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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mente invocam a garantia de seus direitos, não devem ser menos ouvidos quando leal e francamente vos pedem que voteis uma lei que, a par da definição dos seus deveres e obrigações em relação ás leis de 13 de agosto e 22 de junho, lhes expliquem categoricamente os deveres a que essas mesmas leis os obrigam. Não vos pedem uma lei de favor, pedem-vos uma lei que tenha as condições que todas as leis devem ter, clara, explicita, que se não preste a sophismas ou ambages, e da qual se não possa dizer, nem se lhe possa applicar o antigo rifão portuguez — vão as leis para onde querem os réis!

Os povos que foram vassallos da casa de Bragança podem considerar-se como a Princeza D. Maria de Portugal, filha de El-Rei D. Affonso IV e esposa de Affonso XI de Castella, quando veiu pedir a seu pae soccorro contra as hostes mouriscas, que ameaçavam o poder christão de Castella, e dizer-vos na bella linguagem de Luiz de Camões:

Acode e corre, pae, que se não corres, Já não achas talvez a quem soccorres.

Sede vós, senhores deputados, quem vença com a espada da lei os sarracenos n'este Salado, e tereis n'esta victoria tão nobre despojo como teve o cavalheiroso Rei D. Affonso IV — a gloria de soccorrer, defender e libertar os opprimidos.

Sem querer entrar na analyse da carta de lei de 22 de junho de 1869, tendo já mostrado a justiça da pretensão de meus constituintes, não devo forrar-me ao trabalho de historiar em breves traços o nascimento e vida d'essa malfadada lei, porque desde a sua concepção até ao momento presente, em que vive anafada e poderosa, tem sido, é, e ha de ser, o ultimo capitulo da historia do feudalismo em Portugal.

O decreto com força de lei de 13 de agosto de 1832, cuja rasão de ser está largamente demonstrada no relatorio que o precede, foi o golpe mais profundo que o feudalismo recebeu entre nós. O nome do Principe que o sanccionou, e que se chamava D. Pedro Duque de Bragança, depois de ter libertado do jugo do absolutismo do poder real dois povos irmãos que tinham nascido unidos, por aquelle decreto libertou a terra de Portugal do jogo mais violento, ainda do poder dos donatarios da corôa, dando a liberdade á terra, como já a tinha dado a seus moradores.

Generoso, franco, magnanimo, e um verdadeiro liberal, que era, não amesquinhou as suas dadivas, e o decreto de 13 de agosto é a prova mais exuberante do que deixo dito. Como regente não ergueu cadafalsos para assassinar juridicamente os altos donatarios da corôa, não fez como Tarquinio decepando as cabeças das papoulas mais altas; nivelou, mas erguendo os humildes ao par dos mais elevados; completou o sagrado lemma da carta constitucional portugueza; fez a lei igual para todos, dando a carta de alforria aos escravos da gleba.

Fez mais, conhecendo pela historia a força do poder feudal que, como a bydra de Lerna, substituia nova cabeça á cabeça decepada; fez exarar na lei de 13 de agosto o artigo 16.°, que diz:

« De nenhuma pretensão, por mais especial que seja ou pareça, da qual se_possa seguir a menor excepção feita á sentença geral d'este decreto, que é o acabamento dos direitos chamados reaes doados a alguma pessoa, o acabamento de contribuições e tributos parciaes e não applicados para o thesouro publico, e o acabamento radical dos foraes e dos bens chamados da corôa, e das regras, pelas quaes os donatarios succediam n'elles, póde ser tomado algum conhecimento judicial, sem que o negocio seja levado ao poder legislativo para definir que os bens não tenham a sua natureza de bens da corôa, ou para tornar claras as expressões duvidosas, ou para as declarar comprehendidas nas regras de indemnisaçõee, de fórma que em nenhum caso fique resto dos foraes ou da jurisprudencia e natureza dos bens chamados da corôa, ou de contribuições que não sejam geraes ou provinciaes, lançadas até agora, ou que de futuro se impozessem em leis geraes ou em conselhos geraes de provincia para o bem commum dos moradores.»

Decorreram quatorze annos, e até 1846 os povos, a quem aquelle decreto libertava da escravidão feudal, usaram o pleno beneficio d'aquelle decreto. Ninguem ousou importuna-los, porque todos temiam o resultado, necessariamente fatal das disposições do artigo 16.° do mesmo decreto! Vejamos agora por que fórma pouco a pouco se foi organisando a tempestade que trouxe a carta de lei de 22 de junho.

Por decreto de 9 de agosto de 1833 as casas de Bragança e Infantado ficaram reduzidas a meras administrações particulares, cessando de então em em diante todos os privilegios e isenções de que até então gosavam as mencionadas casas. A casa da Rainha foi encorporada nos bens nacionaes, passou a ser administrada pelo thesouro. Os rendimentos das casas de Bragança e do Infantado, que até então estavam no thesouro publico, foram mandados arrecadar pelas pessoas para isso designadas pelos grandes donatarios das referidas casas. No referido decreto de 9 de agosto se determinou o que havia de fazer-se quanto aos rendimentos da casa de Bragança entrados no thesouro publico desde 7 de abril de 1801 até aquella data, mandando-se nomear uma commissão para essa liquidação, e bem assim para examinar o desfalque rapido por aquella casa nos seus rendimentos, em consequencia da abolição dos direitos banaes das novas instituições, e para propor os meios de indemnisação, que fossem compativeis com as circunstancias do thesouro.

Por este decreto, começou a tempestade de que acabo de fallar: reputava-se o Senhor D. Pedro IV o verdadeiro Duque de Bragança, quando sanccionou aquelle decreto referendado pelo seu ministro José da Silva Carvalho. É convicção de todos nós que o fundador da carta constitucional, estava na melhor boa fé quando tinha essa persuasão. Ninguem o dissuadiu d'ella, porque poucos ou rarissimos são aquelles que seguem o preceito do nosso Sá de Miranda:

Dizei em tudo as verdades A quem em tudo as deveis.

Se assim não fosse, a data de 1801 não appareceria no artigo 5.º d'aquelle decreto, porque n'essa data, vivendo a Rainha D. Maria I, que só falleceu em 1816, era Duque de Bragança, o Principe D. João, então regente e depois Rei, debaixo do nome de D. João VI.

Não tendo sido derogada a carta patente de 27 de outubro de 1645, ao filho primogenito reinante pertencia o titulo de Duque de Bragança, e a casa de Bragança ao referido Principe D. João, que só na qualidade de regente substitua a Rainha reinante, ainda viva, no officio de reinar; e só depois de acclamado Rei, por morte de sua mãe a Senhora D. Maria I, em 1816, é que a casa e ducado de Bragança passaram de direito para o Senhor D. Pedro que depois foi o quarto em Portugal e primeiro Imperador do Brazil. A incoherencia do artigo 5.° do decreto de 9 de agosto de 1833 trouxe comsigo todas as incoherencias successivas, em relação á casa de Bragança e sua administração. Fallecido o ex-Imperador e Rei regente de Portugal, em nome de sua filha a Rainha D. Maria II, em setembro de 1834, continuou a incoherencia da direcção da casa de Bragança pela administração de sua augusta viuva.

Não passou isso despercebido ao poder legislativo de então, porque depois de ter interpellado pelo deputado Macario de Castro n'esta camara, o ministro da fazenda respectivo ácerca de administração e rendimentos da casa de Bragança, foi publicado o decreto de 15 de dezembro de 1834, referendado pelo bispo conde depois patriarcha, S. Luiz, que ordenou que de então em diante fossem administrados e arrecadados no thesouro publico os bens e rendimentos da serenissima casa de Bragança, «bem como se praticou no reinado do meu augusto avô, que Deus tem em gloria».