O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1019

1019

Discurso que devia ser transcripto a pag. 859, col. 2.ª, lin. 86.* do Diario de Lisboa, na sessão de 19 de março

O sr. Casal Ribeiro: — Na ultima sessão tinha eu tratado de compendiar, em uma fórmula laconica, e facilmente comprehensivel, aquillo que se me afigura ser o resultado inevitavel do projecto que discutimos. Género mais caro, fiscalisação, mais frouxa; consequencias — maior adulteração e maior contrabando.

Parece-me que ficou completamente demonstrado, pelo menos para isso fiz exforços, que no systema proposto pelo governo e pela commissão de fazenda, a tendencia para a sophisticação do fabrico é muito maior. Parece-me que ficou tambem claramente demonstrado que, affrouxando a acção fiscal, tinhamos a receiar grande diminuição de receita e grande contrabando.

O sr. ministro da fazenda toca, como não podia deixar de tocar, no seu relatorio, este ponto grave. Entretanto não se mostrou possuido das mesmas apprehensões.

O sr. ministro diz-nos o seguinte:

«Pelo que respeita ao receio da diminuição da renda por effeito do contrabando, não parece ao governo que elle seja fundado, porque continua a mesma fiscalisação que hoje existe, e o incitamento para o commercio illicito será menor, visto que os tabacos se podem vender por preços mais baixos, adoptado o systema que o governo propõe.»

Duas proposições estabelece aqui o sr. ministro. Continua a mesma fiscalisação, e os preços diminuem.

Continua a mesma fiscalisação í I Continua para o orçamento, mas não continua para o serviço. A mesma fiscalisação continua, porém não com a mesma força, porque o systema varia completamente, e porque as disposições deste projecto tolhem em grande parte a acção fiscal.

A fiscalisação actual, como já hontem disse, não pára no fabrico, estende-se á venda e vae até ao consumo. A fiscalisação do projecto é menor para o fabrico, rigorosissima só para a cultura, nulla sobre a venda e completamente nenhuma sobre o consumo.

Não se pôde ao mesmo tempo sustentar o projecto com dois principios de ordem opposta.

Os defensores do projecto dizem que uma das principaes bellezas que elle tem é diminuir, extinguir quasi, os vexames do monopolio.

Não façamos confusão de palavras. Vexame é synonymo de fiscalisação. Os vexames são a fiscalisação; toda a fiscalisação importa vexames.

E vexatoria a fiscalisação? E, e não podia deixar de o ser em impostos d'esta ordem.

Se os vexames diminuem, diminuem na mesma proporção em que diminue a fiscalisação (apoiados). Se diminuem, diminue com elles a acção fiscal.

A fiscalisação continua sim, porque o estado toma a si os empregados do contrato; continua para lhes pagar, mas não continua para se servir d'elles, ou pelo menos para se servir d'elles com a mesma efficacia com que se servia o contrato do tabaco.

Portanto a proposição não é exacta. Eu não quero exagerar cousa alguma, não duvido reconhecer que embora se conservem alguns vexames, e vexames que são odiosíssimos, como os das visitas domiciliarias que necessariamente hão de existir por causa da prohibição da cultura, entretanto elles diminuem em certo ponto; mas diminue tambem com elles a acção fiscal.

São estes os verdadeiros termos da questão.

Por outro lado será verdade que os preços diminuem, e consideravelmente?

Se a acção repressiva da lei diminue, é preciso, para de algum modo compensar essa falta de acção, que por outro lado o interesse do contrabandista não augmente. É necessario então dar aos principios economicos toda a sua extensão; é necessario diminuir os direitos para tirar o incentivo ao contrabando.

Mas para isto não basta qualquer diminuição de direitos. Nós estamos tratando de um direito que se eleva a 400 por cento e a mais sobre o valor do genero. A margem para o contrabando fica sendo grandissima (apoiados), e ainda ficava sendo grande quando o direito se reduzisse a metade, ou ainda a menos de metade.

Para tirar o incentivo ao contrabandista pela diminuição do direito, é preciso reduzi-lo a uma percentagem modica, mas eleva-lo a 400 por cento, a 200 ou ainda a 100, é promover o incentivo para o contrabando.

Ha ainda outra singularidade notavel. O sr. ministro, para nos provar que não ha justificados motivos de que augmente o contrabando, occupa-se da questão dos preços. Mas como trata elle a questão dos preços? Confronta o preço por que actualmente (note a camara) o genero é vendido pelo contrato do tabaco, com o preço por que é vendido pela administração franceza e pela administração hespanhola.

E mesmo debaixo d'este ponto de vista, ainda que podessemos tomar por base de comparação os preços porque o genero é vendido em França, que, de todos os paizes onde o monopolio existe administrado por conta do estado, é aquelle onde os preços são mais caros, ainda assim esses preços são inferiores aquelles por que actualmente se vende o tabaco em Portugal. E são inferiores ainda depois do augmento que tiveram em 1860, porque desde 1816 até 1860 os preços da régie franceza, como se sabe, não augmentaram, deixando por consequencia de ser exacto o que, de certo involuntariamente, disse o illustre relator da commissão, quando indicou como um dos inconvenientes da régie franceza a instabilidade dos preços. Os factos protestam contra essa instabilidade, porque no largo periodo que decorre desde 1816 até 1860, os preços foram sempre os mesmos. E tambem não é exacto que em 1860 se alterassem arbitrariamente, porque o augmento foi feito dentro dos limites marcados pela lei de 1816, que não fixava preços definitivos, mas só o maximo.

Dizia eu, que os preços da administração de França são inferiores aos nossos, e effectivamente assim é.

O preço do tabaco ordinario de fumo, isto é, do tabaco picado para fumar, é de 10 francos por kilogramma, ou 1$800 réis; e o preço de 1$800 réis por kilogramma é alguma cousa inferior ao de 1$917 réis por kilogramma, que, segundo os proprios calculos do sr. ministro da fazenda, é o preço por que se vende igual genero em Portugal.

Os charutos mais ordinarios que vende a administração em França, são os charutos que custam 5 centesimos, que correspondem a 9 réis. Não são de certo superfinos; mas em comparação com os nossos charutos de 10 réis são muito superiores. Um charuto, que corresponde ao nosso de 20 réis, custa em França 10 centesimos ou 18 réis.

Portanto, em geral pôde se dizer, que os preços são inferiores aos nossos actualmente.

Mas esta comparação que eu ia seguindo, é uma curiosidade, simples e pura curiosidade, em relação ao objecto que nos occupa, que é averiguar até que ponto pôde ter logar o contrabando.

Pois alguem pôde suppor que o contrabandista tenha a ingenuidade de ir a França comprar genero para o vir vender a Portugal? E ha de ir compra-lo a França para o trazer por mar ou por terra? Por mar? Mas Gibraltar está a menos distancia que Bordeos ou Bayona. Por terra? Mas teria de atravessar a Hespanha toda, e fugir á fiscalisação do seu monopolio. Quasi que me envergonho de ter seguido o sr. ministro n'esta comparação. O contrabandista que tem em Gibraltar porto franco, onde os depositos são immensos, que tem depositos em Cadiz, que pôde lá ir buscar o genero sem pagar direitos, ha de ir prover-se a França, ha de ir comprar á administração franceza para vender em Portugal? Esta simplicidade, esta ingenuidade não se pôde acreditar.

A verdadeira comparação dos preços é com os preços do genero onde não paga direitos. Nos depositos de Gibraltar é que se deve fazer essa comparação, e se se comparar com esses preços, veremos que este projecto deixa para o contrabando margem de 400 por cento. -

A comparação, que faz o sr. ministro com o preço do tabaco de Hespanha, não é inteiramente procedente no meu modo de ver; mas já o é um pouco mais de que aquella que faz com relação á França.

A differença entre o nosso preço e o da administração hespanhola é grande; e por outro lado, a facilidade do contrabando por terra, pôde ser incentivo para dar logar a um grande commercio illicito.

A comparação n'esta parte póde-se fazer; mas prova contra o projecto, porque a verdade é que os nossos preços são muito inferiores aos de Hespanha. Na folha picada o sr. ministro é o proprio que está dizendo que o preço actual, por que se vende aqui é de 200 réis mais pôr kilogramma do que o preço da administração hespanhola.

Depois d'isto não me parece que se possa muito logicamente asseverar, como o fez o sr. ministro, que não ha a receiar que o contrabando se introduza de Hespanha.

Pois sr. presidente, eu cito auctoridade contra auctoridade; contra a auctoridade do sr. ministro da fazenda de Portugal, cito a auctoridade do sr. ministro da fazenda de Hespanha, do ministro da fazenda de Hespanha, que o nobre ministro veiu buscar por seu auxiliar n'esta questão, mas que eu devo suppor n'este ponto mais bem informado.

Quer a camara saber o que dizia o sr. Bruill sobre o contrabando do tabaco para Portugal? Dizia elle, referindo se a um projecto que tinha sido apresentado em Portugal para a liberdade do tabaco: «Isto seria inteiramente contrario ao que se passa hoje, e a prova é que os portuguezes recorrem aos nossos estancos sempre que podem; porque ali sem duvida não reune o genero as boas condições do de Hespanha, e o contrabando passivo, se merece este nome, que faz a administração, converter-se-ia em activo contra o paiz por aquella parte do território».

E o ministro da fazenda de Hespanha dizendo, que a administração hespanhola faz contrabando para Portugal.

Alem da auctoridade do ministro da fazenda de Hespanha n'aquella epocha, temos a auctoridade de um cavalheiro cuja competencia ninguem recusa, o sr. conde d'Avila, o qual disse no seu relatorio o seguinte: «Pondo mesmo de parte a grande differença, que ha para mais entre os preços do tabaco no nosso paiz e dos que tem na França, na Hespanha e na Sardenha, etc».

Está reconhecido tambem pelo sr. conde d'Avila, que os preços são maiores em Portugal que na França, na Hespanha e na Sardenha.

Ministro da fazenda contra ministro da fazenda; nome contra nome. O sr. conde d'Avila contra o sr. Lobo d'Avila; ministro da fazenda de Hespanha contra ministro da fazenda de Portugal.

E mesmo sem recorrer a nomes e a auctoridades, não se sabe se haverá contrabando de tabaco de Hespanha para Portugal? É este um dos pontos em que se pôde allegar a verdade sabida (apoiados).

Mas estas comparações são ainda incompletas; não provam bastante, porque não é com o preço actual que devemos comparar, mas com o preço porque o genero ha de ficar depois de votado o projecto.

Vamos a este ponto que é importante, porque a tendencia do projecto não é para diminuir o preço, mas antes para o aggravar; e a consequencia é necessariamente que o consumidor é prejudicado. Se se provar que o consumo de genero que tenha pago os direitos, não fica aliviado no preço, antes ao contrario, é facil de crer que o consumidor se ha de prover de genero de contrabando, e que a fazenda será defraudada em largas sommas.

Devemos pois ver se a tendencia do projecto é para diminuir os preços, porque se elle conservasse os preços, ainda assim o contrabando havia de ser maior. Bastava para isso a outra rasão que diminue a acção fiscal.

Era preciso que houvesse diminuição, e grande. Mas se em logar de diminuição houver augmento, qual será a consequencia das causas, que convergem todas para o mesmo resultado?

Vamos á questão dos preços.

N'esta parte o sr. ministro da fazenda apresenta um calculo sobre diversas bases, do qual conclue que, passando o seu projecto, depois de pago o custo da materia prima, as despezas do fabrico e o imposto, ficará ao productor, que vender pelo preço actual, uma margem de 21 porcento, correspondendo estes 21 por cento ás despezas de administração, ás da venda, ao juro do capital empregado e ao lucro.

Se assim fosse, poucas esperanças se poderiam ter de que o preço diminua. 21 por cento para despezas de administração, para despezas de venda e para juros e lucros de uma empreza, que tem a lutar com grandes probabilidades de contrabando, e na qual por consequencia ninguem embarca o seu capital ao juro ordinario, não deixavam grande margem á concorrencia para fazer baixar os preços.

Mas ao que será a concorrencia, e principalmente ao que ha de ser nos primeiros tempos depois da abolição do monopolio, já eu alludi.

Ha mais alguma cousa. No calculo do sr. ministro falta uma base essencial, uma base que o altera e transforma completamente, e que mostra a inanidade d'elle: o sr. ministro esqueceu-se, como notou o meu illustre amigo, o sr. Gomes, de calcular aqui as quebras do tabaco, que lhe tinham servido para calcular os direitos, quando tratava da importação.

Página 1020

1020

Parecendo pelas respostas, que se lhe deram, que o meu illustrado amigo, apesar da clareza e da lucidez com que se expressou a este respeito, não foi comprehendido, tentarei eu, posto que com muito menos recursos, fazer-me comprehender.

O sr. ministro diz, que no tabaco importado por fabricar ha uma quebra media de 9 por cento, quando se transforma em tabaco fabricado. Esta quebra media de 9 por cento é o resultado da diminuição, que soffre o tabaco convertido nas diversas especies de fumo, correspondente a 13 por cento, e do augmento que tem na fabricação do rapé, correspondente a 20 por cento, resultado que se obtém tomando na proporção do consumo d'estas diversas especies a media da quebra e do augmento. São as bases que o sr. ministro toma, quando trata a questão do rendimento.

E creio que o sr. ministro partiu da hypothese de uma fabricação regular e ordinaria. Se assim não é, cáe por terra todo o seu calculo do rendimento, o cáe por terra com elle o seu projecto. Se nos negam aqui as quebras com que contaram em outra parte, só temos a repetir com o poeta inglez:

All what we know is nothing can be known

Se a adulteração continuar, e se aggravar, e eu já mostrei os receios que tenho de que não só continue mas se aggrave, e se a quebra effectiva se não der, se se não sentir, como se deve sentir em uma fabricação regular, quaes serão os resultados? O estado, em vez de cobrar o imposto de 400 por cento sobre o tabaco, ha de cobrar os insignificantes direitos do melaço, ou perder o equivalente dos do tabaco, que lá vae supprido pela folhada nogueira, ou outras similhantes; e o consumidor em vez de lisonjear o paladar ou o cheiro com o saboroso perfume da nicociana, ha de ficar adstricto a segredos de fabricação, talvez peiores que esses a que chamam por ahi os segredos do sr. Joannes.

Eu calculo pois na hypothese de uma fabricação regular; nem posso calcular em outra hypothese, porque adopto a que o sr. ministro perfilhou para o calculo dos direitos.

N'esta hypothese, repito a proposição que hontem apresentei; e vou demonstra-la. Os generos de maior consumo, os generos que são destinados ás classes menos abastadas, aquellas, que podem pagar menos, são os que ficam mais caros. E este o caracter democratico do projecto.

N'esta parte é preciso exemplificar.

O illustre deputado e meu amigo, o sr. Gomes, seguindo aqui inteiramente o sr. ministro da fazenda, fez o seu calculo pelo termo medio. Talvez por este motivo não fosse comprehendido, e as suas rasões não produziram o convencimento, que deviam produzir. Eu ponho de parte o calculo pelo termo medio; vou apresenta-lo por especies.

Tomo, por exemplo, os charutos de 10 réis que representam actualmente um consumo de 280:000 kilogrammas, um quinto do consumo total. Supponhamos a importação de 100 kilogrammas de tabaco em bruto para fabricar estes charutos, a 297 réis por kilogramma, que é o preço medio declarado no relatorio, custariam 29$700 réis. Os direitos de importação com os 3 por cento de emolumentos sobem a 123$600 réis, e o imposto de fabrico a 10$000 réis. Calculo a mão de obra a 100 réis por kilogramma, preço muito pouco superior ao termo medio do relatorio que é de 96 1/3 réis; importa a despeza de fabricação em 10$000 réis. Sommam estas verbas 173$300 réis, e temos a dividir esta somma não por 100 kilogrammas de charutos, mas por 87 kilogrammas, attendendo á quebra de 13 por cento. Entrando em 1 kilogramma 187 d'estes charutos, como verifiquei em diversas experiencias, correspondem os 87 kilogrammas a 16:269 charutos. Dividindo por 16:269 os 173$300 réis, temos já um custo de producção superior ao preço actual de 10 réis por charuto, e falta ainda computar aqui as despezas de administração, juro do capital movel e fixo, lucro do fabricante, lucro do vendedor e licenças de venda. Se para tudo isto dermos, não já 21, mas 15 por cento, sendo 9 por cento como o sr. ministro calcula para despezas de administração e venda, e 6 por cento apenas para juro e lucro do fabricante, o que é muito pouco, o preço de cada charuto subirá a 12 1/3 réis, isto é, mais 23 por cento sobre o preço actual.

Outro exemplo — a folha picada, cujo consumo de 381:000 kilogrammas representa 28 por cento do consumo total. Supponhamos do mesmo modo a importação de 100 kilogrammas de tabaco em bruto, custando 29$700 réis, e pagando de direitos de importação e fabrico 133$600 réis. Calculo aqui a despeza de fabricação em 8$000 réis, a rasão de 80 réis por kilogramma, muito abaixo do termo medio do relatorio. Temos já o custo de producção elevado a 171$300 réis a dividir, attendendo as quebras, por 87 kilogrammas de folha picada, dando para cada kilogramma o custo de 1$968 réis, superior ao preço actual que é de 1$917 réis. Juntando do mesmo modo ao custo de producção 9 por cento para despezas de administração e venda, e 6 por cento para juro e lucro do fabricante, teremos o preço de cada kilogramma a meia libra proximamente, ou 2$250 réis, isto é, 12 por cento a mais sobre o preço actual.

Estas duas especies, em que o preço é consideravelmente augmentado, representam metade do consumo actual. O rolo ficará custando tanto, como actualmente ou pouco menos, e isto em consequencia da reducção proposta pela commissão, a qual eu louvo, porque se fosse approvado o direito indicado na proposta inicial do governo, tambem este genero subiria muito de preço.

Ora ao passo que o preço da folha picada e dos charutos de 10 réis, consumidos pelas classes populares, vae subir consideravelmente por este projecto, vejamos o que acontece com os charutos superiores, mesmo quando se importem já fabricados.

Charutos, por exemplo, dos quaes entram 237 em kilogramma, e custam nos depositos de 25 a 27 réis, pagam hoje 20 réis cada um para o contrato, e mais 412 réis por kilogramma para a fazenda, total 21 3/4 réis por cada charuto. Estes charutos ficam pagando 2$874 réis por kilogramma ou 12 réis por charuto. A reducção é de 80 a 44 por cento.

Charutos regalia superiores que custam nos depositos a 60 réis, pagavam para o contrato 40 réis por cada um e para a fazenda 412 réis por kilogramma, total 45 réis por charuto. Ficam pagando 20874 réis por kilogramma ou 24 réis por charuto. A reducção é de 75 a 40 por cento.

Temos pois, que n'estas especies de luxo, que só podem destinar-se ao consumo dos abastados, o imposto é reduzido a cerca de ametade, ao passo que se aggrava o imposto pago pelo desfavorecido da fortuna (apoiados).

Agradeço á camara a attenção que tem prestado a esta fastidiosissima explicação, mas era impossivel faze-la sem entrar n'estas minuciosidades (apoiados).

Ainda apesar d'isto, os direitos que o sr. ministro propõe para os charutos fabricados em geral, são superiores aos que estão estabelecidos na Inglaterra, depois da reforma de mr. Gladstone. Esses direitos são hoje em Inglaterra de 5 schellings por libra ingleza, ou 454 réis menos do que entre nós.

Mas não dêem importancia a este ponto; não se nos diga que se foi buscar por typo a reforma de mr. Gladstone. Este financeiro inglez tem muitos actos, que o illustram muito mais do que esta reforma. Não vão buscar a reforma do tabaco, na qual elle ficou muito áquem do que os seus precedentes auctorisavam a esperar (apoiados).

A reforma de mr. Gladstone foi tímida. E porque? Porque receou diante do rendimento (apoiados). N'aquella reforma não houve reducção alguma na materia prima, no tabaco por manufacturar, houve-a apenas no tabaco manufacturado; e para que? Para que a concorrencia se fizesse mais ampla, para que o genero estrangeiro podesse vir concorrer com o genero nacional mais facilmente, para que a legislação tivesse um caracter menos proteccionista.

Mas o preço do tabaco ordinario, esse não soffreu reducção, ficou como estava, e continuou a ser em Inglaterra de 2$250 a 2$700 réis, preço que convida ao contrabando, que o estimula, que o excita; e o contrabando não deixa de corresponder a esse grande appello.

Foi este o systema que se adoptou para entre nós ser até certo ponto imitado. Mas imitado como? Em relação aos principios economicos, o nosso projecto é mais protector que a legislação ingleza. Em relação á justiça e equidade o imposto diminue aqui para o rico, e augmenta para o pobre.

Foi esta a legislação que se tomou por typo, invocando-se o grande principio da liberdade, mas invocam esse principio prohibindo a cultura, e restringindo a fabricação a duas cidades! Invocam a liberdade do commercio do tabaco, e fazem depender a venda d'esse genero de licenças por um subido preço!

Reduz-se pois o systema do projecto a carestia extraordinaria e frouxidão na fiscalisação — consequencia inevitavel, grande adulteração e enorme contrabando — consequencia d'estas consequencias, grave prejuizo para o estado (apoiados).

Preciso agora ainda, em rapida resenha, provar com as estatisticas, que são estas as consequencias a prever do projecto em discussão.

E preciso que consultemos as estatisticas, mas que as consultemos despreoccupados, e sem vontade antecipada de as fazer fallar em certo sentido.

Não quero recorrer a tempos remotos, que tem pouca analogia na organisação financeira e nas circumstancias economicas com a epocha actual. Uma boa parte do relatorio do sr. ministro da fazenda occupa-se d'este objecto, que é agradavel á leitura; mas pouco illustrativo, e pertence mais á erudição historica.

Deixemos pois os Filippes; o cardeal de Richelieu, e Luiz XIV; Carlos I de Inglaterra; e Croinmwel. Deixemos em paz as cinzas de Belchior Rebello, o sagaz contador da fazenda, cuja biographia mostra que a linhagem dos financeiros é já velha em Portugal. Deixemos tudo isto, e venhamos a tempos mais proximos.

Façamos apenas uma observação geral — é que tanto em Portugal, como em Hespanha, como em França, o systema que o sr. ministro agora propõe, ou alguma cousa de analogo com elle, com mais ou menos modificações, tem já sido ensaiado e sempre com mau resultado.

Em Portugal houve um ensaio em 1699, e deu logo em resultado, que o producto dos impostos, que se estabeleceram foi a decima parte d'aquillo em que se calculou.

Da Hespanha conta o sr. Bruil, que se ensaiou este systema, ou alguma cousa de analogo com elle, em 1821 e 1822, e foi tal o resultado, que se voltou ao systema antigo.

Em França ensaiou-se este systema por duas vezes. Pela primeira vez em 1719 a 1721 e com a prohibição da cultura, adminiculo que o sr. ministro julgou indispensavel e essencial correctivo do seu systema. Pois apesar d'isso o resultado foi tal, que não logrou existir mais de dois annos.

O segundo ensaio em França foi no tempo da revolução franceza. Em 1791 adoptou-se o systema da liberdade. Este systema durou dezenove annos até 1811. Mas quer v. ex.ª saber quantas alterações elle soffreu n'aquelles dezenove annos? Dez alterações importantes. Dez decretos vieram alterar o systema estabelecido, uns augmentando os direitos, outros diminuindo-os; uns augmentando o rigor fiscal, outros estabelecendo medidas de diversas especies. E todas estas emendas provam, que foi achado defeituoso, e que era preciso todos os dias altera-lo.

Que aconteceu em 1811? Napoleão restabeleceu o monopolio. E a este proposito recordo-me de um argumento do illustre relator da commissão, ou do illustre deputado que primeiramente tomou parte n'este debate, e que julgou haver alguma cousa de desairoso para os poderes publicos em entrarem n'estas operações de estanco. Parece-me que nós podemos bem passar pela humilhação por onde passou Napoleão; e Napoleão fez-se estanqueiro, voltando da grande batalha de Wagram. Napoleão tinha grandes defeitos; mas a humilhação do poder não entrava no seu carácter.

Voltando-se ao monopolio, qual foi o resultado? Foi que, dentro dos primeiros quatro annos, logo o rendimento subiu ao dobro quasi do que tinha sido nos quatro annos anteriores. Nos quatro annos primeiros do monopolio entraram nos cofres publicos para as despezas do estado 59.000:000 de francos, sendo o producto dos quatro annos anteriores 58.000:000 de francos, ficando o resto do producto do monopolio em quasi igual quantia capitalisado na propria régie. Em quatro annos, a administração por conta do estado em França pagou todas as despezas do estabelecimento, augmentando o producto liquido.

Nem se diga que a experiencia da liberdade do tabaco em França não prova, porque foi, feita n'uma epocha agitada, n'uma epocha de revolução. É verdade que foi na epocha da revolução franceza, que se estabeleceu o systema da liberdade; mas a agitação revolucionaria tinha cessado ha muito tempo, tinha cessado durante o consulado e durante o imperio; mas a agitação revolucionaria não existia em 1806; mas o governo da França desde 1806 até 1810 não era menos forte e menos energico, nem as condições da França n'esse tempo eram peiores que as de 1814 (apoiados).

Ao contrario, a epocha brilhante da historia de Napoleão é a epocha do consulado; é a primeira epocha do seu governo; a epocha da decadencia é o imperio, e principalmente de 1810 a 1814, essa epocha em que os soldados francezes eram absorvidos no sólo ardente da Peninsula, em que ficavam sepultados nos gelos da Russia, e em que a França pagava a final na invasão os erros da conquista. Eatas eram as circumstancias d'aquelle periodo. Pois apesar de ser desfavoravel, e muito mais desfavoravel que o anterior, porque o anterior tinha sido de muito mais puras glorias e muito menos males para aquelle paiz, apesar d'isto os resultados foram estes. E estes resultados continuaram depois do regimen imperial, continuaram na restauração, continuaram na monarchia de julho, atravessaram a republica de 1848, chegaram ao segundo imperio, e mostraram-se sempre constantes.

Consultemos pois as estatisticas; mas consultemo-las lealmente. E lealmente, quanto á intenção, creio que o fez o sr. ministro; mas consultou-as com demasiada precipitação. Consultemos as estatisticas como devem ser consultadas. Se assim procedermos, não poderemos repetir duas proposições que o sr. ministro apresenta no seu relatorio, e que saíram da sua penna, contrarias á exactidão dos factos.

Estas proposições são as seguintes:

«O rendimento em Inglaterra é superior ao rendimento nas nações, que administram por conta do estado. O rendimento em Inglaterra quadruplicou desde o principio do seculo, e em França não seguiu uma progressão tão rapida.»

Repito que estas duas proposições são inexactas, e que a estatistica diz o contrario. E inexacto o primeiro facto; não é verdade que o rendimento em Inglaterra seja superior ao de todos os paizes, onde existe a administração por conta do estado; e para ver isto basta fazer uma simples observação. O sr. ministro tomou a estatistica de Inglaterra em 1861, e comparou-a com as estatisticas francezas, hespanholas, italianas e austríacas anteriores, que não são do mesmo anno. Esta comparação não se pôde fazer assim. E preciso tomar o mesmo periodo e a mesma epocha; é preciso procurarem-se circumstancias analogas. Se o sr. ministro tomar a estatistica de 1861 para os outros paizes, como a tomou para a Inglaterra, encontra o seguinte:

Em Inglaterra foi o rendimento 5.604:000 libras. E isto é só dos direitos de importação; se calcular as licenças de fabrico e venda, a cifra sobe proximamente a 5.688:000 libras ou 25.600:000$000 réis. Mas em França no mesmo anno de 1861 o rendimento foi de 157.000:000 francos, isto é, 28.298:000$000 réis.

Na Italia no mesmo anno o rendimento foi de 40.000:000 francos. Quanto á Italia e quanto á Hespanha tomo o rendimento bruto do monopolio n'esses paizes, e deduzo as despezas sobre as bases estabelecidas no relatorio do sr. conde d'Avila, o que não pôde ser senão desfavoravel ao meu calculo, um terço approximadamente para as despezas inherentes ao monopolio.

O rendimento em Hespanha foi de 214.000:000 reais, 10.272:000$000 réis.

Por conseguinte a nota que o sr. ministro da fazenda apresenta no seu relatorio é inexacta em relação á França em quasi 4.000:000$000 réis, em relação á Italia em réis 374:000$000, em relação á Hespanha em 3.354:000$000 réis.

Na Austria não encontrei as estatisticas de 1861; não podemos facilmente encontrar os documentos daquelle paiz. Entretanto achei no tratado dos impostos de Parieu, citando a estatistica da Austria, de Scmitt, que em 1858 foi o rendimento do tabaco 27.700:000 florins ou réis 12.474:000$000 da nossa moeda. Já este rendimento do tabaco em 1858 na Austria apresenta sobre aquelle, que o sr. ministro da fazenda nos indica, uma differença para mais de 3.558:000$000 réis.

Precisam pois os factos, indicados pelo sr. ministro na sua nota, graves rectificações de algarismos, porque não são exactos.

Mas tem tambem o inconveniente aquella nota de nada provar nas suas comparações absolutas. Pois que quer dizer, o rendimento do tabaco em Inglaterra é maior que em França, que em Italia e que em Hespanha? Se fosse,

Página 1021

1021

que não é (em França não o é), se fosse, que grovava isto? Era preciso entrar em calculo com outros elementos essenciaes (apoiados). Estes elementos são dois — quantidade de população e quantidade de imposto. Ora, se o sr. ministro quizer fazer o calculo, entrando com estes dois elementos indispensaveis e comparando a França á Inglaterra, encontra o seguinte:

Em 1861 o consumo do tabaco em França foi de kilogrammas 27.692:500, que se devidem do seguinte modo:

kilogrammas

Tabacos ordinarios.............. 16.490:000

Charutos...................... 3.025:000

Tabacos por preços reduzidos..... 8.024:000

Tabacos superiores.............. 153:500

Estes 27:692:500 kilogrammas produziram de beneficio para o estado o seguinte:

francos

1. ª classe..................... 122.053:000

2. ª »..................... 20.396:700

3. ª »..................... 13.709:300

4. ª »..................... 1.055:850

Total..... 157.214:850

Em réis 28.298:000$000. N'estes 27.692:500 kilogrammas o rapé {tabaco qm pó) entra na quantidade de kilogrammas 7.215:500.

Vamos ver qual era, segundo as bases estabelecidas pelo sr. ministro da fazenda para as quebras, a quantidade de materia prima necessaria para produzir a quantidade total de tabaco. A quantidade de materia prima seria de kilogrammas 28.911:410..Sendo o producto para o estado réis 28.298:000$000, segue-se que o imposto (ou se quizermos 0\ beneficio liquido, porque no systema francez beneficio liquido e imposto confundem se; são uma e a mesma cousa; o imposto corresponde ao beneficio liquido e este ao imposto) corresponde a 980 réis proximamente por cada kilogramma de materia prima, menos de 1$000 réis por kilogramma.

Mas em Inglaterra, a quanto corresponde o imposto do tabaco? Quasi ao dobro n'esta quantia. Em Inglaterra os direitos de importação, com as licenças de fabrico e as de venda, vão a muito perto de 1$700 réis por cada kilogramma.

Por outro lado a população da França é superior á população da Inglaterra. É preciso entrar tambem com o elemento da população em linha de conta. A população de França é de 37.392:225 habitantes. N'esta proporção o consumo do tabaco por individuo em França, fallando do tabaco em materia prima, é de 773 grammas por individuo. A população da Inglaterra é de 29.031:164 habitantes. Supposto um igual consumo de 773 grammas por individuo, o consumo legal de Inglaterra deveria ser de 22.441:090 kilogrammas de tabaco em materia prima. Supponha se que todo este tabaco era importado por manufacturar. Quanto devia produzir, applicando lhe os direitos de importação de 10525 réis? Só por estes direitos de importação, e sem calcular o imposto de fabrico e de venda, o producto devia ser de 34.222:000$000 réis e não de 25.600:000$000 réis. E se calcularmos o que entra manufacturado, e os direitos de fabrico e venda, o rendimento não deveria ser menor de 36.000:000$000 réis. Aqui têem a contraprova do calculo do Parnell, que nos diz que a Inglaterra perde annualmente 2.000:000 libras esterlinas pelo contrabando.

Sei que estas comparações de paiz para paiz são até certo ponto incertas. É-nos licito porém usar d'ellas em resposta ao sr. ministro, que d'ellas usa tambem. Muito bem disse o meu illustre amigo, o sr. Gomes, que as proporções do consumo dos generos Dão são as mesmas em toda a parte; e provou-o com o exemplo do chá. Aqui porém permittir-me ha que lh'o observe — a comparação é procedente. Se as condições climatericas e ethnologicas influem no consumo do tabaco, na Europa ao menos, a tendencia para o consumo é maior nos paizes do norte que nos do meio dia. Dos proprios dados colhidos por Mauricio Block se vê que é grande o consumo na Russia, na Hollanda e na Allemanha do norte. Se na Inglaterra é inferior ao da França o consumo legal, deve isto attribuir-se principalmente á carestia e ao contrabando. é esta a opinião de muita gente illustrada em Inglaterra, e da propria commissão de inquerito que hontem citei.

Vamos agora á segunda proposição do sr. ministro. Vamos ver se a progressão do imposto é maior na Inglaterra, que nos paizes aonde está estabelecido o monopolio por conta do estado. Vamos ver qual é o systema que mais favorece a elasticidade do consumo legal.

Assevera o sr. ministro, que em Inglaterra quadruplicou o rendimento desde o principio do seculo, e que em França não augmentou na mesma proporção. Tomemos o anno de 1801. Nesse anno foi o rendimento em Inglaterra de libras 1.209:000, muito proximamente aquelle que refere o relatorio. Pois n'esse mesmo anno rendia o tabaco em França cerca de 5.000:000 francos, e rendeu em 1861 mais de 150.000:000 francos. Nos sessenta annos quadruplicou em Inglaterra, e foi na França quinze vezes maior.

Tomemos agora o anno de 1811, primeiro da régie franceza. Rendeu em França cerca de 15.000:000 francos. No mesmo anno foi o rendimento em Inglaterra de 2.253:000 libras. Neste periodo de cincoenta annos foi o augmento em Inglaterra de duas vezes e meia, e em França de cinco vezes. A verdade pois é o contrario do que affirma o relatorio.

Não basta porém impugnar a exactidão dos algarismos. Existe na comparação talvez maior defeito. É que os termos são heterogeneos. Que significa comparar o rendimento do tabaco em França e Inglaterra desde o principio do seculo, quando desde essa epocha variou a legislação em um e outro paiz, e seguiu a população progressões diversas?... (Apoiados.)

Em Inglaterra, era o direito de importação no principio do seculo de 1 schelling e 7 pence por libra para o tabaco americano, pagando 4 schellings e 7 pence o das colonias portuguezas e hespanholas, que por esse mesmo facto estava excluido do mercado. Paga hoje o tabaco 3 schellings por libra e mais 5 por cento addicionaes. O imposto é hoje o dobro do que era no principio do seculo (apoiados). Occorreu ainda uma circumstancia importante. No principio do seculo era livre a cultura na Irlanda, e foi prohibida em 1830 por considerações fiscaes (apoiados). A Inglaterra via-se inundada de contrabando, porque o tabaco estrangeiro ia nacionalisar-se na Irlanda. E esta uma das bellezas d'este systema, que se chama de liberdade e conduz inevitavelmente á prohibição da cultura. A prohibição é o ultimo grau da escala economica, mais acima vem o monopolio, e depois a liberdade verdadeira.

Depois destes dois factos, duplicado imposto, e prohibida a cultura na Irlanda, como se pôde comparar o rendimento de 1801 com o de 1861? Mas ha mais ainda. A população em Inglaterra duplicou na primeira metade d'este seculo; e nos primeiros sessenta annos d'elle cresceu em 120 por cento. Já este facto foi apresentado pelo sr. Carlos Bento; e duvidou d'elle o sr. relator da commissão. Não duvide o meu illustre amigo, nem se fie das medias de movimento de população indicadas por alguns auctores, quando tem documentos officiaes contendo factos, e não calculos. Para o convencer tenho aqui presente o curioso resumo estatistico de Mauricio Block, fundado em documentos officiaes. Lê-se n'elle o seguinte: «A Inglaterra acaba de terminar um novo censo, o de 1861, e acha, apesar de uma grande emigração, o algarismo de 20.223:740 habitantes na Inglaterra, propriamente dita, e no principado de Galless. Ha sessenta annos estes paizes contavam 9.156:171 habitantes; a duplicação operou-se em cerca de cincoenta annos. O mesmo censo dá para toda a Gran-Bretanha a população de 29.031:164 habitantes. O augmento é de 120 por cento em sessenta annos. São factos que se não podem contestar.

Mas ponhamos de parte a consideração importante da prohibição da cultura na Irlanda. Tomemos em conta apenas

0 augmento de imposto e o da população, desde o principio do seculo. Duplicado o importo, só por este facto deveria duplicar o producto, attingindo a somma de 2.418:000 libras. Ao augmento de população de 120 por cento deveria corresponder na mesma proporção o augmento do producto na importancia de 2.902:000 libras. Somma total 5.320:000 libras. O producto effectivo é 5.000:000 libras. Fica apenas correspondendo ao desenvolvimento do consumo 280:000 libras. Eis-aqui o verdadeiro resultado das estatisticas. Não é desarrasoado suppor que este pequeno augmento deva attribuir-se á medida fiscal da suppressão da cultura na Irlanda. Pôde dizer-se sem exageração que o rendimento do tabaco na Inglaterra, desde o principio do seculo, não tem augmentado pelo natural desenvolvimento do consumo.

Outra observação ainda cumpre fazer. Em todos os paizes, onde existe o monopolio administrado, exceptuando talvez a Italia, o desenvolvimento da população tem sido inferior ao da Inglaterra. Consta isto tambem do trabalho de Mauricio Block. A progressão media annual do augmento em Inglaterra, nos ultimos quarenta annos, é de 0,97 por cento, na França 0,56 por cento, na Austria 0,41 por cento, na Hespanha 0,93 por cento, maior que na França, porém menor que na Inglaterra. Na Italia parece ter sido de 1 por cento.

Se esta circumstancia fosse tomada em conta nos calculos que vou apresentar, as consequencias seriam ainda mais favoraveis ao systema que defendo.

Pois apesar d'isso, apesar da população em Inglaterra augmentar em progressão mais rapida, a Inglaterra fica inferior a todos os paizes sem excepção, em que o monopolio existe administrado por conta do estado, debaixo do ponto de vista da elasticidade do rendimento.

Tomemos o rendimento de 1835 em França. Em 1835 o rendimento do monopolio liquido para o estado, ou antes o dinheiro entrado no thesouro, proveniente do tabaco, subia a......................... 52.328:000 francos.

Em 1840...................... 62.732:000 »

Em 1845...................... 80.090:000 »

Em 1850...................... 94.995:000 »

Em 1855...................... 99.247:000 »

Em 1860...................... 136.158:000»

Não quero tomar o anno de 1861 para que me não digam que vou buscar um anno posterior aquelle em que os preços foram augmentados em França. O augmento do preço foi estabelecido nos ultimos mezes de 1860, e por isso pouco pôde influir no resultado d'aquelle anno.

Deixando de attender a muitas circumstancias, que podiam ser uteis para o meu calculo, acho que em um quarto de seculo o rendimento da França augmentou na rasão de 160 por cento. E se quizesse tomar por beneficio liquido, não só as sommas entradas no thesouro, mas as que o estado lucrou effectivamente, e que são os resultados que entraram no thesouro, e nos que ficaram capitalisados na propria régie, este beneficio não seria de 160 por cento, mas de 196 por cento em um quarto de seculo.

Em Hespanha o rendimento bruto do monopolio foi:

Em 1840................ 90.000:000 reales.

Em 1845................ 122.000:000 »

Em 1850................ 176.000:000 »

Em 1855................ 207.000:000 »

Em 1860................ 303.000:000 »

Em 1861................ 321.000:000 »

Representa isto em vinte e um annos 260 por cento de augmento. Portanto ha o augmento correspondente a um quarto de seculo na rasão de 328 por cento. E a Hespanha tem o Ebro ao norte e Gibraltar ao sul a contrariar este rendimento.

No Piemonte (fallo do Piemonte e não do novo reino de Italia, onde não seria possivel apreciar os factos e examina-los, sendo de recente data a sua formação) no Piemonte a receita bruta foi:

Em 1830............... 7.480:000 francos.

Em 1835............... 8.621:000 »

Em 1840............... 8.387:000 »

Em 1845............... 9.897:000 »

Em 1850............... 12.098:000 »

Em 1855............... 15.887:000 »

Isto representa o augmento de 112 por cento em um quarto de seculo.

Nota-se que este augmento apparece diminuto em vista da França e da Hespanha, porque nos primeiros annos foi muito lento. A rapidez que depois tomou pôde explicar-se pelos melhoramentos, que foram feitos na administração d'aquelle paiz, e que se devem na maxima parte á iniciativa do grande homem d'estado, o conde de Cavour.

Estes dados estatisticos são authenticos e havidos em documentos que têem caracter official.

Agora, relativamente á Austria, não tenho por authenticos os dados que apresento. Não encontrei uma estatistica desenvolvida por annos, e tive que me soccorrer ao diccionario de Coquelin e ao tratado dos impostos de Parieu. Segundo estes auctores o producto de imposto do tabaco foi em 1849 de 9.185:000 florins, e em 1858 de 27.700:000 florins. Houve pois em dez annos um augmento de 200 por cento, o que corresponderia ao augmento de 500 por cento relativamente a um quarto de seculo. Mas, por isso que similhante augmento é tão extraordinario, supponho que n'aquelle paiz alguma circumstancia excepcional occorreu que o produziu.

Vamos ver o que acontece na Inglaterra, onde a população augmentou em maior escala.

Tomo, para ponto de partida o anno de 1836, em que o direito era ainda menor para alguns tabacos, do que é actualmente.

Em 1836 os direitos de importação em Inglaterra e o rendimento do excise era relação ao tabaco subiram a 3.397:000 libras esterlinas, e hoje dão proximamente 5.600:000 libras esterlinas ou 25.200:000$000 réis, como diz o sr. ministro da fazenda, calculando só os direitos de importação; ou proximamente 25.600:000$000 réis, calculado, alem dos direitos de importação, os de fabrico e de venda.

O augmento de rendimento em Inglaterra nos vinte e cinco annos que decorreram até 1861, em um quarto de seculo, é de 67 por cento; emquanto no Piemonte é de 112 por cento; na França de 160 por cento ou perto de 200, melhor calculado; e na Hespanha de 328 por cento.

Aqui tem a camara qual é a verdadeira progressão do imposto comparado n'estes paizes, desprezando elementos que viriam favorecer o meu calculo.

Vamos agora a Portugal.

Em Portugal a importação do tabaco pelas alfandegas tem hoje um augmento de 54,8 por cento, comparativamente com a que se realisou em 1839, ha vinte e quatro annos, o que dá 57 por cento em um quarto de seculo.

A importação foi: Nos seis annos de 1839 a 1844..5.759:332 kilogrammas.

Nos seis annos de 1845 a 1850..4.755:379 »

Nos seis annos de 1851 a 1856..0.288:588 »

Nos seis annos de 1857 a 1862..7.110:656 »

No segundo periodo houve diminuição; no terceiro e quarto periodos augmento.

Considerada a importação do tabaco, q augmento medio do consumo é, como disse, de 37 por cento em um quarto de seculo, muito menos do que na Inglaterra, e ainda muito menos do que nos paizes, onde o monopolio é administrado por conta do governo.

Se, em vez de tomar o augmento do consumo, tomarmos

o do rendimento teremos o seguinte:

Em 1839 era a receita.;.............. 1.200:000$000

Os encargos de contrato............... 33:000$000

Os direitos de importação.............. 118:000$000

Total... 1.351:000$000

Em 1854, no contrato dos doze annos, era a renda do tabaco, calculando como o

sr. conde d'Avila, para a do sabão réis

120:000$000...................... 1.201:000$000

Encargos do emprestimo dos 4.000:000$000 réis pagos ao banco................. 85:000$000

Direitos de importação................ 171:000$000

Total... 1.457:000$000

Em 1859, primeira arrematação dos actuaes

contratadores, era a renda........... 1.341:000$000

Direitos de importação............... 172:000$000

Total... 1.513:000$000

Em 1862, segunda arrematação dos actuaes

contratadores, era a renda........... 1.521:000$000

Direitos de importação................ 234:000$000

Total... 1.755:000$000

O augmento do rendimento do tabaco n'estes vinte e quatro annos é de 30 por cento. Em um quarto de seculo vem a ser de 31 1/4 por cento.

Este augmento fica muito inferior ao do consumo. E é este um dos graves indicios do defeito d'este systema, que eu não defendo.

Este augmento de 31 1/4 por cento em um quarto de seculo, ou 1 l/1 por cento ao anno, é muito inferior tambem aquelle que se dá em todos os outros paizes.

Página 1022

1022

Ainda uma comparação. Se, em vez de tomarmos os vinte e cinco annos, tomarmos os quatro ultimos annos encontraremos no rendimento do tabaco em Portugal uma progressão maior, porque esta media pequena de 11/l por cento ao anno resulta principalmente do pequeno desenvolvimento d'este rendimento nos annos anteriores.

Se tomarmos as duas ultimas arrematações, encontraremos uma progressão de rendimento, que em vez de ser de 1 1/4 por cento é de 4 por cento. Calculando desde o anno de 1859 até ao anno de 1862, o augmento medio total é de 242:000$000 réis; e dividido por quatro annos, dá o augmento medio annual de 4 por cento.

Se tomarmos em Inglaterra os ultimos tres annos desde 1859 até 1861, temos que em 1859 o tabaco importado orçou por 38.000:000 libras de peso, e em 1861 o consumo foi de 44.000:000 libras; quer isto dizer que o consumo em Inglaterra montou nestes tres annos á media annual de 3,95 por cento de augmento; media um pouco inferior á que se deu em Portugal.

Se para a Inglaterra tomassemos por ponto de partida o anno de 1858, encontraríamos diminuição em logar de augmento, porque a importação para consumo em 1858 foi de 51.000:000 libras, superior á importação de 1861.

D'este conjuncto de factos e apreciações é preciso deduzirmos um resultado geral. O resultado é, que a progressão do consumo legal e a progressão do rendimento do imposto é, em todos os paizes onde existe a administração por conta do estado, superior ao d'aquelles onde existe a arrematação, como em Portugal; e á do paiz onde existe o systema que se nos preconisa. As estatisticas mostram, que mais rasão têem os governos que regem os 111.000:000 habitantes sujeitos á administração por conta do estado, do que as administrações isoladas, que se governára por systemas especiaes (apoiados).

Se as estatisticas não abonam a opinião, aliás conscienciosa do nosso bom amigo, o sr. José de Moraes. Se as estatisticas não favorecem o contrato de tabaco, esse vestuto monumento financeiro, quasi coevo da onzena. Se as estatisticas não aconselham a timidez, que o tem conservado em Portugal; tão pouco nos animam a aceitar as medidas financeiras do sr. ministro da fazenda (apoiados).

O systema da administração por conta do estado soffre triumphantemente a comparação com os seus rivaes (apoiados).

Só cede o passo ao direito commum, diante do rigor dos principios economicos, e do interesse do consumidor. Mas em contraposição o direito commum prova se inferior quanto ao interesse fiscal; e contradiz por isso mesmo a maxima dos economistas que, o tabaco é essencialmente, ou antes excepcionalmente tributavel.

A administração por conta do estado prova bem na França, na Austria, na Italia e Hespanha, paizes de diversa indole, e que se governam por diversos systemas politicos e administrativos (apoiados). Tenho ouvido dizer mil vezes como aphorismo, como axioma, de que não é licito duvidar, que a administração por conta do estado é o peior systema. Espero e peço as provas, os argumentos, e os calculos; nunca mos fornecem.

Porque ha de provar mal esse systema em Portugal? Por que trepida o sr. ministro? Quaes são aquellas peculiares circumstancias do nosso paiz a que se refere no seu relatorio, em vista das quaes o systema que tem provado em toda a parte a sua excellencia, não ha de produzir aqui os mesmos resultados?

Quaes são essas peculiares circumstancias, que intimidam o corajoso ministro? Pois o sr. ministro desconfia de si mesmo? Pois a maioria desconfia d'elle? A maioria que confia tanto, que quando se pede o exame de qualquer acto do sr. ministro (sirva de exemplo o regulamento geral de contabilidade) respeita as suas decisões supremas, e nem ousa sequer examina-las?!... (Apoiados.) Pois a maioria que confia tanto nas explicações promettidas, e vota que está satisfeita com as explicações que não foram dadas (apoiados); a maioria que tão longe leva a confiança e o idealismo ministerial desconfia agora do sr. ministro?!... Pois a maioria que tanto enthusiasmo mostrou pelos emprestimos feitos pelo illustre ministro, achando hora o emprestimo Knowles, optimo o emprestimo Stern, e assombroso o que terá de fazer n'este anno, porque esta progressão na perfeição de emprestimos é innata no sr. ministro, receia de lançar-lhe sobre os hombros robustos este insignificante encargo?

Singular posição esta em que a opposição é mais ministerial que a maioria, e confia mais nor governo do que o governo confia em si!!... (Apoiados.) E que esta questão para nós não é uma questão politica, é questão de convicções economicas (apoiados).

Voto pela administração por conta do estado, estando no governo o actual sr. ministro, como a votaria ao seu antecessor, ao seu successor, a qualquer que estivesse sentado n'aquella cadeira, porque é o systema que mais nos convem. E fallando em systema, entenda-se que não tenho a menor repugnancia na administração provisoria por conta do estado.

Em primeiro logar todas as leis são mais ou menos provisorias; mudam e devem mudar com o estado e recursos da sociedade. Em segundo logar a administração do monopolio por conta do estado, como eu a concebo nos primeiros tempos, teria um caracter essencialmente provisorio.

Este caracter provisorio proviria de ficar a administração do tabaco como está. Eis-aqui como se faz a transição. Chega o ultimo dia de abril e os contratadores são removidos do contrato. O sr. ministro da fazenda entra pela fabrica e passa a ser contratador por nossa conta; nós damos-lhe essa auctorisação. Nenhuma legislação nova, nenhuma alteração, nem nos preços nem nos methodos de fabrico, de administração e venda; nenhuma pressa de reformar, mas muito zêlo em fiscalisar e administrar (apoiados).

E por isso que a administração por conta do estado no principio teria necessariamente caracter provisorio. Não creio que devêssemos ficar sempre n'esse estado. Devemos depois fazer a reforma, mas estejamos antes de reformar convencidos e illustrados.

Não tomemos já uma medida definitiva. Cumpra-se a lei porque a lei existe, mas cumpra-se com a maior somma de garantias. E cumprida ella, abra-se um inquerito para estudar, porque o estudo deve vir antes da resolução.

Não precipitemos. Aceitemos o estado provisorio, e deixemos para depois a resolução definitiva. Estou persuadido de que o estudo ha de provar que a administração por conta do estado é melhor do que se pensava: estou persuadido de que ha de provar melhor depois da questão verdadeiramente estudada e depois da experiencia feita.

Depois d'estas considerações, que resta? Que ordem de argumentos resta contra o alvitre indicado? Aquelles a que eu chamarei pequenas objecções, e ás quaes vou replicar brevemente, menos pelo que ellas valem, do que pela consideração que me merecem as pessoas que as apresentaram.

Vem primeiro a objecção do illustre relator da commissão que —na França a administração por conta do estado, vê se forçada a estabelecer a divisão dos preços do tabaco, e que ali se vende mais barato para soldados e marinhagem, e mais barato tambem era certos departamentos =.

Ora o illustre deputado sabe que esta distincção de preços não é essencial á administração por conta do estado. Isto pôde existir ou deixar de existir. Eu não quero que exista entre nós sem se estudar a questão (apoiados). Peço que o contrato do tabaco morra, mas que o monopolio exista sem transformar o seu modo de ser.

Não quero a distincção de preços. Mas se isto fosse essencial, que não é, será porventura tão reprehensivel como se afigurou ao illustre relator? Pois não ha, por exemplo, nas tarifas dos caminhos de ferro preços inferiores para os soldados? Pois nós não votámos isto sem nos horrorisarmos d'esta desigualdade do imposto, tendente talvez á proporcionalidade do imposto, que é a verdadeira e unica igualdade? Quanto ás circumscripções territoriaes, ignora o meu illustre amigo que o imposto de consumo não é o mesmo em toda a parte? Não sabe que, passando as portas de Alcantara, e entrando no concelho, que elle dignamente representa n'esta casa, está fóra da acção da alfandega municipal, á qual os habitantes da capital pagam perto de 1.000:000$000 réis, dos quaes o estado consome a maior parte? Quereria porventura o illustre relator solicitar para o seu concelho, em nome da igualdade, os impostos de consumo que pagámos era Lisboa? Estou certo que não. O reparo do illustre deputado não é bastante valioso para deixarmos de seguir o caminho que outras nações têem trilhado, e do qual têem tirado excellentes resultados.

A segunda objecção é o augmento de funcionalismo. O argumento é mal trazido. Tambem eu receio do augmento do funccionalismo, e acho que é um grande cancro social, b não só financeiro; é uma doença grave na sociedade, que toda a gente pense que ha de viver de um talher na mesa do orçamento (apoiados), em logar de viver honestamente da sua industria e do seu trabalho (apoiados). E uma cousa deploravel ver tanta gente avida de entrar n'este grande asylo de mendicidade, chamado orçamento (apoiados).

Mas o receio agora é mal trazido. Pois receiâmos o augmento de funccionalismo quando, com maior ou menor rasão, votámos tantos empregos novos? Quando se provou, como ficou demonstrado por occasião do orçamento do anno passado (posso dizer que ficou demonstrado, porque não vi provar o contrario), que o partido historico augmentou só no serviço ordinario mais de 1.300:000$000 réis, sem contar a diminuição nas deducções dos vencimentos dos empregados publicos.

O argumento é ainda muito mais mal trazido agora, na occasião em que vamos herdar o funccionalismo inteiro do contrato do tabaco (apoiados). Pelo projecto recebemos o funccionalismo todo; recebemos os empregados do escriptorio e os empregados da fiscalisação. Os estanqueiros vendem á commissão; e essa ha de have-la sempre para os commerciantes por grosso e miudo, que por força hão de existir em todos os systemas.

Mas diz-se: «E perigoso que fique essa gente debaixo da acção do governo pela demasiada tendencia que ha entre nós para exagerar a centralisação; é perigoso que por meio dos administradores comarcãos e dos estanqueiros augmente nas eleições a influencia do governo e cresçam os abusos eleitoraes».

Este reparo não me parece de grande alcance. Receio muito menos da força que ganha a acção do poder central por ter debaixo das suas ordens, até certo ponto, os individuos empregados n'este ramo, de que receio que se propaguem precedentes fataes, e que podem offender gravemente o systema representativo, como aquelles que se deram por occasião das eleições em Villa Real (apoiados).

Condemnemos sinceramente esses precedentes; condemnemos aquillo que a paixão politica levou a praticar n'aquelle infeliz districto; condemnemos o inaudito procedimento das auctoridades (apoiados), os terriveis exemplos que deixaram, porque com essa condemnação havemos de garantir melhor a verdade do direito eleitoral, do que tremendo agora da influencia dos estanqueiros (apoiados).

Se queremos tomar nas mãos grave e seriamente a questão da centralisação ou descentralisação, não nos prendamos com o receio de que a força do poder central venha a ser fortemente augmentada com os estanqueiros, quando o poder central estende a sua acção até á ultima localidade, por essa entidade até certo ponto absurda, que entre nós existe, chamada administrador de concelho (apoiados), o qual, diga-se a verdade, e isto sem critica a nenhuma situação e a nenhum partido, porque esta organisação tem atravessado muitas situações e muitos partidos, é mais um fabricante de eleições do que um verdadeiro administrador (apoiados).

Receio mais do fabricante de eleições que do fabricante de tabaco (apoiados). Acabem os fabricantes de eleições e deixem o governo fabricar tabaco, que não é com isso que elle ha de ganhar nem perder eleições (apoiados).

Tomemos a questão nas mãos, mas a verdadeira questão da administração.

Reduzamos a centralisação aquillo que for absolutamente preciso. Restituamos ao municipio e á provincia a vida local (apoiados). Façamos uma boa lei de administração publica, que seja completamente o contrario daquelle celebre projecto, que se nos apresentou ha um anno, e que felizmente se sumiu nas gavetas da commissão (apoiados). Façamos uma lei de administração, que diga sim onde aquelle projecto dizia não, e não onde dizia sim (apoiados). Façamos isto e teremos dado um grande passo no progresso do paiz; teremos restituído os seus fóros ao municipio e á provincia; teremos dado um grande passo no sentido liberal, porque onde não ha vida local tambem não havida politica (apoiados).

Quem não ensina os povos a amar a liberdade ao pé da porta, não pôde exigir que elles a amem quando está tão longe representada.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O Orador: — Para essa cruzada acredite o governo que me tem sinceramente disposto, o que divergencias politicas me não hão de afastar d'elle, se tiver a louvavel coragem de entrar n'essa ordem de reformas. Mas para a do tabaco não vou.

Tenho sido longo, diffuso e fastidioso nas rasões que tenho apresentado... (Vozes: — Não, não; ao contrario), mas quando ellas todas não bastassem, não acompanho o governo n'essa cruzada, pela occasião e pelo modo como veiu aqui este projecto (apoiados).

Eu tenho má vontade, antiga má vontade ao contrato do tabaco. Aos contratadores não; nunca me fizeram mal.

Quero matar o contrato; mas o projecto não mata o contrato, mata a renda (apoiados). O contrato fica, a renda acaba (apoiados). O consumidor fica por largo tempo adstricto á gleba do contrato (apoiados).

Não é uma asserção vaga. Tambem não é uma asserção que precise provar-se; é uma asserção que o sr. ministro da fazenda confessa e affirma no seu relatorio. Vozes: — E verdade. /O Orador: — Quando o sr. ministro se occupa de demonstrar, que seria inconveniente adoptar provisoriamente a administração por conta do estado, diz = que aconteceria no fim? Aconteceria que o governo era obrigado a vender em arrematação a fabrica do tabaco, e quem a arrematasse ficaria n'uma posição excepcional relativamente aos outros fabricantes =. Pois eu digo que se o projecto passar, os actuaes contratadores ficára n'uma posição excepcional (apoiados). Mas ha uma differença. Na hypothese que o sr. ministro figura, essa posição excepcional era comprada e o estado recebia o preço (apoiados); na hypothese do projecto essa posição excepcional é generosamente conferida (apoiados).

Os actuaes contratadores têem o tabaco e têem a fabrica; têem o tabaco que compraram, quando ninguem mais podia comprar tabaco, porque não tinham emprego que lhe dar; e têem a fabrica que arrendaram ao estado, quando ninguem mais a podia arrendar, porque não tinham nada que fazer d'ella.

E a respeito da fabrica, pergunto ao sr. ministro —-o arrendamento continua ou cessa? O projecto n essa parte 6 omisso, não nos diz uma só palavra.

A fabrica pertence ao estado, mas está arrendada aos actuaes contratadores. Extincto o monopolio, vende-se a fabrica em praça publica, ou subsiste o arrendamento? Desejo que o sr. ministro me esclareça sobre este ponto. Embora seja um incidente, é um incidente grave (apoiados).

Ainda formulo outras perguntas, a respeito das quaes espero respostas categoricas.

Sabe porventura o governo qual é a existencia do tabaco? Tem o governo meios eficazes para verificar qual elle é? Deu-se porventura um varejo? Foi esse varejo simultaneo á fabrica do tabaco, e a quantos estancos e depositos ha espalhados por todo o paiz? (Apoiados.) E se foi simultaneo, não foi annunciado? Não foi annunciado pela publicação do projecto? Mas não se deu. Ha de dar-se? Não sei. Sei que se o derem agora não prova nada.

Que garantias tem o estado de que se realisará a enorme somma a que podem montar os direitos em relação á existencia actual? Se for igual ao consumo de um anno, como é provavel, orçará por 1.700:000$000 réis.

Que garantias tem o estado de verificar e receber esses direitos? Responde se:

Tambem não quero fazer injuria ao sr. ministro da fazenda nos seus sentimentos de homem de bem (apoiados) e na sua probidade (apoiados), faço justiça completa ás suas intenções; porém as intenções não salvam o estado da lesão enorme que vae soffrer (muitos apoiados).

Para evitar a lesão enorme é preciso que o sr. ministro prescinda do seu projecto (apoiados), que prescinda de um projecto concebido á ultima nora (apoiados), e que tambem á ultima hora se trata de votar (apoiados).

Página 1023

1023

Qualquer que seja a resolução, que nós tomemos agora, é tardia, é peior que a mesma resolução tomada ha um anno (apoiados). É este o mal inevitavel por culpa do sr. ministro (apoiados).

Mas eu não quero fazer questão politica, não peço que se vote censura ao sr. ministro, como elle podia merecer; mas peço em nome do interesse do paiz que se evite o mal que pôde ainda evitar-se (apoiados).

Cumpra-se a lei, tome o governo conta do monopolio com caracter provisorio (apoiados). Não se altere a legislação, não se alterem os preços, não se altere nada. Isto é facil, facilimo, só o não faz quem não quer, todos o sabem fazer (muitos apoiados). Depois estude-se (apoiados), depois inquira-se para se resolver definitivamente (apoiados). Não se resolva antes de estudar e inquerir séria e largamente (apoiados).

Examinemos a questão como cumpre e deve ser examinada, formulemos as nossas opiniões em resultado de estudo e exame cuidadoso, vejamos então o que o interesse publico exige (apoiados). Ponhamos de lado todas as preoccupações partidarias (apoiados), porque não ha aqui lema de bandeira de nenhum partido (apoiados), ha um grande interesse publico a defender e garantir (apoiados).

É isto o que se deve fazer. Se não se fizer, se o projecto for adoptado, cedo virá o dia em que o erro será reconhecido (apoiados), mas difficil e tardio virá o remedio (apoiados).

A lacuna ha de ser grande, enorme nos cofres do thesouro (apoiados); o imposto será chamado a preenche-la (apoiados); virá o imposto sobre o alimento, sobre o vestuario, sobre a habitação (apoiados); virá esse supprir o deficit do imposto do tabaco (apoiados).

Os homens que se sentam d'este lado da camara foram por largo tempo apodados de tributadores. Lançaram nos essa pecha em rosto. Conderanaram-nos ás gemonias da impopularidade... (Vozes: — Muito bem.) por uma phrase nobre e corajosamente escripta pelo meu illustre amigo, o sr. Fontes, em um notavel relatorio publicado em 1852. Dizia elle — o povo pôde e deve pagar mais.

Nem como opposição, nem como governo nos envergonhámos nunca d'esta phrase (apoiados repetidos do lado esquerdo). Nem como opposição, nem como governo a re negámos nunca (muitos apoiados do lado esquerdo).

O partido historico respondia então—o povo não pôde nem deve pagar mais. E preciso fazer economias, aproveitar as receitas sem aggravar o imposto. Era esse o thema do partido historico (Apoiados. — Vozes: — É verdade.)

Vieram ao poder e tributaram sem relatorio (apoiados repetidos). O relatorio estava feito antecipadamente pelo sr. Fontes (apoiados); os projectos fizéramos os nossos successores (apoiados).

Mais tarde fomos nós ao poder, e tributámos tambem. Tinhamos dito na opposição que era preciso tributar, que haviamos de tributar; fomos ao poder; tributámos. Podem as nossas convicções não estar muito longe das da maioria, pelo que respeita a principios politicos; mas é profunda a differença de conducta politica (apoiados).

O paiz pagou mais, e pagando provou que a phrase do relatorio do sr. Fontes era verdadeira (apoiados). O paiz está hoje pagando milhares de contos mais do que pagava em 1852 (apoiados).-

Mas quando nos atacaram pela phrase, quando apontaram para ella, escondiam a segunda parte da proposição.

A phrase tinha complemento; a lealdade pedia que não se escondesse (apoiados).

O sr. Fontes tinha dito: no povo pôde e deve pagar mais para os grandes melhoramentos, que hão de acrescentar o seu bem estar (apoiados). O povo pôde e deve pagar mais como o cultivador paga a semente que lança á terra, e de que ha de tirar larga colheita (apoiados). Tributámos em 1860. As leis tributarias de 1860 tinham tambem um complemento (apoiados). Eram os caminhos de ferro onde corre já a locomotiva (apoiados).

O sr. Fontes disse: «O povo pôde pagar mais». O povo respondeu pagando. Devia pagar e pagou, para o seu engrandecimento, para a sua regeneração economica (apoiados). Não devia, não quer pagar para as tentativas imprudentes do governo e para as condescendencias apaixonadas da maioria (muitos e repetidos apoiados do lado esquerdo).

Não recuámos diante do imposto da civilisação. Recusámos tenazmente o imposto da imprevidencia (apoiados).

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)