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SESSÃO NOCTURNA DE 16 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. Srs.

José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral
Francisco José Machado

SUMMARIO

Ordem da noite: continua a discussão na especialidade (artigo 1.°) do projecto de lei n.° 104, relativo ao banco emissor. - Usam da palavra o sr. Lopo Vaz, que apresenta differentes propostas, umas de substituição, outras de additamento, e o sr. ministro da fazenda.

Aberturu da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Moraes Carvalho, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Antonio Ermes, Gomes Neto, Antonio Maria de Carvalho, Pereira Carrilho, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Lucena e Faro, Frederico Arouca, Sá Nogueira, Cândido da Silva, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arrojo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Joaquim da Veiga, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, Pereira e Matos, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Alpoim, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, Santos Moreira, Santos Reis, Abreu e Sousa, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Marcai Pacheco, Miguel Dantas, Pedro Victor e Estrella Braga.

Entraram durante a sessão os srs.: - Serpa Pinto, Baptista de Sousa, Antonio Villaça, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Fontes Ganhado, Jalles, Simões dos Reis, Urbano de Castro, Miranda Montenegro, Eduardo de Abreu, Emygdip Julio Navarro, Goes Pinto, Madeira Pinto, Matoso Santos, Freitas Branco, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Soares de Moura, Guilherme de Abreu, Cardoso Valente, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Avellar Machado, Barbosa Collen, José Castello Branco, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Barbosa de Magalhães, José de Saldanha (D.), Vieira Lisboa, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo e Tito de Carvalho.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Mazziotti, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Francisco Beirão, Francisco de Barros, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Pires Villar, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Sousa Machado, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Ferreira Galvão, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, Ferreira Freire, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Bandeira Coelho, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro Diniz, Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Visconde de Silves, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

ORDEM DA NOITE

Continua a discussão na especialidade do artigo 1.° do projecto n.° 104, relativo ao banco emissor

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Lopo Vaz.
O sr. Lopo Vaz: - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygrupliicas.)
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Substituição aos §§ 2.° e 3.° do artigo 1.° do projecto de lei:
Artigo 1.°... § 2.° O banco emissor que se constituir, em virtude das disposições da presente lei, poderá contratar com os bancos que actualmente possuem a faculdade de emissão de notas a renuncia por parte d'estes a essa faculdade.
§ 3.° Não se realisando o accordo, a faculdade de emissão conferida aos mesmos bancos manter-se-ha conforme as leis respectivas, coexistindo com a emissão contratada nos termos d'esta lei, mas os bancos que não renunciarem a essa faculdade ficarão sujeitos á fiscalisação do governo e ás restricções consignadas nos artigos 11.°, 26.°, 27.°, 28.° e 29.° da mesma lei, devendo liquidar no praso maximo de dois annos todas e quaesquer operações já effectuadas, que não sejam consentidas nos mencionados artigos. As suas notas serão recebidas pelo seu valor nominal nas caixas filiaes ou agencias do banco emissor, estabelecidas nas localidades, sedes d'aquelles bancos, emquanto forem pagas á vista.
§ 4.° O banco emissor pagará durante vinte annos aos bancos que actualmente têem a faculdade da emissão, e que a ella renunciarem, independentemente de qualquer accordo ou contrato e no praso de seis mezes, contados da data da presente lei, uma prestação annual equivalente a 2 por cento da media da circulação d'esses bancos no anno de 1886.
§ 5.° Na hypothese prevista no § 1.° d'este artigo cessará para o banco de Portugal em 31 de dezembro do anno corrente a sua faculdade de emissão de notas, sem que por isso tenha direito a indemnização alguma.
Bases para a constituição do banco emissor.
Substituição do § 2.° do artigo 2.°:
Artigo 2.°... § 2,° O banco deverá ter organisadas e em serviço as caixas filiaes ou agencias das capitaes dos districtos administrativos do reino e ilhas adjacentes no praso de tres annos, a contar de 1 de janeiro de 1888, não devendo o praso assim concedido prejudicar os serviços de que trata o artigo 24.° Se n'este praso não estiverem constituidas as caixas filiaes ou as agencias, o banco pagará multas de 1:500$000 réis por cada periodo de tres mezes de demora na constituição das caixas filiaes, e de réis 500$000 por cada periodo igual de demora na constituição das agencias. Se no fim de quatro annos contados desde
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1 de janeiro de 1888 não estiverem ainda constituidas as caixas filiaes ou as agencias em quatro ou mais districtos, o governo poderá retirar ao banco a faculdade exclusiva de emittir notas com curso legal.
Additamento ao artigo 3.°:
§ unico. No fim de quinze annos, contados desde o dia mencionado n'este artigo e successivamente de dez em dez annos, poderá ser expropriado o banco por decreto do governo, mediando aviso pelo menos um anno antes, no caso de não terem sido acceitas pelo mesmo banco modificações no seu contrato, expressamente fixadas com aquella comminação em uma lei. O preço dá expropriação não poderá ser inferior á addição da importancia do capital effectivo e existente e da dos fundos de reserva, salvo se esta addição equivaler a uma somma excedente ao valor total das acções segundo a sua cotação media no anno que precedeu o aviso, porque n'este caso o preço da expropriação será o equivalente d'esse valor. A lei póde alem d'isso auctorisar a expropriação do banco em todos os casos em que sem isso haja de ter logar a dissolução do mesmo banco.
Additamento ao artigo 3.°, in fine:
O banco poderá ser obrigado em virtude de uma lei nos primeiros trinta annos da sua duração a augmentar o seu capital social, logo que a circulação tenha attingido 25.000:000$000 réis.
Additamento ao artigo depois do § 2.°:
§ 3.° O governo poderá, ou tomar acções até ao valor nominal de 1.500:000$000 réis, se julgar provavel um lucro resultante da sua venda em praso não inferior a quatro annos, não podendo em todo o caso tomar parte como accionista em quaesquer deliberações da assembléa geral; ou exigir, se o banco emissor for o banco de Portugal, que seja paga ao estado em relação ao total de 15:000 acções uma somma não inferior a 50 por cento da differença que houver entre o preço por que forem tomadas as acções e aquelle por que estejam cotadas as acções do banco de Portugal ou as do novo banco, que já estiverem emittidas e collocadas.
Additamento ao artigo 16.°:
Artigo 16.°, § unico. O governo fixará, ouvido o banco, a importancia da emissão de cada typo, segundo as circumstancias occorrentes.
Emenda ao artigo 21.°:
Substituir as palavras - limite de 5 por cento - pelas seguintes - limite de 4 por cento.
Acrescentar em seguida ás palavras - por cada meio ponto de baixa - o seguinte - até attingir o limite maximo de 6 por cento.
Additamento ao artigo 24.°, in fine:
O banco é alem d'isso obrigado, desde o fim do decimo quinto anno da sua constituição, a estabelecer agencias nas demais localidades importantes que forem designadas pelo governo, comtanto que sejam cabeças de comarca.
Emenda aos artigos 26.° e 27.°:
Supprima-se no artigo 26.° a alinea c) do n.° 3.°, e no artigo 27.° o n.° 4.°
Emenda ao artigo 35.°:
Supprimam-se as palavras - para serem presentes ao governador.
Additamento ao § unico do artigo 38.°, in fine:
E alem d'isso incompativel com o logar de governador o cargo de ministro d'estado e o exercicio de funcções legislativas. Se a nomeação recair em um par vitalicio, este não perderá o seu logar de par, mas não poderá exercer as suas funcções em quanto for governador do banco.
Sala das sessões, 16 de junho de 1887. = Lopo Vaz.
As propostas foram admittidas.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - (O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para a sessão de sabbado é a continuação da que está dada, e mais os pareceres n.ºs 111 e 114.

Está levantada a sessão.

Era quasi meia hora depois da meia noite.

Discurso proferido pelo sr. deputado José Dias Ferreira, na sessão nocturna de 14 de junho, e que devia ler-se a pag. 1:246, col. 2.ª

O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, cumprindo as disposições do regimento, leio as seguintes propostas, que são emendas aos artigos 12.° e 22.°
(Leu.)
Sr. presidente, não posso acompanhar os meus illustres collegas na grande altura a que levaram o debate. Percorreram elles, no meio de uma critica sempre elevada e instructiva, a Belgica, a Allemanha, a Suissa, e os Estados Unidos da America, apreciando com grande largueza de vistas as instituições bancarias e em geral as instituições de credito d'aquelles povos, que são dos primeiros do mundo em riqueza e em civilisação.
Não se aclimatariam facilmente no nosso paiz, com uma limitada vida economica, os estabelecimentos de povos florescentes pelo desenvolvimento de suas industrias e pela riqueza da sua vida commercial. Também não me preoccupo com a questão theorica ou philosophica da multiplicidade ou unidade dos bancos emissores. Todas as minhas considerações se resumirão em perguntar ao governo e á illustre commissão quaes as rasões de necessidade urgente, ou pelo menos de utilidade real, d'este projecto, e sobretudo se a medida em discussão não importa desvantagens para a vida economica do paiz e para a sua situação financeira.
Limitar-me-hei pois a discutir o projecto, e só o projecto, que contém quatro pontos capitaes, que eu hei de percorrer todo, mas com a possivel rapidez, porque a camara deve estar cansada já com o debate, que de si é enfadonho, e que pela qualidade dos oradores, que n'elle têem tomado parte, deverá reputar-se esgotado.
Nem mesmo vou discutir projecto análogo apresentado nesta casa pelo governo que se achava á frente dos negocios publicos em 1875 ou 1876, porque só desejo apreciar a providencia agora sujeita ao debate. Mas para introduzir ordem nas minhas idéas, começo por indicar os pontos theoricos em que concordo com respeito á circulação fiduciaria.
Não reputo absolutamente necessario e urgente, nas circumstancias financeiras do paiz, no estado da nossa industria bancaria e da nossa situação economica, a creação de um banco emissor.
Não vejo todavia inconveniente, e antes utilidade, em manter um banco com a faculdade de emittir notas fiduciarias em todo o reino, ou em todo o continente do reino e ilhas adjacentes, sem o monopolio do curso legal de suas notas, sem privilegio exclusivo de qualquer ordem, e sobretudo sem ligar os poderes publicos á existencia de uma instituição, de modo que fiquem inteiramente livres para em qualquer tempo, e segundo as circumstancias, regularem de outro modo, em harmonia com as conveniencias publicas, as condições da nossa circulação fiduciaria.
Também estou de accordo em que a concessão se deve fazer ao banco de Portugal e só ao banco de Portugal, e por esta fórma excluo absolutamente na minha ordem de idéas o systema de concurso. No meu entender, se o banco de Portugal não quizesse encarregar-se da circulação fiduciaria no continente do reino e ilhas adjacentes, não deveriam os poderes publicos por agora fazer a concessão a nenhum outro estabelecimento, e muito menos a estabelecimento creado com capital estrangeiro, que só se nacionalisasse pela naturalidade dos seus directores.

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É assim convicção minha que o estado não se prejudica, e antes póde lucrar com a existência de um banco, que tenha o direito de emittir bilhetes fiduciarios pagaveis ao portador e á vista, em todo o continente do reino e ilhas adjacentes, sendo esse estabelecimento o banco de Portugal, e só o banco de Portugal.
Tambem sou abertamente contrario á fixação da taxa legal do juro. E indispensavel determinar um juro normal para completar varias disposições do projecto e algumas das bases do contrato, que faz parte do parecer em discussão.
Sr. presidente, sou adversario intransigente das restricções liberaes. Estou convencido de que nem as instituições politicas, nem as instituições economicas, podem desenvolver-se e prosperar, senão aquecendo-se ao calor da liberdade.
A taxa do juro legal não poderia produzir senão consequencias perturbadoras para o commercio e para a vida economica da nação, porque o banco, quando não lhe conviesse a taxa de juro, não descontaria, o que seria muito maior calamidade para o commercio, do que a elevação do desconto.
As leis feitas pelos homens, desde que não reproduzam os principios de lei eterna, os principios da lei natural, apenas modificados pelas circumstancias dos povos, para que são feitas, hão de produzir sempre resultados contraproducentes.
Fixa-se a taxa do juro para evitar que o banco desconte a preço alto. Qual é o resultado? É que o banco não descontará nem a preço alto nem a preço baixo, isto é, absolutamente não descontará quando não possa receber o juro taxado pelas condições do mercado.
Ora o commercio do que precisa é de que lhe descontem os seus papeis.
O commercio prefere pagar juro mais alto, em periodos curtos, porque ordinariamente não são longos os periodos das crises, porque não são duradouras as causas d'estas, a ficar com as letras em carteira, e sem dinheiro para o desenvolvimento da sua industria, e para o giro do seu trafico.
Mas para que será necessario entre nós um banco emissor? A conveniencia de estabelecer ou de manter em Portugal um banco emissor é o que eu vou discutir.
Como não estou fallando n'uma academia de philosophos, nem n'uma escola de economistas, mas no parlamento portuguez, não curo de saber se o projecto em discussão é bom para a Suissa, para a Allemanha, para os Estados Unidos, ou para a Belgica, mas sim se convem ás necessidades publicas do povo portuguez.
Nem se fazem leis, nem se criam estabelecimentos por amor da arte, e sim para occorrer a reclamações instantes dos interesses sociaes. Acceito, como de conveniencia publica a organisação de um banco emissor, ou antes a continuação da existencia de um banco emissor, nas condições do banco de Portugal, que está recebido nos costumes publicos, cujas notas têem a confiança dos mercados, notas que todos nós recebemos a olhos fechados como moeda sem nos preoccuparmos com a garantia que estes titulos fiduciarios têem na reserva metallica e nos demais valores do estabelecimento emissor.
Estou intimamente convencido que de mil pessoas, que recebem as notas do banco de Portugal com a mesma facilidade com que receberiam dinheiro, uma apenas saberá que aquelle banco é obrigado a ter reserva metallica, equivalente a um terço das notas em circulação e dos bilhetes pagaveis á vista, alem das garantias de outros valores de facil e prompta realisação.
O publico recebe estas notas sem hesitação, e ainda de preferencia a moeda, pela vantagem de guardar em pequeno e commodo volume consideraveis valores, pela confiança que deposita no estabelecimento, e na sua zelosa gerencia, e pelo habito de receber as notas do banco de Portugal como se fosse boa moeda e bom dinheiro. (Apoiados.)
Ora bastava me que o papel d'aquelle banco favorecesse, como favorece, a circulação fiduciaria, substituindo vantajosamente a moeda, porque permitte arrecadar na algibeira, ou na carteira, avultadas quantias de dinheiro em pequenos bocados de papel, para eu sustentar a conveniencia de mantermos o banco emissor.
Não reputo a emissão fiduciaria, como se acha no projecto, de urgente necessidade para o paiz; nem creio que no estado do nosso desenvolvimento industrial e commercial, e com a actual organisação das nossas emprezas bancarias, nos seja absolutamente preciso um banco emissor, á similhança dos que se encontram em paizes estrangeiros, que têem larga vida economica, e onde os estabelecimentos d'esta ordem são absolutamente indispensaveis para supprir as necessidades da circulação fiduciaria, e substituir as especies monetarias.
Nos povos em que a vida economica e commercial tem attingido grande desenvolvimento, é da mais alta e da mais urgente necessidade a existencia de bancos emissores, destinados, menos a fazer emprestimos, cujas funcções são o caracteristico dos bancos de deposito, mas a completar a circulação monetaria, e a soccorrer os bancos propriamente de emprestimo.
Estes bancos têem ordinariamente em giro todo o seu activo, e mal d'aquelles que conservarem immobilisados na sua carteira, sem interesse dos accionistas, valores destinados a proteger e a animar a industria e o commercio, porque essas sommas arrecadadas na sua carteira representarão outros tantos valores improductivos em prejuizo dos associados. (Apoiados.)
Aos bancos propriamente de emprestimo, sob pena de soffrerem prejuizos na proporção das sommas immobilisadas, não convêm ter em caixa senão o dinheiro necessario para as despezas ordinarias de todos os dias; devendo andar o resto do seu capital empregado em descontos e em operações commerciaes e industriaes, que são a essencia e a base das funcções d'estes bancos.
N'estas circumstancias, o grande papel e a alta funcção do banco emissor é proteger os bancos de desconto que, carecendo de servir os seus freguezes e não tendo dinheiro em carteira, recorrem ao banco emissor, onde descontam valores seus ou de seus mutuarios, garantidos com o seu nome e com a sua responsabilidade, e servem assim o publico, servindo os seus interesses o os do banco emissor, por meio de notas d'este banco que são recebidas como dinheiro, segundo a confiança que nos mercados merecer o estabelecimento.
Assim os valores em notas dos bancos emissores não são propriamente destinados ás operações de desconto, que para essas bastam os outros bancos, mas sim a acudir a estes bancos fornecendo-lhes papel, que vale moeda, quando tem a confiança da praça e do publico. No nosso paiz, no estado presente da nossa civilisação e da nossa vida economica, não será facil sustentar um estabelecimento emissor com as funcções de estabelecimentos analogos n'outros povos, sem que a principal das suas operações sejam os emprestimos tambem ao governo e aos particulares.
Mas devemos manter a faculdade da emissão ao banco de Portugal, cujas notas o publico recebe como dinheiro, pela confiança que inspira a sua organisação e a sua administração, e não por obrigação imposta em nome da lei. Salvos casos excepcionaes, não é acceitavel a instituição de banco emissor, em que as notas tenham curso legal, e sejam recebidas pelo imperio de lei, e não pela força da confiança publica.
O meu desaccordo com o governo e com a illustre commissão a respeito d'este projecto começa exactamente no ponto em que se transforma um assumpto de natureza puramente economica n'um verdadeiro contrato entre o governo e o banco, e contrato de monopolio.

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Eu daria ao banco de Portugal faculdade ampla de alargar a sua circulação fiduciaria, sem exclusivo, e sem curso legal para as suas notas, e sobretudo sem deixar presa por um contrato a acção dos poderes publicos quanto ao modo de regular de futuro a circulação fiduciaria, porque esta prisão póde trazer-nos embaraços de futuro; e não retirava por agora o direito de circulação fiduciaria que aos bancos do Porto e a outros bancos do norte está reconhecido pela legislação vigente.
Já na lei de 14 de abril de 1874 ficou acautelado que nenhum banco, nem mesmo o de Portugal, tinha direito irrevogavel á emissão fiduciaria, que lhe fôra concedida, e que pelo contrario, os poderes publicos poderiam retirar-lhes esse privilegio quando de outro modo quizesscm regular este importantissimo assumpto.
Ora pelo projecto não só vamos reconhecer ao banco de Portugal o direito e privilegio da circulação fiduciaria, mas concedemos-lhe o exclusivo por quarenta annos, debaixo da fórma de contrato, que nos prende, como prenderia qualquer outro pactuante, e consignamos o principio de que os bancos do norte gosam igualmente, dentro da respectiva região, da faculdade da emissão de notas por direito tão sagrado, que não podemos retirar-lha senão entrando em contrato com elles.
Não seria eu que contribuiria para se retirar sem instantes reclamações dos interesses publicos a faculdade de emissão aos bancos do norte pelo facto de sustentar, que elles não o possuem por contrato oneroso, como por contrato oneroso o não possuo tambem o banco de Portugal, porque nem os governos, nem os parlamentos devem fazer tudo o que podem, os poderes publicos fazem só o que devem dentro dos limites que lhes estão traçados pela constituição, e pelas leis, tendo o maior cuidado em não adoptar providencias, que importem sobresaltos ao credito publico, ou ponham em perigo interesses creados á sombra das leis.
Não devia, pois, retirar-se agora aos bancos do norte a faculdade da emissão de notas, porque nenhuma rasão de interesse urgente recommendava similhante providencia, a não ser o desejo de crear monopolio exclusivo a favor do banco de Portugal; os principies de justiça não permittiriam que os poderes publicos tratassem o banco de Portugal como filho legitimo, e os ontros bancos como filhos bastardos.
Mantenha-se pois, tanto ao banco de Portugal como aos bancos do norte, a faculdade da circulação fiduciaria, mas não se reconheça essa faculdade, como direito filho de contrato oneroso; e sobretudo não lhe entreguemos, sem reaes e serias compensações, e sem justificada necessidade publica, por um praso longo, o direito da circulação fiduciaria em todo continente do reino e ilhas adjacentes, privando-nos do direito de proceder mais tarde como as circumstancias e as necessidades publicas nos aconselharem.
No meu entender, nenhumas concessões, e nenhuns favores devem ser dispensados, nem aos bancos, nem a quaesquer outras emprezas com prejuizo da livre acção dos poderes publicos.
No interesse do paiz se lhe devem fazer concessões, e no interesse do paiz lhe devem ser retiradas, quando as circumstancias sociaes assim o reclamem. Subordinar os interesses do estado aos interesses de um particular, de uma companhia, ou de qualquer sociedade, é funesto expediente de administração, que póde importar gravissimos prejuizos ao nosso futuro economico e financeiro.
Não estranho que os governos e os parlamentos auxiliem quaesquer emprezas, que se achem ligadas aos interesses publicos, mas toda a protecção, que proxima ou remotamente vá offender a liberdade e os direitos do estado, é condemnada pela economia publica e pelos mais elementares principios de administração.
Em vista d'estes principios, associo-me da melhor vontade ao pensamento de se conceder desde já ao banco de Portugal o direito de ampliar a sua circulação fiduciaria a todo o continente do reino e ilhas adjacentes, sem prejuizo do direito de emissão, pela legislação vigente reconhecido a alguns bancos do norte, comtanto que na lei se determine, de modo claro e preciso, que nenhum dos bancos, que actualmente gosam do direito de emissão ou de circulação fiduciaria, o possuo em virtude do contrato oneroso, e que pelo contrario lhe póde ser retirado por lei esse beneficio sempre que circumstancias de interesse publico assim o aconselhem.
Foi d'este modo que se procedeu na Belgica, paiz profundamente liberal, quando se organisou o banco nacional, o grande banco emissor.
Esse banco tem a faculdade da emissão fiduciaria em todo o territorio belga.
Mas a nação belga não se priva, nem do direito de lhe retirar esse beneficio, nem de crear ao lado d'elle outras instituição identicas quando os interesses publicos assim o reclamem.
O que não é permittido pela legislação da Belgica é crear ao lado do banco nacional outra sociedade anonyma com o direito de emissão e de circulação fiduciaria sem lei que a auctorise. Mas o banco da Belgica não tem privilegio exclusivo da circulação fiduciaria, não tem monopolio, nem gosam de curso legal as suas notas.
São recebidas nas repartições do estado, mas uma simples ordem do ministerio da fazenda é sufficiente para lhes retirar este beneficio.
Quero que em Portugal, como na Belgica, os poderes publicos se reservem o pleno direito de crear ou auxiliar a creação de quaesquer outras instituições de credito e de circulação fiduciaria, mesmo porque este direito é a primeira, senão a unica, garantia contra os abusos de um banco poderoso, especialmente n'um paiz, que, como o nosso, está quasi sempre á mercê dos potentados financeiros.
Garanta se, pois, ao banco de Portugal a faculdade de emittir notas pagaveis ao portador e á vista, em todo o continente do reino e nas ilhas adjacentes, mas sem curso legal, e simplesmente com o curso da confiança, como até agora, e sem restricção de especie alguma que não seja a confiança do publico.
Nem é facil de justificar o preceito do curso legal, dado ás notas do banco de Portugal, ao lado da obrigação simultanea da inversão, pois que o banco na mesma occasião em que recebeu as notas de um, pagou com ellas a outro.
Nas provincias a circulação das notas do banco de Portugal ha de ser muito limitada. Onde ha de ter, ou continuar a ter, grande desenvolvimento ha de ser em Lisboa, e no Porto, e estender se ha talvez a algumas terras mais mais importantes, como Braga, Coimbra e outras povoações de primeira ordem, mas não aproveitará ás pequenas terras sertanejas.
O banco não vae distribuir notas nas suas agencias de provinda, simplesmente por prazer, mas sim e unicamente a troco de dinheiro, de bons penhores ou de boas letras, e valores de rapida permutação difficilmente o banco os encontra na provincia.
Todos sabem quaes são as condições do credito no nosso paiz.
Os industriaes e commerciantes da provincia não têem papel de credito, nem objectos de oiro, ou preciosos para dar em penhor ao banco. Se tivessem esses valores desfaziam-se d'elles para animar o seu giro industrial e commercial.
Nós temos já constituido, ha annos, um banco predial, que não serve á propriedade, porque a maior parte dos proprietarios não vae ali levantar dinheiro entre 6 ou 7 por cento para o enterrarem nas propriedades, que não rendem mais de 3 ou 4 por cento.
O geral dos proprietarios recorre áquelle banco para se resgatar dos juros exorbitantes que paga aos agiotas. Ainda assim das differentes instituições de credito, esta-

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belecidas nos paizes estrangeiros, a unica que temos organisada no nosso paiz é a companhia de credito predial, não fallando em muitas misericordias, confrarias, irmandades e hospitaes, que constituem outros tantos bancos prediaes. Mas nas nossas instituições praticas é totalmente desconhecido o credito agricola e o credito industrial.
Foi, é verdade, organisado o credito agricola e o credito industrial pela lei de 22 de julho de 1867, mas creio que essa organisação nunca passou do papel.
Temos pois organisado no nosso paiz apenas o credito hypothecario, que lá fora se chama credit foncier; mas, quanto a credito agricola e a credito industrial, vivemos como as nações mais atrazadas na carreira da civilisação.
A lei poetica de 22 de julho de 1867, lei que eu chamo poetica, porque reputo poeticas todas as providencias que se promulgam para se não cumprirem, permittia ás misericordias, confrarias, irmandades e hospitaes, associarem-se para organisarcm bancos agricolas e industriaes com o fim de valerem aos agricultores e aos industriaes.
E nós precisavamos bem mais de um banco agricola e industrial, que servisse á agricultura e á industria, do que de um banco emissor nas condições em que este vae ser organisado pelo projecto.
Comprehende se a instituição de um banco emissor com larguissimas faculdades na Belgica, onde uma das operações mais importantes são os descontos sobre o estrangeiro; mas nós não somos a Belgica, que em riqueza e em desenvolvimento da vida economica, pelo commercio e pela industria: é dos primeiros povos do mundo.
Não nos limitemos, pois, a comparar este projecto com instituições analogas na Belgica ou na Allemanha, cujas condições são totalmente differentes das nossas.
Estudemol-o principalmente nas suas relações com as necessidades da nação portugueza, porque é para a nação portugueza que estamos a legislar.
Como já disse, apenas temos organisado no nosso paiz o credito hypothecario, que aliás não satisfaz entre nós aos fins de sua instituição, pois que em Portugal não ha lavrador que tire das suas terras o rendimento liquido necessario para pagar os encargos dos emprestimos ao credito predial.
O banco emissor não vem tambem satisfazer ás necessidades do credito territorial ou hypothecario, porque lhe é absolutamente prohibido emprestar sobre hypotheca, nem a sua missão lhe permitte entrar em negocios que não sejam de prompta e facil realisação por via do pagamento de suas notas e bilhetes ao portador á vista, e não estão n'esse caso as hypothecas cujas expropriações, ainda com o processo rapido do direito moderno, podem demorar-se annos.
O banco emissor, pela sua natureza especial, e polos fins da sua instituição, pois, não póde occorrer ás necessidades do credito hypnthecario.
Também não póde servir o credito agricola porque a instituição do banco emissor é incompativel com a natureza das operações de que precisa o credito agricola.
O banco emissor não póde deixar de ter na sua carteira effeitos de facil realisação e de vencimento não superior a tres mezes para acudir á conversão do capital fiduciario que traz em circulação; e o credito agricola precisa de emprestimos a praso largo, porque o agricultor carece de dinheiro para explorar as suas propriedades, e da cultura á colheita vae um praso longo, e mais largo é ainda muitas vezes o praso que vae da colheita á venda do producto em condições favoraveis para o productor.
Nós temos uma amostra bem eloquente das necessidades de credito agricola na cultura da vinha n'estes dois annos, no preterito e no corrente.
No anno passado o lavrador levantou dinheiro para cultivar a vinha que lhe produziu a colheita de setembro e de outubro ultimo, e em geral ainda não pôde pagar essa despeza com o producto da colheita porque o vinha tem tido preço emunerador.
Quando não tinha podido pagar as despezas de cultura do anno passado, viu-se na necessidade de recorrer de novo ao credito para o cultivo da vinha, cujo fructo ha de ser colhido em setembro e outubro proximo futuro; e Deus sabe quando as circumstancias do mercado o habilitarão a vender o genero, sem o queimar, para pagar os capitaes que levantou para o grangeio das suas propriedades no anno passado e no corrente.
As operações de credito agricola, pois, demandam um praso longo para se liquidarem, praso absolutamente incompativel com a instituição do banco emissor; e tanto que a lei de 22 de junho de 1867 marcava para a liquidação d'estes emprestimos um periodo entre seis mezes e quatro annos.
Por consequencia o banco emissor não póde servir, nem para occorrer ás necessidades do credito hypothecario, do credit foncier, nem para acudir ás precisões do credito agricola, porque as condições de um e de outro credito são incompativeis com a natureza da sua instituição.
A que fica, pois, reduzida a missão do banco?
A satisfazer as necessidades da industria e do commercio?
Poderá o banco continuar a servir a industria e o commercio em Lisboa e no Porto, e talvez aproveite a alguma terra de primeira ordem fora d'estes dois grandes centros do população; mas para a generalidade do reino não servirá de nada.
Os nossos governantes em geral conhecem Lisboa e imaginam que o paiz é Lisboa, e que as condições da capital são as condições das provincias.
A julgar pelas discussões das gazetas e pelos debates do parlamento, os nossos governos estão persuadidos de que nas provincias, como em Lisboa, o povo come carne todos os dias, e todos os dias o leiteiro leva a casa do cidadão o leite, e o padeiro o pão, e que todos os provincianos têem na sua carteira ou nos seus cofres obrigações do thesouro, inscripções da junta do credito publico, ou outros titulos de credito para dar de penhor ao banco.
Quem na provincia tem d'estes valores em regra é rico, tem-nos para rendimento, e não os empenha para levantar dinheiro de que não precisa.
Convem por isso garantir ao banco de Portugal a faculdade de emittir notas no continente do reino e nas ilhas adjacentes, porque este estabelecimento com uma administração seria e prudente, que inspire a confiança que actualmente merece ao publico, póde ir alargando a sua circulação fiduciaria, e acostumando o paiz, que lhe não conhece as notas, a recebel-as segundo as urgencias do mercado, que todavia deve receber, não pelo curso legal ou por força da lei, mas pelo principio de confiança, unica base segura de uma circulação util e vantajosa.
O banco de Portugal não tem hoje a mesma circulação que tinha ha vinte annos, e não deve o augmento de circulação de seus papeis ao curso legal. O desenvolvimento do commercio, o desenvolvimento das industrias, e o conhecimento da zelosa gerencia de suas administrações, e não a força da lei, é que tem determinado a extensão das suas operações.
O banco não ha de dar os resultados que o governo e a commissão esperam.
Pelo contrario, na maior parte dos districtos ha de ficar reduzido a receber os dinheiros do thesouro.
Não phantasiemos desde já largo campo para as operações do banco.
Era mais conveniente reduzirmo-nos por agora a habilital-o, a ir acostumando os povos ás suas notas, porque elle ha de limitar as suas operações, na maior parte dos districtos, a receber e pagar por conta do governo, sustentando de resto uma vida puramente artificial,

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que não convem, nem aos interesses do estado, nem aos do estabelecimento.
Dêmos pois auctorisação ao banco, para levar a circulação fiduciaria a todos os pontos do paiz, e deixemos ao tempo o estudo das alterações, que agora propomos.
Nem o governo tem bases para calcular se a extensão dos negocios commerciacs e industriaes reclama um capital tão importante, como são no nosso paiz 13.500:000$000 réis, com a faculdade de emissão de notas até á somma de 27.000:000$000 réis.
A questão da reserva metallica, que tão discutida tem sido, pequena importancia tem, desde que o governo entrega ao banco a cobrança dos dinheiros do thesouro. A reserva metallica entre 1/4 e 1/3 dos valores em circulação é em toda a parte condição impreterivel dos bancos emissores; não porque a reserva evite as crises, porque as crises não se evitam; podem prever-se, e, com uma acertada previsão, attenuarem-se-lhe mais ou menos as consequencias; mas até hoje ainda não se inventou o systema de acabar com o sobresalto do credito, como, apesar da perfeição dos codigos penaes dos paizes mais adiantados do mundo, ainda se não descobriu meio de prevenir as demazias da liberdade.
O que é absolutamente indispensavel é que o banco administre por fórma que não comprometia um leal a quem ali for depositar o seu dinheiro, isto é, que o banco tenha os seus debitos representados por valores correspondentes, de modo que possam ser integralmente satisfeitos, não no primeiro dia de corrida, mas em praso curto.
Com a reserva póde acudir-se ás primeiras corridas, mas não podem satisfazer-se todos os papeis em circulação.
Para isso fôra necessario que o valor da reserva correspondesse aos valores em circulação, e n'esse caso acabavam todas as vantagens do banco emissor.
Os economistas de melhor nota sustentam que o que mais convem para o giro dos negocios é o papel, isto é o titulo fiduciario, sendo a reserva exigida em todos os bancos, unicamente como garantia indispensavel para os primeiros momentos de panico, reserva que é porém indispensavel como segurança para os primeiros momentos de inquietação publica. Mas ninguem vivo na doce illusão de que as reservas metallicas, que constituem uma especie de garantia contra as crises, têem a força sufficiente para as evitar.
As crises são verdadeiros sobresaltos do credito, nascidos de um panico que a mais imprevista circumstanoia póde determinar; e o medo, quer na ordem physica, quer na ordem moral, lei nenhuma o póde tirar.
O banco, pois, não póde evitar as crises, porque instituição nenhuma as póde evitar; não póde occorrer ás necessidades do credito hypothecario, porque não é essa a sua missão: não póde satisfazer as necessidades do credito agricola, porque são essas funcoões incompativeis com as condições de um banco de circulação fiduciaria; e não póde aproveitar ás operações do commercio e da industria senão nas primeiras cidades do paiz.
Não estejamos, pois, a phantasiar interesses e lucros que nenhuma rasão solida e segura póde explicar.
Estas considerações, porém, não me impedem de sustentar a continuação do banco de Portugal como banco emissor, com a faculdade da emissão fiduciaria em todo o continente do reino e nas ilhas adjacentes, emissão que elle iria desenvolvendo, segundo as circunstancias e as necessidades publicas, em conformidade dos seus interesses, que são o elemento mais attendivel nas operações commerciaes.
E concederia estas vantagens ao banco de Portugal sem lho impor por agora encargos, que por qualquer fórma lhe podessem embaraçar o desenvolvimento da circulação fiduciaria, porque eu estou firmemente convencido de que o banco emissor na provincia, principalmente fora das capitaes dos districtos, não terá serviço que fazer senão o do governo.
Como auxiliar geral e permanente da industria e do commercio, ha de ser quasi nulla a acção do banco na provincia.
Não discuto por isso se a lei exagera as condições do banco, permittindo-lhe elevar a sua circulação fiduciaria até á quantia de 27.000:000$000 réis; comquanto esteja persuadido de que o banco nas circumstancias do paiz, precisa de recorrer em tão larga escala á emissão fiduciaria.
O banco com o capital social de 13 500:000$000 réis ou £ 3.000:000, sommas de que é preciso descontar o terço para a reserva em garantia dos papeis em circulação, e com a faculdade de emissão até 27.000:000$000, fica com um capital disponivel na importancia de £ 7.000:000 ou 31.500:000$000 réis que, é muito superior ás necessidades do nosso commercio e da nossa industria.
Demais a circulação fiduciaria póde ir ainda alem dos réis 27.000:000$000 sem limitação de somma, nos casos previstos nos artigos 14.° e 15.° Mas ainda contando só com os 27.000:000$000 réis de papel, e com o que do capital social cresce, depois de retirada a reserva para immobilisação, fica disponivel a somma de £ 7.000:000 ou 31.500:000$000 réis, que é de mais para as necessidades e circumstancias da industria e do commercio nacional.
Refiro-me constantemente ás necessidades da industria e do commercio do paiz, porque o serviço do banco como caixeiro do estado não entra na ordem das minhas considerações, pois sou absolutamente contrario a essa idéa, que julgo altamente inconveniente na situação financeira do paiz.
Não quero taes ligações entre o governo e o banco. Desejo que vivam bem, mas em casa á parte. O governo não deve ser socio do banco. Esta sociedade póde servir na Belgica, onde o governo, de cinco em cinco annos, póde retirar ao banco o serviço de caixeiro, e onde o governo não precisa do banco, e o banco póde precisar do governo. Não podemos invocar os exemplos da Belgica, que tem um governo com juizo, onde a receita excede sempre a despeza, porque o orçamento do estado é todos os annos saldado em favor do thesouro.
Mas a sociedade do governo com o banco num paiz, completamente endividado, ha de dar sempre ao banco a partilha do leão. O juro de 3 por cento que, em conta corrente, o banco ha do abonar ao estado em um paiz, com um deficit igual á terça parte da sua receita real, é poesia.
O banco ha de ser sempre credor. Calcula-se que o thesouro terá sempre em caixa 2.000:0000000 réis, mas esta immobilisação pouco dura, e nunca ha de cobrir os creditos do banco sobre o estado.
É por outro lado altamente inconveniente a fixação de um praso tão longo, quarenta annos, para a duração do contrato. Que rasões tem o governo, para estabelecer tamanho praso de duração de um contrato, de utilidade mais que duvidosa? Que rasões teve para marcar o praso de quarenta annos, tão longo que abrange mais do que uma geração, porque comprehende um periodo superior á vida util do homem?
Quem poderá calcular as nossas circumstancias, d'aqui a cinco, seis, oito, dez ou vinte annos, quanto mais d'aqui a quarenta annos?
Só Deus sabe quaes as vicissitudes e as phases que teremos de atravessar durante tão longo periodo!
É verdade que o contrato com o banco para o pagamento das classes inactivas poderá prolongar-se até uma epocha approximada de quarenta annos, mas esse contrato póde perfeitamente destacar-se e desligar-se do favor e do beneficio da circulação fiduciaria. (Apoiados.) São assumptos completamente distinctos. (Apoiados.)
Se o governo separar o contrato de emprestimo do privilegio das concessões, o banco fica do mesmo modo com a sua natureza de emissor, e com todos os interesses, vantagens e direitos d'ahi derivados.
O governo póde realisar o emprestimo com outros bancos, e mesmo com todos os bancos, como já se tem feito,

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ou com capitalistas estrangeiros, e nem o emprestimo ficará mais caro, nem o banco de Portugal em peiores condições como banco emissor.
O emprestimo é mais uma vantagem que se dá ao banco, e vantagem tão importante, que nem o obriga a distrahir os seus capitaes para a operação, porque é auctorisado a emittir obrigações para representar o emprestimo, se assim lhe convier; e o banco póde prescindir d'esta vantagem, sem influencia sensivel nos seus privilegios de banco emissor.
Não comprehendo, pois, como o governo se sente com coragem de tomar sobre si a responsabilidade de garantir ao banco por tão largo periodo tão extraordinarios privilegios, que nação alguma, jamais concedeu, e que podem, pela influencia das circumstancias, vir a comprometter os mais graves interesses do paiz.
A circumstancia d'este projecto ter já sido acceito no seu pensamento fundamental por outro governo não é argumento a favor da medida.
Tem-se invocado por vezes, para justificar a conveniencia de este projecto, a circumstancia de ter sido apresentando ha annos, pelo ministerio regenerador, um projecto no mesmo sentido. Mas essa circumstancia, longe de diminuir, augmenta as más impressões, que me causa o parecer em discussão.
Em Portugal tenho sempre muita desconfiança dos negocios principiados por um governo, e acabados por outro, e não é puramente platonica a minha desconfiança. Eu podia apontar muitos e muitos factos e variadissimos exemplos, sobretudo no que respeita a negociações diplomaticas.
Percorram os illustres deputados os annaes parlamentares, e verão que negociações principiadas por um governo e concluidas por outro são sempre desastre para o paiz. Não são de antiga data os tratados da India e de Lourenço Marques, e é bem recente o tratado com a Santa Sé.
Mas o projecto apresentado ás côrtes pelo sr. Serpa não continha as disposições que n'este parecer são funestas para o paiz. Basta attender a que aquelle projecto permittia o direito de rescisão do contrato, em vez de estabelecer, como o projecto dependente do exame da camara, um vinculo indissoluvel entre as duas partes contratantes durante o longo periodo de quarenta annos. Circumstancias, que nenhum de nós agora prevê, nos podem impôr a necessidade de tirar ao banco em breves annos ou mezes as funcções, por exemplo, de caixa do estado, o não lhe podem ser tiradas, approvado que seja este projecto, sem accordo com o mesmo banco, que este poderá negociar nos termos que mais lhe convierem.
Pelas bases adoptadas no parecer fica existindo entre o governo e o banco uma sociedade ainda mais indissoluvel, do que a sociedade da familia. Na sociedade conjugal ainda ha o direito de separação de pessoas e bens, mas na sociedade de banco e estado, por peior que se dêem, por mais mal que vivam os contratantes, hão de continuar em sociedade forçada durante o longo periodo de quarenta annos, que nunca póde ser reduzido mais de cinco annos, e essa mesma redacção depende de circumstancias muito precarias e eventuaes.
Ora ao contrario do que propõe o parecer convem deixar bem claramente consignado na lei o direito de rescindir ou de resilir do contrato, verificadas certas condições, ficando cada uma das partes sujeita a avisar a outra com antecipação rasoavel, que nem ponha em perigo a instituição do banco, nem perturbe os interesses do estado. Pela minha proposta o direito de resilir do contrato é do banco, como do governo: pois desde que a providencia relativa á circulação fiduciaria vem em ar de contrato, devem dar-se as mesmas garantias ás duas partes contratantes.
O contrato, que tem todos os visos de favoravel ao banco, e que n'este momento lhe é de grande vantagem, pode ainda trazer-lhe embaraços.
As boas relações, que actualmente existem entre o governo e o banco, provavelmente não hão de durar sempre.
Esta situação de accordos, este céu azul, este tempo calmo, não póde certamente durar quarenta annos. A nomeação pelo governo de um governador e de outras entidades para entervirem na gerencia do banco, podem embaraçal o em todas as suas operações, e acarretar-lhe complicações.
Póde muito bem vir a acontecer que seja o banco o primeiro a dar-se mal na sociedade com o governo; e por isso na minha proposta fica igualmente auctorisado o banco, como o governo, a sair da sociedade quando lhe aprouver, guardadas as condições na mesma proposta indicadas.
Fica o banco de Portugal com esta concessão ainda mais favorecido, que as companhias de caminho de ferro, cujos direitos o governo póde remir sobre bases determinadas decorrido certo periodo.
Fique pois garantido ás partes no contrato o direito de resilir da sociedade, que não ciará vantagens desde que os socios n'ella se conservem violentados, clausula, que para nenhuma d'ellas póde importar prejuizo, visto que a dissolução não póde ter logar sem aviso previo.
A condição de resilir do contrato deve ser expressamente garantida pelo menos ao governo, desde que o banco fica caixeiro do estado pelo largo periodo de quarenta annos, e ninguém póde calcular as phasos e as vicissitudes por que a economia publica e as finanças do thesouro terão de passar em tão largo periodo.
Eu já sou em absoluto contra a idéa de confiar ao banco o serviço de caixeiro do estado, e nas actuaes circumstancias do nosso paiz reputo impolitico e até anti-patriotico enfeudar os poderes publicos ao banco, entregando-lhe durante o periodo de quarenta annos o direito de arrecadador e de pagador das despezas do estado.
Contra as disposições do projecto serve a muitos de argumento o interesse dos bancos do Porto, que não devem ser privados do direito de emissão de notas, que a lei lhes reconhece, em beneficio simplesmente do banco de Portugal.
A camara, porém, póde estar socegada a respeito da sorte dos bancos do Porto. Escusa de ter cuidados por este motivo que elles tambem os não têem.
Se os bancos do Porto tivessem o mais leve receio de serem prejudicados com os enormes privilegios que vão ser concedidos ao banco de Portugal, reclamariam agora, como reclamaram por occasião de se discutir n'esta casa a lei que organisou a caixa geral de depositos. Então, que se tratava da organisação de um estabelecimento de verdadeiro interesse publico, oppunham-se os bancos de Lisboa e do Porto, inclusivamente a que na caixa geral de depositos fossem recebidos depositos voluntarios com juro, receiando que o estabelecimento lhes fizesse concorrencia n'esta parte, e os fosse prejudicar; e tão energicas e tão numerosas foram essas reclamações que o governo, a commissão de fazenda, e a camara, se viram na necessidade de quasi inutilisar o artigo relativo aos depositos voluntarios com juro, estabelecendo os preceitos de que a caixa geral não abonaria mais de 2 por cento, não admittiria depositos de valor excedente a 500$000 réis, e de que os depositos não se poderiam levantar senão passados tres mezes, e com aviso previo de oito dias!
Propõe-se agora a organisação do banco de Portugal em taes condições, que elle, se quizer, póde absorver todos os bons negocios da praça de Lisboa, do Porto, e de todas as terras do reino, ficando só os maus negocios para os outros bancos, e não apparece uma reclamação!
Que significa este silencio, sr. presidente?
Significa que o projecto, se é fatal para os interesses do thesouro, é todavia abraçado e acceito com enthusiasmo

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pelos estabelecimentos que às operações com o thesouro devem a sua prosperidade!
Mas, sr. presidente, apreciemos as vantagens que ao thesouro hão de advir das provisões da medida sujeita ao nosso exame, que é o que mais tem preoccupado os nossos collegas que têem fallado a favor do projecto. Ora o que tem o estado a receber por este projecto, ou antes ou que é que se promette ao estado por este projecto?
Promette-se-lhe a metade do juro entre 5 e 6, e a totalidade do juro acima d'esta somma, e a metade do saldo dos lucros liquidos annuaes, deduzidas as contribuições dos fundos de reserva, e um dividendo annual de 7 por cento para os accionistas.
Mas, sr. presidente, esta é a parte poetica do projecto. O estado não virá a receber nem real, a titulo de lucros, salvo se o banco por seu livre alvedrio assim o quizer.
Ainda que as operações do banco lhe doem rendimento para poder repartir com o estado, ficam consignadas no projecto todas as disposições necessarias para o banco fugir a essa partilha.
Comecemos pelo lucro que o governo ha de tirar da metade do juro entre 5 o 6, nos capitães emprestados a mais de 5 e a menos de 6, e da totalidade do juro quando o dinheiro for collocado a mais de 6.
Pois alguem imagina que o banco vá emprestar dinheiro por uma taxa elevada, quando souber que ha de repartir com terceiro ou dar por inteiro a terceiro os lucros provenientes da elevação da taxa, ficando o mutuante a seu cargo exclusivamente com os riscos da operação?
Ainda se não inventou o systema de transformar os bancos em estabelecimentos de beneficência! O que noutros paizes se não conseguiu, não póde conseguir-se em Portugal, onde as pessoas mais honradas, e absolutamente incapazes de ficarem com o que não for seu, julgam não faltar aos seus deveres illudindo a fazenda no lançamento, liquidação e cobrança dos impostos.
E eu n'esta parte faço historia, não censuro, comquanto tambem não louve, os que assim procedem para com a fazenda porque a fazenda tambem não nos tira a pelle só se não póde.
Hoje na maior parte dos concelhos está-se descrevendo nas matrizes um rendimento collectavel sem proporção alguma com as forças da propriedade, e unicamente filho da phantasia dos empregados de fazenda.
Mas, sr. presidente, nem a partilha dos lucros, proveniente da elevação do juro, é considerada em parte alguma como providencia fiscal ou financeira do thesouro.
Tem-se preceituado nas provisões reguladoras de estabelecimentos analogos a partilha com o estado dos lucros provenientes da elevação da taxa do juro, para assim impedir o estabelecimento emissor de levantar o preço do desconto, que elle facilmente elevaria se ficasse com o rendimento todo para si, e que conservar n'uma taxa moderada, quando do contrario não tirar interesse.
Para acreditar que o banco se entreteria a perder o seu tempo e a correr o risco das operações a fim de entregar o rendimento respectivo ao governo, seria necessario não perceber a differença que vae de um banco a um estabelecimento de pura beneficencia. (Riso.)
Os bancos são primeiro que tudo estabelecimentos de negocios, com fins lucrativos.
É portanto melhor não pensarmos nos rendimentos que o thesouro ha de auferir da execução do projecto para não sermos depois victimas de crueis decepções. (Apoiados.)
Com os rendimentos que ao thesouro hão de advir de partilha nos lucros provenientes da alta do desconto, não vale a pena preoccupar-nos.
Apreciemos agora a outra origem de rendimentos para o estado, que vem a ser a metade do saldo dos lucros restantes.
Para formar o saldo destes lucros liquidos em que o estado tem a metade, ha de descontar-se primeiramente 12 por cento pelo menos para o fundo de reserva, 7 por cento para a reserva variavel o 5 por cento para a reserva permanente. Feito este desconto de 12 por cento pelo menos dos lucros liquides para a reserva, separam-se da restante somma total 7 por cento para dividendo dos accionistas, calculado em relação á importancia do desembolso.
A separação dos 7 por cento dos lucros liquidos com relação ao desembolso do capital para distribuir pelos accionistas difficilmente se presta a operações que vão illudir os interesses do estado.
Mas já não succede o mesmo com a percentagem de 12 por cento, destinada para a reserva permanente e variável; porque, marcando o projecto o minimo e não o máximo a separar para a reserva, bem póde o banco nos annos de prosperidade destinar para a reserva a somma total dos lucros, que teria a partilhar com o estado, e nos annos de maus negócios ir buscar á reserva variável o necessario para completar um dividendo de 5 por cento aos accionistas.
Não sei se o banco procederá assim. O que sei é que lhe ficam garantidos no projecto os meios do á sombra da lei puder absorver todos os lucros, em que o estado possa quinhoar.
Ao passo que a acção do governo fica presa pelas disposições do projecto, e pelas bases do contrato, o banco fica armado dos meios indispensaveis para absorver todos os rendimentos liquidos sem dar um real ao estado, bastando-lhe para isso elevar as duas verbas destinadas para a reserva, e ainda sem fallar nos gastos geraes de administração.
E não é provavel que o banco dê de presente ao estado os lucros, que muito legalmente póde só por si aproveitar.
Fariamos, pois, melhor, se nos limitassemos a conceder ao banco emissor a faculdade de emittir notas fiduciarias no continente do reino e ilhas adjacentes, só com as garantias da confiança e sem curso legal, e elle iria alongando e ampliando as suas operações às capitães de districto e mais terras do reino, onde as suas operações fossem recebidas.
O que é, porém, absolutamente inacceitavel é o privilegio e monopolio da circulação fiduciaria, que se lhe concede, pelo longo praso de quarenta annos, em troca do vantagens meramente platonicas.
Também não posso concordar com o projecto na parte em que o sr. ministro da fazenda pede para reformar o serviço da divida publica dentro e fora do paiz, sob a unica condição de se reduzirem as despezas.
Este pedido de auctorisação representa o pedido de um voto de confiança, que eu não dou ao actual governo, como não o daria ao que o precedeu, nem ao que immediatamente se lhe ha de seguir; e recuso-lhes esse voto, não porque imagine que os srs. ministros vão prejudicar alguém, mas precisa e unicamente porque a auctorisação, que pedem, serve para fazer bem, e bem de mais. (Riso.)
Estas auctorisações nunca serviram, senão para habilitar os governos a organisar os grandes partidos predominantes; e agora fazem se essas organisações sem a mais ligeira contemplação, nem com a opinião publica, nem com a algibeira do contribuinte. Pede-se auctorisação para reorganisar qualquer repartição publica, sob a unica base de não augmentar a despeza; e, como não póde deixar de augmentar-se a despeza, visto que a organisação dos serviços tem unicamente por fim fazer bem a muita gente, reduz-se no papel o numero dos empregados, são declarados addidos os existentes, e mettem-se de novo os amigos precisos, com tanto que não excedam o numero dos que existiam ! (Riso.)
Vou dar á camara um exemplo do systema ultimamente inventado n'esta boa terra portugueza, para se poder reformar uma repartição publica, fazendo bem a muita gente, pondo-se aliás no papel, e impondo-se ao publico que a reforma não importa augmento de despeza.

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Supponhamos que na repartição a organisar existem mil empregados, ou mil não direi, apesar de que as nossas repartições estão já bem povoadas, (Riso.) mas cem; o governo declara reduzido este numero a noventa, mas declara addidos d'entre os existentes noventa e nove, e nomeia de novo oitenta e nove, e vem argumentar depois que, sendo o cem o numero dos funccionarios, e ficando agora reduzido a noventa, fizera importantissimas economias. (Riso.)
Ora este modo de fazer economias, comquanto se tenha agora generalisado muito, parece ser já antigo.
É pelo menos do tempo de Rodrigo da Fonseca Magalhães, avô pela linha varonil das duas familias reinantes, que entre nós andam á vez na governança do estado. (Riso.
Esse illustre estadista, tendo uma occasião supprimido tres logares com os quaes se gastava menos do que com um só, que em logar d'elles creou, argumentava n'esta casa que era tão economico, que havia supprimido tres empregos, creando um que fazia o serviço dos tres.
Respondeu-lhe um dos oradores mais eminentes d'esta casa (que tinha gasto toda a sua fortuna) que d'aquellas economias tinha elle feito muitas, e por isso se achava no estado em que estava! (Riso.)
Ora com o meu voto não ha de o paiz ser reduzido á triste posição de poder ser victima de um d'aquelles desastres financeiros, que são a vergonha das nações.
Por isso voto systematicamente contra todo o augmento de despeza, que não importe directa e immediatamente á honra ou á vida do paiz.
Por estas rasões não é com o meu voto, que o governo ha de ser auctorisado a reorganizar o serviço da divida publica dentro e fora do paiz, sem indicar uma só das bases, em que assenta o seu plano de reorganisação.
Por este projecto, tendo em vista o disposto no artigo 24.°, onde se faz referencia á junta do credito publico, ou a qualquer instituição que a substitua, parece ameaçada de morte a junta de credito publico!
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - A minha intenção é conservar ajunta do credito publico.
O Orador: - A provisão do paragrapho não deixa as melhores impressões a respeito da saúde da junta, mas como o sr. ministro da fazenda declara que não toca nesta instituição...
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Eu não disse que não tocava na junta, disse que a conservava.
O Orador: - Mas quando fallava no perigo de extemção que a junta corria, não queria por isso sustentar a conservação d'esta corporação nas precisas condições em que se acha.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - O que eu disse foi um simples esclarecimento para v. exa.
O Orador: - Em todo o caso fica o governo auctorisado a reformar o serviço da divida publica, tanto interna, como externa, e parece, pelas declarações do sr. ministro da fazenda, que escapa a junta de credito publico.
Ha outro ponto importante n'esta proposta, que é a auctorisação ao governo para harmonisar a reforma do serviço da divida com as disposições do contrato de 9 de maio de 1879, ou de qualquer outro que o substitua.
Eu creio que o sr. ministro da fazenda não quererá fazer contratos do genero do de 9 de maio de 1879.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho: - Eu julgo indispensavel haver na lei essa disposição; mas contratos como os de 9 de maio de 1879, Deus nos livre d'elles!
Para fazer esse contrato não era precisa auctorisação parlamentar.
O Orador: - Peço perdão; mas nos termos da carta devia ter sido auctorisado aquelle contrato pelo parlamento. Duvido muito da legalidade de similhantes contratos, sem approvação das côrtes.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - É o costume da terra.
O Orador: - E o costume da terra não se importarem os governantes, nem com a lei, nem com os interesses publicos, e é esse costume da terra que eu cito muita vez, para o condemnar, por ser mau costume.
Sempre entendi que o governo, nos termos da constituição do estado, não póde fazer contratos como o de 9 de maio de 1879, sem o voto das côrtes.
Uma cousa são os empréstimos da divida fluctuante, verdadeiras antecipações da receita do estado, para que o governo está auctorisado pelo orçamento, outra cousa são os emprestimos com o caracter de contratos permanentes, como o de 9 de maio de 1879.
Por vezes me tenho lembrado de pedir a nota dos preços que nos tem custado o emprestimo realisado por este contrato, que de certo nos não deve ter saido, em media, a menos de 7 por cento.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho: - Entre 6 por cento e 9 por cento.
O Orador: - E estamos ligados, ha oito annos, a um contrato n'estas condições, sem auctorisação parlamentar.
Não voto, pois, a auctorisação que o governo pede no artigo 2.° Não quero Mais contratos da alta importancia do de 9 de maio de 1879, feitos sem a intervenção parlamentar, nem desejo habilitar com o meu voto qualquer ministerio, a accommodar e collocar uma larga clientela, a pretexto de organisar repartições e serviços publicos, sobre a base da reducção de despezas.
Sr. presidente, tinha agora de entrar no exame de outros pontos do projecto, tambem altamente importantes, e como a hora está quasi a dar, peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
Discurso proferido pelo sr. deputado José Dias Ferreira, na sessão de 15 de junho, e que devia ler-se a pag. 1249, col. 2.

O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, já hontem eu disse á camara, que era acceitavel a idéa de um banco emissor, cujas funcções deviam ser confiadas ao banco de Portugal, dando-se-lhe auctorisação para emittir bilhetes fiduciarios em todo o continente do reino e ilhas adjacentes, mas sem prender a acção do estado n'uma concessão sob a forma de contrato, e pelo contrario reservando-se os poderes publicos o direito de regular de futuro este assumpto conforme as circumstancias e as necessidades do paiz.
Hoje limito as minhas considerações a dois pontos importantes do parecer sujeito ao nosso exame, os quaes todavia podem destacar-se completamente da questão da organisação do banco emissor.
A camara póde votar a creação do banco emissor com todos os privilegios e garantias que julgar convenientes, sem ligar com esta concessão o emprestimo para as classes inactivas, e a arrecadação dos rendimentos publicos.
O banco de Portugal póde ficar com o direito de emissão sem necessidade de fornecer por emprestimo os meios para o pagamento das classes inactivas, nem de exercer as funcções de caixeiro do estado.
Ora o projecto do governo e o parecer da commissão ligou essencialmente á operação do emprestimo para as classes inactivas a existencia do banco, porque até a duração dos privilegios do banco é quasi regulada e determinada pelo tempo necessario para se liquidar o contrato do empréstimo, quando eu reputo o emprestimo, nas condições em que o governo o realisa, e no estado actual da fazenda publica, uma operação muito ruinosa para o thesouro.

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1292 DIÁRIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

É certo que os encargos com as classes inactivas representam no orçamento uma verba muito elevada, vem ali descriptos na somma de 1.800:000$000 réis, que com os 155:000$000 réis do juro dos emprestimos, feitos outr'ora pelo banco de Portugal, elevam a verba á enorme quantia de 1.955:000$000; réis e que se tornava necessario pensar maduramente n'este gravissimo assumpto.
Para reduzir similhantes encargos no orçamento, e só no orçamento, lembrou-se o governo de contrahir um emprestimo com o banco, que fica obrigado a fornecer os meios precisos para pagar as despezas com as classes inactivas a contar de 1 de julho deste anno, contribuindo o estado com a verba annual de 800:000$000 réis, com a amortasação de 1 por cento, e com os juros do capital que estiver em divida no periodo das liquidações.
Não é novo este expediente de levantar dinheiro. Por vezes se tem recorrido a elle, e agora estamos nós ligados com o banco de Portugal por um contrato identico, que vence o juro de 6 por cento ao anno, montando a nossa divida actualmente por effeito d'aquelle contrato á quantia de 2.653:000$000 réis. Estes expedientes, porém, aliás acceitaveis para occorrer às difficuldades de uma situação momentanea, são altamente perigosos, se não vem acompanhados das medidas indispensaveis para a organisação definitiva da fazenda publica.
Os encargos do orçamento nos primeiros annos ficam diminuidos; mas diminuidos por meio de um emprestimo, que sobrecarrega com a accumulação de juros as gerações futuras.
Se esta reducção de encargos no orçamento importasse melhoramento financeiro apreciavel, facil era por estes expedientes obter saldo positivo no orçamento, para o que bastava applicar o systema ao pagamento dos juros da divida publica.
Não censuro o governo por usar mais uma vez de um expediente, de que tantas vezes se tem usado, aliás sem vantagem real para a fazenda, mas sim por não ter apresentado as medidas para a organisação definitiva da fazenda publica.
N'este emprestimo, porém, o peior de tudo para o thesouro é a base que o governo acceitou para negociar com o banco.
Não estipulou um juro fixo para a operação, que era o que mais nos convinha no preço actual dos nossos papeis de credito.
Pelo contrario contratou o juro sobre a base, altamente variavel, da cotação dos nossos fundos na praça de Londres, que é o peior dos expedientes nas circumstancias melindrosas da nossa situação financeira.
Nós deviamos estabelecer um juro fixo e firme, sobretudo num contrato destinado a trio larga duração, pois que, ficando dependente do preço dos nossos papeis no mercado de Londres, póde acarretar-nos os mais extraordinarios sacrificios.
Hoje será moderado o juro, porque é alto o preço dos fundos portuguezes nos mercados nacionaes e estrangeiros; mas essa cotação póde variar á mais pequena oscillação do credito publico, e não póde ser de duração para um paiz, como o nosso, em que é assustador o desequilibrio entre as receitas e as despezas do estado.
A alta de fundos, em todas as nações, depende da abundancia do dinheiro nos mercados, da pontualidade com que se pagam os juros da divida, e tambem da paz publica que, no nosso paiz, como nos outros paizes da Europa, tem sido completa ha annos a esta parte!
Mas todas estas circumstancias se podem alterar de um momento para o outro.
A alta de fundos só por si, comquanto seja um facto muito lisonjeiro para o paiz, ou antes para o thesouro, não é rasão para estarmos descansados, a respeito do nosso futuro economico e financeiro.
Basta notar que ao passo que á divida fluctuante acodem os capitães em grande abundancia, contentando-se com interesse inferior a 4 por cento, a industria e a agricultura não levantam dinheiro por preço inferior a 8 ou a 10. Isto significa que, se a situação do thesouro é boa ou soffrivel, a situação economica, se não é desesperada, é gravissima, e a riqueza do paiz é para o thesouro a gallinha dos ovos de oiro.
Não nos illudamos, apreciemos o nosso estado sem paixão. Não nos deixemos arrastar por um falso optimismo.
A circumstancia do dinheiro correr para os fundos publicos, e fugir ao mesmo tempo da industria e da agricultura, indica um mal estar social, a que governo e o parlamento não deviam ser indifferentes.
O thesouro é entre nós o mais terrivel e o mais temivel concorrente da agricultura e da industria, porque absorvo quasi todos os capitães disponiveis para a divida flutuante.
Para ser acceitavel a operação do emprestimo para as classes inactivas, que o governo negociou com o banco de Portugal, fôra neessario que se tivesse fixado um juro firme, não superior ao que hoje estamos pagando, isto é, 6 por cento, que corresponde aos títulos de divida publica ao preço de 50 por cento.
Já nos devemos dar por contentes se os nossos titulos de divida publica, no caminho em que vamos, se conservarem durante largos annos no preço de 50.
Talvez que a confiança dos mercados na nossa honradez, porque costumamos pagar pontualmente os nossos encargos, a paz publica, e outras circumstancias lhes conservem esse preço por algum tempo. Mas não é provavel que essa situação se possa manter por muito tempo; e, se se mantiver, tanto melhor.
Os nossos homens publicos não se preoccupam no periodo das circumstancias prosperas com a velha regra de prudencia de que precisamos preparar nos para todas as eventualidades. Ora os nossos fundos na praça de Londres podem de um momento para o outro baixar, e baixar consideravelmente, e o preço do juro ha de elevar-se na proporção da baixa da cotação.
Para nos garantirmos contra a eventualidade de um juro enorme, fica-nos o recurso de distratar a operação, como se a occasião azada para distratar operações de credito fosse a da baixa ruinosa dos fundos!
As condições do emprestimo só são aleatorias e precarias para o thesouro. O banco segurou-se, e fez bem.
O banco nunca póde ser obrigado a receber juro inferior a 5 por cento, e póde esse juro elevar-se ao dobro ou ao triplo, porque o limite da taxa que temos a pagar é regulado pela cotação dos nossos fundos em Londres.
Ora, para serem iguaes as vantagens do governo e do banco, era necessario estipular o maximo do juro, que o governo teria a pagar, assim, como se estipulou o mínimo do juro, que o banco teria a receber.
Assim como o banco em caso nenhum receberá menos de 5 por cento, por mais favoraveis que sejam as circumstancias do mercado e a taxa de juro, tambem o governo não deveria ser obrigado em caso nenhum a pagar-lhe juro superior a 5 por cento.
Pois os poderes publicos, que concedem ao banco o capital fiduciario, com curso legal, de 6.000:000 de libras, que o habilitam a ter sempre em circulação 7.000:000 de libras, com o desembolso apenas de 3.000:000 de libras, não poderiam ao menos conseguir do banco, em compensação, um juro fixo não superior a 5 por cento pelo emprestimo para occorrer aos encargos com as classes inactivas?
Era esta a unica vantagem que o contrato podia dar ao estado, porque eu não acredito nada nos lucros que o governo ha de receber, por quinhoar em determinadas condições nos interesses do banco.
Assim as condições ficariam iguaes n'esta parte.
O banco em caso nenhum seria obrigado a receber juro

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SESSÃO NOCTURNA DE 16 DE JUNHO DE 1887 1293

inferior a 5 por cento, e o estado em caso nenhum seria obrigado a pagar juro superior a 5 por cento.
As vantagens nesta parte seriam reciprocas.
Acresce ainda a circumstancia de que o banco, para fazer ao governo o empréstimo para occorrer aos encargos com os classes inactivas, não precisa de distrahir capital, se não lhe convier fazer o empréstimo em dinheiro, porque a lei auctorisa-o a representar o capital em obrigações, que elle ha de emittir ou não segundo as circumstancias do mercado.
Se o governo tivesse de tratar este empréstimo com o banco isoladamente, sem lhe conceder ao mesmo tempo vantagens e privilégios importantes, comprehendia-se que o juro ficasse dependente das oscillações do mercado, ainda que, mesmo n'estas condições, o negocio não era bom.
Mas não é essa a situação.
O governo entrega ao banco um verdadeiro monopólio, e monopólio por quarenta annos, da emissão de notas com o curso legal, entrega-lhe a arrecadação dos dinheiros públicos, e auctorisa-o a emittir capital fiduciário numa somma muito importante, que póde ir até 6.000:000 de libras, e ser ainda elevada em casos especiaes, segundo as disposições do projecto.
Não podia, pois, ter-se como exagerada a exigência do governo para que o banco lhe fornecesse o empréstimo na rasão de 5 por cento, e tanto mais que o estado nada recebe do banco, ao passo que o banco recebe do estado vantagens e privilégios, que até hoje não têem sido concedidos a banco algum, nnem da Europa, nem da America.
Em nenhum paiz, em circumstancias normaes e ordinárias, e no estado de tranquillidade em que o nosso se encontra, haveria governo que se atrevesse a conceder a estabelecimento bancário, qualquer que fosse a sua natureza, vantagens e privilégios, como os concedidos por este projecto ao banco emissor. Era pois natural que em troca de tantas vantagens, ao menos com respeito ao juro do empréstimo para as classes inactivas, o estado ficasse em pé de igualdade com o banco, em vez de ficar completamente descoberto, e dependente da cotação dos nossos fundos na praça de Londres, que póde ser influenciada por grande numero circumstancias que sempre actuam com mais desfavor, em occasião de crises, nos povos que se acham endividados, como nós.
Nem mais palavra direi sobre este ponto, e vou occupar-me dos artigos que dão ao banco as funcções de caixeiro do estado.
De todas as disposições do projecto a menos comprehensivel é a que entrega ao banco a arrecadação dos rendimentos públicos e o pagamento das despezas do estado.
Facilmente se comprehendem e explicam as condições do empréstimo, e as condições da organisação do banco. Mas as rasões que o governo teve para entregar ao banco as funcções de caixeiro do estado ha de ser difficil percebel-as.
Não vejo nesta providencia, para o thesouro, senão o meio de augmentar mais uma roda no mecanismo do nosso serviço financeiro.
Por esta fórma as ordens de pagamento, em logar de irem directamente ao thesoureiro pagador do districto, serão primeiro expedidas ao banco, que as ha de transmittir depois ao thesoureiro pagador, empregado delle, e do governo. Esta innovação não póde dar outro resultado ao estado senão complicações.
A disposição, que declara o banco caixeiro do estado em Portugal, foi importada da Bélgica, como da Bélgica foram importados os preceitos reguladores da nova instituição; mas as rasões que determinaram a realisação deste pensamento naquelle paiz são exactamente as que condenmam a implantação de similhante serviço em Portugal.
O governo belga, que tinha sempre grossas sommas immobilisadas nas arcas do thesouro, porque o orçamento belga é sempre coberto com um saldo favorável da receita sobre a despeza, e que não queria que milhares de contos de réis estivessem improductivos, podendo ir animar a vida da industria e do commercio, entregou primeiramente á sociedade geral, pagando lhe ainda em cima uma commissão de serviço, os fundos disponiveis do thesouro, que a sociedade geral empregava em beneficio do commercio e da industria, fazendo alem disso os respectivos pagamentos das despezas do estado.
Depois o governo belga, no intuito de poupar a commissão que pagava á sociedade geral pelo serviço dos pagamentos, promoveu a reorganisação do banco nacional da Bélgica, entregando-lhe a arrecadação dos rendimentos do estado com a obrigação de pagar as despezas com o serviço financeiro, e de dar outras vantagens ao thesouro.
Na Bélgica entregava-se o dinheiro do estado ao banco, porque havia dinheiro de sobresalente nos cofres públicos, e o governo não queria ter immobilisadas nas caixas do thesouro fortíssimas reservas, estando a industria e o commercio a padecer por falta de meio circulante. Em Portugal entrega-se a arrecadação dos rendimentos públicos ao banco, para elle emprestar ao governo, que de empréstimos é a nossa vida quotidiana.
Na Bélgica organisava-se o banco nacional, para com os dinheiros do estado alimentar a industria e o commercio; em Portugal organisa-se um banco nas mesmas condições, quando o governo absorve o dinheiro próprio e alheio, movendo terrível concorrência ao commercio e á industria.
Na Bélgica é enorme o excesso de receita sobre a despeza, e serve esse excesso, em logar de estar immobilisado nas arcas do thesouro, para alimentar as operações da industria e do commercio. Em Portugal o excesso é sempre de despeza sobre a receita, e o governo aproveita para si os capitães que tão necessários são á industria e ao commercio. (Apoiados.)
Em tudo andamos às avessas! (Apoiados.)
Comprehende se, pois, a organisação do banco nacional belga como caixeiro do estado. Mas a transplantação d'aquelle serviço para as finanças portuguezas, que infelizmente se acham em condições diametralmente oppostas, não tem explicação.
Faço ao governo a justiça, de que não se determinou a apresentar esta proposta pela economia de 23:000$000 réis, que se gastam com os thesoureiros pagadores, cujo pagamento fica a cargo do banco.
Também não podia servir de fundamento a esta medida a circumstaneia de estar immobilisado nas caixas da junta do credito publico o dinheiro destinado aos encargos da divida publica. (Apoiados.)
Para evitar os inconvenientes desta immobilisação era fácil o remédio.
Também não é fácil descobrir as rasões que presidiram á organisação do banco, a não ser a creação de mais alguns empregos bem remunerados, que nisso parece ter havido especial cuidado. (Apoiados.) O governo tem a nomear para o novo banco 1 governador, entidade que tambem ha no banco da Bélgica. São destinados 10 directores para administrar o novo banco. Este numero é que é muito superior ao do banco belga, (Apoiados.) o que não admira, porque nós somos mais ricos, podemos gastar á grande. (Apoiados - Riso.) Na Bélgica ha 1 governador e 6 direcctores, quando o movimento d'aquelle banco representa o triplo ou quádruplo do que ha de ser o de Portugal. (Apoiados.) No nosso banco haverá um governador e dez directores.
É singular que, encontrando-se na legislação belga ao pé da faculdade dada ao governo de nomear governador o direito de o demittir, n'este projecto não se diga uma palavra a respeito da demissão!
N'um dos artigos do parecer prevê-se a hypothese da suspensão do governador, mas em parte alguma se reconhece explicitamente ao governo o direito de o demittir.
Quereria o actual governo, que ha de nomear o gover

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nador, deixar a duvida, para crear embaraços às futuras administrações, se o governador, que é nomeado pelo governo sem mais formalidades, tambem a arbitrio do governo poderá ser demittido?
Devo ainda ponderar que a entidade governador, representante do governo, ao lado da gerencia do banco, representante dos accionistas, poderá levantar serias complicações á marcha e desenvolvimento da instituição.
Agora que está tudo de accordo, governo e banco hão de caminhar desassombradamente, e muito unidos nos primeiros tempos.
Mas se de futuro occorrer algum conflicto entre o governador do banco e a respectiva gerencia, quem ha de resolvel-o?
O governador póde suspender as decisões dos conselhos e do banco, não só as que forem contrarias às leis e aos estatutos do estabelecimento, mas tambem as que forem contrarias aos interesses do estado. E quem ha de decidir a contenda?
O governo, do certo que em tal caso intervem; como juiz e parte. Por isso eu proponho, como de grande necessidade, que o governo ou o banco possam resilir do contrato em qualquer epocha, com aviso previo.
O governador faça ainda com um estado maior rasoavel nas caixas filiaes e agencias.
Nas caixas filiaes ha de haver um director nomeado pelo governador, e uma gerencia nomeada pelo conselho geral do banco, e nas agencias será um dos agentes nomeado pelo governador, e outro pelo conselho do banco; manifestando-se assim nas delegações do banco a mesma dualidade de auctoridades que ha na sede do estabelecimento.
Sr. presidente, esta providencia, aliás de certa vantagem para os accionistas do banco, bem explorada, póde habilitar os governos a organisar uma machina eleitoral invencível em todo o paiz; um governador com o direito de nomear um director em cada caixa filial, um agente em cada agencia, e com influencia decisiva num estabelecimento que fica sendo a grande potência monetária do paiz, ha de fazer o que quizer n'um paiz pobre, e hoje pouco cioso das suas liberdades.
Por isso eu digo que este projecto é óptimo, excellente para o banco, magnifico para o governo que estiver á frente dos negócios públicos, (Apoiados) e que só não presta para o paiz.
Em obediência a esta ordem de considerações mando para a mesa uma proposta, que traduz um artigo da legislação belga, que eu reputo indispensável introduzir no projecto, especialmente na situação que estamos atravessando, em que já não chegam para os homens publicosos empregos do estado, e que estão sendo destinados quasi exclusivamente para os pares e deputados os logares retribuídos das companhias.
Este systema tem levantado grandes resistências no paiz, acarretado grande desprestigio sobro os homens públicos, e enfraquecido deveras o prestigio parlamentar.
Na Bélgica o governador do banco não póde ser par, nem deputado, nem receber subsidio do estado.
Pela minha proposta o cargo do governador do banco não pode tambem ser confiado nem a par, nem a deputado.
Bem sei que todo o tempo, que gastei a discutir o projecto, é perdido; mas, eu, na situação política em que vivemos já não aspiro senão a deixar exarada a minha opinião, nos registos parlamentares, acatando, como me cumpre, as resoluções soberanas da assembléa, e limitando-me a liquidar a minha responsabilidade perante o paiz.
Vozes: - Muito bem.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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