar as considerações escriptas pelo sr. bispo conde, que me parecem menos convenientes, declaro a v. exa. e a esta assembléa, que essas festas scientificas têem sido das mais levantadas a que tenho assistido; e d'ellas terei a satisfação de fazer descripção completa, se chegar a discutir-se o assumpto a que se refere esta minha interpellação.
Tomem nota d'este facto.
Ha mezes, consta-me que veiu de Roma, não sei como, nem por que artes ou bulias, o grau de doutor para um presbytero que tinha sido elevado á ordem episcopal contra as determinações expressas do concilio de Trento.
Vi este facto affirmado na imprensa, que tambem publicou a noticia de ter concedido, com algumas restricções, o beneplacito regio às bullas que tinham conferido o grau de doutor na sagrada theologia a um arcebispo portuguez.
Do alto da curia caiu para o reino de Portugal um capello de doutor!
Segundo facto é este para que solicito a attenção dos que me dão a honra de escutar-me.
O terceiro é o conflicto levantado por s. exa. revma. o sr. bispo de Coimbra e conde de Arganil contra a sapientissima faculdade de theologia, que occupa um logar culminante no principado das sciencias em Portugal.
Não discuto factos; aponto-os apenas.
Reflictam v. exas. n'estes factos; meditem na conclusão a que elles conduzem; e hão de commigo reconhecer a gravidade deste assumpto, e a necessidade de que os poderes publicos se pronunciem sobre elle, categorica, energica e promptamente.
Agora solicito, em especial, a attenção do sr. Marianno de Carvalho, mais como astronomo e mathematico do que como ministro.
É da competencia official e immediata superintendencia do sr. ministro do reino a questão a que vou alludir; mas para uma solução pratica, que é urgente, e para esclarecer completamente o illustre ministro, muito póde contribuir o sr. Marianno de Carvalho pela sua competencia scientifica e technica.
Declaro que subsiste a minha nota de interpellação, annunciada ao sr. ministro do reino do ultimo gabinete regenerador, pelo meu illustre amigo e collega o sr. Sebastião Centeno, em meu nome, ácerca da situação cahotica, deploravel, absurda, e arbitraria do observatorio astronomico da universidade, estabelecimento que a lei collocou sob a inspecção da faculdade de mathematica e que parece transformado em propriedade particular.
Estão vagos dois logares de ajudantes, e outros dois occupados por funccionarios provisorios, nomeados caprichosamente sem concurso. D'estes, um foi reprovado era merito absoluto no concurso para o logar de lente de faculdade de mathematica; o outro não se tem apresentado nos concursos feitos para provimento dos logares vagos no quadro docentes da mesma faculdade.
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Notem v. exas. que os logares de ajudantes do observatorio astronomico foram considerados sempre, e com rasão fundamental para a organisação do mesmo estabelecimento, como de tirocinio para os cargos de astronomos.
Veja v. exa., sr. presidente, a que ponto têem chegado as cousas. O collega que se senta á direita de v. exa., terceiro lente cathedratico da faculdade de mathematica actualmente, é o ultimo dos que fizeram este indispensavel tirocinio no observatorio astronomico; a s. exa. seguimo-nos seis; e ainda temos um logar vago!
Agora é isto. O que será daqui a alguns annos?
O sr. Marianno de Carvalho sabe perfeitamente que um astrónomo não se faz em meia duzia de mezes; nem em poucos annos.
É pois, urgente, adoptar providencias para que cesso tão absurdo e despotico estado.
Solicito estas providencias por motivo de patriotismo e natural interesse pela prosperidade e honra da universidade, pelos progressos e pelas indispensáveis necessidades da astronomia, sciencia que tem sido companheira fiel da civilisação.
Ao sr. ministro da fazenda peço que de todas estas informações e dos mais esclarecimentos que julgar indispensaveis ou convenientes, dê noticia ao sr. Presidente do conselho de ministros e ministro do reino; ainda peço que previna este seu illustre collega de que desejo interpellal-o formal e minuciosamente sobre este importantissimo assumpto, disposto como estou a expor ao paiz, n'esta assembléa, o vergonhoso etado em que caiu o observatorio astronomico da universidade.
Não ha considerações que me detenham diante do que é dever de consciencia para mim, de honra para a faculdade a que tenho a honra de pertencer, e de justiça para os poderes publicos, onde tenho a honra de occupar este logar.
Termino, declarando a v. exa. e á camara, que, como gratissima satisfação, me associo às lucidissimas e sabias observações que fez o nosso doutissimo collega o sr. dr. Calixto sobre a necessidade da reforma de alguns artigos dos codigos commercial e civil, e significando os seus bem sinceros desejos de que s. exa. seja mais feliz do que eu, como é justo que seja.
Apresentei a esta camara, na sessão de 5 de janeiro, um projecto de reforma de alguns artigos do codigo civil; e creio que nem relator encontrou ainda na illustrada commissão a que foi remettido. A s. exa. desejo que o mesmo não succeda.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.