SESSÃO N.º 57 DE 3 DE MAIO DE 1890 1019
agora mais do que nunca, estristecer e avassallar a alma portugueza.
No parlamento, na imprensa, nas conversas, por toda a parte, emfim, um côro uniforme de vozes deplorando a nossa miseria, que já chega a parecer uma agonia; e ao mesmo tempo, n'um contraste frisante e immoral com estas calamidades, erguem-se pavilhões, preparam-se luminarias, afinam-se philarmonicas, encommendam-se artificiosos fogos de vistas, edificam se aquarios, rasgam-se amplas, avenidas, lançam-se convites internacionaes, confeccionam-se programmas pomposos e preparam-se festas de estrondo, que só póde realisar quem, tendo as arcas de thesouro recheadas, tenha o direito de ter a alma alegre! (Apoiados.)
De duas uma. Ou mentem criminosamente os que não cansam de trazer-nos á alma o desalento, quando apregoam, mais do que a ruina do thesouro publico, o risco eminente da nossa querida patria; ou então somos todos uns doidos varridos, de cujo espirito fugiu por completo a consciencia das nossas pavorosas desgraças, e por isso rimos e folgâmos na inconsciencia imbecil das nossas desventuras.
Não é tanto pela grande calamidade que n'este momento se está dando no mundo, a guerra, que eu me insurjo contra as festas que se projectam. Acho que esse deploravel acontecimento, que leva o luto a tantas familias de uma nação irmã, é uma rasão a mais; mas não é a unica, nem a principal, nem a decisiva para o meu espirito, e, sobretudo, para o meu sentimento.
É immensamente doloroso para a bondosa alma portugueza, esse sinistro espectaculo que actualmente nos offerecem os mares, transportando no dorso alteroso das suas ondas não os navios que, levando de um a outro extremo do mundo os productos da industria n'uma troca que exprime a riqueza e o progresso, mais apertam e estreitam os laços que entre si prendem cordealmente ás diversas nações, mas sim esses monstros de ferro, terriveis machinas de guerra, cujas entranhas em breve se rasgarão n'uma explosão de fogo e metralha, derramando em torno a morte, o esterminio e a ruina. (Vozes: - Muito bem.)
É ainda para sobresaltar notavelmente o meu espirito esta lacta sangrenta iniciada e estabelecida entre duas nações, ambas nossas amigas, mas das quaes uma, pela sua vizinhança geographica, pela affinidade da sua raça com a nossa raça, pela analogia da sua historia, com a nossa historia, pela relação de muitos dos seus interesses com os nossos interesses e pela similhança da sua lingua com a nossa lingua, não póde deixar de nos merecer especial affecto, pelo terrivel effeito que na nossa propria vida nacional e intima póde causar, sobretudo se, lançando a nossa vista para mais longe, encararmos os castellos de nuvens, prenhes de tempestades, que se erguem nós horizontes da vida politica e economica dos diversos estados da Europa, principalmente se, approximando-nos das fronteiras da peninsula, escutarmos esse surdo rumor que de toda a parte se ergue, pronuncio sinistro do cataclysmo que ameaça geographica, economica e socialmente todo o mundo civilisado, e de que esta guerra bem póde ser o rastilho. (Vozes: - Muito bem.)
Tudo, isto, porém, sr. presidente, eu ponho de banda na minha argumentação contra a opportunidade das festas que se projectam, por isso que a condemnal-as como escarneo á nossa miseria bem bastam o descalabro que temos cá dentro, a ruina do thesouro publico e da economia nacional, que nos fazem incerto e escuro 5 dia de ámanhã, a calamitosa angustia, dentro da qual nos debatemos! (Apoiados.)
Argumenta-se a favor dos festejos com a consideração do commercio, bem o sei. Mas se o commercio quer auferir lucros, em cuja realidade n'este momento não creio, o commercio, que tome a iniciativa das festas, que lhes sacrifique o capital preciso, que as promova, incite, favoreça e realise, mas á sua custa; e só assim, tendo empregado capital, terá direito ao lucro que antevê, espreita e ambiciona. (Apoiados.)
Ouço dizer que do estrangeiro têem vindo numerosas encommendas de artefactos, de productos industriaes de variadas naturezas, destinados a serem vendidos aos estrangeiros que visitem o nosso paiz. Não se comprehende que isto seja verdade, porque seria loucura presumir que um inglez, por exemplo, que vêm da sua terra com bons fatos feitos lá, onde a fazenda é melhor, o córte mais bem acabado e o preço mais economico, viesse encommendar fatos na nossa rua dos Algibebes, onde o córte não é requintado e as fazendas inglezas são da Covilhã. (Riso.)
Embora, porém, essa rasão colhesse para uma classe restricta de commerciantes, em todo o caso a experiencia de festas similhantes, realisadas no estrangeiro e entre nós, tem mostrado que ellas não são senão nocivas para a economia geral, porque, ao passo que uma classe pouco numerosa lucra com as vendas que, circumstancias anormaes, provocam noa seus estabelecimentos, a grande maioria dos individuos é sacrificada com o encargo, de despezas com que não póde e lhe são impostas, se não pela tyrannia das familias, ao menos pela suggestão e pelo imperio dos divertimentos e dos festejos sempre caros, quer para quem os faz, quer para os que, seduzidos por elles, a elles concorrem.
Bem triste tem sido o que as estatisticas do movimento no monte pio geral, e nas differentes casas de penhores, nos tem revelado subsequentemente a outras grandes festas nacionaes que no paiz se têem celebrado! (Apoiados.)
Sr. presidente, n'um paiz, cujas condições internas são como as nossas; onde a divida fluctuante attingiu a verba que as contas entre nós denunciam; onde o oiro se paga pelo preço exorbitante que a mercado accusa; onde as melhores reservas do thesouro estão perdidas; onde a inercia cerebral dos estadistas, que nos governam ha quatorze mezes, se revela na inanidade das medidas que a sua iniciativa tem produzido; onde a intriga politica sé substituiu ao debate do doutrinas, a perfidia á moralidade, a traição á lealdade e o expediente ao plano; onde, finalmente, os politicos carecem de idéas e o povo de pão, e por mais que nós queiramos devassar o futuro não conseguimos divisar nos horisontes entenebrecidos que nos cercam um só raio de luz que nos prometia um dia de ámanhã redemptor; n'um paiz assim, lançado n'uma crise do tremenda, cuidar de festas que mais evidenceiam e aggravam a sua ruina, vae alem da leviandade, porque chega a ser verdadeiro crime! (Apoiados.)
Fazer festejos publicos, no actual e desgraçado momento da nossa vida, exprime uma inconsciencia que avilta e entristece! (Apoiados.)
Uma vez ou outra todos nós nos teremos deixado levar pela curiosidade que ao passar n'uma feira, á porta de uma barraca miseravel, no nosso espirito acorda o rufo de um tambor que ouvimos, ou a voz de um pregoeiro que nos incita a entrar. Entrâmos, sr. presidente, e lá dentro, n'um quadro onde as tintas são a miseria, o egoismo e a exploração, depara-se-nos um d'estas seres desformes, repulsivos, apesar de humanos, uma d'estas aberrações estranhas da natureza, que nos fariam descrer de Deus se o não tivessemos na alma, esforçando-se por nos provocar o riso com esgares monstruosos, que mais nos affligem do que divertem, pela consciencia, que nos avivam, da degradação tristissima de que é susceptivel esse animal que ri e chora, chamado o homem.
Pois, sr. presidente, vá por diante essa febre das festas que incendeia ficticiamente o sangue de muitos nossos patricios, conclua-se a installação d'essa ridicula feira franca, assignalada por muralhas e castellos de lona, construidos no ar, como se fossem a representação material e symbolica do desvario que tem cangado o maior da nossos