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Discurso que devia ser transcripto a pag. 859, col. 2.ª, lin. 86.* do Diario de Lisboa, na sessão de 19 de março

O sr. Casal Ribeiro: — Na ultima sessão tinha eu tratado de compendiar, em uma fórmula laconica, e facilmente comprehensivel, aquillo que se me afigura ser o resultado inevitavel do projecto que discutimos. Género mais caro, fiscalisação, mais frouxa; consequencias — maior adulteração e maior contrabando.

Parece-me que ficou completamente demonstrado, pelo menos para isso fiz exforços, que no systema proposto pelo governo e pela commissão de fazenda, a tendencia para a sophisticação do fabrico é muito maior. Parece-me que ficou tambem claramente demonstrado que, affrouxando a acção fiscal, tinhamos a receiar grande diminuição de receita e grande contrabando.

O sr. ministro da fazenda toca, como não podia deixar de tocar, no seu relatorio, este ponto grave. Entretanto não se mostrou possuido das mesmas apprehensões.

O sr. ministro diz-nos o seguinte:

«Pelo que respeita ao receio da diminuição da renda por effeito do contrabando, não parece ao governo que elle seja fundado, porque continua a mesma fiscalisação que hoje existe, e o incitamento para o commercio illicito será menor, visto que os tabacos se podem vender por preços mais baixos, adoptado o systema que o governo propõe.»

Duas proposições estabelece aqui o sr. ministro. Continua a mesma fiscalisação, e os preços diminuem.

Continua a mesma fiscalisação í I Continua para o orçamento, mas não continua para o serviço. A mesma fiscalisação continua, porém não com a mesma força, porque o systema varia completamente, e porque as disposições deste projecto tolhem em grande parte a acção fiscal.

A fiscalisação actual, como já hontem disse, não pára no fabrico, estende-se á venda e vae até ao consumo. A fiscalisação do projecto é menor para o fabrico, rigorosissima só para a cultura, nulla sobre a venda e completamente nenhuma sobre o consumo.

Não se pôde ao mesmo tempo sustentar o projecto com dois principios de ordem opposta.

Os defensores do projecto dizem que uma das principaes bellezas que elle tem é diminuir, extinguir quasi, os vexames do monopolio.

Não façamos confusão de palavras. Vexame é synonymo de fiscalisação. Os vexames são a fiscalisação; toda a fiscalisação importa vexames.

E vexatoria a fiscalisação? E, e não podia deixar de o ser em impostos d'esta ordem.

Se os vexames diminuem, diminuem na mesma proporção em que diminue a fiscalisação (apoiados). Se diminuem, diminue com elles a acção fiscal.

A fiscalisação continua sim, porque o estado toma a si os empregados do contrato; continua para lhes pagar, mas não continua para se servir d'elles, ou pelo menos para se servir d'elles com a mesma efficacia com que se servia o contrato do tabaco.

Portanto a proposição não é exacta. Eu não quero exagerar cousa alguma, não duvido reconhecer que embora se conservem alguns vexames, e vexames que são odiosíssimos, como os das visitas domiciliarias que necessariamente hão de existir por causa da prohibição da cultura, entretanto elles diminuem em certo ponto; mas diminue tambem com elles a acção fiscal.

São estes os verdadeiros termos da questão.

Por outro lado será verdade que os preços diminuem, e consideravelmente?

Se a acção repressiva da lei diminue, é preciso, para de algum modo compensar essa falta de acção, que por outro lado o interesse do contrabandista não augmente. É necessario então dar aos principios economicos toda a sua extensão; é necessario diminuir os direitos para tirar o incentivo ao contrabando.

Mas para isto não basta qualquer diminuição de direitos. Nós estamos tratando de um direito que se eleva a 400 por cento e a mais sobre o valor do genero. A margem para o contrabando fica sendo grandissima (apoiados), e ainda ficava sendo grande quando o direito se reduzisse a metade, ou ainda a menos de metade.

Para tirar o incentivo ao contrabandista pela diminuição do direito, é preciso reduzi-lo a uma percentagem modica, mas eleva-lo a 400 por cento, a 200 ou ainda a 100, é promover o incentivo para o contrabando.

Ha ainda outra singularidade notavel. O sr. ministro, para nos provar que não ha justificados motivos de que augmente o contrabando, occupa-se da questão dos preços. Mas como trata elle a questão dos preços? Confronta o preço por que actualmente (note a camara) o genero é vendido pelo contrato do tabaco, com o preço por que é vendido pela administração franceza e pela administração hespanhola.

E mesmo debaixo d'este ponto de vista, ainda que podessemos tomar por base de comparação os preços porque o genero é vendido em França, que, de todos os paizes onde o monopolio existe administrado por conta do estado, é aquelle onde os preços são mais caros, ainda assim esses preços são inferiores aquelles por que actualmente se vende o tabaco em Portugal. E são inferiores ainda depois do augmento que tiveram em 1860, porque desde 1816 até 1860 os preços da régie franceza, como se sabe, não augmentaram, deixando por consequencia de ser exacto o que, de certo involuntariamente, disse o illustre relator da commissão, quando indicou como um dos inconvenientes da régie franceza a instabilidade dos preços. Os factos protestam contra essa instabilidade, porque no largo periodo que decorre desde 1816 até 1860, os preços foram sempre os mesmos. E tambem não é exacto que em 1860 se alterassem arbitrariamente, porque o augmento foi feito dentro dos limites marcados pela lei de 1816, que não fixava preços definitivos, mas só o maximo.

Dizia eu, que os preços da administração de França são inferiores aos nossos, e effectivamente assim é.

O preço do tabaco ordinario de fumo, isto é, do tabaco picado para fumar, é de 10 francos por kilogramma, ou 1$800 réis; e o preço de 1$800 réis por kilogramma é alguma cousa inferior ao de 1$917 réis por kilogramma, que, segundo os proprios calculos do sr. ministro da fazenda, é o preço por que se vende igual genero em Portugal.

Os charutos mais ordinarios que vende a administração em França, são os charutos que custam 5 centesimos, que correspondem a 9 réis. Não são de certo superfinos; mas em comparação com os nossos charutos de 10 réis são muito superiores. Um charuto, que corresponde ao nosso de 20 réis, custa em França 10 centesimos ou 18 réis.

Portanto, em geral pôde se dizer, que os preços são inferiores aos nossos actualmente.

Mas esta comparação que eu ia seguindo, é uma curiosidade, simples e pura curiosidade, em relação ao objecto que nos occupa, que é averiguar até que ponto pôde ter logar o contrabando.

Pois alguem pôde suppor que o contrabandista tenha a ingenuidade de ir a França comprar genero para o vir vender a Portugal? E ha de ir compra-lo a França para o trazer por mar ou por terra? Por mar? Mas Gibraltar está a menos distancia que Bordeos ou Bayona. Por terra? Mas teria de atravessar a Hespanha toda, e fugir á fiscalisação do seu monopolio. Quasi que me envergonho de ter seguido o sr. ministro n'esta comparação. O contrabandista que tem em Gibraltar porto franco, onde os depositos são immensos, que tem depositos em Cadiz, que pôde lá ir buscar o genero sem pagar direitos, ha de ir prover-se a França, ha de ir comprar á administração franceza para vender em Portugal? Esta simplicidade, esta ingenuidade não se pôde acreditar.

A verdadeira comparação dos preços é com os preços do genero onde não paga direitos. Nos depositos de Gibraltar é que se deve fazer essa comparação, e se se comparar com esses preços, veremos que este projecto deixa para o contrabando margem de 400 por cento. -

A comparação, que faz o sr. ministro com o preço do tabaco de Hespanha, não é inteiramente procedente no meu modo de ver; mas já o é um pouco mais de que aquella que faz com relação á França.

A differença entre o nosso preço e o da administração hespanhola é grande; e por outro lado, a facilidade do contrabando por terra, pôde ser incentivo para dar logar a um grande commercio illicito.

A comparação n'esta parte póde-se fazer; mas prova contra o projecto, porque a verdade é que os nossos preços são muito inferiores aos de Hespanha. Na folha picada o sr. ministro é o proprio que está dizendo que o preço actual, por que se vende aqui é de 200 réis mais pôr kilogramma do que o preço da administração hespanhola.

Depois d'isto não me parece que se possa muito logicamente asseverar, como o fez o sr. ministro, que não ha a receiar que o contrabando se introduza de Hespanha.

Pois sr. presidente, eu cito auctoridade contra auctoridade; contra a auctoridade do sr. ministro da fazenda de Portugal, cito a auctoridade do sr. ministro da fazenda de Hespanha, do ministro da fazenda de Hespanha, que o nobre ministro veiu buscar por seu auxiliar n'esta questão, mas que eu devo suppor n'este ponto mais bem informado.

Quer a camara saber o que dizia o sr. Bruill sobre o contrabando do tabaco para Portugal? Dizia elle, referindo se a um projecto que tinha sido apresentado em Portugal para a liberdade do tabaco: «Isto seria inteiramente contrario ao que se passa hoje, e a prova é que os portuguezes recorrem aos nossos estancos sempre que podem; porque ali sem duvida não reune o genero as boas condições do de Hespanha, e o contrabando passivo, se merece este nome, que faz a administração, converter-se-ia em activo contra o paiz por aquella parte do território».

E o ministro da fazenda de Hespanha dizendo, que a administração hespanhola faz contrabando para Portugal.

Alem da auctoridade do ministro da fazenda de Hespanha n'aquella epocha, temos a auctoridade de um cavalheiro cuja competencia ninguem recusa, o sr. conde d'Avila, o qual disse no seu relatorio o seguinte: «Pondo mesmo de parte a grande differença, que ha para mais entre os preços do tabaco no nosso paiz e dos que tem na França, na Hespanha e na Sardenha, etc».

Está reconhecido tambem pelo sr. conde d'Avila, que os preços são maiores em Portugal que na França, na Hespanha e na Sardenha.

Ministro da fazenda contra ministro da fazenda; nome contra nome. O sr. conde d'Avila contra o sr. Lobo d'Avila; ministro da fazenda de Hespanha contra ministro da fazenda de Portugal.

E mesmo sem recorrer a nomes e a auctoridades, não se sabe se haverá contrabando de tabaco de Hespanha para Portugal? É este um dos pontos em que se pôde allegar a verdade sabida (apoiados).

Mas estas comparações são ainda incompletas; não provam bastante, porque não é com o preço actual que devemos comparar, mas com o preço porque o genero ha de ficar depois de votado o projecto.

Vamos a este ponto que é importante, porque a tendencia do projecto não é para diminuir o preço, mas antes para o aggravar; e a consequencia é necessariamente que o consumidor é prejudicado. Se se provar que o consumo de genero que tenha pago os direitos, não fica aliviado no preço, antes ao contrario, é facil de crer que o consumidor se ha de prover de genero de contrabando, e que a fazenda será defraudada em largas sommas.

Devemos pois ver se a tendencia do projecto é para diminuir os preços, porque se elle conservasse os preços, ainda assim o contrabando havia de ser maior. Bastava para isso a outra rasão que diminue a acção fiscal.

Era preciso que houvesse diminuição, e grande. Mas se em logar de diminuição houver augmento, qual será a consequencia das causas, que convergem todas para o mesmo resultado?

Vamos á questão dos preços.

N'esta parte o sr. ministro da fazenda apresenta um calculo sobre diversas bases, do qual conclue que, passando o seu projecto, depois de pago o custo da materia prima, as despezas do fabrico e o imposto, ficará ao productor, que vender pelo preço actual, uma margem de 21 porcento, correspondendo estes 21 por cento ás despezas de administração, ás da venda, ao juro do capital empregado e ao lucro.

Se assim fosse, poucas esperanças se poderiam ter de que o preço diminua. 21 por cento para despezas de administração, para despezas de venda e para juros e lucros de uma empreza, que tem a lutar com grandes probabilidades de contrabando, e na qual por consequencia ninguem embarca o seu capital ao juro ordinario, não deixavam grande margem á concorrencia para fazer baixar os preços.

Mas ao que será a concorrencia, e principalmente ao que ha de ser nos primeiros tempos depois da abolição do monopolio, já eu alludi.

Ha mais alguma cousa. No calculo do sr. ministro falta uma base essencial, uma base que o altera e transforma completamente, e que mostra a inanidade d'elle: o sr. ministro esqueceu-se, como notou o meu illustre amigo, o sr. Gomes, de calcular aqui as quebras do tabaco, que lhe tinham servido para calcular os direitos, quando tratava da importação.