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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado José Luciano de Castro, proferido na sessão de 31 de maio, e que devia ler-se a pag. 847, col. 1.ª, lin. 27

O sr. Luciano de Castro: — Não pense v. ex.ª nem a camara que eu me levanto para entrar no debate politico, que hoje se tem aqui agitado. Não é essa a minha intenção. Nem o estado do meu espirito, nem o da minha saude m'o consentiriam.

Permitta-me por isso a camara que eu apenas diga em breves palavras quaes as rasões que levaram a minoria da commissão de fazenda a propor-lhe a approvação da proposta do governo, como foi apresentada, sem nenhuma limitação ou alteração.

É o que com a maior serenidade de espirito vou expor summariamente.

Desde que o sr. presidente do conselho de ministros veiu ao seio da commissão de fazenda e á camara declarar que em virtude de uma votação que n'esta casa houvera, e que ficára empatada, sobre a questão dos bancos, o governo se julgava incompativel com a camara, o que havia feito essa communicação ao poder moderador, entregando-lhe a resolução do conflicto, entendo que a camara só tem a esperar tranquilla e desassombradamente a decisão que a corôa haja de proferir no uso da sua elevada prerogativa.

Esta é que é a questão. Não a posso ver n'outro terreno.

Entendo que a camara deve manter uma attitude grave e digna, acatando os outros poderes do estado, não provocando as paixões politicas, não discutindo o passado, não azedando os debates, e cuidando unicamente de examinar se deve ou não conceder ao governo as auctorisações que pede.

A questão politica morreu. Não ha forças humanas, não ha vigor de argumentação, ou esplendor de eloquencia que a possam resuscitar.

Desde que o governo se declarou incompativel com a camara, e que entregou ao poder moderador a decisão do conflicto, não nos podemos occupar de uma questão que não nos pertence já. Não receie a camara que lhe venham tomar contas dos seus actos. A sua responsabilidade politica acabou. Só ao poder moderador compete resolver a incompatibilidade, demittindo o governo ou dissolvendo a camara.

Estando a questão n'estes termos, para que havemos de discutir a attitude dos partidos durante a situação que vamos atravessando? Essa questão pertence ao passado, e o passado morreu; não é dado a ninguem faze-lo reviver.

As attribuições da camara estão reduzidas a ver se a lei

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de meios deve ou não ser concedida, com ou sem restricções.

O sr. Pinto Bessa: — E os projectos que ha para discutir?

O Orador: — Não disse que não se podiam discutir os projectos que ainda ha para votar; disse que as attribuições da camara n'este momento, e sobre este assumpto limitam-se a examinar a lei de meios e a ver se deve ou não ser approvada.

A questão politica, parece-me estar fóra do debate.

Esta é a verdade.

Para que havemos de discutir se os partidos procederam bem ou mal, se o partido historico apoiou ou deixou de apoiar lealmente o governo, se este usou ou não da sua iniciativa em beneficio do paiz!?

De que serve isto? (Apoiados.) O paiz tem já conhecimento do que se passou na sessão anterior, e do que vae occorrendo na d'este anno (apoiados); tem documento! e provas bastantes para apreciar se nós temos ou não desempenhado fielmente o nosso mandato (apoiados). Appellemos pois para o paiz, que em ultima instancia nos ha de julgar a todos (apoiados). E creio que nenhum dos illustres deputados tem receio do seu veredictum (apoiados).

Vozes: — Nenhum.

O Orador: — Confiemos no seu julgamento, e esperemos tranquillamente a sua decisão. Se formos condemnados, ficaremos ao menos com a consciencia limpa e com o coração tranquillo (apoiados).

(Interrupção.)

Eu não estou provocando ninguem. Quero pelo contrario reduzir a questão ao que me parece que ella é (apoiados). A questão politica n'este momento parece me estar entregue á decisão de outro poder do estado. Por isso entendo que nós não podemos, nem devemos occupar-nos senão da lei de meios (apoiados), para habilitar este ou qualquer outro ministerio a governar (apoiados). Creio que este principio não póde ser contestado (apoiados).

Vozes: — Pôde, póde.

O Orador: — Pôde, se quizerem reduzir o parlamento a uma academia, onde se controvertam novas e inauditas theorias de direito publico (apoiados); mas a praxe e os principios não auctorisam outra doutrina (apoiados). Desde que o governo vaiu á camara dizer, que havia declarado ao poder moderador que era incompativel com a camara, pÓde esta occupar-se do modo como ha de ou deve ser resolvido aquelle conflicto? Entendo, que não. E deverá occupar se de outras questões, que não seja a votação da lei de meios, visto que a incompatibilidade da camara com o ministerio é manifesta?.

Vozes: — Ainda não está manifesta.

O Orador: — Não está manifesta? Pois não houve votações claramente hostis ao governo? (Apoiados.)

Vozes: — Não houve.

O Orador: — Pois v. ex.ª podem mostrar mais evidentemente essa hostilidade do que o têem já feito pelos seus actos e resoluções dos ultimos dias? (Apoiados)

Uma voz: — É preciso esperar as indicações constitucionaes.

O Orador: — As indicações constitucionaes estão dadas (apoiados). Essas indicações deram-se antes e até ao momento ora que a crise se manifestou (apoiados). O que succedeu depois, ou o que haja de succeder não póde já ter influencia na sua resolução.

(Interrupção e susurro.)

Está muito longe da minha idéa e da minha intenção, querer conflagrar a camara e obriga-la a entrar n'um debate que desejo evitar; o meu proposito é apenas reduzir a questão ás suas verdadeiras proporções.

(Continuava o susurro e os srs. deputados a estarem fóra dos seus logares.)

O sr. Presidente: — Peço attenção, e os srs. deputados que tomem os seus logares.

O Orador: — Voltando á questão que ía debatendo e de que me arredei involuntariamente por causa dos ápartes que ouvi, direi que...

(O susurro e a agitação na camara continuava, e os srs. deputados conservando-se fóra dos seus logares.)

O sr. Presidente: — Peço attenção, e aos srs. deputados que tomem os seus logares (apoiados), senão terei que convidar o orador a suspender o seu discurso até que o silencio se restabeleça na camara, e os srs. deputados occupem os seus logares (apoiados).

O Orador: — Dizia eu, sr. presidente...

(Susurro).

O sr. Jose Tiberio: — Creio que v. ex.ª sabe que todos os oradores têem sido ouvidos com attenção, e portanto é necessario que haja igualdade para com o sr. deputado que está fallando (apoiados).

O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que estejam com attenção, aliás tenho de interromper o orador até que se restabeleça o silencio (apoiados).

O Orador: — Dizia eu que o sr. presidente do conselho se apresentou no seio da commissão de fazenda e lá declarou que se dirigira ao podar moderador para lhe annunciar a incompatibilidade que havia entre a camara dos senhores deputados e o governo, e que em virtude d'essa declaração julgava elle, presidente do conselho, que não lhe restava mais do que pedir á camara que habilitasse o poder executivo com a lei de meios, para a corôa poder desassombradamente ou demittir o ministerio ou dissolver a mesma camara.

Foi n'estes termos que a minoria da commissão de fazenda aceitou a proposta do governo; foi em virtude da declaração do governo que nós approvamos sem restricções a proposta de lei de meios, como o ministerio a apresentou (apoiados).

Nem por isso desejámos menos a discussão do orçamento. E a este proposito permitta me a camara que lhe diga que não foi pelo nosso lado, que não foi pelo lado do partido a que tenho a honra de pertencer, e creio que posso dizer o mesmo a respeito dos outros partidos que até hoje têem auxiliado o governo, que se crearam embaraços á discussão do orçamento.

Nós concorremos sempre ás commissões (apoiados); nós não levantámos aqui questões politicas (apoiados); pelo contrario, celebrámos uma trégua com todos os partidos para tratarmos seriamente da questão de fazenda (apoiados). Por consequencia não somos nós os culpados de não se ter discutido até hoje a questão de fazenda.

Todos nós desejámos a discussão do orçamento, mas é necessario tambem que confessamos todos que esta discussão, na altura em que vae a sessão, quando a camara a exija immediatamente, póde impedir o livre exercicio da prerogativa real.

A discussão do orçamento!... Mas nós tocámos no fim da sessão parlamentar; nós estamos no fim de maio; sabemos que a sessão termina na sexta feira ou no sabbado, e não podemos exigir do poder moderador que não use da sua prerogativa de demittir o governo, ou dissolver a camara, porque não discutimos ainda o orçamento!

Pois só agora no fim da sessão é que se quer a discussão do orçamento?!...

Pois só agora é que se ha de elevar a armada ao grau de esplendor que lhe é devido?!...

Pois só agora é que se ha de fazer a reforma das finanças?!...

Pois só agora é que se ha de fazer a reforma da administração civil?!...

Pois só agora é que se ha de emprehender e levar a cabo a reforma do exercito?!...

Pois só agora é que nos havemos de occupar dos grandes melhoramentos de que o paiz carece desde tão longos annos?!... (Apoiados.)

Pois temos deixado correr mezes sobre mezes; pois ha

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vemos tido o parlamento aberto sempre, com pequenas interrupções, e só agora aos ultimos dias de sessão é que nos occorre emprehender e concluir todas essas importantes e difficeis reformas de que depende o progresso e a prosperidade publica?!...

Não póde ser. É necessario que aceitemos os fatcos como elles são. Estamos ao fim do mez de maio. Poucos dias nos separam do encerramento da sessão legislativa, portanto é jmpossivel discutir o orçamento com a larguez e desenvolvimento que taes trabalhos requerem.

E depois se é por causa da discussão do orçamento que se ha de conceder ao governo a lei de meios com restricções, como quer a maioria da commissão, direi que essa rasão não me parece fundada. Creiam os illustres deputados, que é absolutamente impossivel discutir o orçamento ou caía o governo ou se dissolva a camara. E em todo o caso quando foste possivel discuti-lo, a votação da lei de meios não prejudicava a sua discussão (apoiados).

A lei de meios habilita este ou qualquer outro governo para funccionar (apoiados). A lei de meios não implica com a discussão do orçamento, que póde discutir-se, se houver tempo. O que é necessario é armar o governo com as auctorisações necessarias para governar, quando acabem as que ora estão em vigor (apoiados).

No estado da crise, e rotas as relações politicas entre o governo e a camara, uma de duas soluções na de pôr termo ao conflicto. Ou o governo cáe, ou a camara é dissolvida.

Uma voz: — Ambas as cousas.

O Orador: — Ambas as cousas?! Ambas não é provavel, depois do governo ter declarado o conflicto, depois de haver affirmado á corôa que se julga incompativel com a camara, depois de o termos visto apresentar a lei de meios, seja-me licito dizer que entre o governo e a camara, opto pela conservação do governo (apoiados).

(Interrupção.)

Quem quizer crer o contrario póde creio. Não forço as convicções de ninguem. Mas as minhas conjecturas são estas...

(Interrupção.)

Supponhamos que o governo cáe. Vem outro ministerio. Esse ministerio ha de vir á camara pedir a lei de meios. A camara seguramente não lh'a recusa; porque, se Ih'a recusasse, teria o novo ministerio de começar por uma dissolução, o que poderia influir na livre escolha do poder moderador, que de certo hesitaria em nomear um governo, que podesse achar tal resistencia no parlamento.

O que seria racional e plausivel era que a esse ministerio não negasse a lei de meios. E, se assim é, porque os escrupulos em fazer hoje o que dentro de poucos haveríamos de praticar? Não podemos recusar a este ministerio o que não negaríamos a qualquer outro que se organisasse (apoiados).

SuppponbaraoB agora que a camara é dissolvida. É necessario habilitar o governo com as auctorieações legislativas precisas para poder cobrar as receitas publicas e applica las ás despezas do estado. Parece-me que n'esta hypothese não houve ainda camara alguma, de que me recorde, que declarada a dissolução por parte do governo, ou tendo a certeza d'ella, deixasse de lhe dar auctorisação illimitada para cobrar as receitas publicas... Uma voz: — Em 1865 o que se fez? O Orador: — Fez-se exactamente o que eu estou dizendo. O governo apresentou a lei de meios. Levantou se o sr. Fontes de Mello e perguntou se o governo declarava que dissolvia a camara; porque n'esse casa votava aquella lei. (Interrupção.)

Eu sou testemunha presencial. (Interrupção.)

Bem sei. Consta do Diario da camara. Ainda hontem li o extracto da respectiva sessão para avivar a memoria. O sr. marquez de Sá na sessão de 10 de março veiu declarar que o governo dissolvia a camara. Em conformidade d'isso o sr. Márteus Ferrão pediu que se marcasse praso para a nova eleição. O sr. marquez d'Avila, que era ministro da fazenda, declarou que o governo por causa do recenseamento não podia marcar praso certo; mas que havia de convocar a nova camara no roais breve espaço que fosse possivel. A camara, votou a lei de meios immediatamente, sem hesitação (apoiados). Estes são os precedentes.

É muito louvavel o desejo de discutir o orçamento. Mas quem é o culpado d'essa lamentavel omissão! Não somos nôs de certo.

A primeira e impreterivel obrigação do parlamento é examinar o orçamento com a largueza e circumspecção que o assumpto requer, mas é tambem seu imperioso e indeclinavel dever discuti-lo a tempo e opportunamente.

Querer nos ultimos dias de sessão, quando estão proximos de encerrar-se os nossos trabalhos, depois de se haver levantado um conflicto entre a camara dos deputados e o poder executivo, e quando o poder moderador é chamado a exercer uma das mais graves das suas attribuições, organisai a armada, restaurar o exercito, reformar os serviços fiscaes, remodelar a administração civil, e emprehender ou troa trabalhos, é, sobre difficil, impossivel.

E sendo assim, não cabendo já no tempo o exame e approvação do orçamento, não deve a camara, sob tal pretexto, pôr limitações de tempo á auctorisação que o governo pede para proceder á cobrança dos impostos e applica-los á despeza do estado.

Antes de ir mais adiante, permitta-me a camara que eu levante uma asserção do relatorio da maioria da commissão, que não julgo verdadeira.

Peço licença aos cavalheiros que assignaram este parecer, para não concordar com elle quanto ao que se diz no tocante ás declarações que o sr. presidente do conselho fez no seio da commissão. Segundo a impressão que conservo, o que se diz no parecer não é exacto, e ou peço licença para fazer aqui a rectificação que julgo necessario.

O parecer da maioria da commissão diz (leu).

Ou eu percebi mal, ou o sr. presidente do conselho não disse isto. s. ex.ª disse que estava manifestado o conflicto entre a camara e o governo, que este havia declarado á corôa aquella incompatibilidade, e que em taes circumstancias o ministerio vinha pedir á camara a approvação da lei de meios, para deixar desassombrado de qualquer pressão o poder moderador na solução da crise, quer houvesse de ser demittido o ministerio, ou dissolvida a camara.

O sr. presidente do conselho oâo quiz dzer á camara: «Declarae se tendes ou não confiança no governo por meio de uma votação sobre a proposta da lei de meios.»

Não, senhor. O sr. presidente do conselho, manifestada a crise e commettids a sua decisão ao poder moderador, pediu a lei de meios como indispensavel providencia de administração e de governo, que pôle servir tanto para dissolver a camara comi para a demissão do ministerio (apoiados).

Não é um voto politico que se pede; esta questão é de mero expediente constitucional. Não se trata de saber ie o giverno, em virtude da manifestação da camara, ha de continuar a gerir os negocios publicos, ou se deverá succumbir diante da camara.

Do que apensa se cuida agora é de habilitar este ou outro qualquer ministerio para governar, armando o com as auctorisações necessarias para prover ás despesas publicas.

Não ha aqui questão politica. Ha só, repito, uma questão de mero expediente administrativo e constitucional.

O conflicto está creado. A incompatibilidade está manifesta Não é á camara que toca resolve-lo. Esses são factos passados. Não póde ninguem oblitera-los.

Não levantemos pois uma questão de mero expediente, como esta é, ás altura» de grande debate politico. Não se discute agora o governo; não se examina se o governo cumpriu ou não a sua missão; não devemos agora interroga-lo

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sobre as suas culpas, sobre o seu passado, sobre as suas faltas ou omissões, sobre os seus peccados ou crimes. Essa questão está morta, e deve o estar, ao menos emquanto o poder competente pão resolve o conflicto pelos meios ordinarios que a constituição designa (apoiados).

É por isso que eu dizia ha pouco que me parecia inteiramente inutil que se estivessem aqui a discutir questões politicas (apoiados).

Não invadamos as attribuições dos outros poderes. Respeitemos os nossos direitos e as nossas prerogativas; mas acatemos tambem profundamente as prerogativas e os direitos de outro poder que a constituição instituiu expressamente para resolver estes conflictos (apoiados).

For isso eu rectifico d'este modo e periodo do parecer da commissão, porque d'elle se podia entender que o governo tinha collocado esta questão como sendo de confiança politica, e não é isto de o que se trata. O governo não precisa de perguntar nada á camara, está perfeitamente instruido a esse respeito (apoiados).

Este governo não póde mais discutir com esta camara. As suas relações politicas com ella estão constitucionalmente quebradas. O governo e a camara devem aguardar a resolução do poder moderador. Tem pouco tempo de duração um ou outro. Um dos dois succumbe (apoiados).

Creio que no parecer se falla tambem na necessidade que nós tinhamos de discutir o orçamento para fazermos grandes reducções e largas economias.

Sr. presidente, eu não sou suspeito em materia de economias. Eu entendo que é necessario faze-las profundas, que é indispensavel examinar o orçamento e estudar os serviços publicos, para que se realisera as reducções que a urgencia das circumstancias demanda. O meu voto emquanto a economias é este. E a minha palavra é insuspeita, porque está de accordo com os meus actos como ministro e com os meus discursos parlamentares. Muitas das reducções que depois se realisaram, e de que muito e pomposamente se fallou, já eu as tinha lembrado n'um celebre discurso proferido aqui em março de 1865. E digo celebre, porque fui n'essa occasião muito combatido (apoiados).

Portanto, quer pelo meu passado, quer pelas minhas aspirações actuaes, sou sincero partidario das economias.

Entendo que fazer economias não é leva-las ao ponto de perturbarem o serviço; mas é necessario tambem não ter tal acatamento pela manutenção do statu que, que sacrifiquemos as contemplações pessoaes á boa e regular organisação dos serviços debaixo do ponto de vista mais economico (apoiados).

Um paiz pequeno não póde viver larga e luxuosamente. Sabem-no todos (apoiados).

Mas as economias não são patrimonio de nenhum partido; não são exclusivo d'esta ou d'aquella parcialidade (apoiados). Pois não fez o ministerio, de que eu fiz parte, consideraveis reducções na despeza publica (apoiados)? E note-se que não se lançou á miseria ninguem, que não se desorganisaram serviços, e que não se fizeram reformas hoje para serem emendadas no dia seguinte por novas reformas, que aquelles tornavam indispensaveis (muitos apoiados).

Pode-se porventura dizer que. as economias sejam monopolio d'este ou d'aquelle partido? São principio e aspiração de todas as escolas (apoiados).

As nossas divergencias politicas são mais em pontos de administração do que em principios de liberdade. Pôde haver systemas, ou expedientes de administração que nos se parem; mas todos os partidos prestam o culto reverente á doutrina das economias. Por isso dizia bem o sr. presidente do conselho que era reformista antes de existir o partido reformista, porque os seus titulos nobiliários de administrador zeloso e economico datavam de outras eras.

Se nós examinarmos o que se tem dito e escripto entre nós sobre materia financeira, veremos que a doutrina que nos dão como nova, é velha e antiquissima (apoiados).

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Agora todos sãoreformistas.

O Orador: — Diz o illustre deputado que agora todos somos reformistas; mas todos reformistas para fazermos economias justas, sensatas e plausiveis, que não desconcertem os serviços, que não dêem em resultado, como já disse, fazer-se hoje uma reforma para se desfazer no dia immediato (apoiados).

Pergunto a todos quando é que n'esta terra houve partido grande ou pequeno, velho ou novo, que não tenha desenrolado a bandeira das economias,

(Interrupção.)

Eu não quero fazer recriminações, nem levantar debates politicos. Não venho a isso. (Interrupção)

O que digo a v. ex.ª é que todos os partidos querem economias. Nós nunca as impedimos. Estivemos sempre promptes a auxiliar o governo n'esse empenho (apoiados). Nunca faltámos ás commissões (apoiados). Nunca levantámos na camara questões odientas (apoiados). Sou porém forçado a dizer ao partido reformista, que vejo representado na maioria da commissão de faseada, que as economias não são exclusivo nem invenção sua. Todos os outros partidos as querem e mais ou menos as têem realisado. Todos as queremos, e todos as fizemos.

Vozes: — Ora, ora.

O Orador: — Pois póde-se porventura dizer isto afoutamente diante de um homem que realisou no seu ministerio importantes e largas economias, e collega de outros ministros que effectuaram tambem grandes reducções na despesa do estado? Que importa, na verdade, fazer reformas desordenadas e tumultuarias para ámanhã virem outras reformas restituir a ordem perturbada, e tirar do cabos a luz? Eu fallo em geral; declaro que não quero offender ninguem.

E se fallo n'isto é por que me provocam. Pois sou eu

Que estou aqui a levantar estas questões? São os illustres deputados nos seus ápartes; e querem que eu me mantenha silencioso diante das suas provocações? Não póde ser. O sr. Santos e Silva: — Os rapazes têem fogo. O Orador: —O que eu digo a respeito das rasões que se apresentam no relatorio da maioria da commissão sobre a necessidade de fazer economias, é que todos as queremos. Não ha ninguem que as não deseje; e portanto não me parece que seja essa rasão bastante para se votar a lei de meios com restricções.

E a camara ha de concordar que é impossivel fazer hoje largas e radicaes economias, quando temos apenas tres dias de sessão, porque não podemos contar com as prorogações, que dependem de outro poder.

Portanto parece-me que n'estas circumstancias nem as economias, nem as reformas de serviços, nem a organisação fiscal ou financeira póde levar a camara a negar ao governo a lei de meios, ou a conceder-lh'a com restricções, porque isso importaria talvez uma coacção ao poder moderador.

Se ámanhã for nomeado um ministerio em virtude da solução que se der á crise actual, terá que pedir-nos a lei de meios; e votada esta com restricções, esse governo tem de começar logo por uma dissolução e por uma dictadura; e v. ex.ª e a camara sabem que a prerogativa real deve ser liberrima (muitos apoiados).

Eu pergunto á assembléa e a todos os illustres deputados que fazem a honra de me ouvir: se é possivel, dada aquella hypothese, discutir a organisação dos serviços, a reforma administrativa, a reforma do exercito, da armada e o orçamento do estado n'esta sessão?...

O sr. Osorio de Vasconcellos: —Não tendo o governo iniciativa, de certo.

O Orador: — O governo, que substituisse o actual, não podia estar habilitado para uma discussão conscienciosa do orçamento, e por isso a camara havia de se ver forçada a

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votar-lhe a lei de meios, a não querer que elle ficasse logo em dictadura.

Eu detesto todas as dictaduras, e não posso admittir que o sr. presidente do conselho se lance em tão perigoso caminho. Já sabemos o resultado das dictaduras e sem offensa para ninguem, por maiores que sejam os melhoramentos que d'ellas hajam resultado, o paiz inteiro prefere a ordem, o socego, o acatamento ás leis e o respeito aos principios (muitos apoiados).

Eu condemno as dictaduras; e não posso deixar de pedir ao governo que não assuma poderes dictatoriaes, mormente em materia de impostas; que resista a todas as contrariedades, e procure vencer todos os impedimentos e reluctancias, para poder cobrar legalmente os rendimentos púbicos e applica-los ás despezas do estado.

O lançamento do imposto pelas côrtes é a primeira garantia dos cidadãos; e a recusa d'elle, quando lançado dictatorialmente, é o veto do povo contra as dictaduras, e contra as demasias do poder executivo.

Eu, que ainda ha poucos dias presidi uma commissão encarregada de dar parecer sobre um projecto de lei, apresentado pelo sr. Barros e Cunha, que arma o paiz em guerra contra as dictaduras, eu não posso deixar de pedir, em nome do meu direito como deputado, que o governo não se lance no caminho escorregadio das dictaduras, por onde as nações marcham precipitadamente para o abysmo da sua inevitavel ruina (muitos apoiados).

Se alguma cousa deve ser sagrada para nós, são as instituições constitucionaes.

Estes desacatos com que todos os dias estamos interrompendo a vida normal de um paiz livre, podem, mais dia menos dia, produzir funestíssimos resultados.

Não carecemos nós, povo pequeno e modesto, de grandes armadas, nem de poderosos exercitos, para manter a nossa autonomia e assegurar a independencia nacional.

Os paizes pequenos não podem, como as grandes nações, fazer valer, com a lança eu com a espada, o sagrado direito da sua independencia. Não, sr. presidente! As nações pequenas, fortes no seu direito, robustecidas pela consciencia da sua justiça, só podem manter-se no difficíl equilibrio das nações pelo juizo e prudencia com que se governam, pela discrição com que sabem conservar se na orbitra dos seus direitos, e pelo entranhado amor que consagram ás suas instituições fundamentaes.

Respeitemos e defendamos pois a nossa e instituição politica, para que, mais tarde ou mais cedo, não a vejamos succumbir, perdida e desamparada, aos golpes da ambição, do egoismo e das paixões partidarias (muitos apoiados).

Tenhamos prudencia e cordura (muitos apoiados). Não ouçamos só a voz das conveniencias politicas.

Somos um paiz meridional. Temos imaginação exaltada. E nas horas da adversidade, tudo nos lembra, tudo nos occorre, todos os expedientes nos parecem licitos.

É necessario que na sisudez e cordura de todos, no respeito ás leis, na leal obediencia aos poderes do estado, achemos os melhores e mais seguros fiadores da independencia nacional.

E para a manter illesa não carecemos de pedir auxilio a estranhos.

As grandes nações (e perto de nós estão os exemplos) não firmam a sua autonomia e o seu poder só na força dos grandes exercitos e no esplendor das poderosas esquadras; devem antes firma-la na ordem, na paz, na harmonia e aecordo com que todos os cidadãos acatam os principios fundamentaes da sua constituição politica. Quando lhes faltam estas condições, nem é segura a sua existencia, nem desassombrado o seu futuro.

Afastemos pois as dictaduras que são o mais flagrante e o mais nefasto attentado contra as liberdades publicas (apoiados). Afastemos as dictaduras, e que o governo, reduzido á extrema necessidade, prefira a sua queda, obedecendo aos principios constitucionaes, a rasgar o pacto fundamental da monarchia, levantando-se acima da constituição e das leis (muitos apoiados).

Sou insuspeito. Tendo combatido a dictadura exercida pelo sr. Dias Ferreira, não por odio á pessoa, mas por desamor ao principio em que ella assentava, não posso amanha, por coherencia e dignidade propria, defender a dictadura exercida pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama, quaesquer que sejam os seus intuitos, e quaesquer que hajam de ser os melhoramentos com que s. ex.ª pretenda dotar o paiz (muitos apoiados).

Mas se não quero nem posso aceitar as dictaduras do governo, tambem não posso admittir as dictaduras do parlamento (apoiados) no systema constitucional; as attribuições politicai repartem-se pelos differentos poderes do estado, e não póde um absorver os direitos e prerogativas dos outros. E não devem queixar-se os parlamentos quando, abusando do seu voto, obrigam os governos a assumir a dictadura. Esse e o perigo que importa evitar.

Votemos pois a lei de meios o aguardemos tranquillamente a decisão do poder moderador.

Sai que era todos os partidos ha homens dignos (apoiados), e sei que no proprio partido reformista os ha merecedores de todo o respeito, serios, graves e devotados á causa publica (muitos apoiados). E se os membros d'este partido, a que me dirijo n'este momento, têem n'esta terra realisado, segundo pensam e dizem, grandes e importantes melhoramentos, e se têem por si a popularidade e a opinião do píiz, esperem desafogadamente a resolução do poder moderador. Havemos de acata-la tolos como merece. Qualquer que seja, ha de ser digna, honrosa e leal, porque felizmente o soberano que occupa o throno portuguez não tem na sua historia um só exemplo de falta de lealdade aos principios do liberdade, declarados e estatuidos na constituição do estado (muitos apoiados),

Tenho concluido.

(0 orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

ReCTIFICAÇÃO

Por ter sido publicado com algumas omissões o discurso do sr. Pinto Bessa, na sessão de 30 de maio, pag. 804, col). 2.ª, por isso se publica novamente:

O sr. Pinto Bessa: —Pouco tenho a acrescentar ao que disso o meu illustre amigo o sr. Mello e Faro.

Assignei o parecer que se discute. porque tenho a intima convicção de que os municipios não pelem proceder a melhoramentos de certa importancia, principalmente os de Lisboa e Porto, sem que estejam auctorisados por lei especial para expropriarem não só os terrenos estrictamente necessarios para esses melhoramentos, como uma zona mais larga que possa servir para novas edificações.

Esta minha convicção 6 fundada na experiencia que tenho adquirido, na qualidade de presidente da camara municipal do Porto. A obra a que acamara d'aquella cidade mandou proceder para a abertura da rua da Nova? Alfandega, demonstra do uma maneira clara a necessidade de uma lei permanente para regular as expropriações que forem reclamadas pelas necessidades publicas; e a obra a que me refiro, aonde foi necessario expropriar 256 propriedades, não teve a camara uma unica questão a sustentar, foi bastante saberem os interessados que a camara estava auctorisada por uma lei para expropriar o todo da propriedade, para serem rasoaveis nas suas exigencias; e, repito, em 256 propriedades expropriadas não houve nenhuma questão, porque ninguem se julgou lesado nos seus justos interesses; por todas estas rasões é que assignei o projecto e que voto por elle.

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