1018 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
sr. ministro, emquanto não tiver elementos em que fundamente a contrariedade que lhe opponha.
Era sobre isto que eu principalmente tencionava fazer recaír as considerações que me propunha fazer ao pedir a palavra; mas visto estar no goso, que raro me permitto, de a usar, consinta-me v. exa. que prosiga, dizendo o que me foi suggerido por algumas das palavras que ouvi n'esta casa.
O illustre ministro das obras publicas referiu-se ha pouco ás obras que se estão fazendo no proposito (melhor seria chamar-lhe desproposito) de restaurar alguns dos monumentos d'esta cidade, e pareceu-me que este facto não merecia a s. exa. a reprovação intensa que a quasi toda a gente inspira.
A este respeito, direi a v. exa., sr. presidente, que bom fôra que a taes desvarios de obras tão contradictorias do bom gosto e da arte o sr. ministro acudisse depressa, emquanto é tempo, com o imperio do sen veto. (Apoiados.)
Lisboa não é uma cidade rica em monumentos. Alguns tem, todavia, que muito merecem a attenção e a admiração de quem os contemple. Mas, sr. presidente, se se deixa em liberdade uma terrivel troupe de vandalos que por ahi ha, e que a pretexto de restaurar, apenas destroe, em breve veremos perdido o principal encanto dos poucos monumentos que possuimos.
Temos todos n'este paiz sido testemunhas condoídas de tantos vandalismos em materia de arte, que qualquer noticia chega para sobresaltar.
Ha dias diziam os jornaes que uma commissão, não sei se a do centenario, se preparava para commetter mais um attentado, qual era o de pedir auctorisação para raspar, limpar ou o que seja, o monumento da praça do Commercio. Estremeci ao pensar em que similhante attentado se commetteria, mas tranquillisou-me de certo modo a noticia de que a commissão não levaria a sua delictuosa audacia até ao ponto de se dispensar de auctorisação do governo, e a esperança de que este lh'a não daria. Permitia Deus que o futuro me não guarde o desgosto de ver destruidas estas rasões da minha tranquilidade de agora.
Tantas festas lá fóra, sr. presidente! Ainda ha pouco o centenario da minha Victoria em Inglaterra. Alguem limpou, raspou ou picou os monumentos notabilissimos de Londres, na preoccupação estulta e pueril, de os apresentar aos forasteiros com ar de monumentos novos em folha, saídos n'aquelles dias das mãos dos artistase e operarios que os conceberam e executaram?
De certo ninguem, sr. presidente, porque d'estas e de outras tristes proezas, como as muitas que se contam desde a celebre porta da bibliotheca de Coimbra, porta de magnifico pau santo, almofadada com alto relevo e de brilhante pregaria amarella de cabeças artisticamente trabalhadas, mas tudo sepultado sob sinistras camadas de tinta verde, só destruiveis a picareta, até á criminosa construcção do actual gazometro junto á formosa torre de Belém, d'estas tristes proezas, sr. presidente, só têem a phantasia e o audaz emprehendimento os homens que n'esta terra têem a seu cargo velar pelos monumentos publicos.
Já depois d'isto outro crime foi annunciado, e ao que parece vae em execução adiantada. Diz-se que não sei quem, mas alguem para quem a penitenciaria seria pouco, attenta a gravidade do seu feito, mandou picar as velhas torres da sé. Mas isto é de gritar pela policia, sr. presidente! Que nas torres os sinos repiquem, comprehende-se; mas que piquem as torres só podem comprehendel-o os que no logar das cabeças tenham cabaças. (Riso.)
Em materia de arte, e vá, seja só em materia de arte, ha muito que estamos costumados a ver convertidas em realidade as asneiras apenas annunciadas. Pedir pois ao governo providencias contra os attentados que aqui denunciei e outros que se premeditem e, o governo conheça, creio que não será demais. (Apoiados.)
Que o centenario, tão condemnavel sob o ponto de vista da miseria economica e financeira do paiz, ao menos o não seja pelo damno que a seu pretexto se vá praticar nos monumentos publicos.
Parece que a ficção e a mentira são as grandes leis de agora. Ha dias dizia um jornal que emquanto na Avenida se levantavam no ar castellos de lona, pintados a fingir cantaria velha, na sé se pieavam torres de cantaria velha para parecer nova. Achei justissima a observação, e sobre ella pensei: tudo isto é para fingir, como as proprias e espaventosas festas do centenario são para affectar a apparencia de uma riqueza que não cobre senão a mais desoladora realidade de miseria, que mais se aggrava e cresce, por certo, com as despezas enormes do tal centenario.
Não nos illudamos, sr. presidente. As receitas destinadas por lei para as festas a quanto montarão? A 200 contos de réis? Vá, seja. Mas 50 contos de réis já voaram e o grande aquario, sem peixes, dizem que monta a mais de 100 contos de réis; em tal caso o que fica para o resto: avenida da India, postes, tigellas e outras luminarias, bandeiras, galhardetes, bailes, banquetes, etc., etc.?
Deixarão estas cousas de se fazer? Não creio. Paga-as a commissão ou a sociedade de geographia? Não é provavel, se bem que os empreiteiros de certo não trabalhariam se lhes não pagassem já. Por conta de quem correm pois estes encargos? Por conta do thesouro publico, cujas falhas o sr. ministro da fazenda se propõe refazer com o addicional de 5 por cento, zero para o thesouro, mas violento vexame para o pobre contribuinte. (Apoiados.)
São duas as verbas destinadas para estas festas: uma resultante do producto liquido da cunhagem da prata, e outra resultante da differença entre a venda das estampilhas emittidas para commemoração do centenario e o producto medio da venda de estampilhas em igual periodo de mezes nos ultimos cinco annos.
Já hoje só disse n'esta camara que o lucro da amoedação da prata montará a uns 150 contos de réis, e que o lucro das estampilhas é calculado approximadamente em 50 ou 60 contos de réis. Mas 50 contos d'essas verbas já marcharam por mares nunca navegados onde a sociedade de geographia singra com tal perfeição que faz o assombro das gentes estarricidas. Que resta pois para tanto que ha a despender?
Pouco, quasi nada, como já hoje aqui foi ponderado.
O sr. ministro diz que o governo nada mais dará. Deus o ouça, e, ao menos, do mal o menos.
Custa-me a acreditar, sr. presidente, que o pobre thesouro publico não venha a ser quem pague as differenças.
Quasi sempre sobre elle incidem, e por fórma cada vez mais para sentir, as tristes consequencias de tantos desvarios e loucuras, quaes têem sido os que tem caracterisado os ultimos tempos da nossa vida nacional. O sr. ministro, porém, affirma categoricamente que nada dará além das receitas auctorisadas, e contestar-lhe esta affirmação, feita tão solemnemente, seria da minha parte um desprimor, que está longe das minhas intenções.
Registo apenas as declarações de s, exa., e opportunamente, se houver que oppor-lhes, as discutirei, declarando agora tão sómente que, para evitar futuras dificuldades, melhor fôra que o governo, embora por acto violento, fizesse parar essa torrente de obras enfestas, que são verdadeiramente perniciosas sob o ponto de vista economico e financeiro.
Isto não é tudo, sr. presidente. Vou dizer sinceramente tudo o que penso e sinto a respeito de taes festas do centenario. É um desabafo. Se for violento releve-m'o a camara, que não é meu intuito offender nem individuos, nem instituições.
Na minha opinião, sr. presidente, estas festas são indecorosas por incompativeis com o sentimento que deveria,