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Em continuação dos documentos publicados no Diario de Lisboa n.º 70, pag. 758, publicam-se mais as seguintes consultas

Senhor. — Consultou o conselho de obras publicas em 1 de maio de 1862 ácerca de uma proposta apresentada pelo engenheiro francez P. A. Balestrini em 5 de fevereiro d'aquelle anno, para a concessão de passagem por alguns pontos do territorio portuguez da linha electro-telegraphica projectada pelo dito engenheiro entre os continentes da Europa Africa e America, e outrosim de certas vantagens á empreza que para esse objecto promette organisar.

O ministro plenipotenciario portuguez na côrte de França havia transmittido aquella proposta, e solicitado uma resolução do governo de Portugal, quanto a fazer-se representar no congresso que em París devia discutir e apreciar a empreza em projecto, por parte das nações directamente interessadas, que são Portugal, Hespanha, Marrocos, França Brazil, Hollanda, Inglaterra, Dinamarca, Haiti e Estados Unidos.

Largamente expoz na dita consulta o conselho das obras publicas as suas idéas sobre o assumpto, e propondo a approvação do pensamento fundamental da empreza e a de uma conferencia internacional que o formulasse em termos praticos e convenientes fez, como lhe cumpria, todas as observações que julgou necessarias em relação aos differentes artigos da proposta. Já n'essas observações bem claro ía o intuito de aceitar e auxiliar a empreza, como de alcance e utilidade universal, mas ía tambem expresso o desejo de assim o fazer sem grande sacrificio, nem futuras complicações para o paiz.

Dignou-se Vossa Magestade nomear e dar as devidas instrucções ao diplomata representante do governo portuguez na conferencia internacional de París, onde se discutiu e sobremodo resolveu este negocio.

É grato ao conselho de obras publicas o ver que a sua consulta de 1 de maio do anno passado serviu de base ás referidas instrucções, porque ha n'isso um testemunho de que as idéas consignadas n'aquella consulta mereceram a regia approvação.

Em 30 de abril do corrente anno o ministro dos negocios estrangeiros do imperio francez convidou o representante de Portugal no dito imperio a concorrer á conferencia internacional. Reuniu-se esta effectivamente no dia 4 de maio, sob a presidencia d'aquelle ministro. Todas as referidas nações directamente interessadas no assumpto, menos a Inglaterra, Hollanda, Marrocos e Estados Unidos, se fizeram representar: a Italia concorreu tambem á conferencia.

Em officio de 5 de maio d'este anno, diz o nosso representante em París, que a Inglaterra se absteve da conferencia internacional por não ter ainda renunciado ao projecto de uma outra linha electro-telegraphica submarina entre a Europa e a America do Norte. É possivel; mas ao conselho de obras publicas parece um pouco arriscado o explicar assim a abstenção ingleza n'um negocio d'esta ordem. Talvez no escrupulo com que o governo inglez interveiu em emprezas da indole da do engenheiro Balestrini, e ainda n'outros motivos mais ponderosos, esteja a explicação plausivel do facto.

Seja como for, constituiu-se a conferencia internacional, e incumbiu a uma commissão especial o exame das propostas do engenheiro Balestrini. Esta commissão foi composta de secretarios ou addidos servindo nas embaixadas dos paizes representados na conferencia, de quatro delegados do governo francez, e presidida pelo principe Poniatouski.

Ahi foi discutido este assumpto, e n'esta discussão relevam as observações, feitas pelo delegado do governo portuguez, em cumprimento das suas instrucções. Algumas d'essas observações foram de tal força que tiveram a annuencia dos representantes de outros paizes, e deram logar a modificações importantes no projecto de convenção internacional. Apesar porém de louvaveis esforços, não pôde o delegado portuguez obter todas as alterações que convem e parecem necessarias.

O conselho de obras publicas leu com attenção as actas das sessões da commissão delegataria da conferencia, e a impressão que recebeu n'essa leitura o leva a crer que a commissão não quiz empenhar-se n'uma discussão profunda da materia. Salvou comtudo as apparencias. O sr. Zoepffel, delegado do governo imperial, fez gravissimas objecções á proposta Balestrini. Foram chamados á autoria este engenheiro, e bem assim um artista entendido na especialidade. Tanto estes como o sr. de Vougy, tambem delegado do governo imperial, defenderam como poderam a proposta contra os ataques que lhe foram dirigidos.

Porém conscienciosamente o conselho de obras publicas julga não se haver cabalmente respondido ás observações ponderosas, nem completamente desfeito as duvidas do sr. Zoepffel. Bastava todavia o serem ellas combatidas por um dos delegados francezes para não poderem surtir effeito nem modificação importante na proposta de convenção, porque faltava o accordo entre esses delegados, que só collectivamente representavam o governo imperial, e porque nenhum dos delegados de outros paizes ousou fazer suas as observações do sr. Zoepffel.

Encerrada a discussão dos quinze artigos do projecto de convenção internacional, e approvada a redacção definitiva d'elles na commissão, reuniu-se de novo a conferencia internacional, e no dia 3 de junho proximo preterito approvou o parecer da commissão, isto é, a conferencia internacional approvou ad referendum o compromisso dos governos respectivos, reservando a cada um d'elles o definir dentro do praso de um anno as condições especiaes dos contratos que tem de celebrar com o emprezario Balestrini.

Em 21 de agosto ultimo, o ministro dos negocios estrangeiros do imperio francez insta pela assignatura da convenção internacional, officiando n'este sentido ao ministro plenipotenciario portuguez em París, e noticiando-lhe por essa occasião estar já auctorisado pelo governo de Italia o respectivo ministro em París para subscrever aquella convenção, o que innegavelmente é significativo, e sê-lo-ía muito mais se a nação italiana tivesse algum porto ou possessão no Atlantico.

Já antes d'aquella communicação o ministro de França junto á côrte de Vossa Magestade havia representado a necessidade de uma resposta inteiramente satisfactoria, e de instrucções precisas sobre os pontos que falta regular n'esta pendencia; a saber: subvenção, concorrencia para as sondagens e assentamento dos cabos submarinos no Atlantico, e fixação de maximas tarifas.

Tem portanto esta negociação assumido feições tão diplomaticas, que se toma em extremo difficil distinguir ou separar da empreza industrial do engenheiro Balestrini os gabinetes mais empenhados na realisação d'ella, o que complica para Portugal cada vez mais a negociação. E na verdade, quando alem de muitos outros, ha na historia contemporanea precedentes, qual o de 25 de outubro de 1858, e a negociação aberta tambem por via diplomatica em 19 de maio de 1854, não póde o governo de Vossa Magestade deixar de precaver-se com circumspecção e reserva em negociações d'esta ordem.

Portugal é summamente interessado no objecto em discussão, não só porque Lisboa é o ponto de partida do cabo submarino e talvez a principal estação telegraphica d'esta empreza na Europa, senão porque o serviço electro-telegraphico forçosamente abrangerá mais tarde as vasias possessões da Africa portugueza, sendo de uma d'essa possessões o archipelago de Cabo Verde, que desprende a secção mais extensa, contingente e difficil do cabo submarino.

É patente a todas as vistas a necessidade de regular e definir com clareza os encargos todos que n'esta negociação toma o paiz, tanto no que toca a protecção, garantia e subvenção, como no que respeita a sondagem e assentamento dos cabos no fundo do oceano.

O dinheiro do thesouro francez e o da companhia deverão concorrer n'esta empreza n'uma proporção fixa e determinada no acto da concessão. Assim se exprimiu no centro da commissão da conferencia internacional, em sessão de 27 de maio de 1863, um dos delegados do governo francez. Não póde estranhar-se pois que o conselho de obras publicas tenha adoptado para Portugal esse mesmo principio como fundamento da negociação pendente, e que insista por consequencia nas ponderações da sua consulta de 1 de maio de 1862, na parte em que não foram ainda consideradas nem attendidas.

No officio de 10 de junho d'este anno dá conta o ministro plenipotenciario portuguez junto á côrte imperial de França das concessões que obteve e do modo por que cumpria as instrucções relativas a esta negociação.

1.º Ácerca do itinerario da linha electro-telegraphica obteve que se inserisse no projecto de convenção o seguinte: «salvas as modificações eventuaes que poderão ser convencionadas entre os governos e a companhia concessionaria».

Parece ao conselho de obras publicas que o que se obteve é de insignificante valia.

As modificações eventuaes estavam já evidentemente salvas pela natureza das cousas: tal declaração era pois dispensavel.

Áparte a grande conveniencia de ligar directa e telegraphicamente, como propunha o governo de Vossa Magestade nas instrucções dadas ao seu representante, Mogador e Madeira; áparte tambem a da ligação por aquelle meio e proposta da mesma origem, o archipelago cabo-verdiano com as Guinés ingleza e portugueza, como em virtude da proposta Balestrini se estabelece para a Guiné franceza: seja tudo isso reservado para as modificações eventuaes. O que não póde ficar em duvida, e o de que é impossivel prescindir na convenção internacional, é que o cabo electro-telegraphico toque na ilha de S. Vicente de Cabo Verde, cidade do Mindello, e ali haja estação telegraphica, por ser o Mindello um dos melhores portos do mundo, deposito de carvão para todos os vapores que navegam nos mares de Cabo Verde, e ponto em que tocam quasi todos os navios que fazem derrota pelo Cabo da Boa Esperança, e entre a Europa e a America.

Se pois na convenção internacional ficar definido desde logo este ponto de linha electro-telegraphica, como estão os mais e alguns de muito menos importancia naval e mercantil, o que fazer, se depois o concessionario o recusar no contrato especial? Não recorrerá elle á propria convenção, como fundamento da recusa? É por isso que o conselho de obras publicas julga que a convenção internacional não deve ser aceita definitivamente sem uma clausula expressa a tal respeito.

2.º Obteve tambem o nosso representante a seguinte redacção com referencia á garantia da propriedade da empreza: que o material da linha telegraphica ficaria debaixo da protecção das leis de cada paiz nas mesmas condições em que o estão a propriedade publica e privada. Assim lhe pareceu ficariam sanadas todas as difficuldades.

E realmente não ficam, porque continuam mal definidos todos os encargos do governo portuguez. E até se figura ao conselho de obras publicas que o governo toma alguns encargos mais na convenção internacional do que os que lhe vinham da proposta inicial do engenheiro Balestrini, na