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N.º 19

SESSÃO DE 22 DE MARÇO. 4855.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SA ACUES.

Chamada: — Presentes 79 Srs. deputados. Abertura: — Um quarto de hora depois do meio dia Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Officios. — 1.º — Do sr. Silva Vieira, dando os motivos pelos quaes, se estivesse presente, votaria pelo parecer da commissão especial que examinou o processo do sr. Adrião Accacio; e participando que tem continuado a faltar ás sessões em consequencia do seu máo estado de saude; e finalmente, participando que foi reformado no posto de marechal, em conformidade da lei. — Inteirada.

2.º — Do ministerio da guerra dando os esclarecimentos que lhe foram pedidos pela commissão de fazenda ácerca da pensão que pede D. Maria de Santa Anna da Silveira Aguiar. — d commissão de fazenda.

3.º — Do ministerio dos negocios estrangeiros participando que nenhuns outros papeis existem, além daquelles de que já se deu conhecimento á camara ácerca de um processo de falsificação intentado a um subdito portuguez, como se poderá vêr do officio original que remette, do barão da Torre de Moncorvo. — Para a secretaria.

1.º — Do mesmo ministerio, acompanhando uma nota dos devedores diplomaticos e outros ao ministerio dos negocios estrangeiros, por saido das suas contas até 3] de dezembro de 1852, provenientes de adiantamentos, que se lhes tem feito em differentes épocas; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Corrêa Caldeira. — Para a secretaria.

5.º — Do ministerio da marinha, acompanhando duas relações, uma das letras do ultramar vencidas e não pagas, por conta das quaes se fez a distribuição de 10 por cento em ma iço de 1852; e outra das leiras do ultramar com vencimento desde janeiro de 1851 até ao 1.º de março de 1853; sal afazendo assim a um requerimento do sr. Arrobas. — Para a secretaria.

6.º — Do ministerio das obras publicas acompanhando as relações nominaes dos empregados daquelle ministerio, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido pela commissão de fazenda desta camara. — A commisão de fazenda.

Representações. — 1.ª — Da direcção do banco de Portugal pedindo o pagamento da quantia de 40:000$3000. que em 7 de dezembro de 18146 foram tirados pela junta do Porto a sua caixa tilial, estabelecida naquella cidade. — Á commissão de fazenda.

2.º — Da associação industrial do Porto, representando contra o projecto de lei do sr. Honorato Ferreira sobre concessão do sei lo ás alfandegas de Vianna e de Faro. —,d's commissões de fazenda, e commercio e artes.

3.º — De 479 negociantes da cidade do Porto pedindo que acabe o privilegio do foro de devedor, e este venha responder, quando demandado, ao tribunaes donde tiver feita as suas dividas ou transacções. — Á commissão de legislação.

4.º — Da camara municipal do Castro-Marim, pedindo uma medida legislativa, que extinga as terças e contribuições da universidade de Coimbra. — A commissão de fazenda, ouvindo a administração publica.

5.º — Dos chefes de repartição das direcções geraes do ministerio da fazenda, pedindo ser equiparados nos seus vencimentos aos chefes das repartições da secretaria de estado dos negocios da fazenda. — Á commissão de fazenda.

6.º — De 8 presos, que se acham na cadêa de Villa Nova de Reguengos, pedindo para aquella comarca um juiz de direito, que julgue os seus processos.

O sr. Cunha Solio Maior: — Sr. presidente, peço a attenção de v. ex.ª e da camara sobre este objecto; porque, realmente, passa além do escarneo, a negligencia e a indolencia do ministro a este respeito Na legislatura passada mandei para a mesa um ou mais de um requerimento sobre este assumpto, o ministro da justiça, que então era o sr. Seabra, prometteu nesta camara mandar um juiz de direito para a comarca de Monsaraz, prometteu muito cathegorica e positivamente, que havia de nomear inteiramente um juiz, quando mais não fosse, para abbreviar este processo. Nesta legislatura já tive a honra de mandar para a mesa 2 ou 3 representações sobre este assumpto, representações de que o sr. ministro de justiça não tem feito o menor caso; é necessario que a camara tome uma altitude humana e digna a este respeito; porque não é justo que estejam homens presos í ou 5 annos, sem processo nem sentença, e que o sr. ministro não tome na mais pequena consideração iniquidades desta cathegoria. Eu não largo este negocio da mão; não estou disposto a deixa-lo correr á revelia. O sr ministro não tem, desde o dia 11 de fevereiro, ido uma vez á secretaria de justiça. Os presos instam pelo processo; se estão criminosos, sejam condemnados; se estão innocentes, sejam absolvidos. Não sei de q e meios m hei de valer, e de que recursos possa dispor, para conseguir que o sr. ministro da justiça providenceie, que um certo numero de homens não estejam, innocente e injustamente, em uma cadêa ha mais de 1. annos? O sr. ministro repilla ridiculas bagatellas estes objectos. Vem um outro deputado, com outra representação; V. ex. diz, muito placida e socegadamente — remette-se ao governo — mas o governo não faz caso. No systema representativo, os ministros tem o governo, mas a camara tem o poder. Quando o governo pretere todas as condições sociaes da sua existencia, não sei que recursos ficam a um desgraçado. Eu peço a v. ex.ª, e ao sr. secretario, que remeda este officio ao governo com recommendações effectivas; porque não é decente que a camara fique insensivel e surda aos bra-

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dos dos infelizes que vêem perante os procuradores do povo pedir justiça, e só justiça. Estamos desauctorisando a nossa dignidade como homens, o nosso mandato como deputados, e os nossos deveres como christãos. Esta desattenção do governo é um attentado, que nem na cafraria se commette: e nós, livremente eleitos, que enchemos a boca com estes palavrões, toleramos, mudos e quedo», um ministro que não escuta as nossas repetidas reclamações. O sr. Seabra, que linha promettido mandar para aquella comarca um juiz de direito, por considerações que não vem a proposito, foi demittido, e o sr. ministro do reino chamou a si a pasta da justiça, e não deu andamento algum a este escandaloso negocio, disfarçado durante algum tempo pela humana promessa do ex-ministro.

O sr. Corrêa Caldeira — O meu voto é, que se remei ta embora ao governo, mas sem recommendação, porque se o governo não attende á recommendação que lhe vem do seu dever, que lhe impõe a necessidade de regular a administração da justiça, como lia de attender a recommendação que nós lhe fizermos? Uma recommendação? Para que?.. Para ser mais um escarneo; para que os voto; do parlamento sejam mais uma vez illudidos o despresados?.. E completamente inutil. Nenhuma recommendação, sr. presidente, já que não ha nessa maioria um deputado que levante a sua voz poderosa e que peça se imponha ao ministro negligente a sua responsabilidade; que clame pelo cumprimento da lei, e da justiça!! E totalmente inutil que os deputados deste lado (direito) votem que se façam recommendações ao governo. O governo que olhe para o seu dever! Já na verdade é mais que tempo de se fazer justiça áquelles desgraçados, que estão lin 4 annos presos, e á deploravel situação dos quaes já na sessão passada o sr. Cunha pediu que se attendesse.

O sr. ministro da justiça disse então, que tomaria o negocio em seria consideração: a consideração é esta que nós vemos! 1 — Hoje apparece uma representação, apresentada pelo sr. Pinto de Almeida, em que estes mesmos desgraçados pedem ainda á camara dos deputados se lhes faça justiça — queremos a punição se estamos criminosos; e liberdade, se estamos innocentes!.. E saiba v. ex. e a camara que, eu li, que o juiz que se ausentou da camara sem licença, e que deu causa a esta denegação de justiça, foi absolvido! (Uma voz do centro — É verdade) E diz-se — Que imporia que seja verdade tudo isso, se o governo não teve nem tem meios na sua alçada no uso de suas attribuições legaes para providenciar sobre este caso?.. E admiravel a defeza! Pois o governo julgou-se livre para legislar desenvolva e largamente, não obstante a lei fundamental que lho véda, despresando todas as leis, e todos os contractos; legislou sobre tudo e ácerca de tudo, e só não póde acudir aos presos de Monsaraz nomeando, e fazendo entrar em exercicio um juiz que lhes administrasse justiça?.. Pois o governo, que se julgou desembaraçado para fazer tudo que é pernicioso a este paiz, só não póde vencer esta grave difficuldade de dar um juiz á comarca de Monsaraz, nem a de restituir ao exercito um homem, que tinha feito altos serviços (segundo elle governo reconhece) á causa, da liberdade deste paiz? Para este fim vem submetter á camara uma proposta de lei?!!

O governo que em dictadura, fez e desfez leis á, sua vontade, não leve tempo, para attender a uma injustiça! Foi preciso que a camara attendesse a esses serviços; porque o governo não se julgou auctorisado, leve escrupulos de exorbitara esfera legal restituindo um alferes, que tinha sido demittido, ao seu posto, e reformando-o!! Para isso veio trazer uma proposta de lei! 1 Parece que de proposito, o governo, em dictadura, legisla sobre os objectos de maior importancia, de maior transcendencia para a nação inteira, e deixa em reserva os meios faceis, ou de menor importancia para entreterá camara? Reserva esses, digo, para que a camara tenha algum objecto a que attenda, um motivo, um thema para as suas discussões, e deliberações?? Reflecti, senhores, reflecti attentamente nesta situação! Vereis que o governo tinha muitos meios de acudir á situação inteiramente anomala em que está esta camara, e em que estão aquelles desgraçados: — mas esse zelo administrativo, esse modo de desempenhar os seus deveres de governo não lhe dava dinheiro para as despezas correntes.... E disto é que elle tractou! Remetta-se pois a representação no governo, mas sem nenhuma recommendação. — O poder legislativo não faz recommendações ao governo.

O sr. Nogueira Suares: — Sr. presidente, não me levanto para defender a demora com que correm os processos. Já na sessão passada tive occasião de dizer á camara qual era a minha opinião a este respeito: Eu quizera que a pena se applicasse logo na perpetração do delicto; de modo que ao crime succedesse teria, e immediatamente o castigo.

Mas, sr. presidente, não intentando defender o estado actual das cousas, a fórma estabelecida do processo, levanto-me para defender o governo... (O sr. Corrêa Caldeira — ímproba tarefa.) Nas proprias accusações que lhe dirigiu o illustre deputado, está a defeza do governo. O illustre deputado disse, que ha 5 ou 6 annos que estes individuos estão presos. Pergunto, e quem é que governava ha 5 ou 6 annos?.. O actual governo está no poder ha menos de dois, quem é que o esteve nos 3 annos antes?.. Então ereis vós governo, e porque é que durante esses 3 annos não attendestes á justiça e ás reclamações desses presos, dando-lhes um juiz para os julgar?.. (O sr. Corrêa Caldeira: Se achastes esses males porque os não tendes remediado?)... Mas vós não os quizestes remediar, e eu quero que elles se remedèem... (O sr. Corrêa Caldeira — E porque o não tendes pedido e exigido?) Já o pedi e já o exigi n'uma occasião que fallei nesta casa sobre objecto identico.

Mas, sr. presidente, a verdade é que nem o governo passado, nem o actual, de menos duração, tem culpas este negocio; a culpa, se a ha, vem das leis, as quaes cumpre reformar para evitar estes casos. — O defeito, repilo, está nas leis. Eu já vi processos de 3, 6, 7, 9, e 10 annos sem resolução alguma definitiva, e quando fui advogado examinei processos que duravam ha 5, 8, 10 e 20 annos sem terem terminado. (O sr. Corrêa Caldeira: — Eram processos crimes, e estavam assim por falla de juizes?) Eram processos crimes, e a demora era resultante, especialmente das muitas formulas hoje estabelecidas ácerca dos processos... (O sr. Corrêa Caldeira: — Então porque não denunciou isso. ao publico e ao governo?) Denunciei quando aqui vim como deputado, já tive occasião de o declarar á camara e pedi que se providenciasse sobre isto: que se apresentasse alguma lei a este respeito — Os inconvenientes que eu apresentei, não es-

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tava na alçada do governo prover a elles; o governo não tinha lei pela qual, podesse remediar esses inconvenientes. A lei actual está mal feita. Nós adoptámos uma fórma de processo — que já por si é muito demorada. — Temos estado constantemente desde 1831 ale hoje a fazer ensaios; temos estado na questão entre dar mais garantias ao individuo, e menos á sociedade, ou mais á sociedade, e menos ao individuo; e por fim não se tem dado nem á sociedade, nem ao individuo.

Sr. presidente, concluindo digo, que muito desejo se remedeem estes males. Peço que a representação seja remettida ao governo com recommendação; estou certo que o governo ha de tomar este negocio em séria consideração; e que ha de fazer alguma coisa, não pela lei existente, que a não tem, mas por uma lei que é necessario que proponha ao parlamento.... (O sr. Corrêa Caldeira: — Porque a não fez o governo durante a dictadura?) Não sei; pergunte a quem lhe póde responder. Esle negocio e outros iguaes ou identicos lembrarão ao Governo a necessidade de pio pôr quanto antes a esta camara alguma medida que possa acabar com esse abusos.

O sr. Cunha Sotto-maior: — Eu não venho aqui tirai desforços, nem fazer reconvenções, com o illustre deputado que me precedeu, o sr. Nogueira Soares, nas allusões arremeçadas ao governo passado. — As minhas contas com o governo passado estão saldadas — Não guerreio os mortos. O ministerio de 18 de junho já não existe — A minha questão é, se o governo actual creado ou qualificado para manter as coisas nos seus verdadeiros limites, para nos dar um systhema de franquesa e lealdade para nos fazer gozar em toda a sua plenitude as condições e regalias do regimen constitucional — para ministrar e fazer ministrar completa justiça a todos — e para acabar com os abusos, desacertos, tropelias, confusão, sinecuras, desordens, vexames, injustiças, offensas, escandalos que se attribuiam ao governo passado e que (leiam lugar ou serviram de motivo para essa inqualificavel insurreição de quarteis de que proveiu essa desgraçadissima regeneração; digo a minha questão é, se o governo actual tem remediado todos esses males?... Para mim o governo nascido da regeneração é tão criminoso, ou ainda mais, a meus olhos, do que era aquelle a quem fiz nesta camara opposição constante e decidida.

Não tenho já que vêr com o governo passado — E um desacerto não pequeno esta miseravel invocação dos crimes ou erros do gabinete cahido em abril para justificar es crimes ou erros do governo no presente!... Não é assim, senhores, que se defende um ministerio. — Bem sei que o governo conta com uma grande maior a nesta camara; mas, senhores, a maioria so de per si não basta — É necessario mostrar a justiça da vossa cauza e provar que o vosso ministerio cumpre os seus deveres Não basta o vosso voto e o vosso apoio para se sustentarem os ministros no poder — é preciso examinar se. o paiz está contente com elles, e satisfeito com o vosso proceder. (Susurro)

Nas circumstancias actuaes não me levanto, nem vós vos deveis levantar tambem, para criminar o passado — O passado já vos não pertence — O passado se póde ser chamado agora para alguma coisa, é para fazer o vosso processo — E cabe aqui referir o adagio portuguez = atraz de mim virá quem bom me fará. = O ministerio do condi- de Thonar está amplissimamente justificado — Porventura os escandalos, os desacertos, as injustiças, e os desaforos que foram attribuidos ao ministerio do conde de Thomar, não terão agora sido practicados em maior e mais larga escala Respondei-me, senhores, e dizei-me se esta desabrigada, mas fiança exposição, não será exacta?!... Estaes calados... immudeceis adiante da minha frisante interrogação!! 1

Sr. presidente, repito, as injustiças, os abusos, os escandalos, as prepotencias, alcavalas, fraudes, injustiças, desaforos, e torpezas que se diziam praticadas pelo ministerio do conde de Thomar tem sido praticadas em maior e muito mais revoltante escala pelo ministerio actual!.... Eu encontro hoje a mesma maioria que encontrei no tempo do conde de Thomar; então nem unia só voz da maioria se levantou contra esses actos practicados pelo governo; o mesmo acontece agora!... Encontro, ou conheço muitos cavalheiros que serviram de rastos o conde de Thomar, e que mais privavam com elle, que nas camaras d'então defenderam o Alfeite, o caleche, e a porcellana, servirem agora com reverenda submissão os ministros regeneradores; são esses, os antigos paladinos do conde de Thomar, os que hoje mais depressa se apresentam na brecha contra elle!!!

(O sr. Nogueira Soares: — Isso não é comigo.) Não quero dizer em quem acerta a pedra que despeço, mas affirmo e juro que vós, senhores, que praticais os mesmos ou maiores desacertos, não podeis atirar a pedra aos outros... (O sr. Nogueira Soares: — Eu posso; e desejava saber se acaso o illustre deputado se refere a mim, porque quero responder-lhe.) Eu não lancei a pedra ao illustre deputado, nem digo especificadamente a quem foi que a atirei, vai a quem toca; mas se acaso lhe bateu, levante-a, e se lhe não bateu, cale-se (O sr. Nogueira Soares: Não me bateu.) Não duvido.

Sr. presidente, em quanto á questão de que se tracta, eu pedi a palavra guiado por sentimentos que me honram, e porque-desejo que a camara pratique um acto de humanidade e ao mesmo tempo de justiça; não exijo mais da camara.

Sou ou desejo ser o homem da multidão — quero o governo constitucional em toda a sua plenitude, a executado pelas vias legaes — quero exercer os meus direitos ampla e livremente — Não rendo culto ao poder, nem faço côrte aos ministros — Dos ministros e do seu poder não quero cousa alguma, absolutamente nada — Se quizesse, linha repellido ou deitado para traz de mim muita gente que hoje está adiante.

Sou deputado, quero cumprir o meu dever; venho á face da camara condemnar uma injustiça, e stigmatisar um desacerto — Quero censurar, e não quero com o passado desculpar ou defender, como vós, a negligencia, o discuido, a indolencia, a indifferença, o crime até do ministro que não attende ás reclamações justissimas d'uns poucos de cidadãos, que estão gemendo n'uma cadeia ha 4 ou 5 annos!!! Censuro e.se desleixo, desleixo que tem sido levado ao ponto de que ha tres mezes que o sr. ministro não vai á secretaria da justiça! E contra isto tudo que eu me levanto; porem a maioria da camara deixa impassivel passar todos estes factos!!! Eu bem sei que tendes por vós a maioria; mas eu tenho por mim consideração mais forte. Tenho por mim a razão, a justiça, a honra, e a dignidade. (Sussurro) Quem é que impunemente se póde levantar nesta casa e ler

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a indiscrição, ou a insensatez de defender o ministro que deixa gemer uns poucos de cidadãos na cadeia sem processo, nem sentença!!!

Mas, disse-se — tambem já lá estavam no tempo do ministerio do conde de Thomar. — Repito, não sympathiso com invectivas aos tumulos; não fallei, nem fallo no ministerio passado, nem julgo que os illustre deputados da maioria o possam ou devam fazer do modo, no sentido, e para o fim que teem em vista. — Eu não vejo o ministerio do conde de Thomar, vejo o ministerio do duque de Saldanha, composto, álem de «. ex. dos srs. Rodrigo da Fonseca Magalhães — Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello — e Visconde de Atouguia. Não tenho, pois, nada com o ministerio passado, a esse fiz-lhe guerra — agora faço guerra ao actual, e tenho para este procedimento muito mais rasões. — Então accusei esse ministerio perante a maioria da camara, e perante o paiz — hoje accuso o ministerio actual e a maioria da camara perante o paiz. E o paiz ha de attender a minha accusação; e pedir-vos contas, senhores, porque estai certos que estes desacertos do ministerio, desacertos que vós não combateis, vão calando no animo dos povos, e estais, com conhecimento de cansa, ou sem elle, cavando um abysmo, em que haveis de cair, para não mais vos levantardes.

Reparai, senhores, que ainda o tempo, na situação actual, reparai na marcha que as cousas publicas vão levando — reparar no procedimento do ministerio — attendei ao conjuncto destas circumstancias, se quereis salvar-vos, e não deshonrar por mais tempo o systema constitucional.

Eu intendo, que a reclamação dos presos deve ser reinei lida ao governo, mas depois do que disse o meu illustre amigo e collega, concordo em que vá, mas sem recommendação.

O governo actual só pensa em duas cousas = dinheiro, e exercito =. exercito para ter dinheiro, e dinheiro para ter o exercito!....

O sr. Placido d'Abreu — Sr presidente, quando questões desta ordem sáem de todas as regias, que se devem observar nos parlamentos, a unica resposta e o silencio (Apoiados); e silencio tem sido guardado pela camara (Apoiados).

O sr. deputado Cunha Sotto-maior acabou por uma expressão, pela inversa da qual eu tambem acabarei. — Disse o sr. deputado — que não tinha confiança nos actuaes ministros, pois eu tenho confiança nos actuaes ministros. — Se o sr. deputado por isso não confia na recommendação que a camara fizer ao governo ácerca deste objecto, não acontece o mesmo a maioria. Portanto, deixe aquelles que confiam, fazer a recommendação; e eu espero que será attendida. E não direi mais nada a este respeito.

Observarei sómente que é de toda a conveniencia conservar-se aquella dignidade, que se deve conservar nestas casas, e isto da parte do todo, Os lados da ca-maia. Se a maioria tem que attender II minoria, a minoria tem deveres a que se deve sujeitar (Apoiados; e o sr. Cunha Sotto-Maior; — Mas faça a maioria o seu dever) O sr. deputado não é o juiz competente, para julgar, ou avaliai se a maioria faz ou não o seu dever (Apoiados — O sr. Cunha Sotto-Maior: — Mas é o paiz; e o numero não e rasão. É verdade que é o paiz, assim o intendo; e por isso mesmo que é o paiz, é que o sr. deputado não de

Via andar tão depressa, nem ião fóra de logar (Apoiados) Se o numero não é rasão, fallar ao respeito devido a esta casa tambem não é rasão (Apoiados). Quando questões graves aqui se agitam, devem ser tractadas com placidez e seriedade; e não dar logar a conflictos, que podem ser desagradaveis e prejudiciaes á causa publica (Apoiados). A maioria e a minoria devem respeitar-se mutuamente (Apoiados). E a unica resposta que se deve dar a essas accusações, arguições e eliminações, que foram lançadas adrede nesta casa, é o silencio. Eu por mim nenhuma outra resposta lhe dou (Apoiados).

O sr. Vellez Caldeira: — Eu quero só manifestar a minha opinião a este respeito. Ha absoluta necessidade de remetter esta representação ao governo com recommendação, embora se diga que disto nada se deve esperar da parte do governo, porque elle não fará caso. Sr. presidente, a camara não póde deixar de recommendar este negocio; se o não recommenda, a camara degrada-se (Apoiados).

N'outro dia fiz eu um requerimento, para saber quaes eram os logares que estavam sem juizes; respondeu-se-me que só o de Monsaraz. Ora, tendo o governo usado da dictadura para tanta cousa, é para sentir que não a applicasse a providenciar sobre a falla de juiz nesta comarca, como tão altamente é reclamado ha tanto tempo. Não ha nada que possa desculpar o governo neste caso.

O sr. Casal Ribeiro: — Sr. presidente, eu tambem não intendo que os desconcertos passados justifiquem os desacertos presentes: voto que o requerimento vá ao governo com recommendação; e folgo de ver sustentar com tanto calor, por aquelle lado da camara, os bons principios da rasão e da justiça; sentindo só que isso lenha logar um pouco tarde. (O sr. Corrêa Caldeira: — Peço a palavra.) Não me dirijo a pessoa alguma em particular, dirijo-me aos partidos politicos: as posições politicas muitas vezes servem para dar brilho e relevo aos verdadeiros principios. Gemeram esses desgraçado na cadêa 3 annos, durante a administração passada; não se accusou nem criminou o governo de então por isso: crimina.se a administração actual, porque ainda não proveu de remedio a esse mal; folgo de ver, posto que tarde, seguir estes bons principios; porque o não ler a administração passada durante 3 annos feito justiça a estes desgraçados, não é motivo que justifique o procedimento da actual. Eu desejaria que o governo, que exerceu a dictadura por tanto tempo, e sobre tantos objectos, tivesse tomado uma medida qualquer para remediai este mal.

Sr. presidente, eu tambem não quero juizes interinos; mas quero que o governo tracte dos meios de supprir os logares desses juizes que é =. tão em processo ou com licença, para que as causas não parem, e a justiça não durma eternamente. Foi para isto que o sr. Seabra apresentou á camara passada um projecto de lei, e eu desejaria muito que esse projecto ou outro que levasse ao mesmo fim, tivesse sido adoptado pelo governo durante a dictadura. Não o fez; é preciso que o faça agora, não em dictadura porque ella morreu com a abertura do parlamento; mas é preciso quanto antes que o governo venha apresentar á camara os meios com que julgue poder provêr a esse grande mal nessa comarca.

Portanto, eu voto que o requerimento vá ao governo com recommendação: não para que elle exor-

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bitando das suas attribuições nomeie um juiz ad hoc para aquella comarca, mas para que tome em consideração, como já o devia ter feito, este e outros factos, e venha propôr ao parlamento quanto antes o meio de obstar a similhantes aggravos. Não defendo pois um partido qualquer com os precedentes dos outros, nem sei tambem que elles morram para a historia; porque a responsabilidade de um partido politico não morre quando os ministros desse partido deixam de o ser, quando elle deixa de ser poder. Folgo que a camara seja unanime, porque não vi ainda que um só deputado se levantasse para combater o requerimento, ou para approvar o esquecimento do governo nesta parte; assim como folgo que a mudança de posição levasse os illustres deputados a pugnar por estes bons principios.

O sr. Corrêa Caldeira: — Pedi a palavra para rectificar um facto que me parece que deu occasião a que o illustre deputado que me precedeu, e que eu gosto sempre de ouvir, e a camara toda, pela proficiencia com que sempre entra nas questões, esquecesse um pouco a justiça com que costuma tractar todos os seus collegas. O illustre deputado folga diz elle, de ver agora os deputados da direita conversos; eu pedia-lhe que me dissesse em que foram elles conversos, isto é, quando lhe constou que os deputados deste lado da camara sustentaram que não se fizesse justiça fosse a quem fosse! Ora quer ver o illustre deputado «a camara como a accusação que se faz ao ministerio passado, não tem a importancia e o fundamento que tem a que se faz á administração actua]? Eu lhe mostro. O ministerio de 18 de junho nunca legislou; conservou-se sempre nos limites e regras estabelecidas na carta constitucional, nunca ultrapassou as raias estabelecidas na lei fundamental do estado; o illustre deputado sabe que o juiz da comarca de que se tracta, abandonou o seu logar, e o ministerio concentrado dentro dos limites da lei, havia de esperar o resultado do processo intentado contra o juiz, e não podia adivinhar que este negocio se demoraria 4 annos. Mas e tal a lealdade com que o illustre deputado entra em todas as questões, que não pôde, apesar dos seus bons desejos de achar meios de desculpar o procedimento do governo actual, deixar de concordar comigo em que o governo que assumiu a dictadura por tão largo tempo, se tivesse amor ás conveniencias publicas, podia e devia ter remediado a sorte destes infelizes; o illustre deputado conveiu neste ponto; o ministerio actual podia e devia ter remediado este mal; o governo passado não o podia fazer, porque o governo passado respeitou sempre a lei fundamental do estado, e nunca excedeu os limites que a mesma lei lhe marcava. Agora este governo que não respeitou nenhum limite, que infringiu sem escrupulo muitos artigos da lei fundamenta I do estado, este governo podia e devia ter provido de remedio a este mal para que a justiça podesse ser feita aos desgraçados presos de Monsaraz. A falla portanto é deste ministerio, e não do ministerio passado; o ministerio passado póde ter commettido muitos erros, commetteu alguns de certo, não commetteu este que pretende imputar-se-lhe — mas cahiu no maior de todos — foi dor occasião a que triunfasse uma revolta de quarteis que nos trouxe a este miserando alado! A culpa todavia no caso presente é desta administração, que no poder ha 2 annos, dos quais, 16 mezes em dictadura, não leve um instante livre, em que a sua attenção chegasse aos infelizes presos da comarca de Monsaraz. É este ponto importante que eu quero que a camara registe. Respondo, e repito ao illustre deputado que não sou converso; posso dizer-lhe com a cara levantada que foram sempre estes os meus principios, e espero morrer com elles, porque em religião e em politica nem mudei, nem espero mudar.

Deu-se pela mesa destina ao seguinte:

1.º Requerimento: — «A commissão de fazenda pede que o governo, pelo ministerio da fazenda, lhe remetta as representações que lenha recebido a respeito ou da conservação, ou da regularisação do imposto do pescado, assim por parte do administrador geral do mesmo pescado, como dos collectados, a fim de habilitar a mesma commissão a formar conceito sobre a conveniencia, ou inconveniencia das disposições, ou do modo executivo da lei de 10 de julho de 1843.» — Palmeirim.

Foi remettido ao governo.

2.º Requerimento r — «Requeiro que pelo ministerio da fazenda, sejam remettidos com urgencia et esta camara os esclarecimentos necessarios sobre o producto mensal, desde o 1. de setembro de 1852, da venda de bens, e venda e remissão de fóros, censos, e pensões, apropriados pelo decreto de 30 de agosto daquelle anno, com declaração em cada um dos mezes, das especies em que se verificou o dicto producto, mencionando-se o quanto em dinheiro, e o quanto em titulos de divida, ou em leiras, nos termos do decreto de 31 de outubro de 1852.» — Carlos Bento.

Foi remettido ao governo.

3.º Requerimento: — «Requeiro que pelo ministerio dos negocios da fazenda, seja remettido com urgencia a esta camara o mappa demonstrativo da applicação dada aos 25 contos mensaes, mandados entrar no thesouro pelo decreto de 3 de outubro de 1852, declarando-se as notas amortisadas mensalmente, e as inscripções resgatadas nos mesmos periodos, conformemente ás disposições daquelle decreto, e a quantia restante actualmente existente no thesouro, derivada daquella proveniencia.» — Carlo» Bento.

Foi remettido ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS.

Projecto de regulamento interno da camara dos srs. deputados para a execução do artigo 10.º do acto addicional á carta constitucional da monarchia portugueza.

Projecto (n.º 13 E.) — Artigo 1.º Quando o governo tiver de apresentar á camara dos srs. deputados alguns tractado, concordata, ou convenção celebrada com qualquer potencia estrangeira para ser approvado pelas côrtes em sessão secreta antes de ser verificado; se practicará o seguinte

Art. 2.º O presidente da camara logo que tiver recebido a communicação do governo para este fim, convidará a camara a reunir-se em sessão secreta.

Art. 3.º Nessa sessão será apresentado o authografo do tractado, concordata, ou convenção; e se fôr escripto em lingua estrangeira a traducção authentica dos seus artigos com duas cópias desta traducção.

Art. 4.º As commissões encarregadas de dar o seu

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parecer sobre o tractado, concordata, ou convenção, serão aquellas a que pertencer conforme a natureza das suas estipulações, ou será nomeada ou eleita pela camara uma commissão especial, se assim se resolver.

Art. 5.º O authografo e a traducção authentica passará á commissão ou commissões, a quem fôr commettido o seu exame, e as duas cópias ficarão sobre a mesa para poderem ser examinadas unicamente pelos srs. deputados.

Art. 6.º Na mesma sessão ficará designada aquella, em que deverá ser apresentado o parecer da commissão, ou commissões; e nesta depois de lido, se fixará outra sessão para ser discutido; e assim successivamente até ser approvado.

Art. 7.º Na discussão secreta se observarão as formalidades e regras da discussão publica.

Art. 8.º Nas actas não só se mencionarão as resoluções tomadas pela camara, mas tambem em resumo as opiniões e razões apresentadas pelos srs. deputados na discussão, redigidas por elles, e entregues ao sr. secretario para esse fim, e lidas e approvadas com a acta.

Art. 9.º Quando o tractado, concordata, ou convenção, fôr approvado o será nos termos seguintes. «He approvado para poder ser ratificado pelo poder legislativo o tractado, concordata ou convenção celebrado em.... de.... de.... entre Portugal e.... constando de.... artigos.»

E será enviado em segredo para a camara dos dignos pares, nos termos do artigo 48. da carta constitucional.

Art. 10.º No caso de não ser approvado se praticará o que se acha determinado no artigo 49. da carta constitucional.

Sala da camara, em de março de 1853. — Francisco Joaquim Maia, deputado pelo Porto.

O sr. Maia: — Peço que se dispense a leitura desse projecto, para ser remettido á commissão.

Dispensou-se a leitura — Foi admittido — E remetteu-se á commissão respectiva.

Projecto (n.º 13 D). — Senhores: O decreto de 6 de outubro de 1851, que reformou a legislação anterior sobre o corpo e serviço de saude do exercito, não póde ser considerado como méta de perfeição, posto que contenha disposições da maior vantagem, e que a priori asseguravam decidido aperfeiçoamento em um ramo de serviço tão transcendente, mas desgraçadamente tantas vezes esquecido.

Não podiam deixar de seguir-se melhoramentos reaes ás inspecções frequentes, e inesperadas; á desligação de hospitaes de um grande movimento, como os de Lisboa e Porto, de um corpo de guarnição, e ainda da creação de empregados menores, exclusivamente destinados ao serviço de saude. A experiencia, curta é verdade, de 16 mezes tem confirmado quanto havia a esperar d'aquella refórma.

O espirito humano, porém, não pára, cumpre pois ao corpo legislativo fazer as reformas necessarias, ou continuar aquellas, a que mão corajosa deu começo.

É por isto senhores que hoje temos a honra de offerecer á vossa sabia reflexão um projecto de lei tendente a reformar um ramo de serviço, reformado ainda no fim de 1851. Approvando as disposições delle, vós fareis um assignalado serviço á parte da nação, que paga a contribuição mais pesada ao homem — a contribuição de sangue, — excitareis a emulação em uma classe, que tem talentos distinctos, mas que morrem definhados, á mingoa de meios necessarios para a cultura das letras medicas, e porque lhes falta o estimulo que é o factor principal de toda a qualidade de aperfeiçoamento.

Mas, senhores, todo o estimulo seria violento e inefficaz se não dessemos á intelligencia, ao talento, ao estudo e vigilias, que elle reclama, as necessarias garantias de justa apreciação. É por isso, que julgamos como primeira e indispensavel condição a organisação de um corpo collectivo, que, a frente de uma corporação de mancebos illustres pelas suas habilitações scientificas, pela sua dedicação, e pela natureza do serviço, que lhe está encarregado, dirija com prudencia, acerto e honestidade esta parte tão interessante do serviço de um exercito. Êste corpo dissolvido pelo decreto de 6 de outubro alludido, tinha por ventura em si poucos elementos de conservação; pois só assim póde explicar se tal dissolução, ficando as repartições de saude, que o substituiram com um pessoal scientifico, igual em numero ao mesmo conselho, e áquelle com que muito tempo haviam funccionado.

Fosse, porém, qual fosse a causa da dissolução do conselho de saude do exercito, o certo é que não foram destruidas as razões da sua existencia, tão bem expostas em poucas palavras do relatorio de 13 de janeiro de 1837, assignado pelo illustre visconde de Sá da Bandeira, o qual diz assim: «A direcção geral deste serviço, confiada a um só individuo, não podia em these geral, e abstrahindo das qualidades muito especiaes, que pódem dar-se em um outro, offerecer, vista a sua extensão, natureza e responsabilidade, as garantias sufficientes, ou pelo menos as mesmas que sendo entregue a uma commissão convenientemente organisada. Esle ultimo modo de serviço tem de mais a seu favor a practica seguida quasi por toda a parte, e hoje entre nós em outras repartições analogas»

Senhores, se a parte do relatorio de 1837, que acabamos de citar, tinha applicação n'aquella época, com muita mais razão a tem hoje. Em 1837 o exercito não contava ainda em suas fileiras meia duzia de cirurgiões com o curso de estudos da escola regia de cirurgia de 1825: hoje já não tem em Portugal no serviço dos corpos um só facultativo com estudos medicos anteriores áquella escola; e quasi todos são filhos das escólas medico-cirurgicas. Então ainda idéas systematicas dominavam a pathologia e a therapeutica; ainda o partido clarão da doutrina fisiológica explicava muitos fenómenos e satisfazia alguns espiritos: hoje não ha systema em medicina, e tudo se encaminha a um impirismo methodico. Hoje é necessario aproveitar a experiencia de cada um, a observação de todos; ler os escriptos deste e daquelle, todos diversos entre si. Daqui deriva a necessidade absoluta do estudo, sem o qual o medico não póde conservar-se a par da sciencia: daqui deriva a necessidade da discussão de medidas, que hajam de abranger um grande numero de homens; e daqui a urgencia de estabelecer um corpo habilitado para a direcção dos negocios medicos. Com effeito, senhores, sem a sua existencia como garantir justiça ao merito? Como affiançar a qualquer deliberação a força moral necessaria, indispensavel mesmo, quando ella tem relação com uma classe scientifica, cujo trabalho mais importante poucas vezes póde sujeitar-se a outra res

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potabilidade que não seja a responsabilidade moral?.. Se em objecto Ião contingente póde dispensar-se a discussão em ramo algum de serviço publico, ella póde reputar-se util. Demais, senhores, a actual organisação da estancia superior da cirurgia militar portugueza constitue uma verdadeira anomalia, não só.ao systema pelo qual se acham entre nós reguladas outras repartições analogas, mas ale ao systema de governo, que ainda felizmente conservamos. Para as promoções é necessario não abrir as porias ao arbitrio; mas nada é tambem tão esterilisador em uma classe scientifica, como a antiguidade, arvorada em principio a seguir invariavelmente. Pois este principio, senhores, acha-se consignado nas ultimas reformas; e ao mesmo tempo escancaradas as portas no arbitrio. Como contraste temos a apresentar-vos. não só a nova lei sobre o serviço e corpo de saude da armada, mas tambem uma disposição do regulamento para os hospitaes, militares, datado em 9 de fevereiro de 1813 a qual por decrepita, não deixa de ser eminentemente util. Diz o citado regulamento no artigo 20.º do capitulo 7. «As promoções serão feitas em attenção ao merecimento e antiguidade, mas nunca se procederá sómente por esta segunda circumstancia, devendo attender-se em primeiro logar ao préstimo e intelligencia.» E por estas razões, que vos propomos excepções ao principio de antiguidade; mas excepções definidas; excepções bastidas em certames litterarios a que todos podem concorrer, e em que esperamos todos achem justiça e imparcialidade.

O decreto de 6 de outubro de 1851 determina, que as direcções dos hospitaes militares permanentes de Lisboa-e Porto sejam dadas por escala a dois cirurgiões de brigada graduados; e não ha logares mais improprios para escala, do que aquelles, para cujo bom desempenho é necessario, além de zelo, intelligencia e probidade, a disposição particular, que constitue o bom administrador. É necessario tambem a estabilidade, como reconhece o relatorio do 1.º de outubro, e esta é incompativel com a escala. No projecto que temos a honra de offerecer-vos, julgamos acharem-se as disposições necessarias para garantir o bom serviço destes logares que ninguem julgará excessivo equiparar aos logares de cirurgiões inspectores, se attender a que são aquelles, cujo bom desempenho, exige mais trabalho e cuidados mais aturados

As juntas.de saude em Lisboa, constituem outro ponto, que, reclama a nossa seria attenção. Ninguem cremos nós, sustenta á a maneira como se faz esta parte do serviço de uma responsabilidade consideravel. A opinião de um só individuo se não predomina no acto da inspecção, póde depois na repartição superior annullar aquillo contra que votou; Se não tem havido abusos de consideração, é isso devido a circumstancias pessoaes, que muita honra fazem á cirurgia militar portugueza; e não d que elles sejam precavidos pela lei, que deve pôr este serviço importante ao abrigo de toda a eventualidade......

A companhia de saude creada pelo decreto de 6 de outubro faz com.um capitão, um tenente e um alferes, um excesso de despeza, que nenhuma utilidade dá ao serviço. Todavia ella só dá empregados menores aos hospitaes militares de Lisboa, Porto,

Elvas e Chaves. Um certo numero de praças em cada corpo com as habilitações proprias dos enfermeiros satisfaria melhor, e mais convenientemente á parte do serviço desta classe de empregados. Comtudo em objecto tão peculiar julgamos melhor, que a camara auctorisasse o ministro da guerra para reformar as disposições vigentes depois de ouvir o conselho de saude do exercito, creado pelo seguinte projecto

Os farmacêuticos indispensaveis nos hospitaes de Lisboa e Porto, e no deposito geral dos medicamentos do exercito tem todo o direito á garantia da sua posição, que se torna tambem em garantia de bom serviço, É isto-tanto mais justo, quanto hoje se exi-gema esta classe — habilitações scientificas que antigamente podiam não ter.

— Ha ainda no exercito uma desigualdade consideravel, em detrimento da classe cirúrgico-militar, a qual pelo artigo 3.º do decreto de 13 de janeiro de 1837, tem direito a todas as prerogativas e vantagens concedidas por lei aos officiaes combatentes. Esta desigualdade versa sobre a não applicação aos cirurgiões móres do disposto no decreto de 4 de janeiro de 1837, que manda dar aos capitães com dez annos de serviço effectivo naquelle posto um accrescimo de 25 por cento no respectivo soldo. Os cirurgiões-móres, senhores, não se acham comprehendidos na letra do decreto, quando determina a maneira de contar os dez annos, mas o seu serviço póde bem equiparar-se ao dos capitães do exercito.

Ainda sobre outro ponto ha desigualdade: essa porém é fundada em lei, que só concede gratificação aos cirurgiões de divisão e de brigada, quando andam fóra do seu quartel. Ninguem dirá, que no intervallo das inspecções, o cirurgião encarregado dellas não tenha serviço, achando-se junto a um quartel general, onde ha inspecções de recrutas, onde ha um hospital militar, que amiudadas vezes deve ser observado, e um sem numero de incidentes, que o não deixam em ocio. Mas quando falte objecto para este serviço official, não tem elle outro de subida importancia — o estudo... — O estudo, senhores, não se faz com os meios indispensaveis á subsistencia, e os cirurgiões inspectores, sendo os unicos officiaes dos estados maiores das divisões, que não vencem gratificação permanente, tem para sustentar uma certa decencia, para a compra de livros e jornaes indispensaveis, para tudo em summa a quantia de 33:750$000 réis!!!

Conhecemos, senhores, quanto apuradas são as circumstancias do nosso thesouro, e ainda assim ousamos apresentai vos um projecto de lei que algum augmento faz na-despeza publica com a confiança de que o approvareis. Esse augmento de despeza porém, na realidade diminuto, não é devido á organisação do conselho de saude do exercito, que tem como compensação sufficiente a extincção de quatro logares, mas sim a gratificar-se com igualdade e justiça um serviço, em que toda a economia é prejudicial. De mais, senhores, se tivessemos com referencia ao serviço de saude, militar estatisticas bem feitas, intendemos que todo o ‘augmento de despeza nelle feito daria em resultado, não só melhoramento no mesmo serviço, mas tambem economia, real da fazenda publica.,

Senhores, o primeiro dever social do cirurgião é ser humano e soccorrer com caridade o seu similhante. Dever nenhum outro póde por tanto preterir aquelle. E por isso que julgamos opportuno consignar-se na nossa legislação uma disposição, que torne

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effectiva sem prejudicar a quem a practica, doutrina tão santa e christã. Foi com ella que fechamos o projecto, que vai ser submettido á vossa illustrada consideração.

Lisboa 16 de março de 11153. — José Eduardo Magalhães Coutinho — Joaquim Ramalho de Macedo Ortigão — Domingos Garcia Peres.

Art. 1.º O serviço de saude do exercito passa a ser dirigido por uma commissão denominada = conselho de saude do exercito =: composta do actual cirurgião em chefe, e de mais dois membros escolhidos pelo ministro da guerra de entre os actuaes cirurgiões de divisão ou de brigada; preferindo os que além de reconhecido zêlo pelo serviço, intelligencia probidade apresentarem melhores habilitações scientificas, cujo valor será graduado pela faculdade de medicina da universidade de Coimbra, ou por alguma das escólas medico-cirugicas de Lisboa ou Porto.

§ 1.º Depois de assim constituido o conselho de saude do exercito, qualquer vagatura, que nelle tenha logar, será preenchida pelo mesmo systema de escolha feita pelo ministro da guerra dentre os cirurgiões inspectores, creados pelo art. 2.º deste projecto, precedendo consulta dos dois membros restantes do conselho, e em caso. de necessidade, devida á falta de concordancia destes quanto ao valor das habilitações, ou noutra qualquer razão, de alguma das corporações acima referidas.

§ 2.º O disposto no paragrafo supra, deixa de ler execução quando houver algum cirurgião inspector com o direito, que confere o art. 8.º deste projecto.

§ 3.º O presidente do conselho de saude do exercito, será sempre o mais antigo dos tres membros, e lerá a patente de coronel. Os dois outros terão a patente de tenente coronel, e denominar-se-hão = vogaes do conselho de saude do exercito.. § 4.º Lm dos vogaes, do conselho de saude do exercito, proposto pelo commandante em chefe, dirigirá a repartição de saude debaixo de suas ordens; devendo além disso assistir ás sessões do conselho, quando elle tenha a tractar objectos, que não sejam de simples expediente.

Art. 2.º Haverá dez cirurgiões inspectores com patente de major. Oito delles farão o serviço dos actuaes cirurgiões de divisão e de brigada; e dois por escolha motivada do ministro da guerra, dirigirão os hospitaes militares permanentes de Lisboa e Porto, listes dois juntarão ao titulo de cirurgiões inspectores = director do hospital militar permanente em Lisboa ou Porto = conforme aquelle em que servirem.

§ 1.º Os actuaes cirurgiões de divisão conservarão as patentes que tem e seus respectivos soldos, mesmo quando nelles não recaía a escolha para vogaes do conselho de saude do exercito. Tanto elles como os actuaes cirurgiões de brigada ficam sendo cirurgiões inspectores, effectivos ou graduados, conforme a sua actual posição..

§ 2.º A collocação dos cirurgiões inspectores será feita pelo ministro da guerra, precedendo consulta.do conselho de saude do exercito, conforme a maior conveniencia do serviço; e de modo que na 1.ª e 3.ª divisão fiquem cirurgiões inspectores mais antigos, do que os directores dos hospitaes militares permanentes de Lisboa e Porto.

Art. 3.º Ficão extinctos os logares de cirurgiões ajudantes de que tracta o art. 2.º do decreto de 6 de outubro de 1851, os de cirurgiões internos dos hospitaes militares permanentes de Lisboa e Porto, e a commissão consultiva, creada pelo mesmo decreto.

Art. 4.º Será creado nos hospitaes militares permanentes de Lisboa e Porto, um logar de chefe de policia, preenchido por II in sargento de veteranos sendo possivel, ou d'um dos corpos da guarnição, o qual será de confiança do director. Cada um destes empregados vencerá de gratificação diaria 240 réis.

§ unico. É o ministro da guerra auctorisado n conservar os actuaes cirurgiões internos, em quanto, julgar conveniente, não preenchendo no entretanto os logares de chefes de policia...

Art. 5.º Terá logar annualmente a publicação de um volume intitulado = Annaes da Cirurgia Militar Portugueza = em que sejam impressas noticias de epidemias ou endemias reinantes nesse anno, o mappa nosologico de todo o exercito no mesmo anno, memorias dignas de ver a luz publica, ta parte das ordens do exercito, que disser respeito ao serviço de saude militar, e o mais que o conselho julgar conveniente.

§ unico. Esta publicação terá impreterivelmente logar no 1.º semestre seguinte ao anno, a que se refere, e será distribuido um exemplar della a cada facultativo e farmacêutico militar, e áquem o ministro da guerra julgar conveniente.

Art. 6.º O conselho de saude do exercito tem por deveres, além do que está marcado para a repartição de saude do ministerio da guerra, modificado ou alterado pelo presente projecto, o que nelle se lhe determina de novo, e a publicação dos Annaes de Cirurgia; Militar Portugueza.

§ unico. E encarregado ao mesmo conselho o exame da correspondencia scientifica e sobre serviço sanitario dirigida á repartição de saude do commando em chefe, a qual lhe deve ser presente pelo respectivo director, logo depois de recebida, para sobre ella serem tomadas as deliberações, que careçam do accordo do conselho, em cuja repartição será archivada.

Art. 7.º O conselho de saude do exercito publicará no fim de cada anno um ou mais pontos para concursos de memorias, que devem ser apresentadas até ao fim do anno seguinte.

§ 1.º Devem tomar parte neste concurso todos os cirurgiões inspectores, intendendo-se que-renuncia o direito á promoção o que deixar de apresentar memoria sucessivamente sobre dois pontos, sem causa motivada por doença; podendo naquelle caso, ser reformado, se o ministro da guerra, depois de ouvir o conselho de saude do exercito, assim o julgar conveniente. Para todos ou outros cirurgiões militar res o concurso é voluntario.

§ 2.º Compete no conselho, de saude do exercito examinar escrupulosamente estas memorias; e depois de escolher as duas melhores década uma das classes que vier ao concurso, chamará os seus auctores para — diante dos cirurgiões militares residentes em Lisboa, sustentarem a sua respectiva doutrina, sobre a qual serão interrogados officialmente pelos membros do conselho de saude, e officialmente por quem delle sollicitar e obtiver licença..

§ 3.º O conselho de saude do exercito póde tambem chamar a sustentar a doutrina de outra qualquer memoria a quem se der por seu auctor, parecendo-lhe ella apócrifa.

§ 4.º O conselho de saude depois deste exame

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oral, votará o merito relativo dos dois concorrentes preferidos de cada classe, e de todos se fará menção honrosa na ordem do exercito, sendo para uns a primeira distincção, e para os outros o accessit. Em seguida publicará o conselho nos Annaes ou em separado as ditas memorias, acompanhadas d'um relatorio, em que sejam expostos os motivos da preferencia.

$ 5º O conselho fica com o direito de não julgar satisfeita a questão; e o auctor de memoria com o de reclamar contra a justiça, que supposer feita a si. Neste caso haverá recurso a alguma das escólas de medicina do paiz; e se ella opinar porque houve injustiça, seguir-se ha a respeito da memoria e seu auctor o disposto para as primeiras escolhidas, sendo o jury de exame accrescentado com dois cirurgiões militares da escolha do examinado. Reconhecida que seja pela maioria deste jury a injustiça supposto, será reparada immediatamente.

Art. 8.º A primeira distincção de que tracta o § 4.º do art. 7.º obtida quatro vezes por um cirurgião ajudante, seis por um cirurgião mór, e tres por um cirurgião inspector, dá direito ao primeiro posto immediato vago, quando do auctor houver boas informações quanto á sua moralidade e zelo pelo serviço.

§ 1.º No caso de vagatura de qualquer posto (de cirurgião mór ou inspector) antes de haver quem esteja no caso do art. 8, escolher-se-ha dos seis cirurgiões mais antigos do posto antecedentes ao que se acha vago áquelle, que mais se aproximar ás condições do art. 8.º No caso de empate ou differença d'um só aceessit, que terá metade do valor d'uma primeira distincção, seguir-se-ha para a promoção o principio da antiguidade.

§ 2.º Os cirurgiões, que acompanharem corpos de operações, não serão prejudicados pelos direitos adquiridos em virtude do art. 8.º E seu § 1.º durante o tempo das mesmas operações. Aquelle porém, que quizer tomar parte em qualquer concurso, será reputada com duplicado valor a memoria que obtiver a primeira distincção.

§ 3.º Acabada uma campanha o conselho de saude do exercito discutirá o valor dás memorias, que se lhe apresentem sobre a sua historia medica, assim como o de serviços extraordinarios nella feitos; e gradua-lo-ha para ser convenientemente attendido, com relação ás menorias, de que tracta este projecto, publicando tudo o que lhe disser respeito.

Art. 9.º As juntas de saude em Lisboa são compostas pelo cirurgião inspector da 1.ª divisão militar, pelo cirurgião inspector-director do hospital militar permanente de Lisboa, e por mais tres cirurgiões militares da guarnição, nomeados no proprio dia da junta, a horas convenientes, pelo conselho de saude do exercito. Quando qualquer dos primeiros dois tiver justo impedimento, o conselho substituirá a sua falta, de modo que a junta não deixe de ser composta por cinco cirurgiões militares. Presidirá sempre a estas juntas o cirurgião mais antigo dos mais graduados.

§ 1.º Os resultados das inspecções, feitas por esta junta, com todos os documentos que lhe disseram respeito, serão enviados directamente ao conselho de saude do exercito, que os approvará, para subirem ao commando em chefe, ou regeitará vendo primeiro os individuos áquem disserem respeito os documentos, e motivando a sua rejeição. VOL. III — MARÇO — 1853.

§ 2.º Em caso de duvida justamente motivada o conselho de saude do exercito póde exigir a presença de qualquer individuo inspeccionado fóra de Lisboa, antes de dar a sua opinião.

Art. 10.º O ministro da guerra fica auctorisado, consultando primeiro o conselho de saude do exercito, a prover da melhor maneira, que julgar conveniente, os logares de empregados menores de todos os hospitaes militares, tendo em vista: 1.º o bem do soldado enfermo; 2.º a economia tão necessaria ao I besouro publico.

Art. 11.º Os farmacêuticos do deposito geral de medicamentos do estado, e os dos hospitaes militares permanentes de Lisboa e Porto denominar-se-hão = farmacêuticos militares = e ficam para todos os effeitos sujeitos ás leis militares.

§ 1.º O farmacêutico militar do deposito terá a patente de capitão: os dos dois hospitaes terão a de alferes, até completarem dez annos de serviço, e a de tenente depois delles completos.

§ 1.º O ingresso na classe de farmacêuticos militares terá logar por concurso de documentos scientificos, depois de reconhecida a habilidade practica, e desembaraço indispensaveis.

§ 3.º Serão tomados na devida consideração os serviços prestados pelos farmacêuticos actualmente em exercicio no deposito geral de medicamentos e nos hospitaes militares de Lisboa e Porto.

§ 4.º Os farmacêuticos militares dos hospitaes, tem accesso ao logar do deposito, preferindo o merito, e em igualdade deste a antiguidade.

Art. 12.º Aos cirurgiões militares na actividade do serviço serão contados, quando nelles se derem as outras circumstancias, que a lei marca para as reformas, mais cinco annos de serviço, como equivalente do tempo gasto nos estudos exclusivos da nobre profissão que exercem.

Art. 13.º E applicavel aos cirurgiões móres a disposição do decreto de 4 de janeiro de 1837, que concede aos capitães com dez annos de serviço effectivo naquelle posto um augmento de 25 por cento no respectivo soldo.

Art. 14.º É concedido aos cirurgiões ajudantes, com oito annos de serviço effectivo neste posto, um augmento de 25 por cento do respectivo soldo, e a graduação no posto immediato, Esta graduação porém é simplesmente honorifica e não dá direito a accesso. Tambem lhes é concedida a gratificação de 5 mil réis mensaes, todas as vezes que acompanharem conductas de doentes.

Art. 15.º Os vencimentos dos vogaes do conselho de saude do exercito e dos cirurgiões inspectores, são os marcados na tabella, que vai junta a este projecto e faz parte delle.

§ unico. Os vogaes do conselho de saude do exercito, e os cirurgiões inspectores, em quanto se acharem na effectividade do serviço, só perderão a gratificação no caso de doença, que delle o impossibilite.

Art. 16.º O cirurgião militar, ou qualquer outro empregado de saude do exercito, nunca poderá ser prejudicado em sua carreira, por acompanhar a força, cujo serviço sanitario lhe estives encarregado.

TABELLA A QUE SE REFERE O ARTIGO 15.º DESTE PROJECTO DE LEI.

Chefes, patentes, e vencimentos. Vogal do conselho e chefe da repartição de sande

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do commando em chefe — tenente-coronel — soldo 48$000 réis — gratificação 25$000 réis — 1 forragem.

Simples vogal do conselho — tenente-coronel — soldo

43$000 réis — gratificação 25$000 réis. Cirurgião inspector — major — soldo 45$000 réis —

gratificação 25$000 réis — 1 forragem. Cirurgião inspector, director do hospital de Lisboa ou

Porto — major — soldo 45$000 réis — gratificação

25$000 réis.

Lisboa, 10 de Março de 1853. = J. E, Magalhães Coutinho — Joaquim Ramalho Macedo Ortigão = z Domingos Garcia Peres.

Projecto. — Senhores: As carregações de vinhos do Douro, das adegas dos lavradores para o Porto, são feitas em pipas, que por lei devem ter a capacidade exacta de vinte e um almudes, e entre seis e nove canadas da medida do Porto, e são as pipas que os negociantes mandam ás adegas, e a medida por que os lavradores lhes entregam os seus vinhos.

Tem mostrado a longa experiencia demais de cem annos, que as pipas não podem satisfazer como medida exacta, pela variação que se dá na sua capacidade, pela «distincção mais ou menos horisontal, as bitolas mais ou menos gro sas, pela qualidade das madeiras, e sobre tudo a influencia que nesta operam as estações e os concertos.

Tambem como vasilha de conducção que deve exceder os limites que a lei marca, priva o commercio de uma grande economia que poderia fazer nos carretos e nos fretes dos vinhos para o Porto, sendo-lhe livre augmentar a capacidade das suas vasilhas de conducção como melhor lhe conviesse.

Tambem a inexactidão de uma similhante medida póde fraudai muito a fazenda publica na percepção dos direitos.

Com as leis que organisaram e elevaram ao subido gráo a que chegou o commercio dos vinhos do Douto, creou-se o officio de arreador para verificar a exactidão dessas medidas, que degenerou logo em patrimonio de um homem, que só tratou de disfructa-lo sem attender nos fins para que foi creado, o que deu origem á lei de 7 de outubro de 1837, que extinguiu o referido officio de pareador, e entregou ás camaras municipaes a fiscalisação dos methodos que applicou para alcançar a exactidão daquellas medidas: estas corporações, porém, não a podendo exercer por si, nomearam homens, que em geral, ou foram indolentes, ou se deixaram corromper, e a experiencia tem mostrado que por este meio se hão póde proteger o lavrador, sempre victima do excesso daquella medida, que tudo tende para o augmentar, mesmo apezar da boa fé que distingue as casas exportadoras das vinhos do Domo.

Por todas estas razões tenho a honra de propôr o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º E derogada a carta de lei de 7 de outubro de 1837, que extinguiu o officio de pareador das pipas empregadas na carregação dos vinhos do Douro, e creou o systema de parêa que hoje vigora.

Art. 2.º § 1.º Fica extincta a parêa das pipas empregadas nas carregações para qualquer destino, dos vinhos, agoas-ardentes, giropigas, ou vinagres, produzidos nas demarcações dos vinhos do Douro.

§ 2.º O commercio poderá servir-se de pipas da capacidade que lhe fôr conveniente para o melhor arranjo e economia das suas carregações.

Art. 3.º § 1.º Os lavradores de vinhos do Douro, são obrigados n medir 21 almudes e 6 Canadas, medida do Porto, por cada pipa de vinho, agoa-ardente, giropiga. ou vinagre que venderem.

§ 2.º Todo o lavrador do Douro, que não medir os seus vinhos no acto da carregação, pagará uma multa do 1$800 reis por cada pipa de vinho que tiver arrolado na adega aonde fallar á medição.

Art. 4.º § 1.º As medições poderão fazer-se por cantaro, almudes, pipas, ou balças á escolha do comprador.

§ 2.º O comprador poderá mandar verificar as medidas que lhe apresentar o vendedor, recusa-las, substitui-las pelas da freguezia, ou tomar quaesquer cautellas que julgar convenientes para verificar a sua exactidão; poderá tambem mandar afferir no caes em que tiver de carregar o vinho, duas pipas, que apresentará ao vendedor, o qual fica com iguaes direitos de e-colha, substituição e verificação.

Ari. b. § 1.º A commissão reguladora fornecerá ás parochias, por uma voz sómente, as medidas que esta lei lhes obriga a ter, e deverão ser de cobre, as medidas de cantaro, almude e balça; e as pipas de boa madeira, e bitola, com dois arcos de ferro, mais que as pipas ordinarias das carregações.

§ 2.º Todas as medidas serão reguladas pelo almude do Porto, em quanto não estiver em vigor o systema metrico.

§ 3.º A commissão reguladora manda fazer Uma balça de medição, com registo para encher e despejar, da capacidade de um quarto, sexto, ou oitavo de pipa, como melhor se possa accomodar ao serviço das carregações, de sorte, que cheia um dado numero de vezes, preencha a medida de 21 almudes e G canadas, que torna uma pipa. lista balça deverá ser de cobre ou lata.

Art. 6.º Toda a adega que recolher -10 pipas de vinho, de embarque, e d'ahi para cima, o obrigada a ler e afferir annualmente um taixo de cantaro, outro de almude, unia balça de lala ou cobre, do modêlo daquellas que a commissão reguladora distribuir ás parochias, e duas pipas de medição para facilitar as carregações, mandando o vendedor encher uma, em quanto o comprador despeja a outra.

§ 2.º A adega que não tiver essas medidas, ou não as fizer afferir annualmente, terá multada no valor das medidas todos os annos, que não as apresentar aos afferidores, que a commissão reguladora mandai ás parochias.

Art. 7.º § 1.º Em iodas as parochias das demarcações do Douro, que lavrarem ale mil pipas de vinho, haverá um taixo de cantaro, outro de almude, uma balça de medição, e duas pipas de medição; nos que lavrarem mais de mil pipas, o dobro. Estas medidas serão afferidas annualmente, sem o que não serão reputadas medidas legaes.

§ 2.º A conservação e limpeza destas medidas fica a cargo do regedor de parochia, que por ellas e responsavel, e será multado no valor de qualquer medida que deixar perder, arruinar, ou destruir; e Obrigado a apresenta-la aos afferidores que a commissão reguladora mandar ás parochias.

Art. 8.º § 1.º Os regedores de parochia deverão assistir ex-officio a todas as carregações de vinhos, que se fizerem nas suas parochias para commercio, e poderão ser ajudados neste serviço por pessoas auctorisadas com nomeação dos administradores dos concelhos.

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§ 2.º Os regedores passarão um attestado no verso dos titulos de qualificação dos vinhos que se carregar nas suas parochias, em que declarem o numero de almudes que mediram na carregação respectiva, sem o que lhes não serão passadas as guias correspondentes.

§ 3.º O imposto de 20 reis em pipa de vinho de embarque, estabelecido pelo artigo 8.º da lei de 7 de outubro de 1837. será pago pelo comprador ao regedor, no acto de passar a attestação que determina o paragrafo antecedente, que receberá este imposto como gratificação do seu trabalho, e obrigação de cumprir com os deveres que lhe prescreve o § 2.º do artigo 7.º

Art. 9.º § unico. A alfandega do Porto, fará a cobrança dos direitos respectivos, pela conta dos almudes carregados, reduzidos a pipas de 21 almudes e 6 canadas.

Art. 10.º § unico. As multas que esta lei estabelece, serão cobradas executivamente pelos agentes do ministerio publico; entrarão em um cofre, e serão applicadas aos concertos das estradas do paiz do Domo.

Art. 11,º É o governo auctorisado para mandar fazer os regulamentos necessarios para a execução desta lei, que principiará a ler vigor no 1. de janeiro de 1854.

Art. 12.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos srs. deputados, 20 de março de 1853. — Affonso Botelho de Sampayo e Sousa, deputado por Villa Real.

O sr. Santos Monteiro: — Peço tambem a dispensa da leitura desse projecto.

Dispensou-se — Foi admittido.

O sr. Presidente: — O auctor deste projecto pediu, quando o apresentou, que fosse publicado no Diario do Governo. Consulto a camara sobre ele pedido.

Decidiu que se publicasse no Diario do Governo — E remetteu-se á commissão de vinhos.

O sr. Ferreira Pinto (Eugenio): — A commissão dos vinhos acha-se installada, e nomeou para seu presidente o sr Affonso Botelho, para secretario o sr. A. G. Lages, e para relator Eugenio Ferreira Pinto Bastos.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — A camara naturalmente não prestou attenção a um officio que o sr. secretario leu, do ministerio dos negocios estrangeiros em resposta a um requerimento que eu aqui fiz ha dias.

Declaro que esta resposta me não satisfaz, declaro que estou resolvido a levar esta questão ale aos ultimos entrincheiramentos; não sei quem sairá victorioso, se eu, se o governo, mas uma vez que me lançaram a luva, prometto não recuar diante de consideração alguma; e só hei de parar adiante do impossivel. Não me dando por satisfeito, repilo, com a resposta do sr. ministro, vou fazer novo requerimento, que com quanto não pareça muito usual, a camara não deve fazer dessa tal ou qual irregularidade a menor questão, attenta a gravidade do assumpto. O requerimento é este. (Leu)

Eu posso dizer á camara que me reputo informado de tudo que ha a este respeito; se o sr. ministro me declarar que não existem na secretaria as cartas e papeis que requeri, hei de pedir auctorisação a camara para ir á secretaria dos negocios estrangeiros rever o livro de registo do anno a que me refiro; hei de pedir á camara a competente auctorisação para que me sejam mostrados os officios confidenciaes do barão de Moncorvo. O barão de Moncorvo era um cavalheiro summamente escrupuloso em assumptos que por qualquer modo contendessem com a honra real ou precumida de quem quer que fosse. Se me não engano, o barão de Moncorvo escreveu do seu proprio punho um officio narrando as circumstancias peculiares e escandalosas do assumpto sobre que versou o meu requerimento, e junto com esse officio mandou ao Governo duas carias de alguem de Lisboa ou do Porto, dirigidas a um portuguez preso em Londres, pelo crime de falsificação de leiras do thesouro portuguez. As cartas chegaram ao domicilio do portuguez, quando já elle estava preso: foram pois parar ás mãos da policia, foram abertas com a competente auctorisação do ministerio inglez, e traduzidas em inglez por um alguem bem conhecedor dos dois idiomas. Eis o que sei acêrca deste negocio; não se ise é muito, se é pouco, mas sei que não estou disposto a largar mão delle. Podem dizer que estou comprado, porque a essa increpação respondo como o sr. ministro do reino respondeu a respeito do preço porque se deram cellas commendas, que o dinheiro ficou na mão de quem o recebeu, não chegou ás minhas; e declaro, se um homem me entrasse pela poria dentro, e me dissesse, aqui tem você tal somma de contos de réis para tractar ou deixar de tractar desta questão, eu acceitava-os e ficava muito satisfeito, não recusava; depois vinha para a camara tractar da questão conforme a minha convicção me dictasse, e se o homem tornasse a minha casa e me dissesse: — pois eu dei lhe tanto para não fallar contra este caso, V. recebeu o dinheiro, e fez o contrario do que se esperava 1 — Respondia-lhe, que não negava que tinha recebido aquelle dinheiro, que lendo precisão tinha já gasto tanto, e que ahi estava o resto, que o levasse se quizesse, mas que nunca mais imaginasse, que eu era capaz de sacrificar a minha convicção: eu não sou tão abundante de bens de fortuna que entrando-me o dinheiro pela porta dentro eu commettesse a incivilidade de o mandar embora. Mas vamos á questão: eu espero que a camara não ponha duvida em approvar este requerimento; hei de pedir-lhe mais, se a resposta do ministerio me. não satisfizer, hei de pedir-lhe para ir examinar este negocio á secretaria; hei de pedir uma declaração cathegorica do sr. ministro, e se fôr necessario um juramento d'alma se lá existem ou não estas cartas; hei de pedir até um inquerito para verificar se os livros de registo foram ou não alterados; porque, repilo, não estou disposto nesta questão a ceder diante de nenhuma difficuldade; hei de parar só diante do impossivel; e depois hei de dizer bem alto na camara porque parei. As carias vieram, e se em cima dessa mesa existe um livro sagrado, eu vou já jurar em como ellas vieram; escondam-nas muito embora, podem sumi-las; mas o que eu acredito que não podem, o que eu acredito que o governo portuguez não tem, são meios sufficientes para sumir a pessoa nem o testimunho dos tribunaes inglezes; se me negarem aqui os papeis, hei de fazer diligencia para que me venham de Londres, e se eu achar nestes papeis melo de formar um processo de infamia ao governo, hei de faze-lo. Peço a Deos que me dê esse meio.

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ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto n. 12. (Vide sessão de 19 deste mez).

O sr. Presidente: — Vão ler-se algumas substituições que hontem vieram para a mesa.

Substituição. — Artigo 1.º «É prohibida as associações denominadas = monte-pios = a acquisição de bens de raiz por titulo oneroso; e a retenção, além de anno e dia, dos que por outro Ululo adquirirem na conformidade das actuaes leis de amortisação.

Art. 2.º II Fica permittida a estas associações a acquisição, por qualquer titulo, de fundos publicos, fóros, censos, e pensões, ou outros bens, que não sejam de raiz, precedendo auctorisação concedida em seus estatutos devidamente approvados pelo governo.» — Cardozo Castello Branco., Foi admittida.

Substituição. — “ Fica permittida a estas associações a acquisição por qualquer titulo dos bens equiparados aos de raiz, até uma certa e determinada quantia que será taxada pelo governo no decreto da approvação dos respectivos estatutos. — Lousada.

Foi admittida.

O sr. Nogueira Soares: — (Sobre a ordem). Eu apresentei uma substituição ao projecto em discussão; depois de mim, o sr. Cardozo Castello Branco apresentou outra, que consigna a minha idéa e a torna mais clara. Peço pois para retirar a minha substituição, e, a fim de tornar mais facil a discussão, declaro que adhiro completamente á que apresentou o sr. Cardozo Castello Branco. Permittiu-se-lhe retiral-a.

O sr. Bordallo: — Peço licença tambem para retirar a minha substituição, não porque adopte inteiramente a do sr. Cardozo Castello Branco, mas a minha idéa, ou uma dellas acha-se incluida naquella; e por isso retiro a minha.

O sr. Presidente: — Como ainda não foi admittida á votação, não é preciso consultar a camara.

O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, pasmo de admiração ao vêr que no estado actual da civilisação material e intellectual das sciencias sociaes, politicas e economicas, haja ainda quem confunda estas associações de reciprocos soccorros, com os corpos de mão morta, sem se attender ao seu espirito, objecto, fim e destino.

A questão tem mais importancia e mais interesse do que talvez a alguem pareça, porque todos estes estabelecimentos humanitarios, como caixas economicas, asylos, caixas de soccorros, seguros de vidas, prendem com a organição do trabalho, com o preço dos salarios, com a organisação da industria, com a moralidade dos habitos, com a educação das crianças, com as subsistencias dos velhos, dos invalidos, das familias das classes pobres e menos abastadas; e tudo quanto contribuir para por obstaculos ao desenvolvimento destas associações com o pretexto de um futuro mal imaginario, qual o de poderem agglomerar seus fundos, é contrariar todos os principios em que as modernas sociedades se fundam, é contrariar o grande principio de associação, que é a base do desenvolvimento e do progresso.

Sr. presidente, o objecto de todas estas associações é obterem os socios, unindo suas economias, o que não podem realisar permanecendo isolados; e os corpos de mão morta não tem por base esta economia — o fructo do trabalho —; tem outros vinculos, outras obrigações, outros encargos, outros fins; por consequencia não se póde dar analogia entre estas corporações de mão morta, e os estabelecimentos de monte-pios.

Os srs. deputados que seguem uma opinião contraria a minha, querem que a sciencia do direito fique estacionaria, em quanto todas as outras sciencias progridem. A sciencia do direito acompanha todas as outras, nem póde deixar de as acompanhar; aproveita todos os principios filosóficos; por elles em todo o tempo se tem melhorado, e continua ainda, a receber aperfeiçoamentos; quando as outras sciencias caminham, a sciencia do direito acompanha-as; por tanto querer regular novas instituições que estão no espirito das luzes do progresso por antigas fórmas, não é possivel, nem tão pouco admissivel. Quer-se fazer applicação do direito civil a estas associações; mas eu intendo que o direito civil lai qual está, não póde ser applicado neste caso. E como se apresentaram auctoridades, tambem por outras quero mostrar como estes estabelecimentos em toda áparte são considerados. Começarei pelo diccionario de economia politica, que se esta publicando por partes, e redigido debaixo da direcção de Charles Coquelin, sendo, nelle collaboradores insignes economistas.

Neste diccionario, debaixo da palavra — associação — no § l. se diz:

entre os povos adiantados em civilisação, a associação tem lido uma infinidade de applicações variadas, que se apresentam debaixo do diversas fórmas.

Uma destas fórmas é a associação de previsão e de economia. Esta classe comprehende os seguros de vidas, e as sociedades de soccorros mutuos (montepios). Os meios agglomerados por estes estabelecimentos são destinados para as evenlualidades.de enfermidade, e quaesquer outras, e tem por fim attenuar o effeito das infelicidades dos individuos, ou das familias que são dellas affectadas, e de augmentar a segurança dos outros associados.»

Eis como em França são considerados estes estabelecimentos — associações de previsão e de economia.

Mas como estas caixas economicas, de soccorros, estes monte-pios, como lhes chamamos, não podera') satisfazer completamente aos seus fins, nem dar interesse aos associados, se os depositos forem conservados em reservas metálicas, é necessario buscar lhes emprego. E a este respeito diz um distincto escriptor inglez, Banfield, na sua excellente obra — Organisação da industria — annotada por Emile Thomaz, o seguinte:

Quando as economias das classes laboriosas, ou de quaesquer outras, sobem a uma somma tal, que será impossivel conserva-la em fórma metalica, ter-se-ha de emprega-la em fundos publicos, o que será de grande vantagem, por ser uma garantia mais do credito nacional, da ordem, da prosperidade agricola, commercial e fabril. Mas nos paizes (como o nosso) onde este emprego não é seguro, a compra de terras é o unico meio de emprego das economias: o preço porém da terra sobe, e o capital dá pouco interesse.

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Tal é presentemente o estado em que está a maior parte dos paizes continentaes da Europa.»

Ouça tambem a camara o que a este respeito diz mr. Moreau Christofe, na sua eruditissima obra — Do problema da miseria — digna de ser lida e apreciada pela camara. — Estas associações de soccorros mutuos tem por fim assegurar áquelles que dellas fazem parte, em troco da modica quotisação que dão mensalmente, soccorros no caso de enfermidade, ou de outros accidentes determinados. — E já que me referi a este distincto escriptor, digo que adopto tambem as observações que faz relativamente a Portugal, n'uma parte dessa mesma obra, por isso que é bem, digno de attenção o que este sabio diz a nosso respeito. Fallando de Portugal diz:

«Os pais, mãis, filhos, e irmãs, são reciprocamente obrigados a soccorrer o membro da familia que cáe em necessidade. Nesta solidariedade de soccorro encontra-se o germen da solução tão baseada do problema da miseria, muito mais do que nas doutrinas socialistas, que principiam a apparecer na peninsula iberica.» Já se vê pelas doutrinas do illustre auctor, que elle aprecia estes estabelecimentos de caridade da maneira a mais filosófica possivel.

Ainda quero referir-me a mais alguem, ainda que, os auctores citados, são mais que sufficientes para dar apoio ás minhas opiniões.

Michel Chevalier, sobre a organisação do trabalho, diz: «A associação é um instincto natural nos homens industriosos. A associação é o attributo distinctivo da nossa natureza. Ha milhares de annos, que a sabedoria das nações ensina que a união faz a força.» Nestas cartas prova a necessidade e vantagens destas associações — caixas economicas — caixas de invalidos, etc. E que bem elaborado não está tambem o parecer da commissão especial dos soccorros publicos, apresentado por mr. Thiers na camara franceza!

Nelle acha-se consignada esta maxima — que o principio fundamental de toda a sociedade é que todo o homem é obrigado a prover por si mesmo ás suas necessidades e ás de sua familia. — A outros muitos poderia referir-me; e se se pertendesse resolver esta questão pelo peso das auctoridades, ahi estão as que tenho citado, todas bem competentes sobre a materia.

Acho que as auctoridades ciladas são bastantes para provar que o caracter, indole e fins destas associações) é diverso das associações de mão morta, e que não se lhes póde applicar um direito que lhes e completamente estranho. É necessario que todos se convençam, que os estabelecimentos de soccorros nunca se podem confundir com corporações de mão morta (Apoiados) assim como e preciso não confundir tambem, que as relações do direito se appliquem a factos diversos..

Sr. presidente, no estado em que se acha a sociedade, e a civilisação, querer-se chamar a estas diversas associações de soccorros mui nos, corporações de mão morta, para isto é que eu não estava de certo preparado! (Apoiados),

Associações que estão em relação com à organisação da industria e do trabalho, com o preço dos salarios subsistencias, ninguem com verdade lhes póde chamar corporações de mão morta; ninguem o póde dizer á face da Europa, da sciencia e da civilisação. (Apoiados) É necessario não confundir as diversa

relações: o direito estabelecido com os corpos de mão morta não póde de fórma nenhuma ler applicação com os estabelecimentos de soccorros.

Tenho ouvido dizer, que seria de grande vantagem unirem-se estas diversas associações n'uma só: combato esta idea, porque desejava que estas associações se multiplicassem o mais que fosse possivel, e não quero monopolio, nem quero exclusivismo; desejava, pelo contrario, que cada classe da sociedade podesse, dentro da sua mesma classe, formar uma associação, porque, deste modo haveria mais estimulo e mais desinvolvimento, e delle resultaria mais proveito á sociedade. O meu desejo era, que se estabelecesse, até para assim dizer, uma louvavel rivalidade entre todas estas diversas associações, porque assim se poderia tirar mais proveito destes estabelecimentos; por conseguinte não adopto a idéa da união, e vou antes para que se multipliquem quanto fôr possivel estas diversas associações de soccorros mutuos.

Tambem ouvi fallar na companhia das Lezirias; mas peço licença para dizer, que nada tem com a questão, porque ella é toda economica, social, politica e administrativa; e debaixo destes diversas aspectos e relações é que se deve considerar.

Disse-se ser melhor que os monte-pios empregassem os seus capitaes em fundos publicos, do que em bens de raiz, porque d'aqui lhe podiam provir maiores interesses. A isto direi, que necessariamente quando assim acontecesse, quando os monte-pios lucrassem mais em empregar os seus capitaes nestas propriedades, do que em bens da terra, assim o havim de fazer, porque os bens da terra sómente podem ser preferidos, quando não existe credito, nem segurança.

Sr. presidente, de tudo quanto tenho exposto se conclue, primeiro, que se deve dar toda a latitude possivel a estas associações de soccorros; segundo, que estas associações não são corpos de mão morta, e por isso sustento, em todo o seu vigor, o parecer da commissão. Pelo que respeita ás diversas substituições que se têem apresentado, como ellas todas parlem do mesmo principio de suppôr, que estas associações de monte-pios partilham de corpos de mão morta, rejeito-as todas, porque o meu principio é muito amplo — as associações de soccorros mutuos não são corpos de mão morta.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Nogueira Soares.

O sr. Nogueira Soares: — Como a camara está cançada, acceito a palavra para pedir que a materia se julgue discutida

O sr. Basilio Alberto: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Visto que ha um requerimento para se julgar a materia discutida, não posso dar a palavra ao illustre deputado

O sr. Nogueira Soares: — Uma vez que o sr. Basilio Alberto deseja a palavra, retiro o meu requerimento.

Continuando pois a discussão, e compelindo a palavra ao sr. Bordallo, que cedeu d'ella, seguiu-se

O sr. Cardozo Castello Branco: — Sr. presidente, eu oppuz-me ao parecer da commissão, na parte em que permitte que as associações denominadas montepios podem adquirir bens de raiz; e oppuz-me por intender que se, vai tirar da communhão social uma grande massa de bens de raiz, sem se saber até onde poderá chegar esta amortisação, visto querer-se fazer extensiva a concessão a todos os monte-pios, quaes (pior que elles sejam.

VOL. III — MARÇO — 1853.

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É necessario dizer uma grande verdade; nós não estamos tractando de jure constituio, sim de jure constituendo; e por conseguinte a camara tem a resolver o seguinte — será conveniente aos interesses da sociedade que as associações denominadas monte-pios possam adquirir bens de raiz, amortisar todos esses bens e tiral-os da communhão social? — Esta é que é a questão: e eu perguntarei a todos os illustres deputados: se poderá ou não ser inconveniente á causa publica o permittir a estes estabelecimentos uma acquisição illimitada de bens de raiz. Parece-me que nenhum dos illustres Deputados deixará de concordar comigo em que esta illimitação póde ser muito prejudicial, e estou persuadido que até mesmo o meu illustre collega que se senta ao pé de mim, e que mais se tem opposto ás opiniões dos oradores que combatem o projecto, ha de vir a este accôrdo.

Mas assim como eu nego a estes estabelecimentos a acquisição de bens de raiz, e uma amortisação indeterminada, quero tambem que elles tenham uma ampla liberdade para adquirirem todos os bens que não forem de raiz, porque a respeito d'esses não se dão os mesmos inconvenientes. I

O sr. Louzada apresentou uma emenda á minha substituição, Eu quero que os monte-pios possam adquirir fundos publicos, foros, censos e pensões, ou outros quaesquer bens que não sejam de raiz. Desejo que os monte-pios possam comprar acções de companhias, como por exemplo, da companhia dos caminhos de ferro, da Unido Commercial, das Lesirias, da companhia Fidelidade, ou da de Illuminação a Ga, porque quero que haja uma ampla liberdade na acquisição; e o illustre deputado fez á minha substituição uma restricção, para que aos estabelecimentos denominados monte-pios não seja permittida a acquisição de todos aquelles bens que forem equiparados aos bens de raiz. Esta restricção é que eu não posso admittir, porque intendo que é necessario dar a estes estabelecimentos uma ampla liberdade, para que elles possam adquirir os bens que intenderem conveniente. Por tanto, intendo que a minha substituição é a unica que póde ser approvada, para que prohibindo-se a acquisição de bens de raiz, se dê ao mesmo tempo toda a liberdade a estes estabelecimentos para adquirirem os bens que melhor intenderem.

O sr. Basilio Alberto: — Sr. presidente, não tinha tenção de fallar nesta questão, não só porque tem sido tractada com tanta proficiencia por todos os lados, que não poso ter a presumpção de lançar sobre ella mais luz; senão tambem porque estou acostumado a uma escola, cujos exercicios são mais pacificos do que os debates parlamentares que aqui se agitam. Como porém assignei o parecer da commissão, e um illustre deputado me emprasou para dar a rasão porque o fiz, não quero que o meu silencio possa fazer presumir que eu reneguei aquelle parecer, ou o assignei sem o lêr, o que nunca faço.

Já o meu illustre amigo, o sr. Mello e Carvalho, disse que o pensamento que presidira á redacção daquelle parecer, fôra o do respeito pelos direitos de associação e propriedade Todo» sabem que estes direitos são o fundamento mais solido do edificio social; e por isso a commissão quiz que os monte-pios o podessem gosar em toda a sua plenitude. A commissão não considera estes direitos absolutos, porque nenhuns ha que o sejam, mas intende que sómente se lhes devem impôr as restricções, que forem reclamadas pela utilidade publica; não quer conceder privilegios aos monte-pios, mas quer que gosem do direito commum. Portanto a questão vem a reduzir-se ao seguinte — Haverá interesse para a sociedade em que aos monte-pios se coarcte o direito de propriedade no que diz respeito á acquisição de bens de raiz?

Alguns dos srs. deputados que impugnaram o parecer da commissão, seguiram outro caminho. Estabeleceram definições dos corpos de mão morta a seu arbitrio, e classificando nelles os monte-pios, deduziram para estes a inhabilidade para adquirir bens de raiz. Neste modo de argumentar ha uma confusão de effeito com a causa. Nenhum corpo moral é por sua natureza corpo de mão morta, todos são compostos de homens com aptidão para adquirir bens de raiz, e por isso tambem todos elles a tem; a lei é que lhes corta essa mão, e os torna de mão morta prohibindo-lhes aquella acquisição. Portanto não são prohibidos de adquirir, porque são de mão morta; são de mão morta porque a lei os prohibe de adquirir; e assim o que imporia saber, é se os motivos que houve para estabelecer as leis de amortisação, se verificam ou não nos monte-pios. Nos tempos antigos, o fanatismo e falsas idéas religiosas, tinham feito acreditar que Deus seria ião ambicioso como os homens, e que por isso os peccados se podiam remir com a riqueza deste mundo. Acreditou se tambem que nenhum testamento podia ser válido sem legados pios, e que aquelles que os tivessem, eram válidos ainda que lhes faltassem as solemnidades do direito. Permittiram-se ou toleraram-se as falsificações de escripturas e de outros titulos em favor da igreja e mosteiros, com o nome de fraudes piedosas. Assim succedia que por taes meios vinham muitas familias a ser despojadas dos seus bens para enriquecer as igrejas; e como o poder ecclesiastico era poderoso, os imperantes seculares, não podendo atacar de frente estes abusos, prohibiram ás igrejas e mosteiros a acquisição de bens de raiz.

Aqui está o primeiro motivo das leis de amortisação, e por ventura poderá alguem dizer que se verifica nos monte-pios? Decerto não: se podesse haver receio, seria do contrario, de haver quem se queira enriquecer á custa delles, de haver quem lhes peça esmola em logar de lh'a dar.

Com aquelles meios de adquirir por uma parte, e com a prohibição de alienar pela outra (porque a permissão de alienar com as solemnidades do direito canonico equivale áquella prohibição) havia de succeder que as igrejas e mosteiros se tornasem senhores da maior parte dos bens, prejudicando o giro do commercio e os direitos do estado. Para obstar a este inconveniente prohibiu-se a acquisição de bens de raiz: e ahi está o segundo motivo das leis de amortisação. E por ventura verificar-se-ha nos monte-pios? Tambem não; porque os monte-pios, além de não lerem aquelles meios de adquirir, tem ampla liberdade para alienar.

Mas diz-se — Se não tem aquelles meios de adquirir, tem outros; se não são inhibidos de alienar por direito, podem-no estar de facto. Pois bem, assim será; e eu longe de lamentar que assim seja, estima-lo-hei muito. O que eu não quero, porque julgo ser prejudicial, é movimento, nem inamobilidade artificial, previlegiada, mas quero a natural. Se os estabelecimentos, se as familia, se os individuos, pelo

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seu trabalho, ou por outros meios legitimos, puderem adquirir grandes cabedaes; se pela sua economia os puderem conservar e melhorar; não vejo que nisso vá mal ao estado, antes bem; se não recebe sizas, recebe decima», e outros direitos, e a estabilidade das instituições, das familias, e dos individuos e o verdadeiro fundamento do patriotismo, que sem essas raizes é um nome vão; o homem que tem a sua fortuna na sua carteira, não é portuguez, nem francez, nem hespanhol, é cosmopolita.

Notou-se de contradicção o querer abolir os morgados, e conceder aos monte-pios o direito de adquirir bens de raiz; porém a contradicção está no contrario. Quem pugna pela abolição de, morgados quer a propriedade livre, assim como quer para os montepios a faculdade de adquirir bens de raiz; quem nega esta, quer restricções á propriedade que nos morgados quer libertar. Nós não queremos instituições, nem familias privilegiadas; mas queremos instituições seculares e familias historicas; não queremos que as fortunas tenham uma estabilidade artificial; mas tambem não queremos que sejam o jogo de agiotagem como ha-de succeder á dos monte-pios, quando prohibidos de adquirir bens de raiz, se virem na necessidade de empregar os seus capitaes em fundos imaginarios, ficando assim milhares de familias expostas a verem-se, por qualquer contingencia, privadas do pão de cada dia.

Tambem se allegou, como motivo das leis de amortisação, a má administração dos bens das igrejas e mosteiros, e o estorvo que fazem á agricultura Os Latifúndios; porém eu não posso dar por resolvida esta questão, porque vejo que, se os latifúndios prejudicaram a agricultura em Italia, a fazem prosperar em Inglaterra; e tenho para mim que a excessiva divisão da propriedade prejudica mais a agricultura do que os latifúndios. Sem fallar nas questões interminaveis de servidões e limites, concebo bem como um pequeno proprietario possa cultivar bem o seu pequeno campo, e até reduzido a um jardim; mas não sei como possa fazer piados artificiaes, granjas modelos, e novos instrumentos de agricultura, que facilitem o trabalho della e multipliquem a producção. Foram os mosteiros que rotearam grande parte dos terrenos incultos; e, se os bens delles se acham hoje mais bem cultivados, não foi por terem passado para a mão de pequenos proprietarios, antes para a dos grandes. Sirva de exemplo a quinta de Foja, que se hoje está melhorada, foi por ter caido nas mais dos srs. Ferreiras Pintos Bastos, que todos reconhecem por grandes proprietarios. Portanto conformo-me com o parecer da commissão que assignei, e julgo anachronico a applicação das leis da amortisação aos monte-pios, porque é querer coarctar, sem necessidade, os direitos de associação e de propriedade, quando na extensão delles consiste o prejuizo.

Peço perdão á camara de lhe ter occupado o tempo e a attenção que tão benevola me prestou, com reflexões talvez bem triviaes: porém costumo fallar poucas vezes, e ao menos por isso merecerei desculpa., O sr. Presidente; — Na na mesa a substituição do sr. Cardozo Castello-Branco, que diz assim. (Leu.)

O sr. Pinto de Almeida: — Peço que a votação seja nominal.

O sr. Maia (Sobre a ordem): — E para lembrar que temos um regulamento nesta casa, onde se dispõe como e quando se ha-de proceder ás votações nominaes; e portanto peço a v. ex.ª que o faia observar.

O sr. Presidente: — Primeiro que tudo voa por o requerimento do sr. Pinto de Almeida á votação. Foi rejeitado.

(Continuando): — Então vai lêr-se o artigo do projecto para se votar sobre elle.

O sr. Nogueira Soares (Sobre o modo de propôr): — O que será mais conveniente é votar-se por quesitos. A questão é se os monte-pios podem ou não podem adquirir bens de diversas naturezas: bens Místicos, urbanos, foros, censos e pensões, acções e fundos publicos. Lembrava pois a v. ex. que propozesse successivamente á camara os seguintes quesitos:

1.º — Será permittido aos monte-pios adquirirem foros, censos, ou pensões?

2º — Será permittido adquirirem inscripções ou apolices?

3.º — Será permittido adquirirem predios urbanos?

4.º — Será permittido adquirirem predios rusticos?

5.º — E no caso de lhes ser permittido o adquirirem predios rusticos, ha-de ser para os conservarem, ou devem aliena-los dentro de um anno?

O sr. Mello Soares; — Eu pedi a palavra para explicar a verdadeira idéa da commissão. É necessario que a camara intenda que a commissão nunca se persuadiu que dava uma auctorisação, ou que vinha proposta para os monte-pios: a commissão intendeu que os monte pios tinham um direito; portanto o que se deve propôr á votação é — Se elles têem ou não esse direito. — Foi o modo como a commissão encarou esta questão.

O sr. Justino de Freita. — Sr. presidente, parece-me que não ha senão duas questões unicamente a resolver: a 1.º é se os monte-pios podem adquirir e alienar bens de raiz amplamente, nos lermos e como está exarado no parecer da commissão; 2.ª a substituição do sr. Cardozo Castello-Branco, que restringe esse direito, que a commissão julgou aliás dever ampliar segundo o direito commum. Por consequencia intendo que não ha necessidade de se propôr por quesitos, porque a questão é clara; não ha a votar senão o parecer, e, se não fôr approvado, a restricção.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, insisto em que ha mais do que a restricção porque ha muitos srs. deputados que querem votar por uma parte da substituição, e não por outra; e não se póde tolher a ninguem a liberdade de votar como intender. Para que havemos nós de fazer com que a camara rejeite a substituição do sr. Cardozo Castello Blanco? Ouvi ainda ha pouco a um distincto membro desta casa que queria votar — que se concedesse o direito de adquirir predios urbanos, e não rusticos —: talvez haja outros deputados que estejam em iguaes circumstancias. Eu quero que todos tenham a liberdade ampla de votar, e por isso a votação devia ser da maneira que indiquei.

E consultada logo a camara sobre Se a votação devia ser por quesitos? — Resolveu negativamente.

O sr. Presidente: — Então vai lêr-se o artigo do projecto para se votar; senão se vencer, votar-se ha sobre a substituição.

Pondo-se pois logo á votação o Artigo 1.º do projecto — foi rejeitado por 46 votos contra 42.

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Artigo 1.º da substituição — rejeitado por 50 votos contra 38.

Artigo 2.º — approvado.

O sr. Presidente: — Com a approvação deste artigo fim prejudicada a substituição do sr. Lousada.

Artigo 3 do projecto — approvado.

O sr. Rivara — A commissão de agricultura constituiu-se, e nomeau para seu presidente o sr. Faustino da Gama, secretario o sr. Alvaro da Fonseca, e relator a mim.

Passou-se á discussão do seguinte:

Projecto (n.º 13.) — Senhores: — Foi presente á commissão de guerra a proposta de lei, cuja iniciativa renovou o sr. deputado José Estevão Coelho de Magalhães, em sessão de 16 de fevereiro ultimo, a fim de as disposições beneficas da carta de lei de 21 de agosto de 1810 serem extensivas aos empregados da extincta thesouraria geral e contadoria fiscal das tropas, e aos officiaes dos extinctos governos das armas das provincias, que, tendo sido promovidos pelo governo legitimo, serviram o governo do usurpador até á concessão de Evora-Monte.

A commissão, considerando que o pensamento da lei já citada tinha por fim extinguir os vestigios de antigas dissenções civis, e attender, quanto possivel, os serviços prestados ao paiz pelas differentes classes dos servidores do estado;

Considerando que naquelle pensamento generoso não havia por certo a idéa de fazer quaesquer exclusões;

Considerando o precedente estabelecido pela carta de lei de 21 de agosto de 1818 a favor dos empregados da extincta repartição do commissariado;

Visto o parecer que, a similhante respeito, a commissão de guerra da dissolvida camara dos srs. deputados submetteu a sua approvação em 10 de junho de 1850:

Tem a honra de propôr o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º A disposição do artigo 2.º da caria de lei de 21 de agosto de 1810 será extensiva aos empregados da extincta thesouraria geral e contadoria fiscal das tropas, e aos officiaes dos extinctos governos das armas das provincias, que, tendo sido promovidos pelo legitimo governo, serviram no exercito do usurpador até á concessão de Evora-Monte.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 14 de março de 1853. — José de Pina Freire da Fonseca, Presidente = Antonio de Mello Breyner — Antonio Ladidau da Costa Camarate — Alexandre José Bolei lio de Vasconcellos e Sá = Carlos Cyrillo Machado = Augusto Xavier Palmeirim = Placido Antonio da Cunha e Abreu, relator.

O sr. Vellez Caldeira: — Pedi a palavra não para impugnar o artigo deste projecto, porque depois das resoluções que esta camara ultimamente tem tomado, e sendo a lei igual para todos, restituidos uns, sejam restituidos os outros; mas é para se observar esta mesma regra, que eu vou propôr dois artigos novos em additamento a este projecto. — Ha outros empregados que estão fóra dos seus logares, e são os das repartições extinctas em 1833, ou os que pela reforma dessas repartições não ficaram nellas Não ha muito tempo que me foi apresentado o requerimento de um empregado que foi de uma repartição extincta da antiga casa do civel, que no tempo de D. Miguel se apresentou no Porto quando alli desembarcou o Imperador Duque de Bragança, o foi empregado em outras commissões de serviço; e hoje esta não só desempregado, mas sem meios de. subsistencia. Isto, sr. presidente, é uma cousa que reclama providencias; e se ha razão para contemplar estes militares, no que faço justiça á illustre commissão, deve havel-a a respeito de empregados civis que estão nas mesmas circumstancias. Neste sentido mando para a mesa o seguinte:

Additamento: — artigo 2.º «Os empregados das repartições extinctas em 1833, ou aquelles que pela reforma das repartições a que então pertenciam, perderam Os seus logares que lhes foram garantidos pela legislação de 1832, serão pelo governo empregados com preferencia a outros quaesquer pertendentes nos logares que forem vagando, e que correspondam em vencimento aos que antes occupavam.

Art. 3.º “ Os empregados civis das mesmas repartições que perderam os seus logares por terem servido o usurpador, lendo aliás a necessaria aptidão, serão igualmente empregados nos logares que forem vagando.

Art. 4.º “ Fica revogada toda a legislação em contrario.» — Vellez Caldeira.

Foi admittido — E ficou em discussão conjunctamente.

O sr. Rivara (Sobre a ordem): — Acho justa a doutrina do projecto, assim como acho igualmente justa a do additamento do sr. Vellez Caldeira; mas sendo necessario que para estas restituições exista a mesma analogia em relação á qualidade das pessoas e seus empregos, acho mais coherente, para abbreviar tempo (porque do modo que propõe o illustre deputado, a questão se toma um tanto complexa) que se tracte sómente deste parecer, e quanto á maioria do additamento, que se apresente um projecto de lei que em poucos dias póde ser aceito e approvado pela camara.

O sr. Santos Monteiro. — Eu louvo, e todos nós devemos louvar o zelo do sr. Vellez Caldeira; mas o que me parece é que s. ex.ª, querendo fazer bem, talvez faça mal. Sobre a materia de que tracta o seu additamento, devo dizer a s. ex.ª, que está pendente na commissão de fazenda um projecto de lei que brevemente virá ao parlamento, e onde tem cabimento o que s. ex.ª pertende. O que sei é que estando na mão de um dos membros da commissão mais intelligente, e mais zeloso que é o sr. Casa! Ribeiro, este de certo não ha de tardar em apresentar o seu voto, que ha de ser seguido por tola a commissão, e brevemente será discutido. O additamento do sr. Vellez Caldeira está na idéa de toda a camara; e s. ex. fazia muito bom serviço aos individuos de que tracta o projecto em discussão, se retirasse a sua substituição, que não é necessaria agora para se approvar este pi ejecto, reservando para quando vier a discussão o projecto a que me referi.

O sr. Vellez Caldeira (Sobre a ordem): — Eu quiz obstar a que se fizessem leis aos pedacinhos. Diz-se, que esta lei é só para dois individuos, e eu não quero que se faça uma lei só para dois individuos, e sim para todos que estão nas mesmas circumstancias, ou sejam por estes ou por aquelles motivos.

Mas se não querem contemplar só a estes dois, então, sr. presidente, vá esse projecto á commissão de fazenda, juntamente com o meu additamento, e seja tudo combinado, para que estes não ganhem e os ou

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tro percam. (Uma voz: — Estes é para que ao menos se não perra tudo.) Por isso mesmo que se me diz — para que se não perca tudo — digo eu — ou se salve tudo, ou se perca tudo. Não seja isto negocio do compadrio: vá tudo remettido á commissão de fazenda, ou a outra que considere tudo juntamente, e elabore um projecto que venha á approvação da camara.

O sr. José Estevão (Sobre a ordem): — O meu amigo, o sr. Vellez Caldeira, póde exprimir-se como quizer; mas não póde confundir dois objectos, que são essencialmente distinctos (Apoiados). Isto não é uma verdadeira lei, e uma applicação de lei, e é vergonha ter sido preciso commetter esta questão ao corpo legislativo. Os individuos de que se tracta são apenas dois, e pertenceram á convenção de Evora-Monte; mas não gosaram do beneficio da carta de lei de 24 de Agosto de 1840, porque, não lendo espingarda nem espada, ficaram em esquecimento. Como disse, isto não é uma graça nova, que se pede (Apoiados) é a applicação de um dos artigos da convenção de Evora-Monte em favor de dois homens, que não é justo, porque os outros, que eram trinta e oito, já morreram á fome, que estes dois morram tambem.

Este projecto, digo, não é novo, não é estranho á camara, e admira, que uma pessoa tão seria como o sr. Vellez Caldeira falle em apadrinhamento. Este projecto passou á camara dos pares, e fui eu alli busca-lo para renovar a iniciativa aqui. E note-se que passou em tempo, em que as idéas de economia eram tão severas, ou mais ainda do que nesta camara; e comtudo, tendo sido examinado por outra commissão de guerra, passou sem nenhum obstaculo, porque se lhe não póde fazer. Agora querem que se applique o beneficio a outras pessoas em identicas circumstancias; sim, senhores, concordo, mas faça se uma lei para essas pessoas (Apoiados) — e vote-se esta; porque do contrario é um embaraço para estes, sem ser um meio para facilitar o despacho dos outros. Intendo, pois, que o projecto se deve approvar (Apoiados).

O sr. Placido de Abreu (Sobre a ordem): — Sr. presidente, eu pedi a palavra para fazer breves reflexões ácerca do objecto de que se tracta, e que talvez ponham termo á questão. A convenção de Evora-Monte no artigo 3 0 fez applicação de certas e determinadas disposições a individuos do exercito de D. Miguel, com certas e determinadas circumstancias. Houve individuos que se não apresentaram a reconhecer esse facto; e o resultado foi, que uns foram admittidos, e outros desattendido! pelo governo. Vieram depois estes requerer ao corpo legislativo, e pela lei de 24 de agosto de 1810 attendeu-se quanto possivel aos serviços prestados ao paiz pelas differentes classes de servidores do estado, comprehendidos na disposição da já citada convenção; mas foram esquecidos nessa occasião os empregados do extincto commissariado, e por isso foi feita depois ainda uma nova lei, fazendo applicação a estes empregados das disposições beneficas da carta de lei de 24 de agosto de 18-10. Ficaram ainda de fóra os empregados das secretarias dos extinctos governos das armas das provincias, e os empregados da extincta thesouraria geral, e contadoria fiscal das tropas, os quaes requereram á camara, que mandou o negocio a commissão de guerra, e esta deu o seu parecer unicamente ácerca destes individuos, porque foi isso o que ordenou a camara, e não que trouxesse aqui um parecer geral. Por consequencia é mal cabida a censura que o sr. Vellez Caldeira pareceu querer fazer II commissão, por não apresentar uma medida mais ampla.

E agora, sr. presidente, permitta-se-me dizer — que não esperava ver regatear a esses desgraçados um pedaço de pão (Apoiados pelos serviços que prestaram ao seu paiz. Ii quando digo isto, não sou suspeito; porque desde que me principiei a intender soffri as perseguições de D. Miguel. Repilo, pois, que é de toda a justiça dar-se a estes individuos um borado de pão, para que elles não reneguem da patria, e dos serviços que lhe prestaram (Apoiados).

O sr. Presidente: — Devo observar aos illustres deputados, que a questão agora se reduz unicamente a saber — se o projecto ha de ir á commissão de fazenda, como requereu o sr. Vellez Caldeira, a fim de o tractar juntamente com a materia que o mesmo senhor mandou para a mesa, ou se ha de entrar-se desde já na discussão do mesmo projecta Esta é que é a questão de ordem, e tem sobre ella a palavra o sr. Vellez Caldeira.

O sr. Vellez Caldeira (Sobre a ordem): — Eu não fiz censura á commissão, e peço a todos os meus collegas me digam, se no que ha pouco proferi, me ouviram alguma cousa contra a commissão: nem por sombras. Eu não quero regatear a ninguem um pedaço de pão, o que quero é que se dê a todos aquelles a. quem pertence. Esle pensamento em mim é muito antigo: em 1840 quando se tractou da restituição aos seus empregos dos nossos correligionarios politicos, que estavam fóra dos seus logares, nessa occasião na camara dos senadores apresentei um projecto geral, para restituir todos aquelles que estavam fóra dos seus empregos: tenho testemunhas disto mesmo «esta casa. Ainda conservo o originario projecto; mas cedendo a considerações para com os nossos correligionarios politicos, a fim de não complicar n questão, apresentei este meu projecto, que era geral, abrangia todos os empregados que estão fóra dos empregos.

O anno passado, quando se tractou nesta casa objecto que hoje está em discussão, não estava eu ainda na camara, e por isso não pude fazer o mesmo que já havia feito na camara dos senadores, e apresentar as mesmas idéas que eu tenho apresentado por occasião da discussão deste projecto n. 13. Esta disposição do projecto é uma medida legislativa. Se é outra cousa, se é só fazer executar a lei existente, escusa de vir este negocio á camara; mas visto que se tracta, no meu modo de ver a questão, de uma nova disposição legislativa, e visto que ella se ha de fazer, então faça-se conjunctamente em ordem a que o beneficio abranja todos os empregados que estiverem em identicas circumstancias. Para que havemos de estar n fazer leis aos bocadinhos, e a retalho?... As leis não se devem fazer para casos particulares, devem fazer-se para casos geraes

Portanto insto pois que este objecto seja remettido á commissão de fazenda, ou outra qualquer, para que organise uma lei geral sobre tudo isto. Parece-me ser assim mais regular, do que estarmos a tractar cada caso por sua vez.

O sr. José Estevão (Sobre a ordem): — Sr. presidente, parece-me impossivel, e principalmente da parte do illustre deputado, que é homem de lei,

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que se confunda um direito fundado em lei, com uma graça ou favor. Eu adopto toda = as moções apresentadas pelo illustre deputado; acho-as boas e innocentes; assigno ale um projecto de ter logar o beneficio, graça ou favor que pertende fazer nos individuos a que se referem os seus additamentos; mas não posso admittir que se confunda o direito fundado ou lei com a disposição politica, em que está o corpo legislativo para com esses individuos Ninguem póde, nem deve querer, confundir uma cousa com outra, porque ambas são inteiramente separadas.

Sr. presidente, houve realmente neste paiz um governo miguelista, um partido tambem miguelista; este governo tambem miguelista linha em todas as repartições, em toda a parte empregados seus; mas nem todos esses empregados combaliam, nem todos tinham armas, nem todos foram da convenção de Evora Monte. Esse partido e esse governo teve um exercito, que de balida em balida foi ale Evora Monte, e em que havia praças combatentes, e praças não combatentes, officiaes combatentes, e officiaes não combatentes, que estavam empregados em repartições pertencentes ao mesmo exercito, como eram, por exemplo, os do commissariado, os do thesoureiro geral das tropas, os dos extinctos governos geraes das provincias, etc.; destes uns estavam, e outros não estavam em Evora Monte. Fez-se ali uma convenção: devia executar-se a respeito de todos mas não se executou; e foi preciso fazerem-se leis especiaes. Fizeram-se essas leis, umas pelo corpo legislativo, e outras por actos da dictadura. E por fim executou-se a convenção a respeito de todos; menos a respeito destes dois, de que tracta o projecto em discussão. E é nestes lei mos que se hesita!!!

Por este projecto não se liada senão de applicar as disposições da cai la de lei de 24 de Agosto de 1810, para execução da convenção de Evora Monte, a estes dois individuos que foram desassociados dos demais, a respeito dos quaes ella já se executou, fazendo-se justiça a todos, menos a estes dois. Mas pelo que eu vejo que se pertende, nem agora, a não se lhes fazer justiça, elo mesmo facto que deixou de se lhes fazer da outra vez, isto é, então não se lhes fez justiça, porque deixaram de os associar aquelles a quem se fez; agora não se lhes faz jus-liça, porque querem que vão associados a outros! Associam-se, e desassociam-se para se lhes não fazer justiça!... Isto parece incrivel.

A camara pode votar como quizer ácerca das propostas do sr. deputado e de outras mais da mesma especie, mas deve tomar sentido no que vota; porque se intender que todo o partido miguelista foi convencionado em Evora Monte, e assim o votar, vota uma cousa muito grave, e que pode ler resaltados importantes nas finanças do estado. — Se o votar, qual será a rasão porque não votará tambem o mesmo a respeito de todos os empregados e iodas as pessoas que pertenceram á junta do Porto?.. E note a camara que a convenção de Gramido não se executou senão a respeito dos individuos que estavam com armas na mão, no logar em que ella se verificou, havendo uma difficuldade ale em comprehender aquelles que estavam com armas na mão mas em sitio distincto daquelle onde teve logar a convenção, fallo da parte do exercito que estava no sui.

Sr. presidente. as convenções marcam sempre certos e determinados limites, certos e determinados direitos. Um escrivão de direito que foi demittido pelos acontecimentos que deram logar á convenção, a respeito desse o governo fica livre, póde emprega-lo ou deixar de o empregar. — Se se quer por este projecto estabelecer o direito das convenções a todos os empregados, não voto por isso, não reconheço em todos esse direito. — Por principios de humanidade, de justiça, e de conveniencia politica, voto que se adenda a esses individuos; mas o sr. Vellez Caldeira quer confundir um direito conhecido como um direito de favor, e é isto que eu não posso admittir. — Se o sr. deputado me mostrar por certidões authenticas que todas as pessoas acerca de quem fallo, estavam na convenção, que pertenciam no exercito, direi que a justiça sendo igual, é muito concludente o seu pedido; mas em caso contrario, a sua proposição actualmente não póde ser admissivel. — Existe a lei que garanti? o direito aos individuos de que tracta o projecto n.º 13, a lei que se fizer a respeito dos outros é uma lei de graça, e a graça não póde prejudicar o direito. (Apoiados) Satisfaça-se ao direito, e depois se fara a graça. (Apoiados)

O sr. Casal Ribeiro (Sobre a ordem): — Sr. presidente, eu não intendo que a justiça esteja sempre na igualdade absoluta: a justiça está na igualdade relativa. — Porque um principio seja bom, não se segue que seja sempre applicavel a todos os casos — lista questão ácerca do modo como se hade attender aos empregados de diversas cathegorias que perderam a sua posição em virtude das nossas dissensões politicas, não creio que se povo tractar em these (Apoiados) As situações pódem fazer variar muito os direitos de cada um. — Ninguem dirá, que os direitos todos são os mesmos. Os dos militares que teem uma patente conhecida e garantida por lei, e os dos empregados cujos empregos (em certo caracter de estabelecidade, não são os mesmos que os de qualquer empregado de commissão. (Apoiados) Se uma commoção politica agora transtornasse a nossa ordem de cousas, leriam os mesmos direitos dos militares, e dos juizes, os administradores de concelhos, os empregados fiscaes de ordem secundaria que não tem nos seus empregos estabilidade garantida por lei? Creio que os direitos não são os mesmos. (Apoiados) E se quizermos estabelecer uma these tão absoluta que ou cumprehenda todos, ou não cumprehenda nenhum, em logar de praticarmos um acto de injustiça, de igualdade, vamos practicar um acto de injustiça relativa.

Ora, pelas explicações que tenho ouvido, vejo que não se tracta mais do que da applicação de uma lei existente. Mas perguntam — se é assim, para que é necessario vir este negocio á camara?.. Acontece isso muitas vezes; aconteceu ainda nesta sessão: pois que se discutiu ácerca dos monte-pios? Ou elles até agora tinham direito de alienar ou não tinham; alguem intende que sim, outros que não: é o que sedava aqui; a lei não podia ser senão uma, mas as interpretações é que eram differentes. Ora, a lei existe, a lei leiu sido applicada a casos identicos, inteiramente identicos ao de que se tracta. Eu tenho presente a carta de lei de 24 de agosto de 1840, onde se declara que as disposições da convenção de Evora Monte são applicaveis a taes e taes casos, comprehendendo até os cirurgiões de marinha. E porque é que comprehendendo a lei até os cirurgiões da armada não comprehendeu outros empregados? Está claro que é porque o

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seu fim cia comprehender unicamente os officiaes e empregados que tinham obrigação de seguir o exercito.

A approvação desta proposta não tira direito nenhum, nem impede que se beneficio de um modo conveniente qualquer outra classe a quem se possue deva beneficiar. Mas a possibilidade de attender a esses individuos não deve obstar a que se applique a lei a estes; não devem estes soffrer prejuizo no seu direito que já existe, porque esse direito não é extensivo a todos, ou porque as difficuldades, circumstancias e embaraços do thesouro não permittiram fazer ainda uma reparação mais cabal, e satisfactoria a lodosos individuos que soffreram com as nossas dissenções politicas. Nem isto prende com o projecto que está na commissão de fazenda, relativo, creio eu aos officiaes de secretaria e erario: para esses não ha lei e é preciso faze-la; para estes ha lei e é preciso applica la. Ora, se quando se fizer essa lei, se intender que se não deve applicar só a essa classe mas a outras, proponha-se então isso; mas diga-se a quem deve ser extensiva, porque não intendo que em uma só frase se vão comprehender direitos, quando a origem desses direitos é desigual. Aqui não ha vontade de fazer a uns uma situação com prejuizo dos outros; não, senhor, ha lei, e não se póde votar senão por classes, conforme as circumstancias em que os individuos estavam quando perderam essa posição, e é essa a baze que elles podem ter para reclamar qualquer indemnisação.

Assim eu voto contra o adiamento, por não me parecer caso de ír o projecto á commissão de fazenda, pois se tracta só da applicação de lei. E convidaria o illustre deputado o sr. Vellez Caldeira a ter a in diligencia de retirar o seu adiamento agora, pedindo depois que a sua proposta fosse á commissão de fazenda, para a tomar em consideração com o projecto que lá está pendente, e que tem de certo mais analogia com a proposta, do que este de que actualmente se tracta.

O sr. Mello e Carvalho (Sobre a ordem): — Depois do que se tem dito, mui pouco tenho a accrescentar. Observarei sómente, que sendo o pensamento do sr. Vellez Caldeira eminentemente generoso, nas circumstancias dadas, permitta-me o meu illustre amigo dizer lh'o, não tem cabimento, nem tão pouco o adiamento que elle pertende para ir á commissão, porque a carta de lai de 24 de agosto de 1810 refere-se ao artigo 3.º, se me não engano, da convenção de Evora Monte de 27 de maio de 1831-. Ora como na convenção não fossem contempladas pessoas que estavam nas mesmas circumstancias (ias que o foram, veio aquella lei remediar essa falla. Mas ainda nessa lei deixaram de ser consideradas pessoas que o deviam ser na convenção de Evora Monte, e são essas que vem agora pedir se lhes faça igual justiça. A commissão encarregou-se de attender a estes requerentes; e já se aqui ponderou estarem elles exactamente nas circumstancias dos que já foram attendidos tanto pela convenção de Evora Monte, como pela lei de 24 de agosto; e que portanto deviam ser attendidos da mesma mineira.

Agora pelo que pertence ao projecto de «r. Vellez Caldeira — de abranger todos os individuos que serviram naquelle tempo, e que perderam os seus empregos — o principio é sancto e justo; mas a commissão não se encarregou de apreciar as circumstancias de cada um dos individuo.. E é preciso fazer differença. Entre os officiaes que obtiveram postos antes da usurpação, não se pode duvidar que muitos fizeram grandes e importantissimos serviços ao seu paiz, e á independencia nacional, serviços que, por elles terem a infelicidade de seguir uma ou outra politica, não se podem esquecer. — E presente lemos nós um cavalheiro, o sr. Affonso Botelho, que fez relevantes serviços ao seu paiz, e á independencia nacional — Portanto digo que não se devem confundir estas questões.... Antes de passar adiante direi, que quando agora me referi ao meu amigo o sr. Affonso Botelho, foi para indicar ou recordar, que s. ex.ª tinha o corpo coberto de cicatrizes, que tinha sido ferido no campo da batalha defendendo a liberdade e independencia da sua patria (Apoiados — e verdade); essas feridas fazem-lhe muita honra (Apoiados repetidos); os serviços que s. ex. fez sustentando a liberdade e independencia do seu paiz, são muitos e revelantissimos (Apoiados); esses serviços nunca podem, nem devem ser esquecidos. (Apoiados geraes)

Conseguintemente, voltando á questão, intendo que não se devem confundir serviços desta ordem, com os outros que ainda não foram vistos e apreciados. Quando chegar occasião então se verá que serviços foram esse», e se estão nas circumstancias de ser attendidos: irmos agora suspender a justiça a estes individuos que estão nas circumstancias de ser attendidos, para se tratar de uma lei, ou de uma graça, que deve conceder-se a outros que não se sabe ainda se a merecem, não me parece que se deva fazer (Apoiados).

Portanto compenetrando-me.) da nobresa de sentimentos e de generosidade com que o meu illustre amigo e collega queria que todos fossem igualmente considerados e attendidos, intendo, que nas circumstancias dadas, não pode ser: e mesmo s. ex.ª convirá em que não se tracte por ora deste objecto, e se reserve para occasião mais opportuna'. Concluindo voto contra o adiamento do projecto n.º 13.

O sr. Affonso Botelho (Sobre a ordem): — Sr. presidente, o objecto da discussão tem-me interessado vivamente; entretanto eu não fatigarei a camara nesta occasião por que vejo a materia sufficientemente discutida: mas a honra, nascida de certo da amisade, do sr. deputado Mello e Carvalho, que me fez este meu illustre collega de mencionar o meu nome, impõe-me a obrigação de dizer algum as palavras; serão poucas porque vejo que a hora está adiantada, e como já disse, não quero fatigar a camara.

Longas, repetidas e bem desgraçadas teem sido as nossas dissensões civis. (Apoiados) Por desgraça segui uma vida publica, na qual não pude deixar de tornar parte: lastimei sempre, e lastimo ainda, essas dissensões, e estou persuadido que comigo as lastimamos todos nós (Apoiados) não faço separação de ninguem. (Apoiados) Estou persuadido que dentro desta caza não ha nem opinião, nem partidos, ha sim vontade de curar ou cicatrisar todas as feridas, e desejo de melhorar o futuro. (Apoiados repelidos) Por isso julgo dever dizer — graças a Deos que os nossos odios politicos estão acabados (Apoiados); graças a Deos que os prismas das nossas paixões politicas se teem modificado a ponto, que vejo com prazer como uma discussão destas corre tranquilla dentro desta caza. Estou persuadido igualmente que o desejo de nós todos é fazer extinguir todas as origens de futuros males (Apoiados) e apagar, por todos os

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medos possiveis, todas a consequencias dos males passados. (Apoiados) Para conseguir este fim, estou persuadido que bastam as discussões desta naturesa, que são na verdade muito melindrosas em todas as circumstancias, listou persuadido que nenhum dos partidos politicos, em que por desgraça se divide a nossa patria, nem é absolutamente culpado, nem absolutamente innocente dos males publicos, que teem pesado sobre ella (Apoiados): todos nós temos uma parte culposa, todos nós lemos uma parte mesmo innocente. (Apoiados)

Visto que o illustre deputado o sr. Mello e Carvalho me fez a honra de referir-se á minha pessoa; chamado, por assim dizer, a dar uma especie de conta da minha conducta, tenho muito prazer em declarar: que fui homem de uma vida publica, e que na execução do meu dever nunca tive nem opinião nem partido; tendo sempre, em vista, como objecto unico e privativo do meu procedimento o desempenho das minhas obrigações. (Apoiados) Intendo que nas nossas dissensões politicas temos feito uma grande e grave injustiça, temo-la feito mesmo acêrca de um principio social. Sr. presidente, tem-se confundido a obediencia passiva e justa com a parte activa e fóra do circulo da obediencia, que privativamente se tenha tomado nas dissensões politicas. (Apoiados) É isto que devemos separar e tambem reparar; e esta circumstancia que estou persuadido, está no coração de todos attender. (Apoiados)

Em quanto á materia em discussão, direi que voto com o sr. José Estevão, e com todos aquelles senhores que não querem demorar mais tempo a justiça devida a um ou mais homens, que teem sido priva-los do seu pão, talvez por uma falta de attenção, ou por outra qualquer circumstancia politica: eu voto sempre para que o pão se dê a quem o merece, pelo caminho mais curto. (Apoiados)

E por esta razão que eu voto pela materia do projecto em discussão, com quanto respeite e professe os principios enunciados pelo sr. deputado Vellez Caldeira; principios, razões e justiça que venero ha muito tempo, e que sem duvida são acreditados, acatados e reconhecidos por todas as opiniões e partidos. Voto inteiramente por aquella opinião; e desejo que de uma vez para sempre nósn os habilitemos e acostumemos a não sustentar differenças, ou diversificações, que não servem senão para aggravar as nossas feridas passadas (Apoiados) feridas que todas ellas são de portuguezes. (Apoiados) — Quando um realista errou, errou um portuguez, quando um liberal errou, errou um portuguez. (Apoiados) É preciso que de uma vez para sempre, substituamos á nomenclatura dos partidos a nomenclatura da nardo. (Apoiados, muito bem)

Creio que tenho dicto o sufficiente para emittir o meu voto nesta questão. Teria ido mais longe; mas não quero fatigar a camara: e julgo bastantemente intendida a minha opinião a este respeito. (Muito bem)

O sr. Presidente: — Não ha numero na sala para se votar, e por isso dou a palavra sobre a ordem ao sr. Palmeirim que a pediu.

O sr. Palmeirim: — E para mandar para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda. Um sobre a creação de um logar de substituto á 6.ª cadeira da escola polytechnica, e outro acêrca de reforma dos brigadeiros.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, parece-me que o parecer a respeito dos brigadeiros está no caso de ser dado para ordem do dia, porque já estava em discussão quando foi á commissão de fazenda. O outro deve ser impresso.

O sr. Presidente: — Como não ha numero e a hora está quasi a dar, a ordem do dia e a continuação da de hoje, e depois dividir-se a camara em commissões. Está levantada a sessão. — Eram quasi quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. GASTÃO

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