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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Discurso do sr. Ministro da Marinha, pronunciado na sessão de 4 de abril, e que devia ler-se a pag. 937, col. 2.ª
O sr. Ministro da Marinha (Thomas Ribeiro): — Começo por congratular-me com o illustre deputado, porque ha muito tempo não se faz tanta justiça a uma proposta de lei e ás intenções do governo.
S. ex.ª disse que é necessario que o parlamento e o governo se occupem seriamente dos negocios do ultramar. Tanto me basta para ou applaudir o illustre deputado, e pedir ao parlamento que escute e acceito o seu conselho patriotico.
Eu não posso, como desejava n'este momento, e deseja-vá-o, não só pela minha obrigação como membro do governo, como tambem pelo muito apreço em que tenho os desejos do illustre deputado de quem ha muito sou amigo, dar amplíssimas explicações a s. ex.ª sobre as expedições de obras publicas mandadas para as provincias ultramarinas. Não posso, porque não as encontrei cabaes na minha entrada para o ministerio.
Pedi-as immediatamente, mas a camara sabe tambem que não havia tempo de me serem remettidos os esclarecimentos de que necessitava desde então até hoje.
É verdade que as diligencias tinham tambem sido feitas pelos meus antecessores, e especialmente pelo sr. José do Mello Gouveia, ultimo cavalheiro que tinha gerido a pasta dos negocios da marinha e ultramar antes de mim.
O que vou dizer á camara é devido ás solicitações, (o isto quer dizer que não seja devido tambem ao zêlo dos empregados de obas publicas, no ultramar) é devido ás solicitações do meu illustre antecessor.
Com referencia á provincia de Cabo Verde, sei que não estão, infelizmente, muito adiantados os trabalhos. Mas não admira; a camara sabe que foi esta a ultima expedição enviada ao seu destino. A sua primeira missão era estudar cautelosa o detidamente as obras de que fóra encarregada pelo ministerio, e para isso levava instruções minuciosas e regulamentos detalhados, tudo fornecido pelo ministerio da marinha, para saber quaes eram as obras que deviam preferir. E cabe aqui n'esta occasião dar testemunho do muito apreço em que tenho os trabalhos que se fizeram na secretaria para dirigir quanto possivel aquellas expedições no ultramar; a secretaria não se contentou em lhe dar unicamente instrucções, deu-lhe modelos, mappas e livros para fazer uma escripturação regular, de modo a poder o governo habilitar-se a dar ao parlamento as informações que infelizmente, ainda agora, não posso dar tão cabaes como desejava. Tenho muito sentimento de, não poder a respeito do S. Thomé e Principe e a, respeito de Cabo Verde dar por ora informações precisas; informo apenas que ás obras tinham principiado, que. se esta construindo o hospital de S. Thomé o cuidando, antes de tudo, das obras de saneamento.
A respeito de Cabo Verde sei pelas ultimas noticias estar ainda occupado em estudos o pessoal technico, devendo logo principiar os trabalhos o dar lhes o desenvolvimento necessario. Não posso dizer mais nada, porque não posso improvisar á camara, informações que não possuo.
De Angola chegou um d'estes dias, e provavelmente a camara já, o sabe, o director das obras publicas d´aquella provincia, um engenheiro cujo nome é conhecido no paiz e do qual o talento, o zêlo e a probidade ninguem póde pôr em duvida. (Apoiados.) Esse distincto engenheiro desgraçadamente tinha que pagar o tributo que a Europa deve e paga sempre aquelles paizes, caiu minado de febres. Apesar d´isso e do terem sido victimas com elle muitos dos seus companheiros, quando se retirou para o reino trouxe os estudos completos do 3S kilometros do caminho de ferro de Ambaca. Desde que chegou a Lisboa até hoje têem-lhe continuado as febres, por consequencia raras vezes tem ido á secretaria e os estudos não tôcm podido ser entregues ao exame do conselho technico das obras publicas, para depois de approvados poderem ser postos em execução. Tenho aqui tambem, e a camara o póde ver, um officio de engenheiro director das obras publicas na provincia de Moçambique. Este officio, que vou ler á camara, é mais explicito e diz assim:
«III.mo e ex.mo sr. — A fim de dar immediato cumprimento á communicação sexta da portaria de 29 de novembro de 1877, tenho a honra do remetter a v. ex.ª, para conhecimento de s. ex.ª o ministro, os mappas das despezas feitas com as
Sessão de 6 de abril de 1878
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obras publicas d'esta provincia, a contar da epocha em que o pessoal, actualmente em exercicio, partiu de Lisboa.
«A falta de communicaçõos que tem havido com Quelimane é causa que não tenham por emquanto chegado as contas d'aquella secção relativas a outubro, novembro e dezembro. Da secção de Lourenço Marques tambem faltam as contas de dezembro, o que tudo se espera no proximo paquete do sul.
«Assim que n'esta direcção seja possivel resumir as despezas de um mez feitas em todas as secções, terei o cuidado de as remetter a v. ex.ª pelo primeiro paquete. É todavia possivel indicar desde já com muita approximaeào o total das quantias despendidas até dezembro ultimo. Com effeito, o mappa de setembro que remetto accusa a despeza total de 141:997$860 réis. Esta despeza é todavia inferior á verdadeira em 2:000$000 réis, como se deprehende da communicação primeira da portaria de 29 de novembro de 1877, de que se deve concluir como inteiramente desprezada a verba de 30:000$000 réis para machinas, apparelhos, ferramentas, etc..
«Seja portanto a despeza total do 143:997$860 réis; subtrahindo 52:000$000 =30:000$000 + 22:000$000, despendidos em machinas e em despezas de organisação, ficam 91:997$860 réis, igual á despeza exacta com as obras publicas d'esta provincia desde a epocha em que o pagador recebeu da repartição de contabilidade da direcção do ul tramar 1:000$000 réis até 30 do setembro de 1877.
«As contas do ultimo trimestre na secção de Moçambique dão dispendidas:
[Ver Diário Original]
«Computando a despeza da secção de Quelimane em outubro, novembro e dezembro a rasão de 4:000$000 réis por mez, o que deve ser muito proximo da verdade, teremos 12:000$000 réis.
«As contas de Lourenço Marques relativas a
outubro importam em................. 4:173$932
«Em novembro importam em............. 4:428$827
«Suppondo a despeza de dezembro igual á de novembro, ou 4:428$827 réis, teremos o total de 13:031$580 réis, despendido pela secção de Lourenço Marques no ultimo trimestre.
«Recapitulando lemos: Despeza até 30 de setembro em todas as secções _____........................... 91:997$860
«Despeza da 1.ª secção no ultimo trimestre 15:919$604
«Despeza da 2.ª secção no ultimo trimestre 12:000$000
«Despeza da 3.ª secção no ultimo trimestre 13:031$586
Total despendido no anno de 1877... 132:949$050
«Saldo para os 251:000$000 réis (250:000$000 réis do banco ultramarino, e 1:000$000 réis recebido em Lisboa) 118:050$950 réis. Este calculo, que deve estar muitíssimo proximo da verdade, mostra talvez exagero nas idéas que manifestei a v. ex.ª em meu officio n.º 52, de 12 de dezembro ultimo.
«É porém facil de demonstrar que o exagero não é tão grande como á primeira vista parece. Com effeito, em virtude dos esforços feitos para se obter operarios da India, eu devia esperar que em fins de dezembro chegassem a esta cidade 300, sendo 100 pedidos officialmenle e 200 fornecidos por um engajador com quem fiz o contrato que v. ex.ª conhece.
[Ver Diário Original]
«O que dá proximamente a despeza de 118:000$000 réis de saldo. Prova este calculo que houve com effeito exagero no que communiquei a V. ex.ª no meu officio do 12 de dezembro, exagero proveniente de excesso de cautela e do receio da tremenda responsabilidade que me caberia se fosse eu a causa do pararem as obras por falta de meios, ficando sem trabalho tantos operarios.
«Dos 300 operarios da India, com que contava, só vem 200 contratados pelo engajador. Os que se pediram officialmente, parece que não é possivel, obtel os, o se assim acontecer, 250:000$000 réis devem chegar até junho do corrente anno.
«Deus guardo a v. ex.ª Secretaria da direcção das obras publicas de Moçambique, 21 do janeiro de 1878. — III.mo e ex.mo sr. director geral do ultramar. = O director, J. Machado.»
D´este officio e do mappa que o acompanha, póde a camara examinar verba por verba, quaes as quantias gastas e o saldo que resta em cada um dos mezes, o ultimo dos quaes é o mez de setembro do 1877.
A questão do Transwal póde por algum tempo demorar a construcção do caminho do ferro do Lourenço Marques, e pareceu conveniente ao meu antecessor, o parece-me tambem a mim, não mandar por emquanto proceder á feitura de um caminho de ferro no nosso territorio, que póde depois não ter o esperado seguimento; seria uma despeza de contestável utilidade, que a camara ou antes o parlamento teria, sem mais esclarecimentos, duvida em sanccionar com a sua approvação. (Apoiados.)
É questão para estudar. No mappa as verbas vem especificadas pela fórma seguinte:
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OBRAS PUBLICAS DE MOÇAMBIQUE
Mappa cias importancias despendidas nas secções das referidas obras no mez de setembro de 1877
[Ver Diário Original]
Secretaria da direcção das obras publicas de provincia de Moçambique, 30 de setembro de 1877.= O director, J. Machado.
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O sr. Pinheiro Chagas: — Essas verbas não estão de accordo com o que o illustre ministro diz no relatorio que precedo a sua proposta do lei.
O Orador: — O relatorio da proposta que eu adoptei, mas não formulei, assenta sobre indicações que de lá vieram successivamente, e o que eu estou lendo são as indicações que o ministerio formulou, quando as diversas commissões partiram para o seu destino.
Historiando o relatorio que procede a proposta, o que sobre este assumpto se ía passando na Africa, tinha que referir-se a factos passados lá o não a indicações formulados cá.
Nem o governo ou o parlamento quereriam que as mais instantes necessidades que lá se encontrassem fossem descuradas pela respectiva commissão de obras publicas.
Havia em todas as provincias necessidades urgentes que era preciso attender, os governadores mostravam essas necessidades, e foram e têem sido sucessivamente attendidas, logo se fizeram certas despezas. O illustre deputado sabe perfeitamente que se isto fosse em Portugal, de certo o governo as auctorisaria, ou não, examinando previamente as requisições, mas quando se trata de negocios passados a distancias tão grandes, como as que separam a metropole do ultramar, é necessario conferir faculdades latitudinarias a quem ali governa.
Eis a rasão por que póde haver dissimillianea entre os dois relatorios sem motivo para reparos; mas, se o illustre deputado e meu amigo attender bem, verá que uma tal dissimilhança existe.
(Leu.)
Já a camara vê com quanta individuação, verba por verba, mez por mez, e secção por secção, isto é - Lourenço Marques, Moçambique o Quilimane — se encontra especificada toda a despeza feita até ao fim de setembro. Uma columna marca o saldo e outra o deficit.
E para notar que o deficit por ora sómente apparece na verba das despezas diversas, mas porque d'ali levaram despezas para estudos, talvez por não julgarem que das verbas destinadas a cada uma das obras marcadas em designações geraes no mappa hão do saír as despezas para os seus mesmos estudos.
Não comprehenderam isso. Foram procurar na verba das despezas diversas e seu custeamento. É a rasão por que esta verba é excedida. Todas as mais mostram saldo.
Por esta e por outras rasões temos ainda dinheiro que chegue para a continuação das obras até que o parlamento lhes vote novos meios.
Não queria tomar mais tempo á camara; tenho porém aqui outro documento a respeito das obras publicas em Angola.
Sempre o quero ler para lhe ministrar por uma vez todas as informações que posso dar aos illustres deputados:
«Quando a commissão de obras publicas chegou a Angola, não havia estudos alguns para se poderem começar obras de estradas, de pontes, de caes, etc.. Estavam em construcção dois edificios importantes, o hospital de Loanda e o palacio do governo; e repartições publicas e a maior parte dos edificios publicos, incluindo a nova alfandega do Ambriz, já em estado de ruina, careciam de reparações urgentíssimas.
«Como os estudos de estradas no interior são demorados e demandam muito pessoal, como era conveniente concluir o mais rapidamente possivel os edificios começados, a fim de não continuar improductivo o capital n'elles empregado, não podiam ser adiadas as obras de reparação urgentes.
«Os primeiros oito mezes foram empregados em estudos para novas obras, na continuação das que estavam começadas e nas obras do reparações e concertos urgentes.
«As obras do novo hospital de Loanda o do palacio do governo de Mossamedes, principalmente a primeira, têem progredido bastante; as outras obras executadas até dezembro ultimo constam da relação juntai
«Os estudos de estradas são os dos lanços de Pedra Grande, de. Pedra Pequena o do Giraul na estrada de Campangombo e do Dumbo ao Cuio em Benguella, que provavelmente, estão já em construcção.
«Os projectos do aterro marginal de Loanda com as sondagens do uma parte do porto, o do hospital de Benguella o muitos outros descriptos no relatorio que brevemente terei a honra de apresentar a V. ex.ª são numerosos.
«A planta da cidade do Loanda, indispensavel para o estudo da canalisação das aguas que invadem e cobrem de areia as ruas da cidade baixa, está concluida.
«A despeza effectuada com as obras publicas não póde ser determinada com exactidão, porque, como digo a V. ex.ª no relatorio a doença dos empregados de secretaria e a falta de escripturação perfeitamente regular no deposito, impediram o chefe da repartição o pagador Augusto Telles Machado de me dar os precisos esclarecimentos.
«Julgando que apesar d'isso mais conviria vir apresentar a V. ex.ª o projecto do caminho do ferro no paquete do fevereiro do que demorar mais um mez a. minha partida, o que me impediria de seguir para o interior, com o pessoal do caminho de ferro na 2.ª campanha de estudos resolvi partir apenas com os dados precisos para indicar a V. ex.ª approximadamente a applicação das quantias despendidas com as obras publicas e com o caminho de ferro.
«As ordens para a organisação dos mappas de despeza foram expedidas com bastante antecedencia, mas como estava em Mossamedes, só um mez depois quando passei por Loanda soube das difficuldades que havia para organisar immediatamente os mappas conforme Os modelos adoptados.
«A nota approximada da despeza até 31 de dezembro é a seguinte:
[VER DIÁRIO ORIGINAL]
«D'esta importancia deve ser deduzido o valor do material em deposito, valor que tambem não é exactamente conhecido pelos motivos já indicados, mas que excede a réis 55:000$000, podendo portanto avaliar-se a despeza feita até fim de dezembro em 154:832$643. Esta despeza é consideravel em relação ás obras executadas, e para isso contribuem principalmente o não ter sido possivel construir as linhas telegraphicas para o interior pelos motivos que indiquei, as despezas de installação, as frequentes doenças dos operarios durante os primeiros mezes, o vencimento de todo o pessoal technico durante a viagem para Loanda.
«A despeza com as obras publicas e caminho de ferro durante os mezes de janeiro, fevereiro, março, abril e maio deve orçar por 109:000$000 réis, perfazendo com a quantia empregada a importancia do 376:110$031 réis, e com a despendida, abatendo dois terços dos adiantamentos ao pessoal, 327:015$365.
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«Como disse, o pagador das obras publicas não póde conseguir formular os mappas das despezas feitas; mas os documentos da despeza relativa ao caminho de ferro e ás obras publicas até o mez de janeiro tinham sido apresentados á junta de fazenda da provincia antes da minha partida de Loanda em Angola sendo provavel que já o fossem tambem os de fevereiro.
«Para continuarem os trabalhos com alguma actividade é preciso despender approximadamente 21:800$000 por mez até fim de maio. De junho a novembro, se começarem os trabalhos de campo do caminho de ferro, a despeza ha de ser maior no caminho de ferro e deve selo tambem nas obras publicas se começarem as obras do aterro marginal e outros cujos projectos devem brevemente ser apresentados. = Manuel Raphael Gorjão, major de engenheria.
Caminho de ferro. — Estudos definitivos de 38 kilometros proximamente
Obras executadas e quantias em que teem importado de 11 de junho a 31 de dezembro de 1877
Loanda
[Ver Diário Original]
Benguella
[Ver Diário Original]
Mossamedes
[Ver Diário Original]
Nota approximada da despeza feita em Lisboa e de que ha conhecimento
“Ver o Diario Original”
Lisboa, 17 de fevereiro de 1878. = O pagador, Augusto Telles Machado.
Parece-me ter respondido quanto podia no adiantado da sessão ás perguntas do meu illustre amigo.
Vozes: — Muito bem.
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