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Parecendo pelas respostas, que se lhe deram, que o meu illustrado amigo, apesar da clareza e da lucidez com que se expressou a este respeito, não foi comprehendido, tentarei eu, posto que com muito menos recursos, fazer-me comprehender.

O sr. ministro diz, que no tabaco importado por fabricar ha uma quebra media de 9 por cento, quando se transforma em tabaco fabricado. Esta quebra media de 9 por cento é o resultado da diminuição, que soffre o tabaco convertido nas diversas especies de fumo, correspondente a 13 por cento, e do augmento que tem na fabricação do rapé, correspondente a 20 por cento, resultado que se obtém tomando na proporção do consumo d'estas diversas especies a media da quebra e do augmento. São as bases que o sr. ministro toma, quando trata a questão do rendimento.

E creio que o sr. ministro partiu da hypothese de uma fabricação regular e ordinaria. Se assim não é, cáe por terra todo o seu calculo do rendimento, o cáe por terra com elle o seu projecto. Se nos negam aqui as quebras com que contaram em outra parte, só temos a repetir com o poeta inglez:

All what we know is nothing can be known

Se a adulteração continuar, e se aggravar, e eu já mostrei os receios que tenho de que não só continue mas se aggrave, e se a quebra effectiva se não der, se se não sentir, como se deve sentir em uma fabricação regular, quaes serão os resultados? O estado, em vez de cobrar o imposto de 400 por cento sobre o tabaco, ha de cobrar os insignificantes direitos do melaço, ou perder o equivalente dos do tabaco, que lá vae supprido pela folhada nogueira, ou outras similhantes; e o consumidor em vez de lisonjear o paladar ou o cheiro com o saboroso perfume da nicociana, ha de ficar adstricto a segredos de fabricação, talvez peiores que esses a que chamam por ahi os segredos do sr. Joannes.

Eu calculo pois na hypothese de uma fabricação regular; nem posso calcular em outra hypothese, porque adopto a que o sr. ministro perfilhou para o calculo dos direitos.

N'esta hypothese, repito a proposição que hontem apresentei; e vou demonstra-la. Os generos de maior consumo, os generos que são destinados ás classes menos abastadas, aquellas, que podem pagar menos, são os que ficam mais caros. E este o caracter democratico do projecto.

N'esta parte é preciso exemplificar.

O illustre deputado e meu amigo, o sr. Gomes, seguindo aqui inteiramente o sr. ministro da fazenda, fez o seu calculo pelo termo medio. Talvez por este motivo não fosse comprehendido, e as suas rasões não produziram o convencimento, que deviam produzir. Eu ponho de parte o calculo pelo termo medio; vou apresenta-lo por especies.

Tomo, por exemplo, os charutos de 10 réis que representam actualmente um consumo de 280:000 kilogrammas, um quinto do consumo total. Supponhamos a importação de 100 kilogrammas de tabaco em bruto para fabricar estes charutos, a 297 réis por kilogramma, que é o preço medio declarado no relatorio, custariam 29$700 réis. Os direitos de importação com os 3 por cento de emolumentos sobem a 123$600 réis, e o imposto de fabrico a 10$000 réis. Calculo a mão de obra a 100 réis por kilogramma, preço muito pouco superior ao termo medio do relatorio que é de 96 1/3 réis; importa a despeza de fabricação em 10$000 réis. Sommam estas verbas 173$300 réis, e temos a dividir esta somma não por 100 kilogrammas de charutos, mas por 87 kilogrammas, attendendo á quebra de 13 por cento. Entrando em 1 kilogramma 187 d'estes charutos, como verifiquei em diversas experiencias, correspondem os 87 kilogrammas a 16:269 charutos. Dividindo por 16:269 os 173$300 réis, temos já um custo de producção superior ao preço actual de 10 réis por charuto, e falta ainda computar aqui as despezas de administração, juro do capital movel e fixo, lucro do fabricante, lucro do vendedor e licenças de venda. Se para tudo isto dermos, não já 21, mas 15 por cento, sendo 9 por cento como o sr. ministro calcula para despezas de administração e venda, e 6 por cento apenas para juro e lucro do fabricante, o que é muito pouco, o preço de cada charuto subirá a 12 1/3 réis, isto é, mais 23 por cento sobre o preço actual.

Outro exemplo — a folha picada, cujo consumo de 381:000 kilogrammas representa 28 por cento do consumo total. Supponhamos do mesmo modo a importação de 100 kilogrammas de tabaco em bruto, custando 29$700 réis, e pagando de direitos de importação e fabrico 133$600 réis. Calculo aqui a despeza de fabricação em 8$000 réis, a rasão de 80 réis por kilogramma, muito abaixo do termo medio do relatorio. Temos já o custo de producção elevado a 171$300 réis a dividir, attendendo as quebras, por 87 kilogrammas de folha picada, dando para cada kilogramma o custo de 1$968 réis, superior ao preço actual que é de 1$917 réis. Juntando do mesmo modo ao custo de producção 9 por cento para despezas de administração e venda, e 6 por cento para juro e lucro do fabricante, teremos o preço de cada kilogramma a meia libra proximamente, ou 2$250 réis, isto é, 12 por cento a mais sobre o preço actual.

Estas duas especies, em que o preço é consideravelmente augmentado, representam metade do consumo actual. O rolo ficará custando tanto, como actualmente ou pouco menos, e isto em consequencia da reducção proposta pela commissão, a qual eu louvo, porque se fosse approvado o direito indicado na proposta inicial do governo, tambem este genero subiria muito de preço.

Ora ao passo que o preço da folha picada e dos charutos de 10 réis, consumidos pelas classes populares, vae subir consideravelmente por este projecto, vejamos o que acontece com os charutos superiores, mesmo quando se importem já fabricados.

Charutos, por exemplo, dos quaes entram 237 em kilogramma, e custam nos depositos de 25 a 27 réis, pagam hoje 20 réis cada um para o contrato, e mais 412 réis por kilogramma para a fazenda, total 21 3/4 réis por cada charuto. Estes charutos ficam pagando 2$874 réis por kilogramma ou 12 réis por charuto. A reducção é de 80 a 44 por cento.

Charutos regalia superiores que custam nos depositos a 60 réis, pagavam para o contrato 40 réis por cada um e para a fazenda 412 réis por kilogramma, total 45 réis por charuto. Ficam pagando 20874 réis por kilogramma ou 24 réis por charuto. A reducção é de 75 a 40 por cento.

Temos pois, que n'estas especies de luxo, que só podem destinar-se ao consumo dos abastados, o imposto é reduzido a cerca de ametade, ao passo que se aggrava o imposto pago pelo desfavorecido da fortuna (apoiados).

Agradeço á camara a attenção que tem prestado a esta fastidiosissima explicação, mas era impossivel faze-la sem entrar n'estas minuciosidades (apoiados).

Ainda apesar d'isto, os direitos que o sr. ministro propõe para os charutos fabricados em geral, são superiores aos que estão estabelecidos na Inglaterra, depois da reforma de mr. Gladstone. Esses direitos são hoje em Inglaterra de 5 schellings por libra ingleza, ou 454 réis menos do que entre nós.

Mas não dêem importancia a este ponto; não se nos diga que se foi buscar por typo a reforma de mr. Gladstone. Este financeiro inglez tem muitos actos, que o illustram muito mais do que esta reforma. Não vão buscar a reforma do tabaco, na qual elle ficou muito áquem do que os seus precedentes auctorisavam a esperar (apoiados).

A reforma de mr. Gladstone foi tímida. E porque? Porque receou diante do rendimento (apoiados). N'aquella reforma não houve reducção alguma na materia prima, no tabaco por manufacturar, houve-a apenas no tabaco manufacturado; e para que? Para que a concorrencia se fizesse mais ampla, para que o genero estrangeiro podesse vir concorrer com o genero nacional mais facilmente, para que a legislação tivesse um caracter menos proteccionista.

Mas o preço do tabaco ordinario, esse não soffreu reducção, ficou como estava, e continuou a ser em Inglaterra de 2$250 a 2$700 réis, preço que convida ao contrabando, que o estimula, que o excita; e o contrabando não deixa de corresponder a esse grande appello.

Foi este o systema que se adoptou para entre nós ser até certo ponto imitado. Mas imitado como? Em relação aos principios economicos, o nosso projecto é mais protector que a legislação ingleza. Em relação á justiça e equidade o imposto diminue aqui para o rico, e augmenta para o pobre.

Foi esta a legislação que se tomou por typo, invocando-se o grande principio da liberdade, mas invocam esse principio prohibindo a cultura, e restringindo a fabricação a duas cidades! Invocam a liberdade do commercio do tabaco, e fazem depender a venda d'esse genero de licenças por um subido preço!

Reduz-se pois o systema do projecto a carestia extraordinaria e frouxidão na fiscalisação — consequencia inevitavel, grande adulteração e enorme contrabando — consequencia d'estas consequencias, grave prejuizo para o estado (apoiados).

Preciso agora ainda, em rapida resenha, provar com as estatisticas, que são estas as consequencias a prever do projecto em discussão.

E preciso que consultemos as estatisticas, mas que as consultemos despreoccupados, e sem vontade antecipada de as fazer fallar em certo sentido.

Não quero recorrer a tempos remotos, que tem pouca analogia na organisação financeira e nas circumstancias economicas com a epocha actual. Uma boa parte do relatorio do sr. ministro da fazenda occupa-se d'este objecto, que é agradavel á leitura; mas pouco illustrativo, e pertence mais á erudição historica.

Deixemos pois os Filippes; o cardeal de Richelieu, e Luiz XIV; Carlos I de Inglaterra; e Croinmwel. Deixemos em paz as cinzas de Belchior Rebello, o sagaz contador da fazenda, cuja biographia mostra que a linhagem dos financeiros é já velha em Portugal. Deixemos tudo isto, e venhamos a tempos mais proximos.

Façamos apenas uma observação geral — é que tanto em Portugal, como em Hespanha, como em França, o systema que o sr. ministro agora propõe, ou alguma cousa de analogo com elle, com mais ou menos modificações, tem já sido ensaiado e sempre com mau resultado.

Em Portugal houve um ensaio em 1699, e deu logo em resultado, que o producto dos impostos, que se estabeleceram foi a decima parte d'aquillo em que se calculou.

Da Hespanha conta o sr. Bruil, que se ensaiou este systema, ou alguma cousa de analogo com elle, em 1821 e 1822, e foi tal o resultado, que se voltou ao systema antigo.

Em França ensaiou-se este systema por duas vezes. Pela primeira vez em 1719 a 1721 e com a prohibição da cultura, adminiculo que o sr. ministro julgou indispensavel e essencial correctivo do seu systema. Pois apesar d'isso o resultado foi tal, que não logrou existir mais de dois annos.

O segundo ensaio em França foi no tempo da revolução franceza. Em 1791 adoptou-se o systema da liberdade. Este systema durou dezenove annos até 1811. Mas quer v. ex.ª saber quantas alterações elle soffreu n'aquelles dezenove annos? Dez alterações importantes. Dez decretos vieram alterar o systema estabelecido, uns augmentando os direitos, outros diminuindo-os; uns augmentando o rigor fiscal, outros estabelecendo medidas de diversas especies. E todas estas emendas provam, que foi achado defeituoso, e que era preciso todos os dias altera-lo.

Que aconteceu em 1811? Napoleão restabeleceu o monopolio. E a este proposito recordo-me de um argumento do illustre relator da commissão, ou do illustre deputado que primeiramente tomou parte n'este debate, e que julgou haver alguma cousa de desairoso para os poderes publicos em entrarem n'estas operações de estanco. Parece-me que nós podemos bem passar pela humilhação por onde passou Napoleão; e Napoleão fez-se estanqueiro, voltando da grande batalha de Wagram. Napoleão tinha grandes defeitos; mas a humilhação do poder não entrava no seu carácter.

Voltando-se ao monopolio, qual foi o resultado? Foi que, dentro dos primeiros quatro annos, logo o rendimento subiu ao dobro quasi do que tinha sido nos quatro annos anteriores. Nos quatro annos primeiros do monopolio entraram nos cofres publicos para as despezas do estado 59.000:000 de francos, sendo o producto dos quatro annos anteriores 58.000:000 de francos, ficando o resto do producto do monopolio em quasi igual quantia capitalisado na propria régie. Em quatro annos, a administração por conta do estado em França pagou todas as despezas do estabelecimento, augmentando o producto liquido.

Nem se diga que a experiencia da liberdade do tabaco em França não prova, porque foi, feita n'uma epocha agitada, n'uma epocha de revolução. É verdade que foi na epocha da revolução franceza, que se estabeleceu o systema da liberdade; mas a agitação revolucionaria tinha cessado ha muito tempo, tinha cessado durante o consulado e durante o imperio; mas a agitação revolucionaria não existia em 1806; mas o governo da França desde 1806 até 1810 não era menos forte e menos energico, nem as condições da França n'esse tempo eram peiores que as de 1814 (apoiados).

Ao contrario, a epocha brilhante da historia de Napoleão é a epocha do consulado; é a primeira epocha do seu governo; a epocha da decadencia é o imperio, e principalmente de 1810 a 1814, essa epocha em que os soldados francezes eram absorvidos no sólo ardente da Peninsula, em que ficavam sepultados nos gelos da Russia, e em que a França pagava a final na invasão os erros da conquista. Eatas eram as circumstancias d'aquelle periodo. Pois apesar de ser desfavoravel, e muito mais desfavoravel que o anterior, porque o anterior tinha sido de muito mais puras glorias e muito menos males para aquelle paiz, apesar d'isto os resultados foram estes. E estes resultados continuaram depois do regimen imperial, continuaram na restauração, continuaram na monarchia de julho, atravessaram a republica de 1848, chegaram ao segundo imperio, e mostraram-se sempre constantes.

Consultemos pois as estatisticas; mas consultemo-las lealmente. E lealmente, quanto á intenção, creio que o fez o sr. ministro; mas consultou-as com demasiada precipitação. Consultemos as estatisticas como devem ser consultadas. Se assim procedermos, não poderemos repetir duas proposições que o sr. ministro apresenta no seu relatorio, e que saíram da sua penna, contrarias á exactidão dos factos.

Estas proposições são as seguintes:

«O rendimento em Inglaterra é superior ao rendimento nas nações, que administram por conta do estado. O rendimento em Inglaterra quadruplicou desde o principio do seculo, e em França não seguiu uma progressão tão rapida.»

Repito que estas duas proposições são inexactas, e que a estatistica diz o contrario. E inexacto o primeiro facto; não é verdade que o rendimento em Inglaterra seja superior ao de todos os paizes, onde existe a administração por conta do estado; e para ver isto basta fazer uma simples observação. O sr. ministro tomou a estatistica de Inglaterra em 1861, e comparou-a com as estatisticas francezas, hespanholas, italianas e austríacas anteriores, que não são do mesmo anno. Esta comparação não se pôde fazer assim. E preciso tomar o mesmo periodo e a mesma epocha; é preciso procurarem-se circumstancias analogas. Se o sr. ministro tomar a estatistica de 1861 para os outros paizes, como a tomou para a Inglaterra, encontra o seguinte:

Em Inglaterra foi o rendimento 5.604:000 libras. E isto é só dos direitos de importação; se calcular as licenças de fabrico e venda, a cifra sobe proximamente a 5.688:000 libras ou 25.600:000$000 réis. Mas em França no mesmo anno de 1861 o rendimento foi de 157.000:000 francos, isto é, 28.298:000$000 réis.

Na Italia no mesmo anno o rendimento foi de 40.000:000 francos. Quanto á Italia e quanto á Hespanha tomo o rendimento bruto do monopolio n'esses paizes, e deduzo as despezas sobre as bases estabelecidas no relatorio do sr. conde d'Avila, o que não pôde ser senão desfavoravel ao meu calculo, um terço approximadamente para as despezas inherentes ao monopolio.

O rendimento em Hespanha foi de 214.000:000 reais, 10.272:000$000 réis.

Por conseguinte a nota que o sr. ministro da fazenda apresenta no seu relatorio é inexacta em relação á França em quasi 4.000:000$000 réis, em relação á Italia em réis 374:000$000, em relação á Hespanha em 3.354:000$000 réis.

Na Austria não encontrei as estatisticas de 1861; não podemos facilmente encontrar os documentos daquelle paiz. Entretanto achei no tratado dos impostos de Parieu, citando a estatistica da Austria, de Scmitt, que em 1858 foi o rendimento do tabaco 27.700:000 florins ou réis 12.474:000$000 da nossa moeda. Já este rendimento do tabaco em 1858 na Austria apresenta sobre aquelle, que o sr. ministro da fazenda nos indica, uma differença para mais de 3.558:000$000 réis.

Precisam pois os factos, indicados pelo sr. ministro na sua nota, graves rectificações de algarismos, porque não são exactos.

Mas tem tambem o inconveniente aquella nota de nada provar nas suas comparações absolutas. Pois que quer dizer, o rendimento do tabaco em Inglaterra é maior que em França, que em Italia e que em Hespanha? Se fosse,