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SESSÃO NOCTURNA DE 1 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio de Azevedo Castello Branco (vice-presidente)

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Approvada a acta, entra-se na ordem da noite, lendo-se o projecto de lei n.º 120, pelo qual se addiciona a todas as contribuições, taxas e mais rendimentos do thesouro um imposto complementar de 6 por cento. - Por parte da commissão, o sr. Campos Henriques manda para a mesa uma emenda ao § 5.º do artigo 1.º do projecto, e que fica conjunctamente em discussão. - Inicia o debate o sr. Fernando Mattozo, que falla até ao fim da sessão contra o projecto, e sustenta uma moção de ordem no sentido de ser duplamente vexatorio o imposto addicional que se propõe, devendo por isso ser rejeitado. A moção é admittida e fica em discussão.

Abertura da sessão - Ás nove horas da noite.

Presentes a chamada 52 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Guerra Junqueiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo Cesar Brandão, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio Jose Arroyo, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Ribeiro da Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Moita, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto José Pereira Leite, Bernardino Pacheco Alves Passos, Carlos Roma du Bocage, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Mattozo Santos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico Ressano Garcia, Jacinto Candido da Silva, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Antonio de Almeida, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Greenfield de Mello, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Paulo Monteiro Cancella, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz do Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga, Manuel Vieira de Andrade, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Ignacio de Gouveia, Pedro Victor da Costa Sequeira e Thomas Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio e Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Baptista de Sousa, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Antonio Sergio da Silva e Castro, Augusto Maria Fuschini, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Lobo d'Avila, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo de Jesus Teixeira, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Pinto Moreira, Joaquim Simões Ferreira, José Elias Garcia, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Oliveira Peixoto, José Monteiro Soares de Albergaria, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel Pinheiro Chagas e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Não compareceram a sessão os srs.: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alfredo Mendes da Silva, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio José Ennes, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Banos e Sá, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Caetano Pereira Sanches de Castro, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Conde do Côvo, Conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Emygdio Julio Navarro, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José de Medeiros, Francisco Severino de Avellar, Frederico de Gusmão Correa Arouca, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, João de Barros Mimoso, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Marcellino Arroyo, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José de Azevedo Castello Branco, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Estevão de Moraes Sarmento, José Luiz Ferreira Freire, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Latino Coelho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luciano Cordeiro, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Thomas Pereira Pimenta de Castro, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Pedro Augusto de Carvalho, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

Não houve expediente.

ORDEM DA NOITE

Projecto de lei n.º 120

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 120

Senhores. - A vossa commissão de fazenda, conscia do melindroso encargo que lhe foi commettido, examinou com o cuidado e reflexão que a importancia do assumpto recla-

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mava, a proposta de lei do governo n.º 113-H, que estabelece o imposto addicional de 6 por cento sobre o producto de todas as contribuições, taxas e demais rendimentos do thesouro, de qualquer ordem, natureza, denominação ou exercicio que se arrecadarem, a datar da vigencia da respectiva lei, e vem apresentar-vos o resultado dos seus trabalhos.
Em absoluto, o imposto e sempre um mal, que só uma necessidade inadiavel justifica.
Existe essa necessidade? Indiscutivelmente.
Temos uma divida avultada, cujos encargos absorvem cerca de metade da receita publica; temos um deficit, em relação ás despezas ordinarias, cuja importancia, segundo o orçamento para 1890-1891, e de 3.407:000$000 réis; teremos um deficit extraordinario, cujo limite não é desde já possivel fixar, mas que as despezas auctorisadas por leis especiaes e outras provenientes da imperiosa necessidade de attender á defeza nacional, adquirindo material de guerra e organizando as indispensaveis forças militares de terra e mar, poderão avolumar bastante.
Para evitar as consequencias d'este precario estado da fazenda publica, só ha tres meios cujo emprego tem de ser simultaneo e parallelo: augmentar sensata e discretamente a receita publica, aperfeiçoar os methodos de cobrança dos impostos existentes e fazer economias.
Estas não podem certamente ser de prompto muito valiosas, sem perigo para a boa organisação dos serviços, mas o que sobretudo urge e uma administração severamente economica, que não augmente despezas futuras e reduza successivamente e tanto quanto possivel as actuaes.
As mesmas despezas a fazer com a defeza do paiz e que convem por certo realisar, impostas pelo sentimento nacional, torrente impetuosa, caudal inexgotavel que brotou espontanea e afflue de todos os corações portuguezes, deverão pautar-se por circumstancias ao opportunidade que só as circumstancias do thesouro e as dos mercados poderão indicar por fórma conveniente aos interesses da patrio.
O aperfeiçoamento constante e progressivo dos processos de fiscalisação e cobrança dos impostos existentes muito deve tambem concorrer para melhorar a nossa situação financeira; mas o desejado e indispensavel equilibrio orçamental não se alcançará sem augmentar com novos recursos a receita publica.
O projecto do governo e confessadamente um expediente, que, sem recorrer a exemplos estranhos, tem varios precedentes na nossa legislação financeira. A lei de 12 de dezembro de 1844 lançou 5 por cento addicionaes em todas as contribuições e rendas publicas. A lei de 13 de agosto de 1848 creou o imposto de 10 por cento addicional, destinado a amortisação de notas do banco de Lisboa, depois aggravado em 1850 e 1857. A lei de 14 de agosto de 1858 auctorisou um similhante addicional de 3 por cento, e 2 por cento, segundo as circumstancias, para occorrer ao pagamento dos juros do emprestimo para estradas e obras do saneamento da capital.
Addicionaes foram votados em 1867, 1869 e 1882.
O projecto do governo é incontestavelmente um expediente, que pode ter defeitos e inconvenientes, mas que e facilmente exequivel, promptamente productivo e não traz augmento de despeza de fiscalisação, nem a necessidade de regulamentos, que não raro aggravam as oppressões do fisco.
A face da sciencia das finanças não são ainda hoje incontroversos os principios e doutrinas que deverão servir de base ao melhor regimen tributario, e a experiencia mostra nos que as nações mais ocultas adoptam aquelles impostos, que as suas circumstancias, exigem, sem se preoccuparem com theorias, escolas ou systemas.
No intento de conciliar os principios de equidade com as exigencias fiscaes, a vossa commissão, não só acceitou todas as excepções declaradas na proposta, cuja necessidade e conveniencia são incontestaveis, mas, de accordo com o governo, modificou a do n.° 7, ampliando-a a todas as collectas de contribuição predial até 1$000 réis inclusive e introduziu novas disposições, isentando do imposto addicional, sobre o qual as corporações administrativas não podem cobrar percentagens, os emolumentos judiciaes, as propinas de exames, matriculas e cartas de curso, o imposto do pescado, as collectas de contribuição de renda de casas não superiores a 5$000 réis, e as collectas de contribuição predial que recairem, durante os primeiros seis annos, sobre predios devastados pela phylloxera e que entram novamente em cultura.
Estas providencias verdadeiramente equitativas excluem do pagamento do addicional um grande numero de individuos menos favorecidos da fortuna e concorrem poderosamente para o tornar mais moderado e compativel com as forças do contribuinte.
Por estas considerações, a vossa commissão de fazenda, de accordo com o governo, e de parecer que a proposta de lei n.° 113-H seja approvada e convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo l.° A todas as contribuições, taxas e demais rendimentos do thesouro, de qualquer ordem, natureza, denominação ou exercicio, que se arrecadarem a datar da vigencia d'esta lei, será addicionado um imposto complementar de 6 por cento do respectivo producto, constituindo esse addicional receita do thesouro.
§ 1.° São exceptuados das disposições d'esta lei:
1.° Os emolumentos consulares e judiciaes;
2.° O imposto do sêllo, menos na parte que respeita ás loterias, sobre o qual será cobrado o referido addicional;
3.° O producto da venda de artefactos da administração geral dos tabacos ou da entidade que venha a substituil-a;
4.° Os direitos de importação sobre mercadorias estabelecidos nos tratados em vigor com as nações estrangeiras;
5.° Os rendimentos e recursos descriptos nos artigos 4.° e n.° do actual mappa da receita geral do estado, menos na parte que respeita ás compensações de despeza para tribunaes administrativos, serviços agricolas, estradas de 2.ª classe e respectivo pessoal;
6.° A decima de juros;
7.° As collectas da contribuição predial até 1$000 réis inclusive;
8.° As collectas de contribuição predial que recairem, durante os primeiros seis annos, sobre predios devastados pela phylloxera, que entrem novamente em cultura, e de que falla o artigo 2.º da lei de 13 de julho de 1889;
9.º As collectas do contribuição industrial de todos os officiaes de quaesquer artes e officios;
10.° As collectas de contribuição de rendas de casas não superiores a 1$000 réis.
11.º O imposto de rendimento que competir aos juros dos titulos de divida publica, consolidada e amortisavel;
12.º As propinas de exames, matriculas e cartas de curso;
13.º Imposto do pescado.
§ 2.° O imposto de que trata esta lei será tambem cobrado sobre todas as sommas que produzirem quaesquer addicionaes, incluindo os estabelecidos pelas leis do 27 de abril de 1882 e 13 de julho de 1889, no seu artigo 10.º
§ 3.° Sobre o imposto de que trata esta lei não recáe, nas receitas cobradas pelas alfandegas, a quota de que trata o artigo 159.° do decreto de 29 de dezembro de 1887, nem sobre elle serão pagas quaesquer quotas de cobrança.
§ 4.º Fica auctorisado o governo a incluir nas taxas principaes dos tributos existentes, tanto o addicional estabelecido pela lei de 27 de abril de 1882, como o imposto de que trata esta lei.
§ 5.º No uso que o governo fizer d'esta auctorisação, relativamente ás taxas aduaneiras, poderá arredondar os di-

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que resultem da mesma addição, em conformidade com o disposto no § unico do artigo 10.º da lei de 13 de julho de 1889.
§ 6.° As corporações administrativas não podem cobrar percentagens sobre o imposto estabelecido n'esta lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala das sessões da commissão, em 29 de maio de 1890. = Manuel Pinheiro Chagas = L. Cordeiro = Antonio M. P. Carrilho = Antonio José Arroyo = José Augusto Soares Ribeiro de Castro = Abílio Eduardo da Costa Lobo = José Freire Lobo do Amaral = Arthur Hintze Ribeiro = Lourenço Malheiro = Pedro Victor da Costa Sequeira = José Novaes = Arthur Alberto de Campos Henrigues, relator.

N.° 113-H

Artigo 1.° A todas as contribuições, taxas e demais rendimentos do thesouro, de qualquer ordem, natureza, denominação ou exercício, que se arrecadarem, a datar da vigencia d'esta lei, será addicionado um imposto complementar de 6 por cento do respectivo producto, constituindo esse addicional receita do thesouro.
§ 1.° São exceptuados das disposições d'esta lei:
1.° Os emolumentos consulares;
2.° O imposto do sêllo, menos na parte que respeita ás loterias, sobre o qual será cobrado o referido addicional;
3.° O producto da venda dos artefactos da administração geral dos tabacos ou da entidade que venha a substituil-a;
4.° Os direitos de importação sobre mercadorias estabelecidos nos tratados em vigor com as nações estrangeiras;
5.° Os rendimentos e recursos descriptos nos artigos 4.° e 5.° do actual mappa da receita geral do estado, menos na parte que respeita ás compensações de despeza para tribunaes administrativos, serviços agrícolas, estradas de segunda classe e respectivo pessoal;
6.° A decima de juros;
7.° As collectas da contribuição predial até 500 réis inclusive;
8.° As collectas da contribuição industrial de todos os officiaes de quaesquer artes e officios;
9.° O imposto de rendimento que competir aos juros dos títulos de divida publica, consolidada e amortisavel;
§ 2.° O imposto de que trata esta lei será tambem cobrado sobre todas as sommas que produzirem quaesquer addicionaes, incluindo os estabelecidos pelas leis de 27 de abril de 1882 e 13 de julho de 1889 no seu artigo 10.°
§ 3.° Sobre o imposto de que trata esta lei não recáe, nas receitas cobradas pelas alfandegas, a quota de que trata o artigo 159.° do decreto de 29 de dezembro de 1887, nem sobre elle serão pagas quaesquer outras quotas de cobrança.
Art. 2.° Fica auctorisado o governo a incluir nas taxas principaes dos tributos existentes, tanto o addicional estabelecido pela lei de 27 de abril de 1882, como o imposto de que trata esta lei.
§ unico. No uso que o governo fizer d'esta auctorisação, relativamente ás taxas aduaneiras, poderá arredondar os direitos que resultem da mesma addição, em conformidade com o disposto no § unico do artigo 10.° da lei de 13 de julho de 1889.
Art. 3.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Ministerio dos negocios da fazenda, aos 14 de maio de 1890. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.
O sr. Campos Henriques (relator): - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma emenda, a fim de corrigir em erro que se encontra no n.° 5.° do § 3.° do projecto. O erro consiste na citação dos artigos 4.° e 5.° do actual mappa da receita geral do estado, quando devem ser citados os artigos 5.° e 6.° do mesmo mappa.
Leu-se na mesa a

Proposta

Emenda á parte do n.° 5.° do § 1.° do artigo 1.°:
5.° O rendimento e recursos descriptos nos artigos 5.º
6.° do actual mappa da receita geral do estado, menos na parte que respeita ás compensações para tribunaes administrativos, serviços agrícolas, estradas de 2.ª classe e respectivo pessoal. = Campos Henrigues.
Foi admittida e fitou em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Mattozo Santos: - Se ainda no proceder da actual situação política podesse haver surprezas para mim, estaria agora surprehendidissimo.
Nunca julguei ter de discutir este projecto. Acreditei sempre que o governo desistiria de submettel-o á apreciação parlamentar.
O sr. Francisco Machado: - Apoiado.
O Orador: - Não podia pensar que o actual ministério, cujos desaires se contam pelo numero dos actos da sua administração, quizesse arriscar-se a mais um; a não ser que, por singular vaidade ou estranho capricho, pretendesse tel-os de todas as especies: - faltando-lhe um desaire parlamentar, viesse provocal-o.
Com effeito: nem sequer me é licito presumir que muitos dos deputados pertencentes hoje á maioria d'esta casa, e aos quaes ainda ha tão pouco tempo ouvimos contar-nos, d'este lado da camara (esquerdo), as desgraças porque estava passando a agricultura, e calcular real a real os prejuízos do agricultor, possam sujeitar-se a votar um imposto, cujos penosos effeitos sentirá principalmente a industria, para a qual, com tanto enthusiasmo e calor, pediam protecção, industria que, estou certo, de então para cá, não melhorou de condições. (Apoiados.)
Que o governo apresentasse tal proposta, que o sr. ministro da fazenda de hoje se esquecesse do que dissera o deputado de hontem, e, de um dia para o outro, sem que nada o motivasse, a não ser o ter passado das cadeiras da opposição para as do ministerio, mudasse de pensar, comprehende-se. Já tive occasião de dizer n'esta casa, que a definição deste governo é a coherencia na incoherencia. Não me admira, pois. Mas que a commissão de fazenda d'esse parecer favoravel ao projecto, surprehende-me; que os deputados que, na legislatura passada, faziam parte da opposição o votem, não creio. Equivaleria, ou a affirmar que consideravam mais desafogado o viver do cultivador, o que não é exacto - se mau era, mau é - , ou que mal entendida disciplina partidária lhes fazia esquecer as circumstancias da agricultura, circumstancias que ainda ha mezes classificavam de criticas.
Estou, portanto, convencido que o governo passará pelo desgosto de ouvir uma parte da sua maioria rejeitar-lhe o projecto em discussão.
Eu, pelo menos, emquanto o não vir, não acreditarei nem na possibilidade do contrario.
Comprehende-se que, impondo-se motivos instantes e imperiosos, se peçam ao paiz todos os sacrifícios, até o das proprias convicções: em caso de collisão moral prefere o dever mais forte ao mais fraco, é elementar principio. Mas na presente hypothese não occorre cousa que tal exija. O addicional projectado não é necessario!
Se o governo, esgotados todos os recursos, quer para acrescer o rendimento das contribuições existentes, quer para diminuir as despezas, não conseguisse ainda assim equilibrar o orçamento, então admittia-se recorresse a novo imposto: necessitas caret lege. Abalançar-se, porém, a isso, chamando-lhe um expediente, nem tinha auctoridade, nem direito para o fazer.
Que tentou o governo para cobrir o déficit, que, seja

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dito de passagem, muito caprichosamente calcula, sem recorrer a tal expediente? (Apoiados.)
Que fez para proteger a iniciativa individual, facilitando-lhe meios de acção, concorrendo assim não só para que se ampliasse a matéria tributável, mas tambem para que augmentassem os consumos?
Nada, absolutamente nada.
Encheu as paginas do Diario do governo de decretos dando-se auctorisações, umas inuteis, outras dispendiosas, todas inopportunas; mas n'isto não pensou. (Apoiados.)
Que fez para melhorar a arrecadação das contribuições actualmente existentes?
Nada, absolutamente nada. (Apoiados.)
Que fez para regular a melhor distribuição e incidencia dos actuaes impostos?
Nada, absolutamente nada. (Apoiados.)
Que fez para crear novas fontes de receita ás quaes, sem aggravar males preexistentes, fosse buscar acrescimo de receitas?
Ainda, nada, absolutamente nada. (Apoiados.)
Esquece, ou não esquece mas desprega, estes verdadeiramente elementares princípios de administração, e vem propor um novo imposto!...
E que impostos e de que natureza!... (Apoiados.)
E digo que não esqueceu porque a parte dos moios que acabo de mencionar como podendo concorrer para o augmento das receitas publicas allude o sr. ministro da fazenda no seu relatorio, dizendo todavia, não poder lançar mão d'elles por motivos que eu logo apreciarei, mas que realmente não o justificam.
Pois é este governo, que nem pensou em proteger o contribuinte, nem cuidou em defendel o, nem tratou de melhorar a riqueza publica, que projecta sobrepor aos já pesadíssimos ónus tributários existentes, os quaes alem de gravosos são vexatorios, um novo onus, uma verdadeira duplicação do vexames?!... (Apoiados.)
E para que?
Para pagar despezas creadas ou a crear por este governo. (Apoiados.) Unica e exclusivamente para isto.
A não ser assim, proval-o-hei á camara, não tinha necessidade de recorrer ao contribuinte. (Apoiados.)
D'essas despezas, algumas, se não são grandemente justificadas, são em compensação altamente significativas.
Entre ellas avultam principalmente duas, muito distanciadas das outras em grandeza: uma, a que se diz destinaria ao fundo permanente de defeza nacional, 535 contos de réis; outra a applicavel á reforma das guardas municipaes, 125 contos de réis.
Taes verbas são, na sua mudez, e apesar da simplicidade da rubrica que lhes determina o fim, sufficientemente expressivas.
Interna e externamente carecemos defender-nos. Eis o que ellas dizem.
O governo penitenciando-se dos actos de força, tão deslocados como inuteis, que o levaram a quasi perseguir as naturaes e espontaneas manifestações do sentimento patriotico, simula empenho de promover a reorganização dos nossos meios de defeza, sem comtudo perder de vista que carece ostentar a necessidade de ser energico.
Os numeros que citei quererão dizer, para nós: - que o governo pretende á custa do contribuinte captar as sympathias de uns, inspirar confiança a outros. Não terão, porém, igual significação para estranhos; não os interpretarão assim aquelles que procuram todos os meios de nos ferir na campanha, sem exemplo, intentada e tenazmente sustentada contra o nosso credito.
Esses apontarão aquellas centenas de contos de réis como demonstração de que nos arreceamos da estrangeiros e não confiamos no nacional; que arriscada uma parte do nosso dominio colonial temos tambem ameaçadas as instituições. (Apoiados.)
É para que paguemos as descabidas energias, ás quaes mais justo nome dou chamando-lhe enormes leviandades do governo, que o sr. ministro da fazenda propõe 6 por cento de addicional sobre todas as contribuições. (Apoiados.)
Aqui está para que o governo vem aggravar o nosso iníquo systema tributario com mais um onus, que o torna de pessimo em intoleravel. (Apoiados.)
Não fique, porém, no espirito de ninguem a suspeita de que penso o nosso paiz se negue a qualquer sacrificio util. Não, sr. presidente, estou certo que acima de tudo o povo português deseja ver respeitado o credito, a autonomia e a integridade da sua patria. (Apoiados.)
Mas para isso nada fez o governo. Credito e poderio arrancam-nos pedaços d'elles tão antipathicos como desleaes egoismos.
Para phantasias e perigosas adulações são de mais 1:440 contos de réis!
A moção que, em obediencia ao regimento, tenho a honra de mandar para a mesa synthetisa o que acabo de dizer, e o que sem grande esforço me parece poderei demonstrar, aos que, na sua consciencia, e é para essa que appello, não tiverem ainda condemnado o projecto que aprecio.
A minha moção é a seguinte:
«A camara, considerando que o addicional de 6 por cento que, no projecto em discussão, se propõe seja cobrado sobre as actuaes contribuições do estado ou é desnecessario, ou só servirá para satisfazer encargos inutilmente creados pelo actual governo; que demais, tal imposto, alem de inopportuno aggrava diíferenças preexistentes e, portanto, é duplamente vexatório; resolvo rejeitar o projecto e passa á ordem do dia.»
Como v. exa., vê sr. presidente, e como a camara acabam de ouvir, eu affirmo, n'esta moção, que o addicional de 6 por cento, proposto pelo governo, e ao qual deu parecer favoravel a commissão de fazenda d'esta camara, seria absolutamente desnecessario se o actual ministerio não tivesse inscripto novas despezas no orçamento; só não procedesse de modo perfeitamente opposto ao que escreveu no seu relatorio o ao que tantas vezes aqui nos tem repetido o sr. ministro da fazenda.
Sejamos parcos no gastar, diz s. exa.; os seus collegas, porém, se lhe deixam fazer esta affirmação, exigem lhe a não transforme em facto. É ainda e sempre: a coherencia na incoherencia.
Mas, o a moção que acabo do ler affirma-o, mesmo que, com excessiva boa vontade, se admittisse a hypothese de serem perfeitamente justificadas as despezas a mais creadas por este ministerio, ainda assim nos actuaes recursos do thesouro encontraria o governo com que equilibrar o orçamento, sem recorrer a um systema de tributações defeituoso na essencia, gravosissimo nos effeitos.
O novo tributo projectado tem curta mas expressiva definição: - é financeiramente desnecessario e econonicamente detestavel.
Facil me será proval-o; careço porém, antes de apreciar a serie de considerações com que - sem intenção - o sr. ministro da fazenda inocula no espirito de quem ler o seu relatorio, ser a proposta do addicional de 6 por cento um expediente quasi exclusivamente imposto por condições legadas e não por actos proprios do actual governo.
A paginas 8 do relatorio de fazenda, lê-se:
«O confronto dos seus resultados (das gerencias de 1881-1880 e 1888-1889), alem de nos mostrar qual o caminhar parallelo das receitas e despezas publicas, durante um praso relativamente importante, quatro annos, servirá ao mesmo tempo para pôr em relevo, melhor que qualquer outro processo, as alterações operadas na situação orçamental durante a ultima situação.»
Entendeu o illustre ministro necessario fazer a historia do periodo que decorreu desde 1884 até 1890, para lhe, determinar a influencia sobre a actual situação orçamental, e suppoz realisar isto, assim como apreciar a administra-

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ção financeira do partido progressista, comparando unicamente o estado da fazenda publica nos dois annos de 1884-1885 e 1889-1890! E isto o que faz no seu relatorio.
Já tive occasião de dizer nesta casa, que este processo era alem de incompleto, erroneo.
Incompleto, porque, deixando de mencionar as condições dos annos anteriores aos que se comparam, fica o que d'esta comparação possa deduzir-se, restricto exclusivamente aos dois annos, entro os quaes se estabelece o parallelo, e só a elles applicavel.
Erroneo, porque, para comparar entre si dois periodos, sob determinado ponto de vista, é necessario estabelecer-lhes primeiro a igualdade de condições sob todos os outros aspectos.
Do incompleto do processo, considerar-se feição de uma gerencia financeira, o que póde ser mera excepção; do erro, tomar-se por identico o que é dissimilhante, chegar a resultados, que, peccarão por excesso ou por defeito, conforme, sob o ponto de vista da comparação, a influencia dos outros elementos connexos.
Tanto isto é assim, que se o sr. ministro da fazenda tivesse escripto o seu relatorio seis mezes, - bastavam seis mezes -, mais cedo do que o escreveu, seguindo o seu processo, chegaria a conclusões diametralmente oppostas àquellas a que chegou, e ainda assim erradas, por não serem comparaveis os numeros de que se serve.
Mas quando o fossem, não condemnaria o processo adoptado pelo sr. ministro da fazenda o facto da differença apenas de seis mezes influir radicalmente na apreciação da gerencia de quatro annos? A tal processo não haveria administração que podesse resistir, quando o parallelo entre dois annos não desse os resultados desejados, procurar-se-iam no de dois semestres, no de dois mezes, e até no de dois dias.
É no conjuncto que as administrações político financeiras devem ser apreciadas, e não na insignificação dos numeros resultantes de parcellas isoladas. Em questões financeiras só dão valor aos algarismos, mesmo quando não obtidos assim, todas as circumstancias económicas, sociaes e políticas que os precedem, acompanham e seguem. Póde gastar-se muito administrando muito bem, e despender-se pouco com pessima administração.
Se o sr. ministro da fazenda queria determinar pelo caminhar parallelo das receitas e despezas, qual a influencia da gerencia progressista sobre a presente «situação orçamental», e principalmente quaes as suas responsabilidades, nem deveria isolar essa gerencia das antecedentes, as quaes manifestamente sobre ella influíram, nem podia estudal-a só em si, despresando a indagação das causas que originaram os resultados que encontrava. O caminho a seguir estava-lhe naturalmente indicado, tanto mais que um feliz acaso lhe ministrava os dados do problema nas melhores condições.
Em março de 1881 entrou para o poder uma situação regeneradora, que geriu sem interrupção até fevereiro de 1886, seguindo-se lhe uma situação progressista que permaneceu no poder até janeiro de 1889. Ha pois anterior e posteriormente a 1884-1885 um período igual em que os negocios publicos foram administrados por duas diversas gerencias políticas.
Tomando, portanto, o anno economico de 1884-1885 para referencia, podem a elle comparar-se os dois períodos, e d'ahi deduzir se o ultimo legou melhores ou peiores condições economico-financeiras do que o que o precedeu.
Antes, porém, de fazer este parallelo é necessario evitar o erro a que já me referi: o de comparar cousas diversas. Ora succede que a datar de 1887-1888 passaram a inscrever-se no orçamento como despezas ordinarias, verbas até ahi inscriptas nas despezas extraordinarias. Terão claramente taes verbas, ou de ser acrescentadas ás despezas dos exercícios anteriores áquelle anno, ou de ser subtraídos das dos exercícios posteriores; visto que eu só me occupo de despezas ordinarias, por ser para fazer face a essas que o governo pede o addicional de 6 por cento, e só me refiro a exercícios porque este periodo é que realmente representa os encargos e redditos totaes do cada anno. Será o segundo processo o que seguirei. Possível de maior rigor o primeiro, é o segundo mais simples, e ainda me leva a adoptal-o o dar resultados mais desfavoraveis para a minha argumentação.
Não fez isto o sr. ministro da fazenda. Apresenta isoladamente as receitas e despezas dos dois exercícios de 1884-1885 e 1888-1889 sem se importar se o total que acceita é formado ou não das mesmas ou equivalentes parcellas.
Deixando, portanto, as receitas e despezas ordinarias dos exercícios desde 1885 a 1887 taes quaes se mencionam na conta geral do estado, para que lhes sejam comparaveis as dos exercícios de 1887 a 1889, é necessario subtrahir das despezas d'estes dois ultimos annos as seguintes verbas, as quaes foram transferidas dos orçamentos extraordinarios, onde antes se escripturavam, para os orçamentos ordinarios.
Em contos de réis: - 227, obras de melhoramentos de portos e rios; - 320, subsidios para estradas municipaes; - 50, conductores de obras publicas pagos pela verba das estradas; - 62, para novas linhas telegraphicas e pharoes; - 34, despezas com os consulados de Africa e extremo oriente transferidas do orçamento do ultramar. Total 693, ou 700 contos em numeros redondos.
Estes numeros são a media das respectivas verbas descriptas na conta geral do estado nos tres exercícios de 1884 a 1887. Por isso disse que mais exacto seria o processo de acrescentar ás despezas nos exercícios anteriores a 1887, que vou comparar, as quantias correspondentes a cada uma d'estas verbas, visto que ellas se acham descriminadas para cada anno na referida conta. Já expliquei os motivos porque adoptava o outro.
Tenho, porém, aqui um mappa em que calculei a quanto montariam as despezas ordinarias dos exercícios de 1880 a 1885 se os respectivos orçamentos fossem organisados como posteriormente a 1886.

[Ver mapa na imagem]

Não é comtudo n'este mas no seguinte que vou basear as minhas considerações, o provar ao sr. ministro da fazenda como o incompleto e erróneo do methodo por s. exa. seguido o levou a conclusões que se afastam muito da verdadeira interpretação dos factos.

[Ver mapa na imagem]

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A relação entre as receitas e despezas que, no primeiro periodo, com oscillações, ora para mais, ora para menos, foi sempre superior a essa mesma relação em 1884-1885, é-lhe inferior no segundo periodo e desce constantemente, até se reduzir a 102,6 depois de 1887-1888 as despezas terem sido inferiores ás receitas.
O mesmo succede com o deficit.
Se as despezas, no segundo periodo, tivessem mantido para as receitas ainda a proporção menor, 106,7, que se deu no primeiro periodo, deveriam elevar-se em:

[Ver tabela na imagem]

isto é, gastar-se-ía a mais nestes quatro annos 7:234 contos de réis, ou, em media annual, 1:808 contos de réis.
Conclue-se, portanto:
1.° Que no segundo periodo se despendeu relativamente menos do que no primeiro, para mais de 43 por cento.
2.º Que as receitas não foram absorvidas completamente pelas despezas nem deixou de attenuar-se o desequilíbrio orçamental, como o affirma o sr. ministro da fazenda a paginas 10 do seu relatorio, visto que o déficit baixou de 2:195 - 857 = 1:338 contos de réis no segundo periodo, ou 61,3 por cento, isto é, de 7,1 a 2,3 por cento das receitas.
Mesmo que se entenda dever fazer a correcção pelo que respeita ás classes inactivas, do que adiante fallarei, e a que já se referiu n'esta camara o meu collega o sr. Ressano Garcia, ainda a gerencia progressista teria attenuado o desequilíbrio orçamental em 1:338 - 819 = 519 contos do réis, em approximadamente a quarta parte.
Menos pessimista, pois deveria ser no seu relatorio o sr. Franco Castello Branco. Com isso, seria mais justo e lucraria por sem duvida, o nosso credito tambem.
A lição do malogrado empréstimo tentado pelo sr. ministro da fazenda na praça de Paris, de pouco parece ter-lho servido; nem lhe ensinou a apreciar quaes as susceptibilidades do credito, quaes as desconfianças dos capitães!
Peior, sr. presidente, muito peior do que os cartazes diffamatorios, os quaes podem ser apenas tidos como meios pouco louvaveis postos ao serviço de interesses apaixonados o ruída escrupulosos; peior, muito peior do que esses cartazes, repito, é o quadro ennegrecido por preoccupações, as quaes pouco póde dominar a reflexão, que no relatório de fazenda nos pinta o illustre ministro. É insuspeito o depoimento, espontanea a confissão, como não utilisar-se d'isto quem nos quer coagir pelo descrédito á satisfação de compromissos não reconhecidos!
Não gosta de meios termos este governo. Ou entrincheirando-se no mais absoluto silencio vae deixando minar o nosso poderio colonial; ou fallando de mais, quero crer por impulsos de lealdade, mas irreflectida, pensando desilludir quando pelo contrario se illudo, faz reviver a fogueira que á falta de alimento se apagaria apenas crestando o nosso credito, mas que ateada com o bom combustível que este folheto (o relatorio de fazenda) lhe fornece, poderá chamar sobre nós a lastima, mas não a confiança de estranhos.
Mais serenidade, sr. ministro da fazenda! O orgulho e o amor ao trabalho, estes dois poderosos agentes que s. exa. grandemente possue, se desacompanhados de tranquillidade de animo desorientam-se, de força, transforma-se em fraqueza.
Se mais friamente apreciasse as condições em que lhe foi legada a fazenda publica, acharia natural que as despezas crescessem ao passo que as receitas augmentavam. Se indagasse onde se tinha despendido e com que, chegaria a convencer-se que a maioria, se não a totalidade d'esses gastos, satisfaziam instantes e justas exigências de serviços publicos.
As nações não se administram como os particulares. Não é enthesourando os rendimentos que bem se gerem os negocios publicos: a riqueza dos povos resulta em grande parte de opportunas e bem applicadas despezas.
Gastou-se em absoluto mais no segundo do que no primeiro dos períodos que ha pouco comparei, não ha duvida. Mas quando as receitas cresciam, desafogando a fazenda publica, não era o momento de pensar no que nos faltava, de diligenciar pôr-nos a par das outras nações da Europa?
Não tínhamos quasi ensino industrial nem profissional.
A iniciativa do distincto professor e estadista, cuja morte prematura tão penosa foi para todos que o conheciam, o sr. Antonio Augusto de Aguiar, o primeiro dos nossos ministros que a serio pensou em remodelar o ensino profissional assentando-o em bases praticas, amortecera á falta de novo impulso.
Crearam-se escolas especiaes de profissões e remodelou-se o ensino dos institutos industriaes.
Dissiminaram-se pelo paiz estabelecimentos e escolas que diffundissem os conhecimentos e modernos processos da agricultura e da technologia rural.
Continuaram-se e iniciaram-se vários melhoramentos ma-teriaes, todos elles no futuro directa ou indirectamente lucrativos para o estado.
Augmentaram-se os vencimentos dos professores do instrucção superior, os soldos dos officiaes de terra e mar e dos reformados de uma e de outra d'estas classes.
Elevaram-se os subsídios dos hospitaes e a dotação da imprensa nacional.
Deu-se material á fiscalisação terrestre e marítima.
Pagaram-se encargos legados pela precedente situação regeneradora, entre outros, por exemplo, os provenientes da reforma da alfândega feita pelo sr. Hintze Ribeiro.
Compare v. exa. isto realisado em quatro annos acrescendo as despezas de 1:099 contos de réis, com o só projectado em seis mezes, que já vae em perto do 900 contos de réis! Aprecie v. exa. tambem e a camara a disparidade das condições.
O ministerio progressista ia bitulando as reformas ou as creações do novos serviços pelo crescimento das receitas, de modo a não aggravar as condições do contribuinte; o governo actual cria um ministerio e três consulados de 1.ª classe, acrescenta as guardas municipaes e vae gastar mais de 500 contos de réis em apparatos de defeza nacional, quando, não sou eu que o digo, é o proprio governo pela boca, ou melhor, pela penna do sr. ministro da fazenda, julga indispensavel a que n'um só e indentico pensamento de administração (prudencia e economia) se encontrem leal e fortemente conjugados o parlamento, os membros do governo e o paiz».
O paiz para pagar, agora sou eu que digo, o parlamento para votar o que ao governo parecer, os membros do governo para gastar, embora esses gastos hajam sido particularmente desapprovados pelo sr. ministro da fazenda «contra os quaes luctou quanto soube e poude», isto lê-se no relatório de fazenda e explica os celebres §§ 10.° e 11.° da lei de meios.
Ha muito, sr. presidente, que eu affirmo que no nosso paiz não ha governos, ha ministerios, isto é, não ha entre os homens que compõem os gabinetes um pensamento governativo commum, que lhes imponha normas harmonicas de administração; mas o que não esperava, era ver isto confessado por o memhro de um d'esses ministerios! A que tensão as cousas chegaram!...
Seja, porém, qual for o viver intimo da actual situação política, o que não lhe assisto é o direito de denominar pre-

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dularia a situação que a precedeu. Não tem auctorisado para isso quem por um lado nos affirma penurias da fazenda publica e por outro se alarga em despezas por que nada instava; quem vera pedir ao contribuinte 6 por cento de addicional sobre os encargos que já o oneram para satisfazer caprichos proprios e alheios; simular a necessidade de tranquillisar quem não tinha a inquietar-se, quem devia ver que só para se arrogar força se simulavam motivos de inquietação. (Apoiados.)
V. exa. não entende?! Pois eu não devo nem quero ser mais explicito. Vejo que ha na camara quem me comprehenda, é quanto me basta...
Parece-me ter demonstrado, sr. presidente, que, gastando relativamente menos durante a sua estada no poder a situação progressista do que a regeneradora que a precedera, dotou o paiz de melhoramentos de ha muito reclamados, sem ter para isso de pedir sacrifícios ao contribuinte, antes diminuindo alguns impostos e cerceando as receitas em beneficio da industria e do commercio.
A livre exportação do oiro, a redacção do direito de exportação dos vinhos apenas a um direito estatístico, a lei dos cereaes, a pauta aduaneira em vigor, pauta essencialmente proteccionista, são outras tantas medidas, ou da execução ou da iniciativa do ultimo ministerio progressista, as quaes representam diminuição absoluta ou relativa nos reditos públicos, e explicam a descida das receitas em 1888-1889, as quaes, a não ser isto, cobririam todas as despezas e dariam saldo como aconteceu em 1887-1888.
Ora se o deficit de 2:195 contos de réis, com a receita de 31:000 contos de réis, legado em 1884-1885 ao governo que então subiu ao poder, não o levou nem a escrever pavorosos relatorios de fazenda, nem a reclamar sacrifícios da nação, como é que o deficit de 857:000 contos de réis com a receita de 38:000 contos de réis por tal fórma assustou o sr. ministro da fazenda, que entendeu dever dar-lhe por complemento 6 por cento de addicional e 900 contos de réis de despeza a mais!
Creia s. exa. não serão necessarios argumentos; bastará o bom senso do povo para julgar a administração do actual governo.
Uma voz: - Pobre povo!
O Orador: - Realmente bem pobre, creia o illustre deputado, mais pobre do que se imagina; mas ainda a maior pobreza o querem reduzir.
Apreciada assim, como deve ser, a administração progressista até ao anno economico do 1888-1889, passarei sobre o anno de 1889-1890, para não tratar do que já a camara examinou na discussão do orçamento rectificado.
Só de passagem direi que não se revelam, nas verbas pedidas nesse orçamento, grandes tendencias economicas. Ao ver as despezas que em muitos serviços se fixam, para cinco mezes, mesmo que estivessem requisitadas - o que não quer dizer gastas - as verbas de despeza auctorisadas no orçamento ordinario, ainda assim seriam as primeiras relativamente mais elevadas do que as segundas attento o tempo a que eram destinadas.
Assim, só no serviço proprio dos ministerios os acrescimos pedidos montam a 1:976 contos de réis, entre os quaes figuram o ministerio do reino e o de instrucção com 240 contos de réis, o da justiça com 81 contos de réis, o dos estrangeiros com 93 contos do réis e o das obras publicas com 1:060 contos de réis.
Pois, se tão pouco prosperas são as condições da fazenda publica, porque não limitou o governo estas despezas, como já aqui se lhe mostrou o podia fazer?! Pois se não tiveram duvida em rasgar decretos referendados pelos ministros a que succediam, tiveram duvida em suspender gastos que, pelo seu modo de ver, se não compadeceriam com as circumstancias do thesouro?!
Ao ver-se, no começo, o governo suspender empreitadas, annular concursos, rescindir contratos, pensar-se-ía crer entrar na senda da mais parcimoniosa economia. Não, sr. presidente, era outra a orientação do ministerio. As empreitadas recomeçaram, os concursos e os contratos refizeram-se; o que o governo queria era o reconhecimento dos eleitores, nada mais.
Mas, repito; não quero renovar discussão já havida por finda, por isso completarei o exame comparativo que fiz dos exercícios nos dois períodos de 1880 a 1884 e 1885 a 1889 com a analyse do orçamento para 1890-1891, acompanhando n'este exame o sr. ministro da fazenda.
Compara s. exa. o orçamento de 1885-1886, que fará elaborado pelo sr. conselheiro Hintze Ribeiro com o de 1890-1891, que deixou feito o sr. conselheiro Augusto José de Cunha.
Para tornar mais clara a minha exposição descreverei primeiro, sem commentarios, o methodo seguido para esta comparação no relatório ministerial, reservando as apreciações para depois.
«São estes dois últimos documentos, escreve o sr. Franco Castello Branco no seu relatorio a pag. 11, de idêntica natureza financeira elaborados pelas duas situações políticas que se succederam no poder e cujo confronto e analyse, em meu juízo, muito podem concorrer para se ter da actual situação fazendaria uma noção completa, clara e exacta, como é de ver meu expor-vos e se torna necessario, indispensavel para fundamento e justificação da proposta de lei que vou ter a honra de submetter á vossa illustrada apreciação.»
Para chegar a esto resultado confronta primeiro, taça como elaborados, os dois orçamentos a que me referi, o do 1886-1887 e o de 1890-1891; e, posto se consignem no ultimo d'estes orçamentos augmentos de despeza no serviço de todos os ministerios com excepção do ministerio da justiça, onde houve diminuição de 6:450$000 réis, e do ministerio do reino no qual se reduziram as despezas de 20:340$000 réis, ainda o deficit d'este é apenas de 840 contos de réis, entretanto que o do primeiro, o de 1880-1887, era de 1:748 contos de réis. O orçamento de responsabilidade do sr. Hintze Ribeiro apresentava um deficit superior ao orçamento de responsabilidade do sr. Augusto Cunha de 940 contos de réis.
Não podia convir esto resultado para «fundamento e justificação» do addicional de 6 por cento, porque este confronto parece denotar progresso e relativo desafogo na situação da fazenda publica (relatório pag. 12), mas isso sr. ministro da fazenda e «á primeira vista», tem de se lhe fazer correcções.
Começa por dizer que no orçamento de 1886-1887 foram descriptas todas as despezas com aposentados, reformados, etc., existentes em 30 de junho de 1885, entretanto que no orçamento de 1890-1891 apenas se inclue a somma de 800 contos de réis, sendo emprestada pelo banco de Portugal a restante quantia necessaria para integral pagamento das classes inactivas. Ora os vencimentos d'estas classes, em 30 de junho de 1889, eram de 1.631:000$000 réis (relatorio pag. 13), logo deveria juntar-se a differença 1:631 - 800 = 831 contos de réis aos 840 contos de réis de deficit do orçamento do sr. Augusto Cunha, para se obter o desequilíbrio orçamental, comparavel ao que se deduzia do orçamento do sr. Hintze. Assim montaria aquelle primeiro deficit a 831 + 840 = 1:671 contos de réis. Não pára, porém, aqui; ainda era pouco.
As receitas inscriptas no orçamento de previsão para 1890-1891, dos tabacos e cereaes, dil as o sr. ministro da fazenda, no seu relatorio, exageradas, e calcula esse exagero em 860 contos de réis para o rendimento dos tabacos, o qual computa em 3:755 e não 4:605 contos de réis, que previra o seu antecessor, e em 974 contos de réis para os direitos de importação dos cereaes, que avalia, não era 2:686 contos de réis como o fazia o sr. Augusto Cunha, mas só em 1:702 contos de réis.
Agora sim. O deficit previsto pelo orçamento que encontrara feito pelo ministro, da fazenda que substituiu, já

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acrescentado a 1:671 contos de réis pela primeira correcção, eleva se com estas duas ultimas a 1:671 + 850 + 974 = 3:495 contos de réis : - mais 1:747 do que o deficit presumido pelo sr. Hintze Ribeiro, no orçamento do 1885-1886.
«Ainda mesmo continuando o systema anterior da descripção das despezas com os aposentados e reformados», lê-se a paginas 15 do relatorio de fazenda, o desequilíbrio, no ultimo orçamento organisado pela gerencia progressista, seria do 3:495 831 = 2:664 contos de réis, ou maior 916 contos do que o avaliado no ultimo orçamento para 1885-1886, da gerencia regeneradora que a precedeu.
Eu não desejava interromper com commentarios a exposição que estou fazendo do processo adoptado pelo sr. ministro da fazenda, para dar da actual situação fazendaria uma nocivo completa, clara e exacta, como se torna indispensavel para fundamento e justificação» das suas propostas do lei; mas realmente, chegado a este ponto, não posso, sr. presidente, calar a reflexão que ao espirito de todos certamente acode: ou, para tornar comparaveis os dois orçamentos que se confrontam só deve acrescentará despeza, e portanto ao deficit calculado pelo sr. Augusto Cunha, a quantia complementar dada pelo banco do Portugal para pagamento das classes inactivas, ou não se deve acrescentar? Se se deve, para que admitte o sr. ministro a possibilidade de se não fazer; se não se deve, para que o faz s. exa. e tira consequencias dos resultados?!
Tanto é certo, sr. presidente, que o próprio sr. ministro da fazenda duvidava do rigor de tal correcção; e rasão tinha para mais do que duvidar.
Mas proseguirei no que ia dizendo.
Em harmonia com o que deixo exposto, estabelece-se no relatorio de fazenda, pag. 17, a despeza e receita que ficam sendo presumireis para 1890-1891, as quaes são as do orçamento organisado pelo sr. Augusto Cunha «feitas justificadas correcções nos calculos de algumas receitas e as alterações provenientes da publicação de novas providencias com caracter legislativo».
N'estas justificadas correcções, note a camara, já não figura, nem póde figurar a referente á das classes inactivas.
Assim devem orçar-se para 1890-1891:

as receitas em as despezas em ... 39.677:694$400
as despezas em .... 43.083:723$463
Deficit .... 3.407:029$003

No intuito de regularisar o orçamento, na phrase do sr. ministro da fazenda, reduzem-se algumas despezas, no valor de 201:090$000 réis, e acrescenta o relatorio de fazenda: «Quanto a algumas receitas orçadas (manifestamente pelo sr. Cunha) cuja tendencia firmemente progressiva se tem accentuado em todas as arrecadações dos ultimas annos, devem ellas fundadamente experimentar as seguintes modificações». Estas modificações, conforme se vê a pag. 20 do relatorio de fazenda, elevam-se a 1:205 contos de réis, reduzindo-se o deficit de 3:407 contos de réis, que ha pouco mencionei, a 3:707 - 202 - 1:205 = 2:000 contos de réis.
Ora, sr. presidente - e agora vou apreciar o rigor do processo empregado pelo sr. ministro da fazenda - se s. exa. teve por legitimo acrescentar ao deficit que o seu antecessor calculara o excesso que suppunha existir na avaliação de algumas receitas, porque não teve por legitimo subtrahir d'esse deficit o que, como acabo de dizer, entende dever presumir-se, produzirão algumas receitas acima da avaliação que d'ellas fez o sr. Cunha?! Pois porque encontra receitas calculadas a mais, entendo dever fazer «justificadas correcções» no deficit do orçamento que lhe ficara a passada situação política, e não faz correcção alguma n'esse deficit pelo que respeita ás receitas que pensa calculadas a menos no mesmo orçamento?! (Apoiados.)
Original processo! Que intensa preoccupação dominava, talvez inconscientemente, o espirito do sr. ministro da fazenda ao escrever o seu relatorio!
Parece que s. exa., presuppondo deveria chagar a certas conclusões, tão forte foi esta presumpção que um trabalho mental, de resto muito commum, transformou-lhe no seu espirito, antes mesmo do exame dos factos, a presumpção em certeza, levando-o a forçar tudo a caber dentro do que presumira. É o unico modo por que posso explicar e conciliar as declarações de s. exa., de que não tivera em mira no seu relatorio quasi exclusivamente depreciar a gerencia progressista, e o que no mesmo relatorio escreveu e o modo por, que o escreveu.
É, pois, certo que, para proceder rigorosamente, deveria o sr. ministro da fazenda ter apenas acrescentado ao deficit de 840 contos de réis do orçamento feito pelo sr. Augusto Cunha a differença entre o excesso das receitas que julgava calculadas a mais e o das que julgava calculadas a menos.
Seria, portanto:

excesso presumido no calculo das receitas dos tabacos e cereaes .... 1:824 contos de réis
differença a menos no calculo de varias receitas .... 1:205 contos de réis
excesso total das receitas calculadas .... 619 contos de réis
Mais o deficit primitivo do orçamento de 1890-1891, do sr. Cunha .... 840 contos de réis
1:459 contos de réis

O deficit do orçamento de 1890-1891 seria, pois, de 1:459 contos de réis e não de 2:664 contos de réis, como o sr. ministro da fazenda o affirma a pag. 15 do seu relatorio, mesmo acceitando os calculos de s. exa. pelo que respeita ao rendimento dos tabacos e cereaes. Vejamos, porém, se realmente essas calculos se podem acceitar.
Caminho lentamente n'esta exposição, para lhe não prejudicar a clareia. Desejo ser entendido, certo que, se o conseguir, não restarão duvidas á camara sobre a verdade do que affirmo na moção que ha pouco li.

Calculava o sr. Cunha a receita dos tabacos em 4:G05 contos de réis, diz o sr. Franco Castello Branco que não passará de 3:775.
Baseára o primeiro as suas previsões no acréscimo de 337 contos de réis das vendas liquidas do primeiro semestres de 188!) sobre o ultimo de 1888. Este acrescimo daria para augmento de lucros com a venda liquida provável até 30 de junho de 1890, cerca de 902 contos, os quaes juntos aos lucros líquidos de 3:577, que pelas contas de gerencia da administração dos tabacos correspondem a um anno, perfariam, com os 162 contos de réis das receitas aduaneiras, 4:641 contos, isto é, mais 40 contos de réis do que o consignado no orçamento pelo sr. Cunha.
Diz o actual sr. ministro da fazenda que a receita do tabaco com que se poderia contar na provisão orçamental, pela cobrança do ultimo anno economico do 1888-1889, primeiro da regência do novo systema, seria de 3:755 contos de réis. Não conta s. exa. com o minimo acrescimo d'esta receita em dois annos; assim deveria ser, nem de outro modo se justificava a proposta que apresentou para transferir de monopolio do estado para monopólio particular a fabricação dos tabacos.
Era, comtudo, natural que o primeiro anno da administração dos tabacos por conta do estado tivesse innumeras causas para relativamente pequeno rendimento, já pelo limitado das vendas, já pelos ónus de fabricação, já por todas as incertezas e vacillações de um novo regimen, por isto, emfim, que constituo o que, com rasão, se denomina custo de aprendizagem. Não era certamente o rendimento de tal anno que poderia nem deveria tomar-se para de modo

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absoluto e definitivo representar o producto d'esta receita a inscrever no orçamento de 1890-1891.
A pagina 16 do relatorio da gerencia de 1888-1889 do conselho da administração geral dos tabacos, depois de se mostrar que o preço dos tabacos em rama baixou do primeiro semestre d'esta gerencia para o segundo de 452,8 a 351,3 réis por kilogramma, ou de 101,5 réis por kilogramma, diz-se: «Resulta (esta differença) de que se estiveram consumindo os depositos recebidos das emprezas expropriadas pelos preços marcados nos respectivos inventarios. É facil de calcular, perante o preço do segundo período (ainda superior ao que será no exercido corrente, pelos motivos expostos n'este relatorio) que o encargo resultante d'esta origem representa cerca de 100 contos de réis». A pagina 17 do mesmo relatorio lê-se: «Mais grave ainda é o onus que trouxe ao exercicio de 1888-1889 a verba descripta no segundo capitulo». Refere-se a 91 toneladas do tabaco manipulado que tiveram de ser refabricados, e que reduzidos assim ás condições de materia, prima, affirma-se n'este relatorio: «essa reducção importa a annulação de valor superior a 400 contos de réis». Mais adiante, referindo-se ás vendas, escreve ainda o conselho de administração: «N'este exercicio que relatámos as condições foram seriamente desfavorecidas pelos depositos consideraveis por toda a parte existentes. Póde, pois, dizer-se, sem receio de errar que o rendimento agora accusado (1888-1889) representa um mínimo, a melhoria do mercado e a acção de reformas da administração interna hão de concorrer para o augmentar consideravelmente».
Partindo pois d'estes dados, acceitando, em vista do que se dá no actual exercicio, que ainda em 1890-1891 se façam sentir um pouco as causas que concorreram para o rendimento dos tabacos não attingir no primeiro anno o que se esperava, não exagerarei tomando apenas como provavel acrescimo de receita, pelo barateamento do custo da materia prima, 200 contos de réis, isto é, o que corresponderia aos 100 contos de réis por anno provenientes só da baixa do preço da materia prima de 252,8 a 351,3 réis. Os recambies são, por sem duvida, não ganho, o seu encargo effectivo representa-se, porém, pela quota de refabricação.
Mas de 1875 a 1885 o consumo em França augmentou de 19,68 por cento ou 1,79 por anno. Não será tambem exagerado suppor que esse augmento entre nós, onde certamente se não fuma menos do que em França, seja de 1,5 por cento ao anno. Fica-se inferior ao augmento, que se deduz das estatísticas da nossa alfandega.
Reunindo estas differentes verbas teremos:

rendimento dos tabacos em 1888-1889 .... 3:705 contos de réis
acrescimo por diminuição no custo da materia prima e do fabrico .... 200 contos de réis
3:955 contos de réis
1,5 por cento pelo augmento do consumo 56 contos de réis
4:011 contos de réis

Em numeros redondos, 4:000 contos de réis será a receita presumível d'esta origem em 1890-1891, ou mais 245 contos de réis do que o calculado pelo sr. ministro da fazenda.
Para se obter o acréscimo de 200 contos de réis pelo menor custo do tabaco em rama bastaria que o preço fabril, o qual pelas contas de 1888-1889 se avalia no relatorio do conselho de administração dos tabacos em 1$079 réis por kilogramma, baixasse a 979 réis pela mesma unidade, e lendo-se n'este relatorio a pagina 19 «... podemos orçar era 847 réis o preço fabril para 1889-1890...» ainda estou, na minha previsão, afastado 132 réis em kilogramma, ou a menos da metade da differença entre 1$079 e 847 réis.
Já se vê, sr. presidente, que não exagero.
Outro parallelo me leva ainda a igual conclusão.
Pelo arrendamento do exclusivo recebe o governo hespanhol 90 milhões de pesetas, ou 16:200 contos de réis, o que equivale por cada milhão de habitantes a 1:012,5 contos de réis. O consumo em Portugal não será inferior ao de Hespanha, portanto deveria representar-se por 4:556 contos de réis. Para que pelo acrescimo annual de 1,5 por cento no consumo só attingisse esta cifra seriam necessarios dez annos.
Repito, o erro que posso commetter, no rendimento que entendo dever computar-se para os tabacos em 1890-1891, só poderá ser por defeito.
Se á testa d'esta administração não estivesse pessoa de tão inquestionavel competencia (Apoiados.) ainda me poderia arreceiar das affirmações que faço. Certo como estou de que o actual administrador geral dos tabacos, saberá organisar e ampliar as vendas, luctar contra o contrabando, remover n'uma palavra, todas as difficuldades e empeços que tendam a retardar o estabelecimento de uma boa exploração, corrigir porventura alguns defeitos servindo-lha de immediato proveito as lições da experiencia, só o falível das presumpções humanas tem de entrar como possível correcção ao que deixo dito.
Apenas dista a cifra que em taes condições calculo para rendimento dos tabacos de 128 contos de réis da que o sr. ministro aponta na sua proposta de arrematação do exclusivo como base para a licitação. Facílimo seria á administração do estado attingil-o, inútil para realisar o rendimento de 4:250 contos de réis entregarem-se a particular ou particulares lucros que o thesouro poderia auferir.
Não se illuda o governo. Veja bem se os ganhos presentes lhe compensarão os não ganhos futuros. Se não será preferível trabalhar e esperar, a receber desde já, sem fadigas é certo, mas sem esperança de melhoria, alguns contos de réis a mais por anno. (Apoiados.) A seu tempo será isto discutido, se o chegar a ser.
Devem, portanto, ajuntar-se mais 245 contos de réis ás receitas contadas pelo sr. ministro da fazenda.

Passo a examinar o rendimento dos cereaes. Calculam este rendimento:

o sr. Cunha em .... 2:676 contos de réis
o sr. Franco em .... 1:702 contos de réis
Differença .... 974 contos de réis

As importações foram nos ultimos tres annos em milhões de kilogrammas:

[Ver tabela na imagem]

Diz-se no relatorio de fazenda «... calcular o producto da receita dos cereaes pela media das arrecadações nos ultimos tres annos, era não só conforme aos preceitos do regulamento da contabilidade, mas tambem aos intuitos e previsões da lei de 1889».
Pelo que respeita ás disposições do regulamento de contabilidade, eu mais para diante me referirei a ellas, vejamos primeiro conforme os intuitos e previsões da lei de 1889, qual a receita que deverá presuppor-se dos direitos de importação dos cereaes.
Estabelecem-se na lei citada dois periodos: um, durante o qual o despacho do trigo é restricto, outro, em que é livre. O despacho é restricto, quer dizer, para importar qualquer quantidade de trigo estrangeiro é necessario provar

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ter comprado o dobro de trigo nacional, emquanto ou existir d'este trigo, ou o seu preço não for superior em media a 60 réis por kilogramma. Dada qualquer das duas hypotheses - ou a não existência de trigo nacional, ou o pedir-se pelo existente preço superior á media indicada - fica livre o despacho, isto é, póde importar-se para consumo trigo estrangeiro sem restricção alguma. Não me refiro ás condições de circulação desse trigo, porque nada influem para o meu raciocínio.
Ora, ao porem-se em execução estas disposições da lei cujos intuitos eram, ninguem o ignora, dar venda certa e preço remunerador ao trigo nacional, limitando a importação do estrangeiro só ao deficit da nossa producção, os moageiros tinham em deposito quantidades de trigo estrangeiro que elles mesmos, me consta, declararam ao sr. ministro da fazenda lhes chegaria para o consumo de três a quatro mezes. Este saldo junto ás restricções no fabrico que lhes impozeram as disposições coercitivas da lei que de um modo geral, mas sufficiente para a comprehensão do que tenho a dizer, acabo de expor, explicam a menor importação no anno findo. Como, porém, no próximo anno não existirão aquelles saldos, só a restricção no fabrico influirá na futura importação, a qual se deverá approximar da de 1888, anno em que o elevado dos direitos de importação do trigo junto á incerteza das condições em que ficaria a industria das moagens, limitaram - tudo assim o leva a crer - as entradas de trigo a muito proximo do só necessario para preencher o deficit da producção nacional. O saldo que já disse passou de 1888 para 1889, seria parte do que de 1887 passou para 1888; e digo parte, porque certamente porção deste ultimo saldo foi absorvido pelo consumo de 1888.
Não haverá, consequentemente, exagero, prevendo no anno economico de 1890-1891 uma importação de trigo igual á media dos tres ultimos annos, de 101:000 toneladas.
Em fevereiro passado o sr. ministro da fazenda provocou e provocou bem - da justiça que a todos faço desejo se infira a sinceridade das minhas palavras - perfeitamente te em harmonia com a lei e com as necessidades da administração publica, as quaes não admittem moratorias, a passagem do regimen da restricção para o da liberdade do despacho. Mas impoz-se-lhe então a necessidade de reduzir o direito do trigo, como medida complementar para occorrer a males que ameaçavam poder tornar-se em complicações de ordem publica. Viu-se, pois, obrigado, por um acto dictatorial que, seja dito de passagem, ainda até hoje não foi sanccionado pelas camaras, a baixar de 20 a 16 réis o direito pautai de importação do trigo estrangeiro.
Devem estar convencidos os agricultores de que rasão tinha o ministro que assignou a primeira proposta, apresentada na sessão passada, para modificar o regimen da importação do trigo, e o membro da commissão da fazenda que não só relatando o respectivo projecto, mas tambem discutindo o que depois se transformou na carta de lei de agosto de 1889, defendeu a existencia de direitos diversos, um no período de restricções, outro no da liberdade do despacho. E certo que o que então defendi e ainda hoje defendo, é, pelo que respeita os quantitativo d'esses direitos, inverso do que se fez: menor o direito no período de restricção, maior no periodo de liberdade. Confio que assim como se impoz o principio, se imporá tambem o modo de o applicar. Alem de me parecer o aconselhado pelos simples bom senso, é o mais vantajoso para a agricultura e de maior utilidade para o fisco. A pouco e pouco se convencerão os agricultores que lucram mais em escutar as convicções desinteressadas, do que em deixar-se guiar por interesses sem convicções.
A continuar o actual regimen-só isso me é licito presumir no momento actual, tanto mais que, dando números menores, não póde ser taxado de propositados avolumamentos -, e suppondo a relação das importações para as importações nos dois períodos - em harmonia com o espirito da lei - de 1:2, ou de 34:000 toneladas no primeiro (restricção) e 64:000 toneladas no segundo (liberdade), deverão calcular-se os direitos pagos pelos trigos e outros cereaes:

[Ver formula na imagem]

Sem contar 4:600 tonelladas de farinha importada que equivalem a mais de 6 milhões de kilogrammas de trigo os quaes vieram tambem em supprimento ao consumo, e renderam de direitos para cima de 96 contos de réis.
Deixo isto como compensação para o possível desenvolvimento da cultura cerealífera, protegida pelas condições da lei, desenvolvimento que não é de presumir vá tão longe em um anno.
Se o quantitativo do direito fosse invertido, 16 réis no período de reatricção e 20 réis no de liberdade de despacho, como em minha opinião deveria ser, elevar-se-ía o presumível rendimento dos cereaes, suppondo então igual a importação nas duas epochas, por as difficuldades do despacho no primeiro periodo serem compensadas pelo menor direito, a:

[Ver formula na imagem]

Mais milho e outros cereaes, como acima .... 240 contos de réis
2:060 contos de réis
Previsto pelo sr. Franco .... 1:702 contos de réis
a mais .... 358 contos de réis

Mas repito, tomo o primeiro numero, não só por os meus calculos deverem basear-se sobre o que é e não sobre o que entendo deveria ser, mas para as minhas conclusões não serem suspeitas de exageros.

Feitas as «justificadas correcções« que acabo de expor «e tendo em vista as demais observações feitas» o orçamento do sr. Cunha, modificado, conforme o que póde deduzir-se para o calculo das receitas do occorrido no periodo que medeia desde a data em que feito até hoje, ficará sendo:

[Ver tabela na imagem]

ou apenas mais 84:000$000 teia do que o calculado pelo sr. Cunha.

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Ou ainda se chega ao mesmo resultado:

[Ver tabela na imagem]

Comparemos agora este orçamento assim recomposto com o de 1886-1887 do sr. Hintze Ribeiro:

[Ver tabela na imagem]

Em que ficam, sr. presidente, as conclusões de paginas 15 do relatorio do illustre ministro da fazenda?
Com effeito escreveu s. exa. em vista dos resultados a que chegára comparando, a seu modo, as gerências e exercícios desde 1884 a 1889 e os orçamentos de previsão de 1886-1857 e 1890-1891:
1.° Que o déficit ordinário duplicou nestes últimos annos. É exactamente o contrario, quasi se reduziu a metade ou mais exactamente a 53 por cento: 1:747 contos de réis em 1886-1887 para 931 contos de réis no futuro anno economico. E mesmo que se tivessem por inexactas as correcções que fiz referentes ao rendimento provavel dos tabacos e cereaes, como não serão assim consideradas as que o proprio relatorio de fazenda menciona, o deficit do orçamento de 1890-1891 seria ainda inferior de 1:747 - 1:459 = 288 contos de réis ao do orçamento de 1886-1887.
2.° «Que o era verdade notável incremento das receitas se mostra infelizmente não só de todo absorvido, mas, o que peior é, em muito excedido pelas despezas ordinarias pois que se as primeiras augmentaram na rasão de réis 1:800 contos por anno, as segundas cresceram parallelamente em mais de 2:200 contos de réis». Se isto se refere aos dois orçamentos comparados, contradictam-no os numeros que acabo de ler. As receitas cresceram de 2:241 contos de réis ao passo que as despezas augmentaram de 2:037 contos de réis, isto é do menos 204 contos de réis, ou 9,1 por cento das primeiras. Ainda pondo de parte o acrescimo por mim avaliado no rendimento dos tabacos e cereaes ficaria o augmento das receitas superior ao das despezas de 71 contos de réis. Mais: a relação da receita para a despeza nas duas previsões limites para 1890-1891 que tenho apreciado - na do deficit de 924 contos de réis e na do deficit do 1:459 contos de réis - são para a primeira de 102,44 para a segunda de 103,19, entretanto que a mesma relação é para o orçamento de 1886-1887, a que me tenho referido, de 106,25.
Vê, v. exa., sr. presidente, e vê a camara que, ainda suppondo as peores condições, o por isso as tomo, os resultados contradizem as affirmações do sr. ministro da fazenda.
Se é, porém, ao período de 1885 a 1889 que dizem respeito as palavras que ha pouco li do relatorio de fazenda ainda não foi mais feliz o seu auctor como se vê d'este, mappa que passo a ler:

[Ver mapa na imagem]

Foi consequentemente o crescer das despezas inferiores ao das receitas de 638 contos de réis na totalidade, ou de quasi 10 por cento. As primeiras cresceram em media de 1:708 contos de réis e não de 1:800 contos de réis, as segundas, de 1:549 contos do réis e não de 2:000 contos de réis.
E note a camara que neste mappa torno as despezas o as receitas taes como inscriptas nas contas do estado, posto o systema da escripturação nos dois ultimos annos tranferisse para as despezas ordinarias, verbas, ás quaes já me referi, que se escripturavam anteriormente nas despezas extraordinarias.
Supponhamos, porém, sr. presidente, que rasão nenhuma me assiste na critica que acabo do fazer das conclusões a que o sr. ministro da fazenda presume chegar pelo exame da administração progressista.
É então por as despezas terem augmentado desproporcionalmente ao crescer das receitas, é para remediar este mal que o governo, sem tentar o minimo esforço para acrescer as ultimas, a não ser por um imposto tão iníquo como desnecessario, avoluma as segundas de por emquanto cerca de 900 contos?!...
É extraordinario, realmente assombroso, como se permittem, já não digo accusar, mas aconselhar!...
De modo que, a serem exactas as affirmações do sr. ministro da fazenda, a lição que tirou dos factos de política financeira apreciados por s. exa., parece ser, em vista dos do actos do actual governo, que se deve gastar ainda mais.
E com effeito, o que se dezume das duas partes do relatório do illustre ministro é que se o thesouro está pobre o paiz está rico.
Taciturno e sombrio na primeira, em que aprecia a situação fazendaria, aloira-se e sorri na ultima, quando desenvolve o estado economico do paiz. Vazias as arcas do estado, repleta algibeira do contribuinte. Era necessario estabelecer tal principio para chegar ao fim: - os 6 por cento addicionaes.
Mas então sempre é exacto o que eu venho affirmando desde o principio? Se a situação progressista gastou, fomentou com esses gastos a prosperidade do paiz. E o proprio sr. ministro da Fazenda quem acaba pelo confessar.
Ainda que muito rico estivesse o paiz, não era motivo para lhe exigir inuteis sacrifícios. Provei, sr. presidente, que a necessidade do novo imposto não a legou a gerencia do meu partido, vou mostrar que só as impensadas despezas do actual governo a crearam, mas que seria possível ainda assim evitar tal vexame tributario. Grosseiro expediente financeiro que para admirar é o acceitasse o talento reconhecido do illustre ministro da fazenda.
Antes disso permitta-me a camara que eu previna alguns reparos e objecções que antevejo.
Póde parecer, puz de parte ou esqueci, o que respeita ás classes inactivas. Puz de parte, é certo, não esqueci; e

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puz do parte tal correcção, porque quer se trata do parallelo dos dois orçamentos de 1886-1887 e 1890-1891 quer se calcule o deficit definitivo d'este ultimo - as duas cousas tenho tido em vista - tal correcção não poda acceitar-se. Não vou expor á camara em que consiste esta operação das classes inactivas, a camara sabe-o, o eu não o faria nem mais clara nem mais precisamente do que já o fez o meu amigo e illustre parlamentar o sr. Ressano Garcia; não obstante, para não ficar incompleto o meu raciocinio direi, que resultando de tal operação o encargo orçamental effectivo de 800 contos de réis mais o juro de 5 por cento, não ha motivo para, com o fim de tornar comparaveis os orçamentos, inscrever n'um, o que realmente se não tem a pagar no período a que elle se refere. O que ha a pagar nesse período lá está.
Não se trata de uma transferencia de verba do orçamento ordinario para o extraordinario, como succede nus correcções a fazer para tornar comparaveis as contas dos exercicios, mas de uma operação financeira adrede feita para alliviar actualmente o orçamento. Note-se ainda, que nas contas geraes do estado até 1886-1887 se se lançava nas despezas de cada ministerio a verba total paga pelos vencimentos dos reformados aposentados etc., no artigo 6.° da receita, Compensações de despeza, escripturavam-se os emprestimos de diversos bancos fará pagamento das classes inactivas. Logo a querer fazer-se a correcção, no orçamento de 1890-1891, indicada pelo sr. ministro, deveriam acrescer-se ás compensações de despeza as quantias adiantadas pelo banco de Portugal, o que, balanceado com a despeza total a pagar pelos vencimentos dos aposentados reformados etc., daria como differença, ou como despeza effectiva, a verba fixa de 800 contos e respectivos encargos. Era portanto o mesmo. Não ha consequentemente nenhuma correcção a fazer.

Para comparar os orçamentos de 1886-1887 e 1890-1891, disse eu mais de uma vez, dever abater-se no deficit, ou addicionar á receita do ultimo d'estes orçamentos 1:205 contos, de réis, somma confessada pelo sr. ministro da fazenda a que montavam as despezas avaliadas a menos pelo sr. Augusto Cunha. Póde objectar-se, que, se para, o calculo do deficit provavel definitivo isto se póde fazer, para apreciar o orçamento como orçamento, tal addicção seria uma offensa ao que dispõe o regulamento de contabilidade.
Eu prometti discutir este assumpto.
Começarei por ler á camara o artigo do referido regulamento que a elle se refere. É o artigo 23.º, que diz:
«A avaliação da receita ordinaria para o orçamento annual será feita pela importancia da receita effectiva do ultimo anno economico, e pelo calculo do termo medio do producto liquido dos tres annos anteriores, em relação aos rendimentos que por sua natureza muito variavel não possam ser computados approximadamente pela receita effectiva de um anno corrente.»
Ora a variabilidade pela natureza do rendimento, a que o artigo que acabo de ler á camara se refere, é manifestamente a que resulta da propria indole do rendimento e não a proveniente de factos, cujos effeitos se podem prever e nada influem no caracter essencial da receita.
Outra interpretação daria absurdo. Reduzia-se a taxa de um imposto a menos do que fôra em annos anteriores, fazia-se intencionalmente para beneficiar a materia tributavel sobre que elle incidia, pois apesar disso continuava-se a inscrever no orçamento a media da receita dos tres ultimos annos, media que se sabia não poder cobrar-se, por ser n'esse proposito que a reducção da taxa se fizera! É claro que não póde ser.
Comprehende-se que tal disposição se applique, por exemplo, a todos os rendimentos que se englobam sob o dizer generico de contribuições eventuaes. Esses sim: são por sua natureza tão variáveis que justo era se desse uma base convencional para a previsão, visto não poder haver outra.
Mas para aquelles que resultam de incidências conhecidas sobre quantidades tambem averiguaveis, o rendimento não é variavel por natureza, ou, o que inquestionavelmente se quiz dizer no artigo que li, absolutamente incerto: tem bases de previsão mais seguras do que a media dos tres ultimos annos.
Assim na hypothese dos cereaes a media dos três últimos annos serve para determinar o numero de unidades tributáveis, mas não o rendimento, o qual deve calcular-se, como o fiz, pelo producto d'aquelle numero pela taxa.
E, sr. presidente, que isto assim é, que o prescripto no regulamento de contabilidade não deve ser submissamente executado á letra, como o sr. ministro da fazenda o diz, tenho quem commigo o affirme: primeiro o sr. Hintze Ribeiro, depois o sr. Franco Castello Branco, por ultimo a commissão de orçamento.
Creio serem boas auctoridades e completamente insuspeitas!
Pois examinando o orçamento para 1886-1887 e o orçamento para 1890-1891 (tanto a proposta do illustre ministro da fazenda actual, como o projecto da respectiva commissão do orçamento) vê-se que o tal artigo do regulamento de contabilidade a mais ninguem lembrou senão ao sr. ministro, e a este mesmo, repare a camara, só quando escreveu o segundo período da pag. 14 de seu relatorio!...
Tenho aqui a comparação d'esses orçamentos com as receitas dos tres annos precedentes.

[Ver tabela na imagem]

E apesar das differenças indicadas para as previsões do sr. Hintze, em 1886-1887 as receitas cobradas excederam as receitas previstas de 5:325 contos de réis.
Poderá ainda dizer-se, que nos artigos da tabella da receita se comprehendem rendimentos diversos dos quaes cada um, obedecendo-se ao disposto no regulamento do contabilidade, é calculavel por fórma diversa.
Não poderá este facto influir grandemente nos resulta-

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dos, mas suppondo influa, o que é certo é ter a respectiva commissão comprehendido, no projecto do orçamento que fez distribuir por esta camara, verbas que pelo sr. ministro da fazenda foram apresentadas como para calculo do deficit presumível, não para previsão que auctorisadamente podesse apresentar no orçamento. Foi isto que em resposta ao sr. Ressano disse numa das ultimas sessões o sr. Franco Castello Branco.
Logo ou a commissão ou s. exas. se enganam. Se não foi a commissão subsiste a pergunta: quantos deficits ha? Se foi a commissão, porque lhe não fez sentir o sr. ministro, pelo menos, o seu respeito pelo regulamento da contabilidade?...
Haveria neste caso excepção ao sacramental-o de accordo com o governo, com que sempre as nossas commissões fazem tudo? Não é crivel.
O que é exacto, sr. presidente, é dever-se em principio e caso faltem mais seguros elementos, recorrer ao rendimento médio dos tres ultimos annos, mas quando se dispõe de mais rigorosos meios de previsão, seria inadmissível não os empregar.

Ainda, sr. presidente, poderia, com apparente rasão, dizer-se que era eu mesmo quem condemnava as previsões orçamentaes do sr. Augusto Cunha, visto que os meus calculos davam numeros diversos do d'este estadista, e que portanto eu acceitava haver erro.
Ora, sr. presidente, a ninguém é dado adivinhar.
O orçamento elaborado pelo sr. Augusto Cunha tem a data de 11 de janeiro de 1890, estamos hoje a 2 de julho do mesmo anno, isto é, a quasi seis mezes d'aquella data e entrados no anno economico cujos redditos se procuram prever. Ha para isso informações e factos, uns que collocam as receitas em condições diversas, outros que podem illucidar sobre a sua previsão. Nem estes nem aquelles poderiam ser antevistos pelo sr. Cunha.
Se o ultimo semestre do anno economico findo veiu mostrar que sobre os lucros da administração dos tabacos continuariam ainda a pesar os primitivos encargos; que, as vendas, por circumstancias certamente estranhas á vontade e ao empenho da mesma administração, não se desenvolveram como era de prever, continuando o esperavel alargamento do consumo a ser embaraçado pelo contrabando; se isto se revelou, repito, de modo a não deixar esperança de por emquanto dever contar-se com muito superior melhoria á que calculei, já depois da saída do ministerio do distincto professor que antecedeu na pasta da fazenda o actual sr. ministro, como podia elle, a não ser que tivesse o condão de ler no futuro, fazer intervir nos seus calculos estas circumstancias?
Com referencia aos cereaes, para esses seria necessario absolutamente adivinhar.
Em fevereiro, como já disse á camara, o sr. ministro da fazenda baixou o direito de importação do trigo de 20 a 16 réis, e decretou a liberdade de despacho.
Este segundo facto suppunha-se compensaria a naturalmente menor importação de trigo no periodo de restricção, preenchendo o elevado da taxa pautai a falta que ainda ficasse de receita, em virtude dos estorvos creados pela lei aos moageiros, e do maior desenvolvimento da cultura cerealífera no paiz.
Nada succedeu do que era logico suppor succedesse.
Á importação de 31:000 toneladas de trigo, no primeiro semestre de 1889-1890, seguiu-se, no segundo semestre, uma importação que não terá ido longe de 50:000 toneladas e a diminuição do direito pautai de 20 a 16 réis, aggravou a falta d'esta primeira compensação.
Bastava que o direito de 20 réis se mantivesse cara que, mesmo limitada a importação de trigo ao que ha pouco a suppuz, a 101:000 toneladas, o rendimento dos cereaes fosse:

[Ver formula na imagem]

para o que bastaria o augmento de 14:900 toneladas, isto é, uma importação total inferior de 9:100 toneladas á de 1887.
Justificados eram, pois, os números que, no orçamento de 1890-1891 deixado pelo governo progressista, se inscreviam no orçamento com referencia aos rendimentos do tabaco e dos cereaes.
Analogos motivos explicam o facto contrario dado com algumas receitas. Iam calculadas a menos por na occasião não ser possível affirmar se mantivesse firme o seu desenvolvimento.
Parece-me, sr. presidente, e v. exa. e a camara o apreciarão, ter justificado e explicado o que poderia antolhar-se como contradictorio no que venho de dizer.
Vou portanto retomar o fio das considerações que interrompi.
Mostrei que o déficit ordinário presumível legado pela situação progressista era, em numeros redondos, 924 contos de réis.
É a somma deste déficit com as despezas creadas pelo actual governo, que representará o desequilíbrio total definitivo do orçamento de 1890-1891.
Assim será:

[Ver tabela na imagem]

Mas a commissão de orçamento no seu parecer propõe, de accordo com o governo, um acrescimo de despezas de 78:863$873 réis, que compensa com uma diminuição de 6 contos de réis nas despezas (compra e encadernação de livros, despezas de exercícios findos no ministerio da guerra) e com a inscripção nas receitas da verba de 91 contos de réis, com que devem contribuir as províncias ultramarinas pelos encargos dos empréstimos para obras publicas, um de 1:310 contos de réis auctorisado por lei de 19 de junho de 1890, outro de 500 contos de réis proposto no proprio orçamento de 1890-1891. O saldo de 18 contos de réis d'este encontro de receitas e despezas deve pois abater-se dos 1:465 contos de réis que ha pouco mencionei, ficando assim o deficit de 1890-1891 orçado definitivamente em 1:447 contos de réis.
É para cobrir este deficit que o governo recorre ao expediente de lançar mais 6 por cento sobre todas as contribuições existentes!
Absolutamente desnecessario tão vexatorio expediente. Na diminuição das despezas, no acrescimo natural e espontaneo das receitas, com que o proprio sr. ministro da fazenda diz a paginas 18 do seu relatorio muito ha a con-

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tar, na melhor cobrança dos impostos actuaes, teria o governo recursos para equilibrar o nosso orçamento ordinario, sem recorrer a nenhum outro tributo.
Não julgo difficil demonstrar isto.
Começarei pela diminuição das despezas. Será occasião de mostrar á camara e de ficar sabendo o paiz o que realmente são e valem as economias d'este governo, economias que nos têem sido cantadas em todos os tons pelo sr. ministro da fazenda. Convencer-nos-hemos naturalmente que e menos parcimonioso em despezas o ministerio actual, do que em accusar de predulario o que o precedeu.
Conforme se calcula no relatorio ministerial, o deficit do orçamento para 1890-1891 elaborado pelo sr. Augusto Cunha, feita a correcção pelo que respeita ás receitas dos cereaes e tabacos, é de 2:664 contos de réis.

[Ver tabela na imagem]

os quaes representam as despezas inscriptas a mais no orçamento para o futuro anno economico pelo actual governo, despezas a que ainda ha a acrescentar 22 contos já votados por esta camara para a invenção do novo ministerio, o qual virá talvez a ser para instrucção alheia, mas que por emquanto é, sem duvida, só de recreio proprio. Certo, pois, já podemos contar que este economico ministerio vae gastar mais 844 contos de réis: 743 confessados no relatorio de fazenda, mais 39 no ministerio da justiça, 23 no das obras publicas, 17 no dos estrangeiros. Para começo de economias, como v. exa. e a camara vêm, não é mau!...
Se em vez de fazer tanto alarde das nossas más condições financeiras, o governo pensasse um pouco mais n'ellas, não empregando todos os acrescimos e diminuições de despezas era inúteis gastos, veria o deficit reduzir-se-lhe no máximo a 1:160 contos de réis, ser-lhe inutil vir pedir ao contribuinte novos encargos.
É curioso, sr. presidente, confrontar as despezas que são eliminadas e as que só criam.
Não cançarei com isso a camara, basta ler o parecer da commissão de orçamento e os mappas annexos do desenvolvimento das alterações propostas em cada ministerio para só fazer idéa.
Citarei comtudo algumas verbas por serem significativas.
No ministerio das obras publicas reduzem-se 2 contos de réis na verba para explorações, concursos, estudos, etc., de interesse agrícola; 2 contos de réis na verba para a sementeira de dunas montanhas, etc.; 4 contos de réis na verba para sulfureto de carbone.
Isto fal-o, note a camara, o sr. Arouca, um dos mais estrenuos propugnadores dos interesses agrícolas; isto fal-o o ministro, que, como deputado, não teria phrases sufficientemente energicas para verberar quem regateasse qualquer beneficio para a agricultura.
Mas redime o seu peccado.
Cria mais um logar de lente cathedratico no instituto industrial de Lisboa e, por symetria, outro no do Porto, réis 1:400$000; uma escola industrial em Portalegre, isto ia eu a agradecer-lhe por ser para o districto da minha naturalidade, mas lembra-me que é o circulo de s. exa. réis 7:150$000; total 8:560$000.
Ora, sr. presidente, ainda ouviremos acoutar o sr. Emygdio Navarro de ter luxuosamente estabelecido o ensino industrial e profissional, quando o sr. ministro das obras publicas não vacilou em sacrificar a sua querida agricultura para augmentar o quadro do professorado do instituto e crear mais uma escola profissional?! É possível que sim; lembrem-se porém, quando o fizerem, que nunca o meu amigo o sr. Emygdio Navarro fez cousa tão desnecessária como qualquer d'estas.
E chamam-nos predularios! Ainda bem. O que é necessario é que nos distingamos. (Apoiados.)
Estes e outros analogos arranjos orçamentaes dão como despeza a mais, certas desde já, 844 contos de réis; se lhe acrescentarmos o provavel augmento dos cereaes e tabacos, 535 contos de réis, teremos 1:379 contos de réis, que ficam á mercê da economia deste governo, economia em que elle tanto confia, que vem propor mais 6 por cento sobre as contribuições do estado para fazer face ao deficit de 625 contos de réis, o mais presumível.
Dos 1:504 contos de réis de augmentos de receita salvam-se apenas 126 contos de réis.
E certo em todo o caso que, quando mesmo não fosse tão economico este governo, que de 1:504 contos de réis de augmento de receita ainda deixa de gastar 140 contos de réis, ficaria um desequilibrio orçamental comprehendido entre o maximo de 1:160 contos de réis e o mínimo de 625 contos de réis, se o governo não julgasse instante, nas circumstancias, que tanto afeiou, da nossa fazenda publica, acrescentar as despezas de 844 contos de réis, e preparar-se para mais gastar.
D'estes limites para o deficit tomarei o maior, 1:160 contos de réis, para continuar no systema que adoptei de acceitar os numeros mais desfavoraveis. Assim, permitta-me a camara a phrase, provarei por excesso as minhas affirmações.
Careceria o governo para equilibrar n'estas condições o orçamento do recorrer ao addicional que se discute? Ainda mais uma vez não.
Nos ultimos tres exercidos as contas geraes do estado accusam o seguinte movimento de receitas em contos de réis:

[Ver tabela na imagem]

Como, porém, nos artigos II e VI, a conta provisoria do exercício de 1889-1890 accusa uma diminuição, tomarei apenas os augmentos medios dos artigos I, III e V os quaes sommam 2:458 contos de réis. Deste augmento tenho a descontar o já computado no projecto de orçamento, para o que comparei o projecto da commissão com a media das receitas accusadas na conta provisoria do exercício de 1888-1889 e a receita descripta no orçamento rectificado de 1889-1890. Note v. exa. e a camara que é a media d'estas receitas que tomo para ponto de comparação, e não só as receitas descriptas no orçamento rectificado do 1889-1890, embrando outra vez que

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á commissão, menos respeitadora do regulamento da contabilidade ao que o sr. ministro, foi no projecto de orçamento comprehendendo todos os acrescimos provaveis de rendimentos calculados no relatorio de fazenda. Não tenho, pois, correcções a fazer no resultado a que chegar pela comparação a que disse ia proceder:

[Ver tabela na imagem]

Temos pois:

augmento dos artigos I, III e V das receitas pela media dos tres annos economicos de 1885 a 1888 .... 2:458 contos de réis
augmento computavel nas verbas inscriptas nos artigos I, III e IV da receita no projecto de orçamento de 1890-1891 .... 1:577 contos de réis
acrescimo natural e espontaneo das receitas a mais do que o calculado .... 881 contos de réis

Posto as receitas do artigo VI, Compensações da despeza, diminuíssem em 1888-1889, no orçamento rectificado de 1889-1890, acceita-se-lhes novamente o augmento. Apesar disto não considerarei augmento nenhum d'esta origem.
Se o presumível excesso das receitas a arrecadar é de 881 contos de réis, como ha pouco disse, o deficit que, por me ser menos favoravel, adoptei de 1:160 contos de réis, reduz-se a 279 contos de réis.
Inutil seria continuar na demonstração de que realmente o producto do addicional de 6 por cento só servirá pura pagar despezas creadas pela actual situação; mas como não desejo fique sem prova nada do que na minha moção assevero, proseguirei.
Desde já, porém, me julgo auctorisado a devolver ao sr. ministro da fazenda as palavras que, a paginas 10 do seu relatorio, escreveu como critica da gerencia progressista, o que melhor convém aos brilhantes inícios da administração política, economica e financeira do actual governo: - Porque se é, como nunca se foi, largo no gastar, e mais se olha a circumstancias de momento do que a estabelecer as solidas bases de uma regrada e profícua administração, organisando os serviços com disciplina, e economia, e applicando os redditos do thesouro ás despezas reproductivas, o relativo desafogo de algum tempo desapparecerá de todo, deixando como herança um ministerio inopportunamente oreado, tres consulados de 1.ª classe inuteis, augmento desnecessario da policia, projectos luxuosos de defeza; e, em compensação, o que um povo póde ter de mais vital, o commercio e a industria, totalmente desamparados, direi mesmo opprimidos, o nosso credito perdido e talvez arrancados alguns dos melhores retalhos do património nacional: - a desconfiança de estranhos, o desanimo e desalento de nacionaes.
Em tão pouco tempo difficil seria encontrar quem tão bem fizesse! Em vão, porém, se procurará um esforço em proveito do paiz. Muito boas intenções, sem duvida; mais nada.

Nem sequer o caminho aberto pelos seus antecessores guia o actual governo. Elle, que tanto parece querer aproveitar-se do todos os pensamentos do ministerio progressista!
Percorram-se as portarias e os decretos assignados pelos actuaes ministros, as propostas por elle apresentadas nesta camara, ver se-ha como se vão apropriando de tudo o que lembrara á situação política que os antecedeu; mas de tudo o que possa dar-lhe immediatamente dinheiro.
Têem a febre do grande, não lhes conveiu o trabalho lento mas certamente mais proveitoso e de resultados mais duradouros.
Se assim não fosse, continuaria o actual governo, o que foi ensaiado pelo sr. Marianno de Carvalho; e, sem grande esforço nem perda de tempo, apenas com tenacidade e persistencia, veria melhorar o rendimento de alguns impostos, não só pelo augmento natural e espontâneo das receitas, como, alem disto, pela sua mais cuidada arrecadação.
Tentou porventura o illustre ministro da fazenda alguma cousa n'este sentido, procurou, ou, o que melhor seria, estudou o meio de melhorar os nossos impostos directos, cuja repartição desigualissima e irregular cobrança contrariam a equidade, offendendo e vexando o contribuinte honesto? Não.
E no entretanto s. exa. no seu relatorio confessa que a conveniente remodelação das contribuições directas poderia elevar os rendimentos do thesouro sem maior onus para o contribuinte, antes diminuindo-lhe os actuaes.
A contribuição predial, sumptuaria, etc., ahi estão para provar o que affirmo e que ouso dizer ninguem contesta.
As contas geraes do estado comparadas com as estatísticas das contribuições directas, denunciam só pelo que respeita a estes impostos, o debito annual, todos os descontos e correcções feitas, de não menos de 400 contos de réis.
Isto é, da receita liquidada d'esta proveniencia, fica por pagar aquella quantia.
O que deixa de receber-se já por contribuições não lançadas ou mal lançadas, já por falta de inscripção na respectiva matriz, já por inscripção n'ella de valores collectaveis inferiores ao que proporcionalmente - note v. exa. sr. presidente, que não digo realmente - deveriam ser, não é possível calculal-o.
Alguns numeros darão, porém, á camara a convicção de que não exagero.
A importancia da contribuição industrial lançada em 1885, foi:

taxas fixas .... 554 contos de réis
taxas variaveis .... 806 contos de réis
Total .... 1:400 contos de réis
pois a importancia cobrada dois annos depois, 1887-1888, foi .... 1:200 contos de réis
differença .... 250 contos de réis

Em dois annos, com o desenvolvimento que tem tido entre nós o exercício do commercio e das industrieis, ás arrecadações provenientes d'este imposto, ficam inferiores de 250 contos de réis ao lançamento de 1885.
Facto de outra ordem. Do valor locativo dos predios inscriptos nas matrizes da contribuição de renda de casas, tirando os de Lisboa e Porto, acha-se que tal valor é em media, por prédio urbano, no resto do continente do paiz, de réis 2$363 por anno!
Não fatigarei a attenção da camara, citando-lhe mais factos comprovativos, do que de resto todos conhecem, a desigual repartição dos nossos impostos.
Ha, porém, um, a que mais em especial me referirei, mesmo porque pertence a outro grupo de contribuições, ás contribuições indirectas - é o real de agua.
Tenho pena que não esteja presente o nosso dignissimo presidente, o sr. Pedro de Carvalho.

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As palavras que vou ler são suas conhecidas; teem a auctoridade da grandíssima, competencia de s. exa. em assumptos d'esta ordem.
No Annuario estatístico das contribuições directas do anno de 1878-1879 lê-se: «o real de agua pela sua natureza de imposto de consumo, e sobre generos de primeira e geral necessidade, está como nenhum outro imposto nas condições de ser apreciado e comparado segundo as quotas tributarias por habitante. Aqui não póde valer o argumento tirado da maior ou menor densidade da população. O consumo por indivíduo deve oscillar sobre uma media quasi commum a todas as localidades com variantes necessariamente diminutas; e se havia caso em que fosse logico esperar a conformidade da quota, seria o d'este imposto».
É isto completamente exacto e perfeitamente bem pensado.
Pois os factos têem contradictado as justíssimas affirmações de s. exa. As ultimas estatísticas publicadas do real de agua denunciam quotas desde 15,031 até 744,55 réis por habitante, sendo a quota media, ou melhor a mais frequente, 240 réis por habitante e por anno.
Note-se que este imposto se paga sobre a carne, o azeite, o vinagre, a cerveja e as bebidas alcoolicas, isto é, cousas de consumo geral.
Que alimentação seria necessario suppor á maioria dos habitantes de Portugal para só terem a pagar 20 réis deste imposto por mez!
Mas, de ainda menos duvidosa significação do que o relativamente diminuto da quota, são as variações dessa quota, sem que nem as condições de producção, nem a riqueza relativa das localidades as expliquem.
Taes causas, que á primeira vista pareceriam dever ter grande influencia sobre as arrecadações d'este imposto, a avaliar pelos dados estatísticos, são completamente indifferentes.
Citarei alguns factos.
Em 1885-1886, por exemplo, Peniche, teve a quota de 534,959 réis, e Villa Real de Santo Antonio a de 622,388 réis, ao passo que em Leiria a quota foi do 195,722 réis e em Faro de 217,829 réis.
A Guarda pagou de quota 129,782 réis, e Almeida réis 306,002; Beja pagou 166,133 réis, e Barrancos 411,668 réis!
A Covilhã, com uma população do cerca de 5:000 operários, comprando tudo, teve por quota 214,675 réis; e na Figueira, onde concorrem todos os annos mais da 3:000 banhistas, que ali se póde dizer suo exclusivamente consumidores, a quota não subiu de 224,725 réis!
Mais: conforme a estatística do real de agua em 19 concelhos do continente do reino não houve, no anno economico de 1885-1886, consumo de arroz, e em 3 parece ser desconhecido o uso do vinagre.
Os 19 primeiros são: - 11 no districto de Bragança, 5 no de Villa Real e 3 no de Vizeu; os 3 ultimos são: - Goes, Penacova e Mondim da Beira.
D'aqui a verdade do que, nos preliminares da estatística de 1884-1885, escreve o funccionario chefe da respectiva repartição, funccionario cuja competencia em assumptos d'esta ordem se revela no esmero com que este trabalho está feito.
Diz elle:
«É, portanto, evidente que nem a categoria dos concelhos, nem a densidade da sua população, num as condições de riqueza podem justificar divergencias que se apresentam sob fórmas tão contradictorias...»
E mais abaixo.
«O que poderá motivar se unam por igualdade de quota Cantanhede com Trancoso..., Thomar com Villa do Bispo,... Santarem com Lousada,... Guimarães com Barquinha, etc.?
«A todas estas interrogações occorre naturalmente como unica resposta, que nos defeitos da fiscalisação se devem resultados tão oppostos.»
Inquestionavelmente. Acrescentam-se, porém, a taes defeitos, sendo, ora motivo para que se aggravem, ora razão para que se dêem, as condições de cobrança d'este imposto.
São os concelhos do litoral e em geral os concelhos mais pobres do paiz, aquelles em que a quota tributaria attinge o maximo.
N'estes concelhos «não ha productor a gosar por um lado da isenção do imposto dos generos que consome, praticando por outro lado, á sombra d'essa isenção» e da influencia que lhe dão os seus proprios haveres todas as fraudes que póde em prejuízo da fazenda.
É curioso e possível de avaliar com sufficiente approximação, como se fez nas notas preliminares da penultima estatística do real do agua, o que só em azeite e vinho, se póde presumir descaminhado ao imposto do real de agua.
Menciona o Annuario estatístico de Portugal, que a producção em vinho em 1884, foi no continente de 327 milhões de litros, em numeros redondos. Deduzindo 84 milhões que a estatística das alfandegas diz exportados, e 23 que a respectiva estatística dá como entrados no consumo de Lisboa, ficam 220, dos quaes computando largamente, 100 representarão saldos passando do um anno para outro e consumo dos productores. Restam, pois, 120 milhões em numeros redondos.
Comtudo na estatística do real de agua de 1885-1886 só se encontram 74 milhões de litros, ou menos 46 milhões, que á taxa de 7 réis, representam 322 contos de réis que deixaram de se cobrar.
Igual calculo applicado ao azeite daria, deduzindo 1/4 para saldos o para consumo dos productores, 53 milhões de litros passíveis do imposto, isto é, mais 45 milhões do que a quantidade sobre que se cobrou, a qual foi apenas de 8 milhões de litros, ou seja para o fisco uma perda de 450 contos de réis.
Toda a camara sabe que não são inexactos por excesso, mas sim por defeito os algarismos do Annuario estatístico; logo que os 322 + 450 = 772 contos de réis, que acabo de calcular descaminhados ao real de agua, só em azeite e vinho, não são uma phantasia estatistica.
Todos os factos que acabo de expor denotam o pessimo estado da administração d'este imposto, e o quanto elle é vexatorio.
Alcançando principalmente o pobre, o que tudo tem a comprar, exime legalmente o productor, e ainda pelo deploravel systema das avenças deixa ficar nas mãos d'este, ou na do intermediario, o que o consumidor paga, mas não chega a ser cobrado pelo fisco.
A avença é o patronato legalmente constituído, e embora pelo ultimo regulamento do real de agua algumas peias se lhe pozessem, ainda assim o unico modo de acabar com esta immoralidade, é fazer desapparecer tal systema da nossa legislação fiscal.
Este disfarçado processo de arrendamento de impostos, tem, alem dos vícios de similhante systema, o de permittir ao favoritismo estabelecer as mais immoraes e offensivas desigualdades.
Pois é tão primoroso o encantador systema que, fundando-se em falsas facilidades ou difficuldades de cobrança, o sr. ministro da fazenda, recommenda na sua proposta sobre o imposto de fabrico dos alcools!
Acabe-se de vez com este anachronico imposto do real de agua e com o systema de cobrança por avença, substitua-se pelo que se quizer, mas elimine-se da nossa legislação fiscal tal fórma tributaria, antipathica na essencia, immoral na fórma.
Não era, porém, esta a conclusão a que eu pretendia chegar; não é o nosso systema de impostos que se discute. Queria nas considerações que acabo de fazer mostrar o

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quanto uma medíocre fiscalisação poderia augmentar as receitas do real de agua.
Cobraram-se em 1880-1886 em números redondos 1:118 contos de réis. Se a quota nos concelhos do continente do reino attingisse a de Peniche e Villa Real de Santo Antonio, que não são ainda assim das mais elevadas, aã receita do imposto do real de agua excederia a cifra de 2:000 contos de réis; o que não seria difficil de alcançar com uma boa fiscalisação e algumas providencias de ordem a prohibir os descaminhos que á sombra da isenção de que gosam as adegas e armazens dos productores, e os depositos de generos sujeitos ao imposto, n'uns e n'outros se praticam.»
Isto lê-se ainda na paginas 6 das notas preliminares á estatística de 1884-1885 do real de agua.
Está-se, pois, afastado da cifra que se deve attingir de 882 contos de réis.
Outra receita, temos, portanto, a qual se poderiam ir buscar, desde já, para mais de 700 contos de réis, corrigindo alguns defeitos de físcalisação, vigiando-a mais assídua e directamente.
Dado que fosse impossível realisar desde logo cobrança effectiva, que importasse a arrecadação integral de todas as quantias que acabo de indicar, certamente se conseguiria facilmente elevar as receitas de 250 a 300 contos de réis acima do augmento espontaneo, isto é, de 1/3 do que se póde avaliar se perde annualmente só das contribuições directas e do real de agua.
Estes 250 a 300 contos de réis cobririam o deficit reduzido a 279 contos de réis pelo natural augmento das receitas.
Quero ainda suppor que as despezas, consignadas a mais no orçamento, eram inadiaveis. Ainda assim a imposto de 6 por cento seria desnecessario para equilibrar o mesmo orçamento.
Seria indispensavel, não o nego, um pouco mais de esforço, mas com diligencia e boa vontade, estimulando instando e vigiando a fiscalisação e cobrança dos tributos existentes chegar-se-ía a reunir:

acrescimo espontâneo das receitas .... 880 contos de réis
cobrança a mais:
nas contibuições directas .... 400 contos de réis
no real de agua .... 700 contos de réis
1:980 contos de réis
que para o deficit calculado pela commissão do orçamento .... 1:982 contos de réis
differença .... 2 contos de réis

Calculados como vão muito por baixo os números que acabo de ler, a realisação d'estas quantias não seria só possível, mas bastante provável para com ella se poder orçamentalmente contar.
A reunião de tão grossas migalhas habilitaria o sr. Franco Castello Branco a equilibrar o orçamento.
Vivendo mais um anno, não á custa de processos conhecidos que muito proximamente o obrigassem a exigir ao paiz sacrificio maior que os 6 por cento addicionaes, ou creassem «uma situação não isenta de receios e prenhe de graves difficuldades», mas de recursos que ainda poderia ir buscar ás receitas existentes, teria tempo para pensar numa reforma geral de todos os impostos directos que o proprio sr. ministro da fazenda pensa, e pensa bem, «poderá ser feita com vantagem do thesouro e sem maior onus para o contribuinte».
Se a dictadura lhe creou difficuldades financeiras e o mallogro do emprestimo de Paris lhas aggravou, as culpas são única e exclusivamente do actual governo. Não faça pagar ao paiz os seus indesculpaveis erros!
Viria talvez a propósito perguntar porque preferiu o sr. ministro da fazenda metter-se em aventuras financeiras, contratando particularmente um relativamente insignante emprestimo de 9:000 contos de réis, em vez de levar a cabo a operação do porto de Leixões e caminho de ferro de Salamanca, a qual lhe deixou iniciada o ministerio transacto, e que lhe aliviaria de 430 contos de réis o orçamento, operação que feita pelo sr. Barros Gomes com a caixa geral dos depositos lhe daria não menos e antes mais de 9:000 contos de réis?
Não me demorarei sobre este assumpto, aguardo documentos que pedi, para depois o discutir mais especialmente; mas já tive occasião de dizer que tudo aconselhava o governo a outro procedimento.
A operação em si, dado que se fizesse tal como se fez, não foi má; mas nem se devia fazer na occasião, nem da forma por que se realisou. A pequenez relativa da quantia, dando pequena margem para lucros, estes não incitariam a sustentar a lucta que se deveria prever, e que factos passados tinham indicado não ser para desprezar.
Os portadores dos títulos de D. Miguel já haviam deixado antever a influencia de que dispuuham; e, sem o poder asseverar, consta-me, que o governo não ignorava como e por quem eram protegidas as pretensões dos possuidores d'aquelles títulos.
Fora-lhe portanto melhor ter guardado para mais tarde a praça de Paris e não a inutilisar, como de certo por muito tempo a inutilisou.
Depois o typo de 4 por cento escolhido não é de certo o melhor para facilitar uma futura conversão.
Este passo impensado de s. exa., e desculpe-me se eu assim o classifico, ha de dominar toda a sua gerencia.
Por maiores que sejam os esforços que empregue, essa gerencia não ha de passar de meros expedientes, confessados ou não confessados, disfarçados ou claros, expedientes que se hão de cifrar todos em mais addicionaes ou cousa equivalente. (Apoiados.)
O que se possa chamar plano financeiro, medidas de largo alcance, que tendam a remodelar o nosso modo de ser económico e a assentai-o em solidas bases, impossibilitou-se s. exa. de as tentar.
Apertado dentro das circumstancias que creou, o seu viver será de acanhada administração.
O começo da sua carreira financeira será o meio e o fim. Pequenos expedientes, nada mais. (Apoiados.)
Ha de haver sempre na direcção dada por s. exa. aos negocios da fazenda o retrahido, o acanhado, que resultam de um inicio infeliz.
A ninguem fica mal confessar que errou, que se illudiu e muito mais a quem, com o talento do sr. ministro da fazenda, póde brilhantemente resgatar o erro.
Não insista, pois, neste projecto. São de sobejo por todos reconhecidos e confessados os recursos de que s. exa. dispõe, para que possa melindrar-lhe o orgulho uma desistência, que, á sympathia que todos têem pelo seu talento e pelo seu caracter, juntaria a bem querença de um paiz inteiro em lucta com quotidianas necessidades.
É quasi banal repetir-se, mas não é por isso menos exacto.
O contribuinte portuguez não póde e portanto não deve pagar mais, o que póde e deve é pagar melhor.
É para se conseguir isto, para que o contribuinte pague melhor, o que importará pagar menos, que eu peço ao sr. ministro da fazenda empenhe todas as forças da sua bella intelligencia, todas as suas potentes faculdades de trabalho.
Consiga-o, e eu, seu adversario político, serei o primeiro a vir aqui tecer-lhe o merecido elogio.
Emquanto caminhar na senda que encetou, mais do que o parlamentar lho faz sentir, lastima o amigo o errado caminho que segue.
Se o sr. ministro da fazenda propozesse qualquer despeza para a organisação do nosso cadastro eu seria o primeiro a dar-lhe o meu voto. O registo das conservatorias,

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os duplicados que pelos avaliadores louvados devem ser remettidos aos escrivães do fazenda, são elementos aproveitaveis para um começo de recenseamento predial; a organisação de uma repartição de estatística e cadastro, fundindo todas as secções e repartições de estatística hoje dessiminadas por vários ministerios, poderia, sem accrescimo de despeza, ser o centro de direcção e coordenação do tão indispensavel trabalho. Seria o primeiro passo e o mais seguro para se chegar ao desiderato da unificação do imposto pelo imposto de rendimento.
Ainda se não somos o paiz da Europa, cuja quota tributaria total por habitante seja a maior, somos d'aquelles em que tal quota é grande, o relativamente dos que mais pagamos para o estado, e talvez mais desigualmente. A differença entre nós e quasi todos aquelles em que a capitação tributaria é superior á nossa é enorme, pelo que rés peita á riqueza publica. N'um mappa que cuidadosamente extrahi do Annuario de economia política e estatística, de Maurice Block vê-se o seguinte:

[Ver mapa na imagem]

A Hespanha, a França, a Hollanda pagam mais do que nós; mas que differença nas suas condições económicas apreciadas pela quota no movimento das trocas commerciaes, e das suas condições financeiras avaliadas pela relação dos encargos da divida publica para as receitas!
É indiscutível que o contribuinte portuguez não deve pagar mais.
Se o seu viver economico começa a desafogar-se, não é motivo para que o governo se lance avido sobre esse despontar de riqueza para a absorver á nascença.
Fortaleça a em vez de a opprimir, ajude-a a desenvolver-se em vez de a atrophiar sob novos encargos tributarios e conseguirá estabelecer a riqueza do paiz, e restabelecer por completo a fazenda publica, assentando uma e outra em bases solidas, garantes de duradouras prosperidades.
Teve isto sempre em mira o illustre estadista, com cuja intima amisade me orgulho, o sr. Marianno de Carvalho; a isso se deve o brilhantismo incontestavel da sua administração.
Siga-os o ar. Franco Castello Branco, que segue bom mestre.
É por sem duvida animadora a orientação económica dos ultimos annos. A iniciativa individual anima-se, os capitães já se níto arreceiam de se lançar na industria, vamos final mente, e ainda bem, esquecendo heranças historicas, vae se felizmente modificando o viver passado pelo que respeita ao commercio e á industria. Não é isso, porém, motivo, para desde já lhes exigirmos, o que antes se lhes devia dar. Não podem por emquanto auxiliar o estado, antes carecem do auxilio d'elle.
Consola oppor ás tristes e sombrias apprehensões do sr. ministro da fazenda o que se deznme das nossas estatísticas commerciaes; devendo notar-se, que não basta para chegar a qualquer conclusão o que s. exa. fez, - dar a nota do accrescimo de importação de materias primas e de machinas e apparelhos industriaes.
Se as differenças entre a importação e exportação nada depõem a respeito da riqueza de um paiz, são comtudo um indicador do seu modo de ser economico-social, quando se destrincem nas mercadorias importadas as susceptíveis de valorisação, as quaes depois de pagas ainda deixam no paias valores de capitalisação, e as que são meramente destinadas ao consumo, que representam verdadeiro deficit, encargo absoluto.
O sr. Fuschini: - Apoiado.
O Orador: - Estas, ou as contrabalançam as exportações proprias e são assim pagas, ou terão de sel-o com as capitalisações realisadas com as primeiras. Se ainda assim o não são, impõem-se a systematisação dos emprestimos, para evitar crises perigosissimas por largas saidas de moeda.
Os nossos deficits commerciaes tem-nos pago o dinheiro vindo do Brazil e o producto dos emprestimos.
Vejamos o que diz a estatistica.
Nos ultimos tres annos importámos:

[Ver tabela na imagem]

Se se attender a que, ainda nas mercadorias que digo de consumo, se comprehendem algumas classificaveis como materias primas, taes como tecidos, etc., e que o valor das exportações não é comparavel ao das importações, porque este é o valor na saída do paiz e não o que pela mercadoria se recebe, entretanto que o das primeiras, o das de importação, é o valor por que a mercadoria se paga, não é para desalentar o que os números que venho de ler revelam, ha um facto para que chamarei a attenção da camara, e principalmente a do governo. Ao passo que o valor das importações tende sempre a crescer, o das exportações tende a manter-se estacionario. Se difficuldades externas para isso concorrem não as aggravemos com embaraços internos.
Tudo por fim sr. presidente, me leva á mesma conclusão.
O addicional qualquer que seja o lado porque se aprecie, tem sempre graves inconvenientes.

Vou entrar na ultima parte do meu discurso, já bem mais longo do que tencionava fazel-o.
Releve-me a camara ter-lhe tomado por tanto tempo a sua attenção, mas o assumpto é de tal importancia, que bem merecia ser tão estudado quanto eu podesse e soubesse fazel-o. (Apoiados.)
Sr. presidente, se os encargos do orçamento ordinario legado pelo governo anterior ao actual são relativamente menores do que os d'aquelle que herdou tambem as despezas extraordinarias passaram para o ultimo ministerio progressista oneradas com bastantes encargos. Apontal-os-hei summariamente e de grosso modo:

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

Montam, pois, a 4.140:000$000 réis os encargos da despeza extraordinaria que nos foram legados, o que attenua o deficit de 8.000:000$000 réis, que o sr. ministro da fazenda nos lançava, aos progressistas, em rosto, numa das ultimas sessões.
E só por isto me refiro a despezas extraordinarias. É o orçamento ordinario que o sr. ministro da fazenda pretende regularisar com os 6 por cento, é desse que principalmente me occupei, parecendo-me ter demonstrado poder o governo prescindir do novo imposto, sem ter a temer aggravamentos da nossa divida fluctuante, que, tal como está, a responsabilidade de grande parte d'ella não pertence ao partido progressista.
Admittirei, não obstante, por hypothese, que era fatalmente necessario ao governo recorrer ao contribuinte.
Nunca, sr. presidente, nunca em minha opinião, deveria lançar mão do meio que escolheu. Que motivos o levaram a isso?
«Custosos e injustificados parecem sempre os sacrifícios tributarios, diz o sr. ministro da fazenda a pag. 21 do seu relatório, mas quando as circumstancias fatalmente os impõem, o seu adiamento serve apenas para tornal-os mais gravosos e pesados.
«A varias considerações é preciso, comtudo, attender. O encargo não deve ser pesado a ninguem, para ser possivel. A sua incidencia deve ter o maximo caracter de generalidade, para ser productivo. A distribuição approximar-se da mais rigorosa igualdade para ser justo.»
D'estes caracteres, sr. presidente, só os impostos addicionaes ás contribuições teem a generalidade da incidencia a qual, desacompanhada da igualdade na distribuição, quer dizer generalidade do vexame.
Não corrige as desigualdades existentes, é o proprio sr. Franco Castello Branco que o diz, e se «as torna mais numerosas», sr. ministro da fazenda, aggrava-as offendendo intoleravelmente aquelles sobre que pesa.
«Não especialmente uma classe ou grupo determinado de indivíduos» na sua incidencia, mas na sua repercussão é o consumidor, e quanto mais exclusivamente consumidor, quem será principalmente affectado.
Não se distribuirá igualmente como o affirma o sr. ministro da fazenda; serão em regra os mais pobres que lhe soffrerão os effeitos, e para os quaes não será um pequeníssimo encargo este imposto complementar.
Moderado, chama-lhe o sr. Franco Castello Branco! Mas s. exa. pensou bem nas successivas addições e multiplicações que vão soffrendo até chegar ao consumidor?! Reflectiu como caindo brutalmente sobre a pauta aduaneira são os objectos necessários aos menos favorecidos da fortuna, e as substancias alimenticias que principalmente sobrecarrega. As sedas, os velludos, os artefactos e productos ricos estão á sombra dos tratados.
Todos ainda se lembram da vehemencia com que o então deputado sr. Franco Castello Branco, n'um discurso que s. exa. classificou de substancial, por se referir n'elle principalmente a mercadorias empregadas na alimentação, mas que eu então e hoje classifico de substancioso, criticou o projecto de pauta apresentado á camara pelo sr. Marianno de Carvalho, porque n'esse projecto se haviam elevado os direitos de alguns generos alimentícios. Eu que como relator do projecto tinha tambem a minha parte n'essa critica, e tive de defendel o das investidas de s. exa., lembro me bem, assim como não esqueci que, ainda em sessões ulteriores fui obrigado, mais de uma vez a provar ao meu illustre antagonista que as minhas previsões e affirmações não eram infundadas.
Tudo isto parece ter-se sumido da memória de s. exa. Pois, sr. presidente, se os factos sentenciaram a meu favor no pleito que durante muitas sessões sustentei contra o sr. Franco Castello Branco, tambem me são hoje favoráveis, hoje que apresento opinião só apparentemente contraria á que então sustentei. Realmente eu fiquei onde estava, o sr. ministro é que passou não para o meu lado, mas muito para alem d'elle.
Sustentei e sustento (hoje não sou eu que o affirmo, são os factos) que os direitos da pauta de 1887 representavam quasi o limite a attingir; sustento e sustentarei, que a brutal incidencia de uma taxa supplementar sobre a maioria dos direitos pautaes, não só perturba a economia da pauta mas dá logar a prejudicialissimas elevações as quaes ou corrigirá o contrabando, ou originarão retrahimentos do commercio.
Mas vamos por partes.
Moderado, chama o sr. ministro ao imposto. Eu não sei até onde, em questões tributarias, vae o moderado de s. exa. O que é certo é pagarem já hoje exorbitantemente, relativamente ao seu valor as mais usuaes substancias alimentícias.
Assim o bacalhau paga 49 por cento, o assucar...
(Interrupção.)
Não trato por agora do addicional, menciono apenas quanto pagam, correspondentemente ao valor, algumas substancias de uso geral, e direi mais, necessario á alimentação.
O bacalhau, repito, paga 49 por cento do valor, o assacar 160 por cento, o café 53 por cento, o chá 95 por cento. O azeite, o vinho, a carne, pagam o real de agua ou o imposto de consumo. Não póde ser pois barata a alimentação do pobre.
Pois sobre esta já encarecida subsistencia vae recair o addicional de 6 por cento. Salva o bacalhau o tratado com a Suecia.
O povo portuguez fica condemnado a plena quaresma!
Os 6 por cento sobre o direito transformam-se, mesmo que só era si se considerem, em um grande onus relativamente ao valor primitivo das mercadorias.
Os direitos do assucar elevar se-hão a 143,1 réis, que, ad valorem correspondem a 170 por cento, ou mais 10 por cento do que eram; os do café passam a 159 réis, ou 58 por cento ad valorem, mais 3 por cento; os do chá de 900 sobem a 981, ou 104 por cento ad valorem, mais 9 por cento!...
Mas não é assim que os effeitos do addicional melhor se apreciam.
Supponhamos um commerciante, cuja venda é de réis 6:000$000 por anno, e que pague 300$000 réis de renda pela casa em que tem o estabelecimento. Calculando o que hoje paga de contribuição industrial, de renda de casas, etc., corresponde isto a lançar sobre cada 100$000 réis de venda, 6$130 réis.
Por virtude dos addicionaes, o senhorio augmentar-lhe-ha a renda, quero suppor, só na importancia do mais que tem a pagar de contribuição predial. Isto dará duplo augmento na contribuição de renda do casas. Este augmento junto ao da contribuição industrial, elevarão a 6$700 por cada 100$000 réis de venda os encargos geraes que considerei.
Vejamos que succederá com o assucar, por exemplo: Passa de pagar 135 réis cada kilogrammaa pagar 143,1 réis de direitos de importação, e tem por valor declarado 84 réis cada kilogramma.

Página 970

970 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sem o addicional de 6 por cento:

[Ver formula na imagem]

Com o addicional:

[Ver formula na imagem]

Differença, 10 réis em kilogramma, ou 4,3 por cento.
Não fica ainda por aqui. O consumidor não paga só todos os augmentos que resultam dos 6 por cento complementares que o estado vae receber; não, paga ainda mais que o estado não recebe.
No assucar, por exemplo, ha dois intermediarios, o refinador e o vendedor, no resto ha pelo menos um intermediario, que juntarão á elevação do imposto o ganho proprio, fazendo tambem os arredondamentos que o governo pretende fazer.
Como a nossa mínima moeda são 5 réis, os pequenos compradores, os mais necessitados, os que não podem, porque para isso não têem, comprar por junto, na phrase vulgar, hão de ser os mais victimados com o imposto e os fataes arredondamentos que o commercio terá de fazer.
Onde está a igualdade que o sr. ministro da fazenda mencionava entre as considerações a que havia a attender no lançamento de um novo tributo?!
Pesado e desigual o novo imposto, repito, nem mesmo conserva o caracter de geral o qual, mesmo tendo-o, mas isolado, lhe não serviria de recommendação. Quem o paga, e quasi exclusivamente, é o consumidor; e quando assim não póde ser, pesa esmagadoramente sobre industrias que se tem querido beneficiar.
Tanto o sr. ministro da fazenda viu isto, que, estou certo, mais levado por esta reflexão que lhe occorreu ao escrever o seu relatorio, do que pensando bem no que escrevia diz: «Não é injustificado (o addicional), porque representa na verdade uma legitima compensação de antigas receitas, de que o estado se privou, para augmentar, note bem a camara, a riqueza e bem estar do proprio contribuinte.
«Não é excessivo, porque superiores ao producto que d'elle poderá advir, eram as receitas que é destinado a compensar.»
Notaveis estes dois períodos!
Eu sabia que a caridade christã recommendava ignorasse a mão esquerda o que a direita dava; que havia uma política financeira que aconselhava se tirasse com a mão esquerda o que a direita dera, é para mim novo! E se tirasse a quem só deu, e a quem se não deu.
Oh! sr. presidente, ou o que se deu é devido e então nada se deve tirar, ou não é. Se o não é tire se áquelles que indevidamente o tem, e não se obrigue ninguem a pagar o que outro sem rasão gosa.
Eu sendo generoso faço justiça ao sr. Franco Castello Branco. Tomo estes dois períodos como formulas rhetoricas, e não insisto.
É quanto se vae tirar!
É pouco largo o calculo que s. exa. faz do producto do addicional. A maior algarismo chego eu.
Partindo da receita avaliada no orçamento para 1890-1891 no total de 40:973 contos de réis, feitas todas as deducções, obtenho muito proximo de 30:000 contos de réis sobre que o addicional devera recair. Serão, conseguintemente, 1:700 a 1:800 contos de réis o seu producto; com os arredondamentos 2:000 contos de réis. São 400 contos de réis para falhas com que o sr. ministro póde contar.
Eu comprehenderia que tratando-se de um expediente confesso, fosse a sua duração limitada apenas ao tempo estrictamente necessario para se estudar a remodelação do nosso systema tributario. Assim, explicaria eu, porque o sr. ministro de fazenda não fixou limite o rendimento do imposto, o qual, destinado como se diz, a occorrer a circumstancias de momento, irá crescendo com o natural e esperavel augmento das receitas sobre as quaes incide, apesar de se manterem as mesmas despezas a que tem especial applicação.
Se o addicional é apenas necessario, dado que o seja, para equilíbrio do orçamento actual, para que cobrar de futuro mais do que o para isso necessario?!
O que seria, portanto, rasoavel era ir baixando a quota do addicional ao passo que elle fosse rendendo mais do que os 1:440 contos réis calculados pelo sr. ministro da fazenda.
Nem sequer pelo espirito de s. exa. perpassou tal idéa!
Os addicionaes são muito do gosto do partido regenerador, que parece ter predilecção por elles e pelo algarismo 6; mas dantes, andavam primeiro por muito tempo sem se incorporarem na receita principal, como deixando crear o habito, quando elle adquirido desappareciam na massa; verdade seja que para a breve trecho serem substituídos por um novo irmão que nascia das cinzas do anterior.
Pois o sr. ministro da fazenda poz de parte estes anachronicos processos: não quiz alimentar esperanças, quer que desde já desappareça fundindo-se no imposto base o seu addicional. Deseja naturalmente esquecel-o e fazel-o esquecer. Tem rasão.
Com que inveja lhe ficará o irmão mais velho a quem ainda se não deu, senão em parte, tal sumiço.
Continuará, portanto, e indefinidamente a pesar sobre o contribuinte o novo imposto, sem que me seja licito comprehender como ao sr. ministro da fazenda não pareceu, conveniente nem eficaz, propor novas alterações nas contribuições directas, e pareceu conveniente e efficaz a elevação geral das taxas das mesmas contribuições. É o que equivale o addicional.
Ha uma differença, comtudo, entre o que se propõe e o que em minha opinião devia propor-se.
Entretanto que é desapiedada e cegamente, sem descriminação nem differenças que os 6 por cento incidem sobre as contribuições, seria escolhendo reflectidamente e distribuindo com equidade que por outro processo se poderiam acrescer os redditos do estado.
Desnecessario, iníquo, onerosissimo, não sei que taes qualidades possam consubstanciar-se melhor do que na formula por que comecei e vou acabar.
O imposto que se discute é financeiramente desnecessário e economicamente detestavel.
Se o governo insistir neste projecto é porque quer tão inutilmente, como desnecessario é o addicional que por virtude d'elle vae lançar, provar ao paiz que dispõe da maioria parlamentar, como n'aquelle memorável dia 11 quiz ostentar que dispunha da força publica; quer abafar com votos as justas queixas dos que vão ser vexados por tão iníquo tributo, como quiz abafar a justa indignação do povo, ferido na sua dignidade nacional.
Brinca com o fogo!
Tomemos todos cautela que se o incêndio começa envolverá culpados e innocentes.
Deixemos ao governo todas as glorias do seu procedimento. Eu para mim peço a responsabilidade de não querer partilhar de taes glorias.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado.)

Página 971

SESSÃO NOCTURNA DE 1 DE JULHO DE 1890 971

Lê-se na mesa a seguinte:

Moção do ordem

A camara, considerando que o addicional de 6 por cento, que no projecto em discussão se propõe, seja cobrado sobre as actuaes contribuições do estado, ou é desnecessario, ou só servirá para satisfazer encargos inutilmente creados pelo actual governo; que demais, tal imposto, alem de inopportuno, aggrava differenças preexistentes e, portanto, é duplamente vexatorio; resolve rejeitar o projecto, e passa á ordem do dia. = F. Mattozo Santos.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - Deu a hora. A ordem do dia para ámanhã é a mesma.
Está levantada a sessão.
Era meia noite.

O redactor = S. Rego.

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