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SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios – os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de projectos de lei e representações. — Ordem do dia: 1.ª parte, discussão e approvação dos seguintes projectos de lei: n.º 41, auctorisando o governo a conceder á camara municipal do concelho de Gaia uma porção de terreno necessaria para um novo caminho; n.º 29, relativo á creação, em Lisboa, de uma casa de detenção e correcção para menores; e n.º 34, auctorisando o governo a decretar a expropriação, por zonas, das propriedades que as camaras municipaes precisarem para a execução de melhoramentos publicos — 2.ª parte, continuação da discussão do projecto de lei n.º 36 (lei de meios) — Leitura de um decreto pelo qual sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes da nação até ao dia 3 do corrente inclusivamente.

Chamada — 43 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Villaça, Sá Nogueira, Antunes Guerreiro, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Pequito, Sousa de Menezes, Antonio de Vasconcellos, Falcão da Fonseca, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Ferreira de Andrade, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco Beirão, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Barros Gomes, Palma, Jayme Moniz, Zuzarte, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Nogueira Soares, Faria Guimarães, Dias Ferreira, Mello e Faro, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Tiberio, Julio Rainha, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Marques Pires, Mariano de Carvalho, Sebastião Calheiros, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Teixeira de Vasconcellos, Veiga Barreira, A. J. Teixeira, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Santos Viegas, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Eça e Costa, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Coelho do Amaral, Costa e Silva, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Silveira da Mota, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Candido de Moraes, Alves Matheus, Augusto da Silva, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Gusmão, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Elias Garcia, José Luciano, Almeida Queiroz, Latino Coelho, Moraes Rego, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Nogueira, Mexia Salema, Julio do Carvalhal, Luiz Pimentel, Affonseca, Paes Villas Boas, Thomás Lisboa, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Thomás Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs: Pereira do Lago, Mello Gouveia, Mendes Leal, Teixeira de Queiroz, Camara Leme, Pedro Franco.

Abertura — Ao meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Representações

Pedindo a revogação do decreto de 30 de outubro de 1868 que creou a engenheria districtal

1.ª Da camara municipal de Belem.

2.ª Da camara municipal de Oeiras.

Ácerca de outros assumptos

1.ª Dos pescadores da Foz do Douro, pedindo providencias contra o prejuizo que lhes resulta das redes de arrastar.

2.ª De varios contribuintes de Alemquer, a respeito da proposta de lei de contribuição predial.

Foram remettidas ás commissões respectivas.

O sr. Pinheiro Borges: — Mando para a mesa um projecto de lei que passo a ler. Não leio o relatorio, porque ha de vir impresso no Diario da camara e então os srs. deputados terão conhecimento d'elle (leu).

Requeiro a urgencia d'este projecto, a fim de ser dispensada a segunda leitura e ser impresso desde já no Diario da camara;

Foi approvada a urgencia, e em seguida leu-se na mesa o seguinte:

Projecto de lei

Senhores. — As sociedades anonymas de responsabilidade limitada têem sido um dos meios mais eficazes e proficuos para a organisação das emprezas que exigem o concurso de elevados capitães; a ellas se devem os principaes commettimentos do seculo e muito têem concorrido para o desenvolvimento da civilisação, tornando realisaveis os melhoramentos materiaes e as commodidades offerecidas pelo progresso das sciencias, das artes e das industrias.

Tão elevada importancia exige por consequencia para estas sociedades todas as garantias que lhe assegurem o credito, tornando-se essencial que se afastem dos seus estatutos todas as prescripções que possam comprometter a segurança dos capitães que constituem o fundo social.

A carta de lei de 22 de junho de 1867 concede á assembléa geral dos accionistas não só escolher os seus mandatarios, como outras attribuições de maior importancia para a prosperidade real d'estas sociedades, e por isso são grandes os perigos a que ellas ficam sujeitas, se as disposições que regulam a constituição da mesma assembléa possam dar abrigo a especulações e ao monopolio da administração.

Estão estes perigos com toda a clareza expostos no substancioso relatorio apresentado á camara dos senhores deputados em 19 de janeiro de 1867, e na citada carta de lei de 22 de junho do mesmo anno, se encontram alguns artigos (principalmente o 51.°) com o fim de os evitar; mas sendo impossivel fiscalisar o cumprimento das disposições dos mesmos artigos, subsistem os perigos, e a vontade dos accionistas póde ser illudida; e por meio de uma acquisição temporaria e intencional de acções, por meio de endossos de favor e de procurações de condescendencia, póde a combinação de meia duzia de especuladores empolgar a administração para preparar transacções de vantagem pessoal, compromettendo os capitães dos associados.

A faculdade de dar ao voto valor numerico, e a de representar por procuração, multiplicam estes perigos, porque se facilita a realisação das combinações tendentes a constituir maioria na assembléa geral pelos meios que a lei condemna e não póde fiscalisar.

É n'estas sociedades que se deve estabelecer, como defeza, a representação das minorias, isto é, a representação de uma parte importante do capital, o futuro ha de demonstra-lo, e os estatutos hão de por si mesmo aperfeiçoar-se n'este sentido; por emquanto reduzimo-nos a impedir a aggravação dos males que a carta de lei de 22 de junho de 1867 pretende em vão cohibir, porque nem os póde fiscalisar como é mister, nem afastar os sophismas que se podem empregar na pratica para dominar nas assembléas geraes.

Em virtude d'estas considerações, tenho a honra de sujeitar á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

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Artigo 1.° Os estatutos das sociedades anonymas só podem attender á representação do capital, nas deliberações da assembléa geral, estabelecendo o numero de acções precisas para que o accionista tenha voto na mesma assembléa.

§ unico. O voto é sempre singular e individual qualquer que seja o numero de acções que o accionista possua ou represente.

Art. 2.º Só podem ser representados nas assembléas geraes independentemente de procura-lo, o menor por seu tutor, a mulher por seu marido, qualquer firma social pelo seu socio gerente, e qualquer corporação pelo seu legitimo representante.

Art. 3.º Os accionistas que residirem em para estrangeiro, nas ilhas, ou nas colonial, podem ser representados nas assembléas, por meio de procuração permanente, escripta pelo proprio punho dos interessados e devidamente reconhecida. Estas procurações só podem ter effeito de representação sessenta dias depois de apresentadas, e subsistem enquanto não forem substituidos, ou emquanto os accionistas não declarem que retiram os seus poderes aos respectivos procuradores.

Art. 4.º Os accionistas que residirem fóra do districto da sede da administração da sociedade, podem tembem fazer-se representar por meio de procuração escripta pelo proprio punho, e reconhecida com data precedente ao dia 15 do mez anterior aquelle em que segundo os estatutos se deve reunir a assembléa geral, se se trata de uma reunião ardinaria; e com a precedencia de dez dias, se se trata de uma assembléa geral extraordinaria, e devem ser enviadas ao secretario da mesa da mesma assembléa, até á ante vespera do dia indicado para a primeira sessão da reunião annunciada, a fim de serem examinadas, não só pelo mesmo secretario, como por qualquer accionista que o deseje na vespera do mesmo dia.

§ unico. Estas procurações têem sómente effeito de representação, durante as sentes successivas de uma reunião ordinaria ou extraordinaria,

Art. 4.° As assembléas geraes extraordinarias serão sempre annunciadas com trinta dias de antecedencia.

Art. 5.° Não se admittem outras procurações alem das indicadas nos artigos antecedentes, não são permittidos sub-estabelecimentos, nem se póde representar mais de um accionista.

Art. 6.° As sociedades anonymas actualmente existentes em Portugal, é concedida o praso de sessenta dias a contar da data da publicação d'esta lei, para, reformarem os seus estatutos, pondo-os em harmonia com as disposições da mesma lei.

Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala, das sessões, 1 de junho de 1871. = Domingos Pinheiro Borges, deputado pelo circulo de Evora.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva

O sr. Ulrich: — Mando para a. mesa o seguinte parecer da commissão administrativa.

Leu-se logo na mesa, e é o seguinte

Parecer

Senhores. — A commissão administrativa a quem foram presentes as contas da junta, da mesma denominação, na gerencia de 1 de julho a 27 de outubro de 1870, vem apresentar o seu parecer a similhante respeito.

As quantias recebidas do ex.mo visconde do Carregoso, como ex-thesoureiro, e do tesouro publico constituiram a receita de........11:248$699

Foi a despeza de..................... 11:010$504

Saldo que recebeu o actual thesoureiro.....238$195

Todos os pagamentos feitos estão devidamente; documentados e por isso a commissão tem a honra de submeter a vossa consideração a seguinte

Proposta

Ficam approvadas as contas de gerencia da junta administrativa da camara dos senhores deputados, desde 1 de de julho até 27 de outubro de 1870.

À commissão administrativa declara que as despezas feitas durante a sua gerencia têem sido auctorisadas por despacho escripto da mesa.

Sala da commissão, 31 de maio de 1871. = Antonio Cabral de Sá Nogueira = Adriano de Abreu Cardoso Machado = Antonio Pereira da Silva de Sousa de Menezes = João Henrique Ulrich, relator.

Foi logo approvado.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa uma renovação de iniciativa e um projecto de lei.

Peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Antunes Guerreiro: — Mando para a mesa uma representação dos quarenta maiores contribuintes do concelho de Chaves, pedindo a interpretação e a revogação da carta de lei de 22 de junho de 1846, chamada a lei dos foraes.

Mando tambem para a mesa tres documentos, e mandarei mais um hoje ou ámanhã, os quaes versam sobre doações feitas a D. Nuno Alvares Pereira por D. João I, para serem presentes á commissão de administração.

Mando tambem para a mesa um projecto de lei, reformando as leis dos foraes. Peço a v. ex.ª que me dispense a sua leitura, porque elle é muito extenso.

Requeiro a urgencia para que se dispense a segunda leitura, a fim d'elle ir immediatamente á commissão de legislação.

Foi approvada a urgencia, e leu-se logo na mesa o seguinte

Projecto de lei

Senhores. — As representações dos povos que em differentes sessões d'esta e de outras legislaturas tenho representado n'esta casa, por si mesmas se recommendam á attenção d'esta parte do poder legislativo, a que os povos recorrem pedindo a explicação e interpretação das disposições da carta de lei, chamada de foraes, de 22 de junho de 1846, cuja differente intelligencia e applicação por parte dos jurisconsultos e por parte dos julgadores, incerta e vaga as colloca na mais desgraçada das situações.

A posição especial dos povos que foram foreiros ou antes vassallos dos senhores Duques de Bragança, e muito principalmente aquelles cujas representações tenho apresentado n'esta casa, merecem a maior contemplação d'esta camara, porque habitantes do certão do norte de Portugal, aonde ha poucos advogados em geral, e muito menos que ousem aceitar as suas procurações, quando demandados em nome da serenissima casa de Bragança, a sua pobreza em geral, que não póde supportar as immensas despezas do processo contra parte tão poderosa; a falta de conhecimentos especiaes dos interessados, rudes pela maior parte, morando longe das povoações importantes, aonde possam achar conselho e guia; os longos annos decorridos em que não foram inquietados á sombra da lei de 13 de agosto de 1832. O socego que lhes deixaram gosar desde a promulgação da referida lei de 13 de agosto, mesmo da lei de 22 de junho; o fatal disputar d'esse longo socego a que estavam habituados, e que os tinha feito bemdizer a memoria do Senhor D. Pedro IV; as violencias de que uns já são victimas e todos receiam se-lo; tudo isto deve convencer esta camara não só da necessidade, mas da urgencia de attender as suas supplicas!

A incerteza é o peior de todos os males, e, se isto é verdade emquanto ao individuo, quanto o será se se attender a que são milhares de interessados e de familias, cuja sorte depende da decisão que esta camara tomar! A justiça, como a definiu El-Rei D. Manuel no seu foral de Lisboa, não só consiste em dar a cada um o que é seu, mas tombem em não tirar a cada um o que seu é, nem consentir que outrem lh'o tive.

Os povos que me têem elegido, e eu tenho o rigoroso dever de me fazer ouvir n'esta casa, quando respeitosa-

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mente invocam a garantia de seus direitos, não devem ser menos ouvidos quando leal e francamente vos pedem que voteis uma lei que, a par da definição dos seus deveres e obrigações em relação ás leis de 13 de agosto e 22 de junho, lhes expliquem categoricamente os deveres a que essas mesmas leis os obrigam. Não vos pedem uma lei de favor, pedem-vos uma lei que tenha as condições que todas as leis devem ter, clara, explicita, que se não preste a sophismas ou ambages, e da qual se não possa dizer, nem se lhe possa applicar o antigo rifão portuguez — vão as leis para onde querem os réis!

Os povos que foram vassallos da casa de Bragança podem considerar-se como a Princeza D. Maria de Portugal, filha de El-Rei D. Affonso IV e esposa de Affonso XI de Castella, quando veiu pedir a seu pae soccorro contra as hostes mouriscas, que ameaçavam o poder christão de Castella, e dizer-vos na bella linguagem de Luiz de Camões:

Acode e corre, pae, que se não corres, Já não achas talvez a quem soccorres.

Sede vós, senhores deputados, quem vença com a espada da lei os sarracenos n'este Salado, e tereis n'esta victoria tão nobre despojo como teve o cavalheiroso Rei D. Affonso IV — a gloria de soccorrer, defender e libertar os opprimidos.

Sem querer entrar na analyse da carta de lei de 22 de junho de 1869, tendo já mostrado a justiça da pretensão de meus constituintes, não devo forrar-me ao trabalho de historiar em breves traços o nascimento e vida d'essa malfadada lei, porque desde a sua concepção até ao momento presente, em que vive anafada e poderosa, tem sido, é, e ha de ser, o ultimo capitulo da historia do feudalismo em Portugal.

O decreto com força de lei de 13 de agosto de 1832, cuja rasão de ser está largamente demonstrada no relatorio que o precede, foi o golpe mais profundo que o feudalismo recebeu entre nós. O nome do Principe que o sanccionou, e que se chamava D. Pedro Duque de Bragança, depois de ter libertado do jugo do absolutismo do poder real dois povos irmãos que tinham nascido unidos, por aquelle decreto libertou a terra de Portugal do jogo mais violento, ainda do poder dos donatarios da corôa, dando a liberdade á terra, como já a tinha dado a seus moradores.

Generoso, franco, magnanimo, e um verdadeiro liberal, que era, não amesquinhou as suas dadivas, e o decreto de 13 de agosto é a prova mais exuberante do que deixo dito. Como regente não ergueu cadafalsos para assassinar juridicamente os altos donatarios da corôa, não fez como Tarquinio decepando as cabeças das papoulas mais altas; nivelou, mas erguendo os humildes ao par dos mais elevados; completou o sagrado lemma da carta constitucional portugueza; fez a lei igual para todos, dando a carta de alforria aos escravos da gleba.

Fez mais, conhecendo pela historia a força do poder feudal que, como a bydra de Lerna, substituia nova cabeça á cabeça decepada; fez exarar na lei de 13 de agosto o artigo 16.°, que diz:

« De nenhuma pretensão, por mais especial que seja ou pareça, da qual se_possa seguir a menor excepção feita á sentença geral d'este decreto, que é o acabamento dos direitos chamados reaes doados a alguma pessoa, o acabamento de contribuições e tributos parciaes e não applicados para o thesouro publico, e o acabamento radical dos foraes e dos bens chamados da corôa, e das regras, pelas quaes os donatarios succediam n'elles, póde ser tomado algum conhecimento judicial, sem que o negocio seja levado ao poder legislativo para definir que os bens não tenham a sua natureza de bens da corôa, ou para tornar claras as expressões duvidosas, ou para as declarar comprehendidas nas regras de indemnisaçõee, de fórma que em nenhum caso fique resto dos foraes ou da jurisprudencia e natureza dos bens chamados da corôa, ou de contribuições que não sejam geraes ou provinciaes, lançadas até agora, ou que de futuro se impozessem em leis geraes ou em conselhos geraes de provincia para o bem commum dos moradores.»

Decorreram quatorze annos, e até 1846 os povos, a quem aquelle decreto libertava da escravidão feudal, usaram o pleno beneficio d'aquelle decreto. Ninguem ousou importuna-los, porque todos temiam o resultado, necessariamente fatal das disposições do artigo 16.° do mesmo decreto! Vejamos agora por que fórma pouco a pouco se foi organisando a tempestade que trouxe a carta de lei de 22 de junho.

Por decreto de 9 de agosto de 1833 as casas de Bragança e Infantado ficaram reduzidas a meras administrações particulares, cessando de então em em diante todos os privilegios e isenções de que até então gosavam as mencionadas casas. A casa da Rainha foi encorporada nos bens nacionaes, passou a ser administrada pelo thesouro. Os rendimentos das casas de Bragança e do Infantado, que até então estavam no thesouro publico, foram mandados arrecadar pelas pessoas para isso designadas pelos grandes donatarios das referidas casas. No referido decreto de 9 de agosto se determinou o que havia de fazer-se quanto aos rendimentos da casa de Bragança entrados no thesouro publico desde 7 de abril de 1801 até aquella data, mandando-se nomear uma commissão para essa liquidação, e bem assim para examinar o desfalque rapido por aquella casa nos seus rendimentos, em consequencia da abolição dos direitos banaes das novas instituições, e para propor os meios de indemnisação, que fossem compativeis com as circunstancias do thesouro.

Por este decreto, começou a tempestade de que acabo de fallar: reputava-se o Senhor D. Pedro IV o verdadeiro Duque de Bragança, quando sanccionou aquelle decreto referendado pelo seu ministro José da Silva Carvalho. É convicção de todos nós que o fundador da carta constitucional, estava na melhor boa fé quando tinha essa persuasão. Ninguem o dissuadiu d'ella, porque poucos ou rarissimos são aquelles que seguem o preceito do nosso Sá de Miranda:

Dizei em tudo as verdades A quem em tudo as deveis.

Se assim não fosse, a data de 1801 não appareceria no artigo 5.º d'aquelle decreto, porque n'essa data, vivendo a Rainha D. Maria I, que só falleceu em 1816, era Duque de Bragança, o Principe D. João, então regente e depois Rei, debaixo do nome de D. João VI.

Não tendo sido derogada a carta patente de 27 de outubro de 1645, ao filho primogenito reinante pertencia o titulo de Duque de Bragança, e a casa de Bragança ao referido Principe D. João, que só na qualidade de regente substitua a Rainha reinante, ainda viva, no officio de reinar; e só depois de acclamado Rei, por morte de sua mãe a Senhora D. Maria I, em 1816, é que a casa e ducado de Bragança passaram de direito para o Senhor D. Pedro que depois foi o quarto em Portugal e primeiro Imperador do Brazil. A incoherencia do artigo 5.° do decreto de 9 de agosto de 1833 trouxe comsigo todas as incoherencias successivas, em relação á casa de Bragança e sua administração. Fallecido o ex-Imperador e Rei regente de Portugal, em nome de sua filha a Rainha D. Maria II, em setembro de 1834, continuou a incoherencia da direcção da casa de Bragança pela administração de sua augusta viuva.

Não passou isso despercebido ao poder legislativo de então, porque depois de ter interpellado pelo deputado Macario de Castro n'esta camara, o ministro da fazenda respectivo ácerca de administração e rendimentos da casa de Bragança, foi publicado o decreto de 15 de dezembro de 1834, referendado pelo bispo conde depois patriarcha, S. Luiz, que ordenou que de então em diante fossem administrados e arrecadados no thesouro publico os bens e rendimentos da serenissima casa de Bragança, «bem como se praticou no reinado do meu augusto avô, que Deus tem em gloria».

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O que se executou entrando no thesouro os seus rendimentos, mas deixando de se executar a parte que dizia respeito á administração de seus bens, que deixou de ser pela fórma que eram administrados no tempo de D. João VI, augusto avô de Sua Magestade a Rainha D. Maria II, como o referido decreto determinava.

Assim continuou a administração da casa de Bragança até 1838. Tendo a constituição de 4 de abril d'esse anno no artigo 91.° determinado que as côrtes assignariam os alimentos ao principe real e aos infantes depois de comple tarem sete annos de idade, e tendo n'aquella epocha nascido já o Senhor D. Pedro que depois foi o quinto de nome, de saudosa memoria, que nascêra a 16 de setembro de 1837 não tinha em virtude d'aquella constituição, então vigente dotação propria; e foi era virtude d'isto e que, por delibe ração da mesma camara se publicaram os decretos de 30 de abril e 25 de maio do referido anno de 1838, sendo entregue a administração da casa de Bragança ao Senhor D. Fernando, como pae e natural tutor do Senhor D. Pedro V, então principe real, reconhecido pelo mencionado decreto de 30 de abril o mesmo augusto principe real como Duque de Bragança que era desde o seu nascimento, em virtude da carta patente de 27 de outubro de 1645 e carta de lei de 4 de julho de 1449.

Diz o sr. Silva Ferrão nos seus Direitos e encargos a fl. 4 da sua introducção á mesma obra, que por decreto de 12 de julho de 1839, foi nomeada uma commissão composta de vogaes, uns designados pelo governo e outros por parte da real casa de Bragança, na conformidade do disposto no decreto de 9 de agosto de 1833. Por mais que folheámos a collecção da nossa legislação, não encontrámos publicado similhante decreto. Faz o mesmo o sr. Silva Ferrão menção de varias consultas da dita commissão, que não são do conhecimento do publico. Faz menção de varias consultas a instancia do administrador geral d'aquella casa, o sr. João Mousinho de Albuquerque, por ordem do governo a abalisados jurisconsultos, mandando-se reconstruir a referida commissão, de que foi nomeado membro o mesmo sr. Silva Ferrão por alvará especial de El Rei o Senhor D. Fernando, de 13 de outubro de 1849, em virtude do que o mesmo conselheiro elaborou aquella obra, a que deu o titulo de tratado sobre direitos e encargos da real casa de Bragança, publicado sô em 1852.

Foram as reclamações da casa de Bragança quem deram motivo á apresentação, discussão e publicarão da desgraçada lei de 22 de junho de 1846! E tanto mais desgraça-la quanto publicada n'uma epocha de agitações civis, de que o paiz foi victima, e cujos effeitos ainda está sentindo.

E desde essa epocha fatal que os povos viram sobre as suas cabeças a medonha tempestade accumulada em virtude d'aquella lei. As demandas começaram, raras no principio, mas successivamente cresceram as exigencias da real casa de Bragança, e a ponto que nos antigos estados da casa de Bragança ninguem póde dizer-se seguro da sua prosperidade, sem que receie ser incommodado pelos seus agentes.

Caberia dizer aqui o que o mesmo sr. Silva Ferrão disse a fl. 29 do seu tratado, e reproduzir a apreciação do sr. Sebastião de Almeida e Brito, que se acha em uma nota da mesma fl. 29 do referido tratado, mas lidas já por mim nesta camara em sessão de 31 de março do corrente anno, julgo desnecessario fatigar a vossa attenção com segunda leitura, restando-me apenas dizer-vos que uma lei interpretada por tal fórma por jurisconsultos tão abalisados; uma lei que tem em sobresalto mais de um milhão de familias, que tanto abrangia a casa de Bragança, uma lei que promove tantas demandas, uma lei que provoca tantas petições a esta camara, de certo deve merecer a attenção mais seria dos membros d'ella para a rever, corrigir e esclarecer.

Ë pois, confiado no vosso patriotismo e benevolencia que eu o mais humilde dos membros d'esta casa, reconhecendo a rasão e justiça que assiste aos povos, rasão e justiça que eu poderia demonstrar com argumentos e factos que attestam não só a obscuridade e ambiguidade da lei de 22 de junho de 1846, mas os abusos e excessos praticados á sombra d'ella contra os povos que tão leaes vaasallos foram dos Senhores Duques de Bragança, venho submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° As disposições da carta de lei de 22 de junho de 1846 são confirmadas, declaradas ampliadas ou revogadas, na fórma seguinte:

Art. 2.° Fica extincta a distincção entre os bens proprios da corôa, reguengueíros, fiscaes ou de fazenda, e as disposições da presente lei são applicaveis a uns e outros, sem differença alguma.

Art. 3.° E confirmada, e fica subsistindo a extincção de todos os direitos teirituriaes, de todos os direitos banaes, de todos os serviços pessoaes, comprehendendo os cabeceis, de todas as quotas, censos, fóros, jugados, eiradegas, teigas de Abrahão, direitos de portagens, rações certas ou incertas, laudemios, luctuosas, e quaesquer obrigações ou prestações de qualquer denominação que sejam, impostas pelos Reis d'estes reinos, ou pelos donatarios da corôa, como taes, por carta de foral, de couto e noura, ou por outro qualquer titulo generico, ainda quando estas obrigações ou prestações se achem convertidas posteriormente em titulo especial.

Art. 4.° Não são comprehendidos no artigo antecedente: 1.° Os fóros, censos ou pensões impostos por senhorios particulares em bens seus patrimoniaes;

2.° Os fóros, censos e pensões que, apesar de impostos pelos Reis ou donatarios da corôa, como taes, em foral ou qualquer outro titulo generico, foram depois alienados por titulo oneroso pela corôa ou fazenda, ou por seus donatarios competentemente auctorisados.

§ unico. Ficam porém extinctos, ainda n'estes casos, os direitos banaes, os serviços pessoaes, comprehendendo os cabeceis, os direitos reaes, e os tributos ou impostos que não tenham a natureza de pensões censiticas ou emphyteuticas, ou sub-censiticas ou sub emphyteuticas.

Art. 5.º As servidões, usos ou logradouros estabelecidos a favor dos povos nos pinhaes, matas ou montados, ou era quaesquer outras propriedades de pleno dominio da corôa ou da fazenda, ficam pertencendo aos respectivos povos, para seu uso.

Art 6.º Os fóros, censos ou pensões e direitos dominicaes que a fazenda publica está no uso e costume do receber, por qualquer titulo que seja, ficam subsistindo com as modificações seguintes.

§ 1.º O direito dominical da luctuosa fica extincto n'estes fóros, e o laudemio fica reduzido á quarentena em todos os casos em que outro maior fosse devido.

§ 2.° As pensões incertas serão reduzidas a certas, era especie ou dinheiro. A auctoridade administrativa, com audiencia dos interessa-los e assistencia do ministerio publico, realisarão esta conversão por arbitramento de louvados, dentro de seis mezes de publicação d'estas leis. Os louvados serão nomeados um pela auctoridade administrativa, outro pelo ministerio publico e outro pelos interessados. O de desempate será o do ministerio publico. Não haverá recurso da decisão dos louvados. A pensão nunca ficará sendo inferior ao preço medio das ultimas sete pensões anteriores, regulando o preço dos generos pela estiva da respectiva camara municipal.

Art. 7.º Os fóros, censos, ou pensões e direitos dominicaes, de que nota o artigo 6.º, poderão ser reunidos a requerimento dos usufructuarios, ou vendidos em hasta publica pela fazenda, pelo preço de 18 pnnsões e um laudemio, reduzidas as pensões a dinheiro. Os processos de remissões e de venda serão feitas gratuitamente perante a auctoridade administrativa do concelho a que pertençam os bens, com assistencia do ministerio publico.

Arti 8.° Os fóros ou pensões, vendidos pela fazenda a pessoas que não sejam os usufructuarios dos terrenos pensionados, poderão ser reunidos por estes, quando queiram,

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pelo preço da renda, ou de 20 pensões e um laudemio, á escolba dos senhorios.

Art. 9.º Ficam completamente extinctos os fóros ou pensões, pagos a donatarios da corôa, de terrenos que aos mesmos donatarios proviesse da corôa ou fazenda por doação regia de qualquer natureza que fosse, uma vez que esses fóros ou pensões não constem de contratos emphyteuticos ou censiticos feitos por escriptura publica.

Art. 10.º Os terrenos, propriedades ou casaes, que por doação regia, titulo generico, ou por qualquer outro meio provieram da corôa aos donatarios d'ella, ficam inteiramente livres e allodiaes para os seus actuaes possuidores doarem, venderem, trocarem, ou por qualquer fórma alienarem livremente.

Art. 11.º Fica subsistindo a revogação de todas as doações regias de alcaidarias mores, senhorios de terras, honras, coutos e padroados de jurisdicção civil ou criminal, de terças dos concelhos, de sizas, dizimos ou portagens, e de quaesquer outros direitos politicos jurisdiciarios, administrativos, fiscaes ou territoriaes.

§ unico. Os respectivos donatarios da corôa não poderão usar dos titulos honorificos que por taes doações lhes competiam.

Art. 12.° Os terrenos, propriedades ou casaes, provimentos da corôa por doações regias, ou por qualquer outro titulo génerico, que actualmente se acham em poder dos donatarios ou seus representantes, ficam sendo propriedade sua, livre e allodial para todos os effeitos legaes.

Art. 13.° As propriedades ou terras de commendas ou capellas, ou quaesquer propriedades ou terras da corôa ou fazenda, doadas pela mesma corôa ou fazenda, por vidas ou por tempo limitado, ficam sendo propriedade livre e allodial das pessoas que os possuirem ao tempo da publicação d'esta lei.

Art. 14.º Os fóros ou pensões que, ao tempo da publicação d'esta lei, deviam os possuidores dos terrenos ou casaes, pelas terras provenientes aos donatarios por doação regia ou qualquer outro titulo generico, e que não constém expressamente de contrato emphyteutico, referido no artigo 9.°, ficam inteiramente extinctos e não poderão ser exigidos pelos senhorios.

§ 1.° Ficam sem effeito todas as sentenças que condemnassem os possuidores no pagamento d'ésses fóros ou pensões, ainda mesmo que tenham passado em julgado. Exceptuam-se aquellas proferidas em processos instruídos com respectiva escriptura de contrato emphyteutico.

§ 2.° Ficam igualmeate sem effeito os autos de conciliação e os termos de confissão, composição ou transacção, pelos quaes os possuidores de terrenos que provieram aos donatarios da corôa por doações regias, ou por qualquer titulo generico que fosse, estejam obrigados ao pagamento de quaesquer fóros ou pensões dos ditos terrenos, quer atrazados, quer com trato successivo no futuro.

§ 3.º Os processos de execução, quer de sentença, quer de auto de conciliação, serão ex-officio julgados extinctos, e bem assim os de execução por multas impostas pelas sentenças referidas no § 1.º d'este artigo.

Art. 15.º Incumbe aos senhorios a prova de que os bens são patrimoniaes, ou de que, não o sendo originariamente, foram por elles, ou seus maiores, adquiridos por titulo oneroso, quando demandarem os pensionados ou emphyteutas; prova isto que só poderão fazer por documentos authenticos e comprovativos do contrato emphyteutico, devendo conjunctamente provar a posse que têem de receber similhantes fóros.

§ 1.º Os fóros que não tenham sido pedidos ha trinta annos completos ficam extinctos, e as respectivas propriedades livres e allodiaes para os seus possuidores.

§ 2.° Os bens da corôa, e cujos fóros mais não poderão ser pedidos, são todos aquelles que pertencerem á corôa ou n'ella estiverem encorporados por qualquer motivo, e que d'ella provieram aos donatarios por doação regia ou qualquer outro titulo generico, se posteriormente: não foram alienados por titulo oneroso pela corôa ou por os respectivos donatarios, competentemente auctorisados.

Art. 16.º Fica revogada a carta de lei de 22 de junho de 1846 e de toda a mais legislação era vigor.

Sala da camara dos deputados, 1 do junho de 1871. = Antonio José Antunes Guerreiro, deputado por Chaves.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

O sr. Caldas Aulete: — Mando para a mesa um projecto de lei, de que peço a urgencia, a fim de ser impresso no Diario da camara, dispensando-se a segunda leitura.

Foi approvada a urgencia, e leu se logo na mesa o seguinte:

Projecto de lei

Senhores. — Procurar por todos os modos a simplificação dos serviços, e a maxima economia na sua dotação, é hoje dever para quantos tem voz e voto nos negocios do estado.

O contribuinte recebe sempre com boa nova qualquer projecto que revele esta tendencia, que é a aspiração de quantos desejam se melhore o estado pouco florescente do thesouro.

As recebedorias não são essenciaes ao mechanismo da administração da fazenda publica. Podem-se facilmente substituir sem que os contribuintes padeçam, nem afrouxe a fiscalisação do valioso rendimento dos impostos directos.

Têem sempre as instituições bancarias prestado poderoso auxílio aos governos d'este paiz; e ainda em 1867 o accordo com o banco de Portugal, sobre o pagamento das classes inactivas, demonstrou esta verdade.

Parece-me, pois, que os bancos privilegiados não deixarão de proporcionar ao estado um ensejo de ser consideravelmente reduzida a despeza com a cobrança dos impostos directos.

Ao contribuinte é de summa vantagem receber no principio do anno em pequeno mappa todos os impostos que tem a satisfazer durante esse anno, podendo pagar a sua importancia mensalmente quando assim lhe convenha.

As quotas que os recebedores da capital hoje auferem não podiam ser reduzidas de modo que desse economia importante; porque em principio é sempre perigoso deixar em precarias circumstancias aquelles que gerem os dinheiros da fazenda publica. Alem de que o limitado numero de recebedorias, em que por economia se dividiu a capital, está exigindo uma providencia immediata, porque o avultado numero de conhecimentos de cobrança, que se accumulam n'aquellas repartições publicas, torna quasi fictícia a fiscalisação da repartição competente, visto que o balanço é assumpto de tal morosidade, que não póde pôr a fazenda a salvo de qualquer alcance inferior á fiança do exactor.

Por estes fundamentos tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São extinctas as recebedorias dos bairros de Lisboa.

Art. 2.° Fica o governo auctorisado a contratar com os dois bancos, de Portugal e ultramarino, a cobrança, de modo que resulte a maior economia para a fazenda.

Art. 3.° A recebedoria da receita eventual fica a cargo da repartição de fazenda do districto de Lisboa, com o mesmo pessoal que actualmente tem.

Art. 4.º Os escrivães dos bairros da capital entregarão ao banco os conhecimentos da mesma fórma que praticavam com os recebedores, segundo o disposto no regulamento da administração de fazenda publica, approvado por decreto de 4 de janeiro de 1870.

Art. 5.° Os conhecimentos serão extrahidos por duodecimos, e contra cada contribuinte não será extrahido mais que um conhecimento, quaesquer que forem os differentes impostos directos a que estiver sujeito, conforme o modelo junto.

Art. 6.° A cobrança será annunciada na folha official e nos demais periodicos da capital.

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Art. 7.° As contribuições poderão ser pagas todos os dias, não santificados, das dez horas da manhã até ás tres da tarde.

Art. 8.º O imposto só é obrigatorio no fim do semestre. O contribuinte porém que o satisfizer fóra do praso legal, mas antes de findo o anno a que elle respeita, fico sujeito ao imposto addicional de 3 por cento, criado por decreto de 3 de novembro de 1860.

Art. 9.° O contribuinte que satisfizer aos impostos relativos a mezes que não estejam vencidos, tem direito a que se lhe abone a quantia correspondente a 6 por cento ao anno da importancia adiantada.

Art. 10.° Na falta de pagamento dos documentos da cobrança, dentro de um mez depois de findar o anno a que elles respeitam, o banco processará as competentes certidões dos conhecimentos que tem de ser relaxados, para por elles se proceder contra os devedores.

Art. 11.º Fica o governo auctorisado, precedendo accordo entre o ministerio da fazenda e o da justiça, a estabelecer que só uma das varas civeis da comarca de Lisboa trate dos processos de execução fiscal.

Art. 12.° O governo fica igualmente auctorisado a decretar a extincção das recebedorias a todos os districtos em que os bancos tiverem succursaes, e a fazer os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.

Art. 13.° O governo dará conta ás côrtes na proxima sessão legislativa do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 14.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 30 de maio de 1871. = 0 deputado, Francisco Julio Caldas Aulete.

MODELO

F... morador... Freguezia...

[Ver Diário Original]

observações

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

O sr. Falcão da Fonseca: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer discutir desde já o projecto n.º 41, que está dado para ordem do dia de hoje.

O sr. Presidente: — Esse projecto está dado para ordem do dia, e como está presente o sr. ministro da guerra, vae entrar desde já em discussão.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Entrou em discussão o projecto de lei n.º 41.

É o seguinte;

Projecto de lei n.º 41

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.º 40—A do sr. deputado Antonio Cabral de Sá Nogueira, para que o governo seja auctorisado a conceder á camara municipal de Villa Nova de Gaia a faxa do terreno da quinta da Serra do Pilar, por onde tem de seguir uma estrada que ligue a rua do General Torres e o sitio do Arco da Serra do Pilar.

A vossa commissão, conformando-se com as rasões extensa e claramente expostas no relatorio que precede o mencionado projecto de lei;

Attendendo a que o ministerio da guerra se não oppõe á concessão pedida, antes deve lucrar com ella, por estabelecer o novo caminho uma communicação mais facil e commoda para as tropas que frequentes vezes se dirigem á fortaleza da Serra do Pilar e campo adjacente, para ahi fazerem exercicio:

É de parecer que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a conceder á camara municipal do concelho de Gaia a porção de terreno da quinta da Serra do Pilar necessaria para um novo caminho que ligue a rua do General Torres e o Arco da Serra, e bem assim o terreno comprehendido entre esse caminho e o antigo.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislarão em contrario.

Sala da commissão, em 30 de maio de 1871. = Anselmo José Braamcamp — José Dionysio de Mello e Faro = Antonio Rodrigues Sampaio — José Dias Ferreira = Antonio Augusto Pereira de Miranda — Antonio Maria Barreiros Arrobas— Mariano Cyrillo de Carvalho = Augusto Saraiva de Carvalho — Eduardo Tavares = Francisco Pinto Bessa — João José de Mendonça Cortez — João Antonio dos Santos e Silva — João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens — Alberto Osorio de Vasconcellos — Alberto Carlos Cerqueira de Faria — João Henrique Ulrich —Henrique de Barros Gomes, relator.

O sr. Pinheiro Borges: — Eu não me opponho de modo algum á approvação do projecto que acaba de ser lido, devo porém observar que nos terrenos que a camara de Gaia pede ha uma pedreira, da qual a camara tenciona tirar pedra para as suas obras, mas que até hoje tem sido usufruída e administrada pelo ministerio da guerra.

Portanto eu não me opponho a essa concessão, comtanto que fique bem explicito que a exploração da pedreira ficará sendo dirigida por um official de engenheria.

Mando para a mesa a minha proposta n'este sentido.

O sr. Ministro da Guerra (Moraes Rego): — V. ex.ª já sabe pelas informações officiaes que vieram do ministerio a meu cargo, que o governo concorda completamente com este piojecto; só tenho pois a dizer que aceito o additamento que o sr. Pinheiro Borges acaba de propôr, porque é assas conveniente que um official de engenheria dirija a exploração da pedreira.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a exploração da pedreira que existe entre os dois leitos da estrada, seja dirigida pelo engenheiro delegado do ministerio da guerra.

Sala das sessões, 1 de junho de 1811. = Domingos Pinheiro Borges.

Foi admittida.

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Em seguida foi approvado o projecto com o additamento do sr. Pinheiro Borges.

Entrou em discussão o projecto de lei n.º 29. É o seguinte;

Projecto de lei n.º 29

Senhores. — A vossa commissão de legislação examinou a proposta de lei apresentada pelo governo para a creação de uma casa de detenção e correcção para menores de dezoito annos, do sexo masculino, condemnados ou em processo crime na comarca de Lisboa.

No systema d'esta proposta é tomada por base a idade de dezoito annos para os menores em processo os condemnados em pena correccional. Se aos crimes commettidos depois da idade de quatorze annos for applicada pena maior, a prisão é a commum.

Não fazendo a lei penal excepção na pena, não são esses crimes punidos na nova casa de correcção, porque a indole d'esta é servir para applicação de penas menos graves, em consideração da menoridade d'aquelles a quem são applicadas.

Para os menores de quatorze annos comprehende não só os que se acham em processo, mas os condemnados em qualquer pena, porque a respeito d'esses, em rasão da idade, foram estabelecidas disposições especiaes para a applicação das penas no § 1.º do artigo 73.° do codigo penal.

Comprehende igualmente os menores retidos á ordem da auctoridade administrativa e os sujeitos ás disposições dos artigos 143.° e 244.° n.º 12.° do codigo civil.

São assim abrangidos todos os casos de detenção e correcção que por motivo de menoridade estão sujeitos a disposições especiaes para a imposição das penas.

O systema proposto para a detenção e correcção é o da separação por classes com trabalho, sempre que este possa ser exigido. O isolamento é ahi applicado como pena disciplinar para corrigir as faltas graves e coagir ao trabalho na prisão.

Este systema parece á vossa commissão preferivel, quando se trata, como na actual proposta, de corrigir principalmente, pela educação moral e pelo trabalho maticebos nas condições em que a casa de correcção os recebe. No ensino das industrias, especialmente da industria agricola, a que mais convem para os detidos e presos em casas similhantes, o trabalho em commum, por classes pouco numerosas e permanentemente vigiadas, é o mais util. O isolamento nos adultos póde ser um poderoso meio de correcção e de emenda; mas nas idades ainda pouco desenvolvidas, quando ha a dirigir e applicar utilmente ao trabalho e á instrucção todas as forças vivas que então mais se desenvolvem e crescem, produz a debilidade das faculdades, e atrophia o desenvolmento moral e physico dos que assim são condemnados. Nas menores idades o isolamento é uma pena sem proporção com o isolamento nas idades adultas.

Na proposta estabelece se com a educação moral e religiosa e com a instrucção dada aos presos, o principio da liberdade provisoria.

Auxiliar assim o sentimento do bem, ainda que obscurecido pelo vicio, com a esperança da reducção da pena pela emenda; dirigir esse sentimento para a pratica da religião e da moral, são os meios mais poderosos para a regeneração dos culpados, meios tanto mais efficazea, quando aquelles ainda não se acham endurecido» pelo crime.

Sâo estas as bases da proposta de lei do governo, e que a vossa commissão aceita pelas rasões que succintamente deixa expostas.

A proposta satisfaz assim a uma das primeiras necessidades da administração correccional.

Na lei de 1 de julho de 1867 foi decretado o estabelecimento do systema penitenciario, que todavia por falta de casas de prisão apropriadas não póde ainda ter execução. Mas quando já a tivesse tido, não dispensaria a creação de reformatorios nas condições do que actualmente é proposto.

Quando nas prisões, como ainda infelizmente succede entre nós, tem logar a convivencia entre aquelles a quem o crime endureceu, e os que no verdor dós annos fugiram do bem sem o conhecer ainda, é talvez praticaram o crime por não o comprehenderem, essa triste escola toma para elles o logar que deveria caber ao trabalho da regeneração moral. Assim, frequentes vezes aquelles que a justiça recebe réus de leves delictos, volve os á sociedade depois de punidos, dispostos e audazes para fifáis* graves attentados, porque a sua consciencia não foi advertida emquanto era tempo de o ser!

Tem sido esta quasi sempre a historia dos grandes crimes!

Estes resultados tão tristes em si, quanto infelizmente exactos na pratica, exigem seria attenção e permanente vigilancia dos poderes publicos.

Estudando o movimento da cadeia civil de Lisboa, no anno findo de 1870, encontra-se que n'um tota de 2:868 presos de ambos os Sexos, eram menores de vinte annos 264, de dezesete 130, de quatorze annos. 82, o que dá o total de 487. Quantos d'estes saíram ou sairão melhorados? As estatisticas anteriores não indicam a média; seria desanimadora.

Recorrendo porém ao que succedia em França antes do estabelecimento ali das casas especiaes de correcção e edacação para os menores delinquentes, a média das reincidencias era de 75 por cento. Estabelecida a melhor das suas colonias penaes, Metray, a proporção desceu logo a 10 por cento n'esta exemplar escola. E porque se obtiveram tão uteis resultados? Porque de entre 1:040 mancebos saídos da colonia n'um numero de annos, 421 saíram agricultores, 3Ol industriaes de differentes outras industrias, 249 foram servir no exercito, 69 na marinha. Levavam a habilitação do trabalho.

Quando lançámos as bases de uma tão util instituição, é bom approxímar estes factos, que nos dão a medida do que poderemos esperar do systema que inaugurámos.

Ná organisação moral da administração publica tudo se liga. O asylo vae procurar a infancia desvalida ou abandonada, educa-a, ensina-lhe a religião, a moral e os costumes, prepara-a para o trabalho, e entrega mais tarde á sociedade cidadãos uteis, os que poucos annos antes fôra buscar ao seio da miseria e ao abandono. A satisfação moral d'este facto, tão frequente, mas que nunca é praticado seta verdadeira emoção do coração humano, só por si seria recompensa dos sacrificios empregados, quando não fossem de tão vasto alcance os seus resultados sociaes.

Nos primeiros annos não poucas vezes o crime encontra acolhimento, resultado antes dá educação pervertida e abandonada, ou das paixões momentâneas, do que do habito ou do prazer de delinquir. Incumbe á sociedade, que deve castigar o crime, alliar a expiação com a idéa de rehabllitar moralmente o colpado. Este principio, base hoje do nosso systema penal, applicado á correcção dos menores, exige* o* emprego de uni systema baseado todo na educação morai e nos habites do trabalho.

A este fim, n'este periodo, satisfaz a instituição dos reformatorios; com elles porém não fica completo o systema.

Depois d'estas casas de correcção vem os estabelecimentos que vão ali buscar os que já cumpriram a pena, ou os que entram na liberdade provisoria. A educação correccional, para produzir os seus verdadeiros fructos, deve ter por complemento as instituições de protecção.

A educação da familia é o preceito moral da natureza; para os moços delinquentes privados de familia ou sujeitos ao dominio de paes immoraes, o reformatorio completado pelas instituições de protecção, occupa o logar dos paes e é assim o refugio aberto para a entenda futura.

Temos instituido o hospício para a infancia abandonada e desvalida, creâmos agora o reformatorio, mais adiante fundaremos as instituições de protecção, e se agora não podemos chegar ahi, firmemos a idea, com a confiança de que

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dentro em pouco fructificará como todas as instituições que se acolhem á sombra da caridade.

Concorde com estas idéas, a vossa commissão é de parecer que a proposta do governo seja convertida no seguinte projecto de lei:

Casa de detenção e correcção

Artigo 1.° É creada para a comarca de Lisboa uma cadeia civil denominada casa de detenção e correcção, a qual é destinada a recolher os individuos do sexo masculino:

1.° Menores de dezoito annos, que se acharem em processo e não afiançados;

2.° Menores de dezoito annos que estiverem condemnados a prisão correccional;

3.° Menores de quatorze annos, que estiverem condemnados a qualquer pena;

4.° Menores que forem presos á ordem da auctoridade administrativa;

5.° Menores que deverem ser detidos nos termos dos artigos 143.° e 224.°, n.º 12.°, do codigo civil.

§ unico. Os menores, que completarem dezoito annos antes de cumprida a pena, continuarão até seu inteiro cumprimento na casa de detenção e correcção.

Art. 2.° A casa de detenção e correcção fica dependente do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, o qual nomeará os respectivos empregados.

§ unico. A administração d'esta cadeia será immediatamente sujeita ao procurador regio junto da relação de Lisboa, sendo-lhe applicavel o que se acha determinado com relação ás outras cadeias civis da comarca, nos pontos em que esta lei não providenciar especialmente.

Art. 3.° O pessoal empregado na casa de detenção e correcção compõe-se:

l.° De um director;

2.° De um sub-director;

3.° De um capellâo;

4.º De cinco guardas.

§ 1.° Os empregados, de que trata este artigo, receberão os vencimentos declarados na tabella que faz parte da presente lei.

§ 2.º O serviço de saude da casa de detenção e correcção será feito pelos facultativos da cadeia central.

Art. 4.° São obrigados a trabalho:

1.° Os individuos indicados nos n.0s 2.°, 3.° e § unico do artigo 1.°;

2.º Os individuos indicados nos n.0B 1.°, 4.° e 5.° do mesmo artigo, que não tenham meios de subsistencia e forem alimentados pela casa de detenção e correcção.

Art. 5.° O trabalho na casa de detenção e correcção será regulado conforme a idade, forças e capacidade dos individuos.

Art. 6.° A todos os recolhidos n'esta cadeia será ministrada diariamente pelo capellão a instrucção litteraria, moral e religiosa, do modo por que se determinar no regulamento.

Art. 7.° Uma terça parte do producto do trabalho dos presos será applicada ás despezas da casa; outra á retribuição dos presos, que, pelo seu bom procedimento e zêlo pelo trabalho, merecerem esse premio; e a ultima terça parte constituirá o fundo de reserva dos presos, o qual lhes será entregue ao saírem da cadeia.

Art. 8.º Serio empregados, como meios para estimular o bom procedimento dos presos e o seu zêlo pelo trabalho:

1.° Louvor em reunião publica dos presos;

2.° Retribuição pecuniaria nos termos do artigo anterior;

3.° Liberdade provisoria sob vigilancia da policia.

Art. 9.° Serão empregados como meios para corrigir o mau procedimento dos presos ou coagir ao trabalho:

1.º Advertência particular;

2.° Reprehensão publica;

3.° Prisão com isolamento, que não poderá exceder cinco dias.

Art. 10.° O procurador regio junto da relação de Lisboa fará, quando julgar conveniente, promover perante o juizo respectivo a liberdade provisoria dos individuos indicados nos n.ºs 2.° e 3.° e § unico do artigo 1.°, nos termos do artigo seguinte.

Art. 11.º Ao condemnado, que tiver cumprido duas terças partes da pena, poderá ser concedida liberdade provisoria, quando no livro do registo tenha nota de irreprehensivel comportamento.

Art. 12.° Quando o condemnado, a quem se tiver concedido a liberdade provisoria, abusar d'ella, procedendo de um modo reprehensível, será reintegrado na casa de detenção e correcção, e não se lhe levará em conta, para o cumprimento da pena, o tempo que tiver gosado da liberdade provisoria.

§ unico. A reintegração será determinada pelo juizo competente, a requerimento do ministerio publico, em vista da informação da auctoridade administrativa.

Art. 13.° Os presos serão distribuidos por classes ou categorias inteiramente distinetas e separadas, tomando-se por base para essa divisão a idade, e a gravidade das causas por que se acham na casa de detenção e correcção.

Are. 14.° A casa de detenção e correcção é considerada como qualquer asylo de mendicidade, e estabelecimento pio e de beneficencia ou educação gratuita, a fim de ter parte no beneficio das doações, legados ou heranças que forem deixados aos estabelecimentos d'essa ordem.

Art. 15.° É auctorisada a despeza de 6:000$000 réis para accommodar aos fins da casa de detenção e correcção o edificio do extincto convento das religiosas de Santo Agostinho descalças, denominado das Monicas.

Art. 16.° Para satisfazer ás despezas ordinarias da casa de detenção e correcção, é auctorisada a verba annual de 2:000$000 réis, que será inserida no orçamento do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, e com elle annualmente votada.

Art. 17.° Fica o governo auctorisado a fazer os regulamentos necessarios para a cabal execução da presente lei.

Art. 18.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Tabella a que se refere o § l.° do artigo 3.° d'esta lei

Artigo unico. Terão de vencimentos annuaes:

1 Director................................ 200$000

1 Subdirector............................ 150$000

1 Capellâo............................... 200$000

5 Guardas, a 300 réis diarios............... 547$500

Sala das sessões da commissão de legislação, em 23 de maio de 1871. — Antonio de Vasconcellos Pereira Coutinho de Macedo — Antonio Pequito Seixas de Andrade = José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz = Bernardino Pereira Pinheiro:= Julio Cesar de Almeida Rainha—Joaquim Nogueira Soares Vieira — José de Sande Magalhães Mexia Salema:= José Luciano de Castro Pereira Côrte Real —João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, relator.

Senhores. —A commissão de fazenda, mandada ouvir pela mesa da camara sobre o projecto n.º 29, de iniciativa do actual sr. ministro da justiça e do seu antecessor, em que se propõe a creação em Lisboa de um reformatorio para os delinquentes menores de quatorze e dezoito annos;

Considerando que a proposta do governo, comquanto augmente as despezas publicas em 8:000$000 réis, não obstante tem por fim um melhoramento de maxima importancia para a sociedade portugueza, pelos excellentes effeitos moraes que deve produzir na população, infelizmente transviada da senda da moralidade e da lei;

Attendendo a que esta utilíssima reforma representa uma economia verdadeira, e é um solemne testemunho de respeito prestado á moralidade, porque tende a arrancar ás garras do crime um numero consideravel de delinquentes que, continuando o actual estado de cousas, serão no futuro fatal patrimonio dos erros do nosso systema penal, e funesta herança legada pela geração presente á futura;

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Comprehendendo a commissão que, para se alcançar uma reforma completa da nossa organisação criminal, não basta a presente reforma, mas tendo por certo que, se nas futuras sessões forem votadas providencias analogas a esta proposta e ás já votadas pelo parlamento, em breve teremos um systema penal que satisfaça ás generosas e santas aspirações da humanidade e ás exigencias da sciencia que procura a regeneração dos criminosos, e efficazes garantias para a sociedade perturbada:

Por estas rasões é a commissão de fazenda de parecer que deve ser approvado o projecto de lei n.º 29.

Sala das sessões, em 29 de maio de 1861. — Anselmo José Braamcamp — João Antonio dos Santos e Silva — Mariano Cyrillo de Carvalho = Alberto Carlos Cerqueira de Faria= Augusto Saraiva de Carvalho —José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior —Alberto Osorio de Vasconcellos ¡=1 Henrique de Barros Gomes = Francisco Pinto Bessa — Eduardo Tavares — José Dias F'erreira — Antonio Augusto Pereira de Miranda—Antonio Maria Barreiros Arrobas =João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mârtens = Antonio Rodrigues Sampaio.

O sr. Pinheiro Borges: — Todos conhecem o alcance do projecto que acabou de se ter, e como póde haver algum requerimento para se passar á segunda parte da ordem do dia, podendo assim deixar de se approvar este projecto, que tem muitos artigos, proponho o seguinte (leu).

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o projecto n.º 29 tenha uma só discussão e votação, isto é, que seja discutido e votado na generalidade e especialidade.

Sala das sessões, 1 de junho de 1871. = Domingos Pinheiro Borges.

Foi admittida e logo approvada.

O sr. Cortez: — Pedi a palavra para declarar que em uma das sessões anteriores mandei para a mesa um parecer interlocutorio da commissão de fazenda sobre este projecto e do qual sou relator, mas no parecer que foi distribuido não apparece o meu nome como relator. Foi portanto omissão da parte da imprensa, porque da secretaria não póde ser, e eu sou o primeiro a dar testemunho de que na secretaria d'esta camara correm os trabalhos regular e exemplarissimamente.

Ainda declaro mais, que o parecer interlocutorio relativamente ao imposto que a camara municipal de Melgaço quer lançar sobre o sal, ía em dois papeis; em um o parecer, e em outro seguiam-se as assígnaturas dos membros da commissão. O papel onde estavam as assígnaturas perdeu se, portanto é preciso saber como isso foi.

O sr. Gusmão: — Declaro que mandei para a mesa um parecer da commissão de administração publica, incluindo o papel onde estavam as assígnaturas dos membros da commissão; e até quando o sr. Sampaio assignou o parecer, viu que já tinha mais assígnaturas.

Faço esta declaração para que não se julgue que fui eu o culpado de se ter perdido o papel.

Posto á votação o projecto n.º 29, na conformidade da proposta do sr. Pinheiro Borjes, foi approvado. Entrou em discussão o

Projecto de lei n.º 34

Senhores. — A vossa commissão de administração publica examinou, como lhe cumpria, o projecto de lei n.º 28-A, da iniciativa dos srs. deputados Antonio Augusto Pereira de Miranda, Francisco Pinto Bessa, João Henrique Ulrich, Manuel Thomás Lisboa, José Elias Garcia e José Maria Latino Coelho.

É n'este projecto auctorisado o governo a decretar a expropriação, por zonas, das propriedades que as camaras municipaes precisarem para a execução dos melhoramentos, cujos planos tiverem sido approvados pela junta consultiva de obras publicas, ficando ás camaras o direito de vender a parte restante das zonas expropriadas, e applicar o seu producto ao custeamento dos melhoramentos referidos ou de quaesquer outros de natureza igual. Propõe-se tambem n'este projecto que para estas expropriações se adopte o processo seguido para as construcções do caminho de ferro.

Considerando que o projecto referido é condição essencial para que os municipios obtenham salubridade, segurança e mais condições apropriadas á conservação e desenvolvimento á vida dos povos, collocando em circumstancias mais justas o direito dos povos em face das pretensões índividuaes, e que assim têem nações das mais civilisadas adoptado igual principio, que tambem se encontra consignado na nossa legislação, e attendendo os fundamentos consignados no relatorio que precede o projecto: é a vossa commissão de parecer que seja convertido no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a decretar a expropriação, por zonas, das propriedades que as camaras municipaes precisarem para a execução dos melhoramentos, cujos planos tiverem sido approvados pela junta consultiva das obras publicas.

Art. 2.° A parte que resta das zonas expropriadas para a execução d'estes planos poderá ser vendida pelas camaras municipaes, a fim de applicarem o producto no custeamento dos mesmos melhoramentos ou de outros de igual natureza.

Art. 3.° O processo para estas expropriações será o que é seguido para as construcções dos caminhos de ferro.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 30 de maio de 1871. = Antonio Rodrigues Sampaio == Barão do Salgueiro = Francisco Coelho do Amaral — Augusto Cesar Cau da Costa== João de Azevedo Sovereira Zuzurte —João José de Mendonça Cortez— Joaquim de Vasconcellos Gusmão, relator.

O sr. Adriano Machado: — Bem desejava que este projecto fosse discutido com toda a madureza que a sua importancia recommenda. Tendo porém esta camara condescendido com o pequeno adiamento que antehontem propuz, não ouso pedir novo adiamento, para não parecer que tenho o proposito de deferir para outra legislatura a adopção do principio, que aceito, da expropriação por zonas. Por ísso limito-me a pedir a eliminação do artigo 3.º que estabelece para este genero de expropriações o processo das expropriações para os caminhos de ferro.

As primeiras constituições zelavam tanto o direito de propriedade que só auctorísavam a expropriação por necessidade publica. Depois, como as instituições liberaes protegiam melhor o direito individual, entendeu-se que não haveria perigo em substituir a palavra necessidade pela palavra utilidade. A final, algumas nações admittiram, ainda ha mui poucos annos, a expropriação por zonas; mas não se contentaram com o processo ordinario.

Na verdade, quando se trata de uma estrada, a administração não tem arbitrio nenhum, senão na escolha da directriz, que aliás é regulada pelos preceitos technicos. A largura das estradas é determinada na lei, e o legislador tem a certeza de que se não póde tirar ao proprietario senão o que é indispensavel para o uso publico. Quanto aos caminhos de ferro convem facilitar as expropriações, para que as emprezas constructoras não tenham grandes capitães empatados, emquanto disputam palmo a palmo com proprietarios caprichosos ou especuladores o terreno que tem de ser atravessado pela linha. Para estas emprezas a vantagem de adiantar as obras é tamanha, que só no caso de exigencias muitos exorbitantes lhes valeria apenas trocar a composição amigavel por um processo qualquer por muito breve que fosse.

Nas expropriações por zonas, com a amplitude com que este projecto as auctorisa, o arbitrio é grande. Por isso os processos, tanto para a verificação da utilidade publica, como para a expropriação, devem ser extremamente escrupulosas.

No pouco tempo de que pude dispor, consultei algumas legislações estrangeiras, particularmente a da Belgica; mas

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não pude habilitar-me a formular as modificações com que se deveria adoptar o principio estabelecido n'este projecto.

Por isso vendo a camara anciosa por abreviar a discussão, limito-me ao menos que posso pedir, que é a eliminação do artigo 3.°, para se não entender que na expropriação por zonas se deve seguir um methodo roais expedito, quando a verdade é que importa proceder com o maior escrupulo e até com o maior receio.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho a eliminação do artigo 3.º Sala das sessões, 1 de junho de 1871. = Adriano de Abreu Cardoso Machado.

Foi admittida.

O sr. Gusmão: — Folgo em que o sr. Adriano Machado viesse hoje apresentar se mais favoravel ao projecto que tive a honra de mandar para a mesa, e no qual se reconhece a utilidade do principio em que a propriedade do municipio seja respeitada a par da propriedade individual, no caso de expropriação por utilidade publica.

Não tenho a apresentar considerações senão em relação ao que disse o sr. Adriano Machado.

O principio, que se estabelece, tende a fazer com que as obras necessarias aos melhoramentos do municipio se façam com mais brevidade, e que não haja os empecilhos que se apresentam quasi sempre a todas as obras de utilidade publica, e que fazem com que ellas não possam realisar-se.

Disse o sr. Adriano Machado, que por falta de tempo não apresentava uma substituição ao projecto, estabelecendo um processo especial.

Eu, apesar de estar convencido de que era melhor que se substituisse o processo que esta estabelecido no projecto, o que foi aceito pela commissão, vendo que não ha tempo para entrar em grandes discussões, e respeitando as duvidas que me são apresentadas, de mais a mais, por um homem muito esclarecido, que tem menos, rasão para as ter do que eu, declaro que apesar de desejar que este projecto vingue, tal como está, não me atrevo a oppor-me ás duvidas do illustrado deputado, e aceito a substituição apresentada por s. ex.ª.

O sr. Faria Guimarães; —Aceito o projecto em discussão com a eliminação proposta pelo sr. Adriano Machado, e mando para a mesa um additamento ao artigo 2.°, que me parece que deve ser approvado, porque é um principio de respeito á propriedade particular.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

§ unico. O proprietario do predio expropriado terá o direito de opção pelo preço da praça.

Sala das sessões, 1 de junho de 1871. = Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães.

Foi admittida.

O sr. Figueiredo de Faria — Fedi a palavra sobre a ordem, e passo a ter a proposta que mando para a mesa (leu).

lato é um additamento ao § 2.º

Conformo-me com o principio geral do projecto, mas não quizera que nós, para remediarmos os inconvenientes que se dão, e as dificuldades que se encontram nas expropriações pelas muitas delongas, e pelo preço que muitos proprietarios exigem, vamos fazer uma lei que abra a porta a abusos que se possam praticar, e que até certo ponto sejam um attentado contra o direito de propriedade. A minha proposta é para que o proprietario possa ficar com a propriedade pelo preço da avaliação, obrigando-so a fazer á sua custa junto á rua ou praça em que tiver a propriedade, as modificações em harmonia cem o plano geral de melhoramentos que for adoptado.

Parece-me que isto é de toda a justiça, e por consequencia mando para a mesa a proposta.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

§ unico. Quando na parte restante á aquellas zonas se comprehenderem casas já edificadas do mesmo proprietario expropriado, ou pertenças que lhe sejam essenciaes, poderá elle, antes de ser posta em praça a venda, optar por que lhe sejam adjudicadas pelo preço da avaliação, obrigando-se a fazer-lhes á sua custa as precisas modificações em harmonia com o plano geral que for adoptado.

Sala das sessões, 1 de junho de 1871. —Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães.

Foi admittida.

O sr. Cortez: — Mando para a mesa um parecer interlocutorio da commissão de fazenda, concedendo á camara municipal de Penafiel o edificio de Nossa Senhora da Conceição, que a camara pediu para ali construir dentro de seis annos um quartel, e para o alargamento da feira.

O sr. Adriano Machado: — Pedia a v. ex.ª que consultasse a camara para que, logo que se acabe a discussão deste projecto, seja dispensado o regimento para entrar em discussão o parecer que acaba de mandar para a mesa a commissão de fazenda, e que me parece que é muito simples, e desde já declaro que, se houver algum sr. deputa do que impugne este meu requerimento ou o projecto, eu desde já desisto d'este meu pedido. Isto é sem prejuizo da discussão do projecto n.º 34.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Presidente: —Vou pôr á votação, na sua generalidade, o projecto n.º 34.

O sr. Alberto Carlos: — Peço a palavra sobre a generalidade.

O sr. Presidente; — Já se está a votar. Esteve em discussão, e como ninguem mais tinha pedido a palavra, puz o projecto á votação.

O sr. Alberto Carlos: — Então peço a palavra sobre a especialidade.

Posto o projecto á votação, foi approvado na generalida de, e passando-se á especialidade, entrou em discussão o Artigo 1.º

Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que o parecer da commissão de fazenda a respeito da concessão do recolhimento de Nossa Senhora á camara de Penafiel entre em discussão, dispensando o regimento, logo que termine a do parecer n.º 34.

Sala das sessões, em 1 de junho de 1871, = Adriano de Abreu Cardoso Machado.

O sr. Presidente: — Será posto á votação opportunamente.

O sr. Alberto Carlos: — Por descargo de convicção devo declarar que me parece este projecto inconstitucional e prejudicialissimo para a causa publica.

Este projecto trata de auctorisar o governo a fazer expropriações em globo, e com o fim, diz-se no relatorio, para que os confinantes não possam ter lucros extraordinarios, e a camara possa vender aquelle excesso que ficar das expropriações.

Mas o direito de propriedade consignado na carta constitucional é o seguinte.

Diz o § 21.º do artigo 174.º:

«E garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude se o bem publico legalmente verificado exigir o uso e emprego (note-se bem) da propriedade do cidadão, será elle, etc.»

Mas este projecto não diz que seja o uso e o emprego para o beneficio publico, diz que é para auctorisar que se vendam os excessos de expropriação em beneficio da auctoridade expropriante; portanto não é para aproveitar para o uso do serviço publico a parte expropriada, mas para utilizar a quem expropria de mais.

Por consequencia este projecto pela constituição do paiz não póde ser approvado.

Se acaso o fim das municipalidades é louvavel até certo

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ponto, não está isto comtudo em conformidade com a constituição do estado; o direito de propriedade é mais sagrado que esses melhoramentos, por isso mesmo, que só se permitte que seja violado, quando é indispensavel que seja applicada para uso publico; mas essa applicação «para vender» é que não é permittida pela constituição do estado.

A referencia ás leis que rejeita as expropriações do caminho de ferro, parece-me que não foi feita com toda a reflexão, porque as leis que regulam as expropriações do caminho de ferro são as mesmas que regulam todas e quaesquer expropriações; e o artigo parece suppor o contrario.

Portanto, parece-me que o artigo não póde passar porque é diametralmente opposto ao artigo 174.°, § 21.°, da carta constitucional, porque não tem por fim empregar em utilidade publica o excesso da somma destinada aos melhoramentos, mas quer destina-la para que o expropriante negoceie.

O sr. Gusmão: — Estou surprehendido de ouvir o sr. Alberto Carlos.

Realmente não comprehendo a sua argumentação. E para defender o projecto de que sou relator, não tenho necessidade de oppor ás reflexões apresentadas pelo sr. Alberto Carlos, se não a carta constitucional, que mantem a liberdade individual era toda a sua extensão, mas restricta aos limites exigidos pelo bem publico legalmente verificado. Ora, n'este projecto não se quer cousa diversa.

A carta harmonisa o direito de propriedade com as exigencias do bem publico, dispondo que a propriedade individual seja empregada era fins de interesse geral, e indemnisado o proprietario previamente.

Pois não é bem publico construir convenientemente, de maneira que se attenda a todas as condições hygienicas da povoação, e que não sejam feitas as expropriações só em favor de um, mas que aproveitem a todos os habitantes dos municipios?

Não é melhor que os municipios vendam esses terrenos pelo preço acrescido com as obras e melhoramentos feitos, aproveitando esse acrescimo ao municipio que lhe deu causa, do que tenha direito de vende-lo o particular, lucrando elle exclusivamente com o que foi obra do municipio e a este por isso deve aproveitar?

Não me parece, pois, que seja aceitavel a argumentação de s. ex.ª Limito por aqui as minhas observações quanto a este ponto.

O sr. Alberto Carlos disse que o processo do caminho de ferro lhe parecia prejudicial. O sr. Adriano Machado tinha duvidas a este respeito e tinha apresentado uma proposta, que julgo conscienciosa para que continuasse a regular-se o processo das expropriações pelas leis existentes.

Eu que não desejo pôr difficuldades ao projecto, porque me parece de alta conveniencia publica procurar todos os meios de dar saude ás povoações, aceito esta modificação do sr. Adriano Machado.

Não sei que haja nada de mais interesse publico do que procurar construir segundo todas as condições hygienicas

Admirei-me de ver que um cavalheiro tão illustrado, como o sr. Alberto Carlos, cujas idéas estamos costumados a respeitar, viesse apresentar estas difficuldades, que não têem rasão de ser.

Quando hontem ouvi dizer que este projecto se oppunha ao artigo da carta, fui vê-lo e decididamente, ou a minha intelligencia não comprehendeu o que estava na carta, ou o sr. Alberto Carlos, advogado tão distincto, se tinha equivocado uma vez, como succède a toda a gente.

Declaro que não aceito como fundamento as observações do sr. Alberto Carlos.

Até agora não se têem apresentado difficuldades á ap provação do projecto, limito pois, aqui, as minhas considerações.

O sr. Adriano Machado: — Não me move só a utilidade publica, palavras muito elasticas a que tenho grande medo pela tyrannia a que se prestam. O que me determina é um principio de justiça (apeados). Quando se abre uma rua fazem os municipios avultadas despezas e as propriedades marginaes adquirem grande augmento de valor. Não é de rasão que os proprietarios se locupletem assim com a jactura do publico.

Tal é o principio que justifica a expropriação por zonas.

Confesso que, se houvesse tempo, pediria á camara que me deixasse estabelecer algumas disposições que, sem alterarem a essencia do projecto, dessem mais garantias aos proprietarios. Mas n'esta occasião todas as nossas duvidas apenas serviriam de impedir a adopção de um principio bom e justo, que eu espero que seja executado com a maíor moderação.

O sr. Francisco Beirão (por parte da commissão de redacção): — Mando par* a mesa a ultima redacção de dois projectos que dizem respeito, um á creação de uma casa de detenção e correcção para menores de dezoito annos, na comarca de Lisboa, e outro sobre a concessão de um terreno á camara municipal de Villa Nova de Gaia. Foi approvada.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre uma proposta do governo.

Em consequencia da escassez de tempo, peço urgencia na distribuição e discussão d'este parecer.

O sr. Alberto Carlos: — Eu sinto que o sr. Gusmão se declarasse surprehendido com as minhas observações, pois lhe tinha hontem manifestado as minhas duvidas.

Disse eu que julgava inconstitucional o fim principal d'este projecto, porque entendo que a propriedade particular deve ser o mais respeitada possivel, emquanto o interesse publico bem definido não tiver exigido que se faça a expropriação para uso e emprego d'essa mesma propriedade.

Mas esta expropriação por zonas, como aqui se indica, vae dar occasião a violencias desnecessarias, e torna-se um meio de aequisição para toraar a vender, contrario ao qwe está estabelecido nas leis vigentes e na carta.

Se se desse o caso extraordinario de se querer, por exemplo, reconstruir o bairro de Alfama, conformar-me-ía e votaria que se fizesse a expropriação por zonas; mas no relatorio do projecto diz-se o seguinte (leu).

Expropriar para uso ou emprego da propriedade; não ha auctoridade para outra cousa, nem a constituição o permitte. Portanto havemos do nos circumscrever aos limites que a lei de 1850 e outras determinam, porque são as que a constituição admitte.

Respeito muito a opinião dos illustres membros da commissão de administração publica e de todos os srs. deputados, mas ninguem me póde demover das opiniões que ha muito tempo tenho firmadas, depois de muita reflexão e pratica sobre a materia das expropriações.

Como presidente que foi da companhia das aguas, tive especial occasião de ter conheci mento doe excessos e abusos que se praticam a este respeito.

A camara decidirá como quizer, mas na minha opinião não póde adoptar esta disposição sem ofíenàer o principio consignado no artigo 145.° § 21.° da carta constitucional.

O sr. Mello e Faro (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia está ou não sufficientemente discutida.

Consultada a camara julgou a materia discutida. Posto a votos o artigo 1.º foi apprsvado. Artigo 2.°

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — A este artigo ha offerecídos dois additamentos, um pelo sr. Faria Guimarães, outro pelo sr. Figueiredo de Faria (leu).

O sr. Alberto Carlos: — É a mesma cousa! Expropriar para negociar é uma cousa inaudita!

O sr. Pinto Bessa: — Eu tendo assignado este projecto, não posso ouvir, sera o contestam as palavras do sr. Alberto Carlos.

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Não é expropriar para negociar; é expropriar para...

O ar. Alberto Carlos: — Seja para que for. Não é permittido pelas leis do estado alterar os direitos consigna dos ao proprietario. O proprietario vende por sua conta

O Orador: — Este projecto tem por fim habilitar as camaras municipaes a realisarem os melhoramentos, que são reclamados pela civilisação, pela saude publica, e por to das as necessidades actuaes de cidades civilisadas como são Lisboa e Porto.

Diz o sr. deputado que não é justo que o proprietario seja esbulhado da sua propriedade, e que os interesses que d'ahi podem auferir se vão reverter em beneficio do municipio; e que isto é contra o disposto na carta constitucional, porquanto a carta garante o direito de propriedade

Pergunto eu a v. ex.ª; o alargamento de uma rua não é para uso publico?

A experiencia é que me faz ver as cousas n'esta questão pelo modo por que eu as vejo.

Na cidade do Porto fez se uma obra que se póde considerar gigantesca — o alargamento da rua da Alfandega; mas essa obra não se poderia ter levado ao cabo se esta camara não tivesse concedido á camara municipal do Porto o direito de expropriar a parte precisa para o alargamento da rua.

É verdade que foram expropriadas duzentas e cincoenta e tantas propriedades, mas não houve uma unica questão judicial; bastou que os proprietarios soubessem que a camara tinha o direito de expropriar, para que as suas propostas fossem muito rasoaveis.

Posto á votação o artigo 2° foi approvado.

O sr. Presidente: — Vão votar-se os additamentos propostos pelos srs. Faria Guimarães e Figueiredo de Faria.

O sr. Gusmão: — A commissão não póde aceitar os additamentos propostos, que me parece que estão já prejudicados.

O sr. Alberto Carlos: — Na lei de 23 de julho de 1850 está estabelecida a rescisão de todo, ou parte do predio, expropriado, que se não aproveita; dentro de tres mezes, e depois d'elles, tem ainda a preferencia quando se vende; e então creio que a commissão entende, que era desnecessario consignar uma tal disposição n'esta lei.

Nem outra cousa póde admittir-se. Pois levarem-me o que é meu para o venderem, e no fim não m'o deixarem rehaver ou comprar com preferencia aos outros, era uma cousa inaudita!

O sr. Gusmão: — A commissão não aceita esse additamento, porque entende que elle vae prejudicar o fim que principalmente se tem em vista.

O projecto estabelece que o governo seja auctorisado a decretar a expropriação, por zonas, dos terrenos que as camaras municipaes precisarem para a execução de melhoramentos, dispõe que as propriedades sejam vendidas por conta dos municipios, porque tendo ellas então mais valor, a commissão entende que deve este acrescimo de valor aproveitar aos municipios; o fim que a commissão teve principalmente em vista foi favorecer os municipios sem prejudicar os particulares (apoiados).

Por consequencia não póde aceitar o additamento do sr. deputado.

O sr. Presidente: — Vae votar-se o additamento do sr. Faria Guimarães ao artigo 2.°.

Foi rejeitado.

O sr. Presidente: — Vae votar-se o additamento do sr. Figueiredo Faria. (Susurro.) Foi rejeitado.

O sr. Figueiredo de Faria: — Como tem havido na sala alguma confusão e como alguns srs. deputados ignoravam o que se votava, requeiro a v. ex,ª que haja votação nominal sobre o meu additamento.

O sr. Presidente: -—Queira o sr. deputado fazer por escripto o seu requerimento.

O sr. Figueiredo de Faria: — Ainda que estes requerimentos costumam ser vocaes, vou escreve-lo, a fim de o mandar para a mesa.

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — Estou exercendo o logar de primeiro secretario; já estou um pouco cansado em consequencia do grande esforço que tenho empregado, a fim de poder ser ouvida a leitura das differentes propostas que têem sido mandadas para a mesa, e no estado de confusão em que está a camara, declaro que, por levantados e sentados, é impossivel verificar as votações.

Por consequencia requeiro que todas as votações sejam nominaes (apoiados).

O sr. Alberto Carlos: — Tenho ouvido declarar a alguns srs. deputados que rejeitavam o que ha pouco se votou, porque ficava em vigor o estado da legislação vigente e por consequencia peço que se faça na acta uma declaração n'esse sentido (apoiados).

O sr. Gusmão: —É inutil dizer que n'esta lei não se revoga qualquer cousa a que ella se refira, devendo ficar em vigor tudo aquillo que especialmente não é revogado por esta lei. Isto é claro e intuitivo e eu de certo não fazia esta simples declaração se me não obrigasse a isso o que acaba de dizer o sr. Alberto Carlos.

0 sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se quer que haja votação nominal sobre o additamento mandado para a mesa pelo sr. Figueiredo de Faria. Vozes: — Já está votado!

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — A primeira votação foi de 35 votos contra 29, a segunda de 30 contra 29 e estando na sala mais de 6O srs. deputados, entendo que, para evitar confusões, é conveniente que se repita nominalmente a votação (apoiados).

O sr. Pinto Bessa: — A camara já votou! O sr. Presidente: — Se a camara o resolver, tem de se repetir novamente a votação (apoiados).

O sr. Bandeira Coelho: — Declaro a v. ex.ª que não voto mais nada n'esta casa senão a lei de meios. Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro votação nominal sobre o additamento ao artigo 2.º que está em discussão. = José Joaquim Figueiredo de Faria,

Foi approvado.

Feita a chamada

Disseram approvo — os srs. Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Soares de Moraes, Villaça, Veiga Barreira, Antunes Guerreiro, Arrobas, Pequito, Santos Viegas, Falcão da Fonseca, Augusto de Faria, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Nogueira Soares, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, J. A. Maia, Figueiredo de Faria, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Julio do Carvalhal, Affonseca, Marques Pires, Pedro Roberto, Visconde de Montariol, Sá Nogueira, Pinheiro Borges.

Disseram rejeito — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Pedroso dos Santos, Sousa de Menezes, Cau da Costa, Saraiva de Carvalho, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Costa e Silva, F. M. da Cunha, Pinto Bessa, Zuzarte, Candido de Moraes, Ulrich, Gusmão, Mello e Faro, Elias Garcia, José Tiberio, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Visconde de Moreira de Rey, Adriano Machado.

Ficou portanto approvado o additamento do sr. Figueiredo de Faria por 27 votos contra 26.

O sr. Pinto Bessa: — Protesto contra o precedente estabelecido n'esta occasião de se requerer votação nominal sobre um additamento que tinha acabado de ser rejeitado pela camara!

O sr. Presidente: — A qualquer sr. deputado é permittido propôr, e á camara resolver, que se repitam as votações sobre qualquer proposta; e os srs. deputados têem obrigação de respeitar as resoluções da camara. E tanto

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isto é assim que mesmo o sr. deputado pediu ha pouco que se repetisse a sua votação!

O sr. Pinto Bessa: — Foi para se verificar.

O sr. Presidente: — Pois foi tambem para se verificar que a camara resolveu que houvesse votação nominal sobre o additamento do sr. Figueiredo Faria.

O sr. Secretario (Pinheiro Borges): — Preciso explicar á camara, por parte da mesa, o que se passou, porque as observações do illustre deputado parece que importam uma censura á mesa; e como fui eu que contei a votação, declaro solemnemente que tinha duvidas tanto a respeito da primeira votação, como a respeito da segunda.

A primeira votação foi contra a proposta por grande maioria, a segunda votação foi contra a proposta por um só voto; e eu entendi na minha consciencia que a opinião da camara não tinha sido devidamente manifestada, foi por isso que pedi a votação nominal.

Pode v. ex.ª e a camara estarem certos de que eu não me hei de decidir aqui em questão alguma, se não pelos dictames da minha consciencia.

O sr. Villaça (servindo de 2.° secretario): —Faço igual declaração á do meu collega.

O sr. Pinto Bessa: — Quando pedi que se verificasse a votação, não tive em vista offender o illustre deputado que dignamente exerce o logar de secretario, mas unicamente por ter duvidas no resultado da votação; e tanto eu tinha rasão, em ter essas duvidas que o mesmo illustre deputado acaba de dizer, que o additamento tinha sido rejeitado por um voto; por consequencia foi esta a rasão do pedido que fiz para a verificação da votação; mas não tive intenção de offender o illustre deputado, sou incapaz d'isso, e peço lhe mil desculpas.

Artigo 3.º

O sr. Presidente: — Ha uma proposta do sr. Adriano Machado para a eliminação d'este artigo.

O sr. Alberto Carlos: — Com perdão da commissão de administração, este artigo parece-me que não foi elaborado com a necessaria consideração.

Não sei que haja em vigor outras leis de expropriação senão as de 23 de julho de 1850, 17 de setembro de 1857 e 8 de julho de 1859.

A lei de 1850 trata singularmente das expropriações, e a de 1857, querendo remediar algumas faltas, estabeleceu a providencia da conciliação perante o juiz de direito, que facilita o mais possivel todas as expropriações; e julgou-a de tal importancia, que considera nullo todo o processo em que falto.

Por difficuldades que se encontram para citar os interessados na expropriação dos casebres do Loreto, fez-se a lei de 8 de julho de 1859. Esta lei foi promovida por esforços de um nosso antigo collega, ornamento da tribuna, o sr. José Estevão, que não tinha conhecimento especial da lei de 1857; sendo o resultado fazer-se uma lei que não fez referencia á lei de 1857. O resultado d'isto é que nos tribunaes se têem decidido questões identicas de diversa maneira. Umas vezes entende-se, que não é precisa a conciliação, e outras vezes entende-se o contrario; commigo aconteceu decidirem-se questões n'este sentido.

Em que estado está pois a legislação a respeito das avaliações, que são a parte mais essencial d'estes processos? Está o negocio entregue ás proprias partes, ou ao grande perigo da corrupção; isto é, tanto o expropriante como a parte expropriada, escolhem uma pessoa da sua confiança e que vae dar o seu voto como ellas querem de maneira que são as proprias partes a designar a pessoa que ha de votar, e que por consequencia ha de votar como elle quer! Resta depois o que? A nomeação de terceiro. Mas, se as partes não concordam, o juiz nomeia um homem qualquer para o desempate!

Eu sei do estado em que este negocio se acha, porque me passou pelas mãos, e muitas vezes se me disse, quando eu era director da companhia das aguas. Quer ganhar esta ou aquella causa de expropriação? Dê 100$000 réis, dê 200$000 réis, e evita despezas de 4:000$000 e 5:000$000 réis. Eu repelli sempre o conselho, porque tenho firmeza bastante, e opinião bem firme de que é mais odioso o corruptor do que o corrupto, e o que se seguiu d'ahi foi que a companhia perdeu muitas causas de expropriação, e pagou muitos contos de réis (apoiados).

Então porque não se entrega antes ao magistrado, ao juiz que ordenou o processo, e que apresenta garantias de certa especialidade, a decisão do desempate! Ainda ninguem se lembrou de o propôr.

Este negocio está todo envolvido em grandes difficuldades e embaraços. E d'ahi resulta o que? O que a nação sabe perfeitamente, isto é, que no caminho de ferro d'aqui para Villa Franca gastou-se mais talvez tres quartas partes do que se devia gastar nas expropriações. Para muita gente foi um Brazil, que ali se lhe apresentou (apoiados).

O processo não está organisado com as garantias devidas. Se se tivesse em tempo competente organisado nas camaras municipaes uma lista de homens habilitados para serem escolhidos á sorte, para darem garantias, talvez se tivesse remediado estes inconvenientes (apoiados).

O sr. secretario confirma o que digo, porque nos seus trabalhos fóra d'esta casa ha de ter encontrado muitas vezes este negocio, e conhece-o do perto.

Foi por isso que eu, n'uma exposição aos eleitores de Coimbra, indicava, como remedio de primeira necessidade, a reforma do processo das expropriações, e se não apresentei aqui um projecto, foi porque entendi que era escusado, em vista do que se tem passado na camara, em que o governo não tem dado aviamento a cousa alguma util.

Já se vê que, no estado em que este negocio se acha, existe a propriedade e o seu valor, á mercê... não digo de quem (apoiados).

O sr. Santos Viegas: — Pedi a palavra para apresentar um parecer de commissão.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, sobre uma proposta do governo. Peço dispensa do regimento, a fim de ser impresso e distribuido, e poder entrar em discussão com urgencia.

O sr. Francisco Mendes: — Mando para a mesa o seguinte requerimento, que é tambem assignado pelo sr. Joaquim Augusto da Silva (leu).

O sr. Gusmão: — Não posso seguir o sr. Alberto Carlos na materia que s. ex.ª quer agora discutir.

S. ex.ª vem dizer-nos, que as leis, sobre expropriações não são rasoaveis. De accordo. Mas eu não tenho culpa de que s. ex.ª não apresentasse uma lei melhor.

O sr. Alberto Carlos veiu tambem dizer-nos que achava perigoso o processo que se applicará n'este negocio. Será perigoso; mas o que eu não posso é estar agora de repente a substituir todas as leis que existem sobre expropriações.

O sr. Alberto Carlos, que é um advogado distinctissimo, podia te-lo feito; eu folgava com Isso e o paiz tambem, porque haveria uma lei mais perfeita. Mas, visto que o não fez, entendo que devemos regular-nos pelas leis que hoje existem, emquanto se não publica uma lei geral de expropriações, que na proxima sessão o sr. Alberto Carlos naturalmente ha de vir propôr aqui

Não tenho mais nada a dizer.

Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeremos que se retirem da discussão todos os projectos emquanto se não votar o da lei de meios, sem prejuizo do que está em discussão.

Sala das sessões, 1 de junho de 1871. = Francisco Mendes Joaquim Augusto da Silva.

(Susurro.)

O sr. Mello e Faro: — Segundo o que acabo de ouvir dizer ao proprio auctor do

requerimento, deve-se entender

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que é sem prejuizo do projecto que se está discutindo n'este momento e de que falta approvar-se um artigo.

Peço a v. ex.ª a bondade de notar isto á camara.

O sr. Falcão da Fonseca: — Declaro que voto o requerimento do sr. Francisco Mendes, não se incluindo n'elle o projecto que está em discussão.

O sr. Francisco Mendes: — Estou perfeitamente de accordo.

O que eu não quero por fórma alguma é ser solidario na votação de projectos de que não posso ter conhecimento. Distribuiram-se tantos que não pude estuda-los. E, embora me retire da sala, fico com a responsabilidade da votação, e não a quero.

O sr. Nogueira: — Se é com prejuizo dos projectos que estavam dados para ordem do dia, não me parece isso regular.

O sr. Presidente: — Já se vê que comprehende todos.

O sr. Mello e Faro: — Menos o que está em discussão, que não se interrompe.

O sr. Presidente: — Consulto a camara. Os srs. deputados que approvam o requerimento do sr. Francisco Mendes, sem prejuizo do projecto que está em discussão, queiram ter a bondade de se levantar.

A camara resolveu neste sentido.

O sr. Presidente: —Vae-se proceder á votação do artigo 3.° do projecto de lei n.º 34. Ha uma proposta do sr. Adriano Machado, para que seja eliminado este artigo. Não é preciso pôr esta proposta á votação, porque, se o artigo 3.° for rejeitado, fica eliminado.

Os srs. deputados que approvam este artigo, queiram ter a bondade de se levantar.

Foi rejeitado.

Artigo 4.°

Approvado.

O sr. Pinto Bessa: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o requerimento de D. Antonia Gertrudes Pusich.

O sr. Presidente: — Vae-se dar expediente a alguns trabalhos da camara para a secretaria. E d'aqui a pouco entrar-se-ha na discussão do projecto de lei de meios.

(Pausa.)

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projeoto de lei n.º 36, lei de meios

O sr. Presidente: — Continua a discussão do projecto de lei de meios. Tem a palavra, que lhe ficou reservada da sessão antecedente, o sr. Rodrigues de Freitas.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Peço licença para observar que não estão presentes o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda.

Se o sr. ministro da justiça, que está presente, e a camara quizerem que nos occupemos d'esta importantissima questão, na ausencia d'aquelles cavalheiros, eu não tenho duvida em usar da palavra.

Desejo portanto que s. ex.ª, a camara e o sr. ministro da justiça digam alguma cousa a este respeito, para que eu possa fallar com desafogo.

O sr. Ministro da Justiça (Sá Vargas): — O sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda foram a despacho ao paço, e não podem demorar se; entretanto estou eu aqui e o sr. ministro da guerra, e parece-me que a discussão póde continuar (apoiados).

O sr. Presidente: — Já me havia declarado isso mesmo o sr. ministro da justiça. Tem a palavra o sr. deputado.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Se v. ex.ª e a camara querem que eu prosiga nas reflexões que hontem apresentei, faço-o; mas devo declarar que tenho de me referir especialmente ao sr presidente do conselho e ao sr. ministro da fazenda, e que me custa fallar na sua ausencia...

Vozes: — Falle, falle.

Outras vozes: — Não deve fallar.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara a este respeito (apoiados).

O sr. Ministro da Justiça: — Eu expuz o que havia, porém não emitto opinião. A camara resolverá como entender.

O sr. Presidente: — Ha muitos modos de resolver a questão, mas os doia mais obvios são estes: ou suspender-se esta discussão até estarem presentes o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda (apoiados); ou continuar a discussão, dando-se a palavra a outro sr. deputado e reservando-a ao sr. Rodrigues de Freitas para quando os srs. ministros estiverem presentes...

Vozes:'—Falle, falle.

O sr. Presidente: — Eu vou consultar a camara.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Se v. ex.ª o julga conveniente, reserve-me a palavra para quando estiverem presentes o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda (muitos apoiados).

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que concordam com o requerimento do sr. Rodrigues de Freitas, queiram ter a bondade de se levantar.

A camara resolveu que se reservasse a palavra ao sr. Rodrigues de Freitas, e que se desse a palavra aos srs. deputados que se seguiam na inscripção.

O sr. Presidente: — Segue-se a fallar o sr. conde de Villa Real. Tem a palavra.

O sr. Conde de Villa Real: — Eu desejava tambem que estivesse presente o sr. presidente do conselho, porque tenho de me referir especialmente a s. ex.ª

O sr. Osorio de Vasconcellos: — E eu, que estou inscripto em seguida ao sr. conde de Villa Real, acho-me no mesmo caso.

O sr. Presidente: — Eu consulto a camara.

O sr. Antunes Guerreiro: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Antunes Guerreiro: — Mando para a mesa o seguinte requerimento.

Leu se na mesa_, concebido n'estes termos, o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja suspensa a discussão da lei de meios até estar presente o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da fazenda.

Sala das sessões, 1 de junho de 1871. = Antonio José Antunes Guerreiro Junior.

Posto á votação foi logo approvado.

O sr. Presidente: — Estão suspensos os trabalhos da camara até comparecerem os srs. ministros.

Eram duas horas e um quarto da tarde.

As tres horas continuou a sessão. Tinham entrado na sala t os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Rodrigues de Freitas.

O sr. Rodrigues de Freitas: — A incompatibilidade entre a camara e os srs. ministros está declarada.

Ha um pensamento que une todos os partidos, é o da necessidade de fazer todas as reducções compativeis com o bom serviço, e de augmentar equitativamente os impostos. O proprio governo tem tambem esta convicção.

Portanto qualquer acto que o poder moderador haja de praticar agora não é destinado a substituir este parlamento ou esse gabinete por outro que siga principios diametralmente oppostos.

O governo porém recorreu á corôa por entender que esta camara não tem cumprido o programma commum, antes ha sido obstaculo aos commettimentos patrioticos dos membros do gabinete; se acreditasse que o mal deriva d'elle e não de nós; se acreditasse que o parlamento vale mais do que o ministerio, teria pedido a demissão (muitos apoiados).

O governo julga que tem honrosamente desempenhado o seu programma; sobre nós lança a responsabilidade de

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não ser discutido o orçamento; accusa-nos de obstarmos á realisação de grandes melhoramentos por elle iniciados!

A accusação é tão grave, como injusta; a defeza ha de saír, completa e irrefutável, do exame d'essa iniciativa do governo, e do procedimento do sr. ministro da fazenda.

Ainda que esta camara não fosse um ramo do poder legislativo, teria todo o direito de responder a taes accusações.

Havíamos de ficar silenciosos, haviamos de votar sem o menor exame a lei de meios, quando tanto nos afrontam? Haviamos de deixar correr sem replica o juizo crítico pronunciado pelo sr. presidente do conselho? Haviamos de tacitamente consentir, quando a nossa consciencia nos ordena alto protesto?

Sr. presidente, a camara podia ir muito mais longe do que foi a commissão de fazenda; a camara electiva podia negar o imposto, maiormente por lhe não merecerem confiança politica e administrativa os membros do gabinete.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a palavra para uma declaração importante por parte do governo.

O Orador: —A maioria da commissão é, apesar d'isto, considerada como pouco respeitadora do poder moderador. Mas quaes seriam as consequencias da approvação do parecer da minoria? O governo ficaria livre do parlamento em 1871, as difficuldades financeiras cresceriam, o futuro anno economico seria assas calamitoso, e que podiamos esperar do systema de contradicções governamentaes applicado aos negocios financeiros e diplomaticos? O augmento do deficit, porque alem de não haver os recursos necessarios á gerencia de 1871-1872, os capitães não se entregam confiadamente aquelles que de continuo esquecem as mais solemnes promessas; e que seria dos negocios internacionaes, quando a contradicção systematica fosse a arma predilecta do ministro dos negocios estrangeiros? Quantos perigos não correria a independencia da patria! (Apoiados.)

Os partidos que estão representados n'esta camara não podem aceitar a doutrina que o governo parece advogar; elles affirmam o direito da negação do imposto, sem que o uso d'elle justifique qualquer acto do poder moderador que tenha como necessaria consequencia a dictadura. Os poderes publicos operam dentro da carta; não lhes é concedido saír d'ella.

O direito parlamentar da negação do imposto é o mais importante de todos; é a mais preciosa arma contra os governos facciosos e prejudiciaes ao reino. Esta doutrina foi com todo o enthusiasmo e todo o esplendor defendida outr'ora n'esta casa pelos mais illustres oradores; e o partido hisrico e regenerador que se honram de os ter contados entre os seus mais venerados membros, não podem, não devem esquecer essas gloriosas tradições, nem defender n'este recinto a doutrina de que ao parlamento não cabe n'esta occasião discutir com largueza a politica do gabinete, e es clarecer com a analyse dos factos o chefe do estado.

Ouçamos José Estevão. Estava elle um tanto afastado das lutas politicas; ventilava se uma questão analoga a esta; o governo propunha a lei de meios em 22 de março de 1860; a camara tinha funccionado quasi tres mezes; o sr. marquez d'Avila era o ministro da fazenda, e já então o enfadavam aquelles que ousavam referir-se aos direitos do parlamento; José Estevão disse as palavras que vou ter á camara (leu).

Acerca das faculdades parlamentares e das prerogativas do poder moderador, aquelle grande vulto da tribuna portugueza defendeu a seguinte doutrina, que foi apoiada pelo sr. Fontes Pereira de Mello (leu).

O sr. marquez d'Avila não gosta de ouvir estas palavras; já em 1860 comprehendia as vantagens da theoria do silencio, applicada ao poder legislativo a tal ponto, que José Estevão fazia a seguinte comparação: «Tenho um filhinho que a tudo responde—nem pio! (Riso.) O sr. Antonio José d'Avila parece-se n'isto com elle. Volta se para nós, e a tudo nos responde—nem pio! (Riso).

O sr. Fontes Pereira de Mello dizia assim (leu).

Tambem n'aquelle anno de 1860 se allegavaque, estando a legislatura ordinaria proxima do seu termo, não havia tempo de discutir o orçamento.

O sr. Fontes Pereira de Mello respondía (leu).

O sr. Fontes Pereira de Mello foi mais longe; mandou para a mesa a seguinte proposta (leu).

Eu não teria hoje discorrido sobre isto, se o sr. presidente do conselho não tivesse proferido alguns termos que indicavam desconhecimento dos direitos d'esta camara.

Hontem s. ex.ª interrompeu-me, para negar formalmente a minha narração do que se tinha passado na commissão de fazenda; ainda bem que a maioria d'ella o confirma, porque assignou o relatorio que precede o projecto que discutimos (apoiados). Ninguem acreditará que tantos individuos attribuissem ao sr. presidente do conselho uma declaração que s. ex.ª não houvesse feito (apoiados). E assevero que, havendo-se reunido aquella maioria, nenhum dos membros d'ella poz em duvida o fundamento do relatorio, hontem negado pelo sr. marquez d'Avila (apoiados). S. ex.ª com a sua interrupção levou me a declarar que nos dissera que sem tomar compromisso algum, lhe parecia ainda possivel evitar a dissolução, votando se a lei de meios sem a restringir, nem discutir!

Esta casa, por indicação do nobre marquez, tornava-se academia de silenciosos (apoiados); teriamos de passar de ouvido em ouvido as palavras mysteriosas do sr. presidente do conselho (riso). Não discutiamos, não fallavamos ao paiz, não apreciávamos os actos do gabinete, não nos occupavamos das prerogativas do poder moderador! Novo systema, e admiravel academia do silencio, cujo presidente honorario effectivo seria o sr. marquez d'Avila (apoiados). Não ha nenhum homem liberal e pundonoroso que possa ouvir indifferentemente similhante proposta (apoiados), que é uma injuria á dignidade de todos os representantes da nação (apoiados).

Mas s. ex.ª foi ainda mais longe; pronunciou phrases que eu não suppunha que houvesse quem as proferisse; o presidente do conselho affirmou que não proporia á corôa a prorogação das côrtes, que não podia propor-lhe tal acto; e isto era pronunciado quando s. ex.ª tentava intimar acamara a rapida votação da lei de meios!

Isto é grave, isto é anticonstitucional, isto não se diz no parlamento (apoiados).

Se esta camara negasse os impostos, como é do seu direito, se esta camara não votasse a lei que foi proposta pelo governo, ou se a maioria da commissão do fazenda não apresentasse outro projecto, eu pergunto se os srs. ministros aconselhavam a El-Rei a dictadura; eu pergunto se s. ex.14 não aconselhavam El-Rei a violar a carta, desde que lhe dissessem que por não prorogasse as côrtes? (Apoiados.)

A prorogação era o unico acto que o poder moderador havia de praticar, porque se inspiraria na sua consciencia e nos seus deveres, em vez de seguir os conselhos aqui apresentados por indiscreto conselheiro.

O governo queria ser dictador?!... O sr. marquez d'Avila (que tem dito aqui: se ha alguem que possa servir de garantia contra as dictaduras, eu o sou) aconselharia El-Reí a que não prorogasse?!...

E isto diz-se, sr. presidente?... Isto fica lavrado nos annaes parlamentares!... A responsabilidade é enorme.

A carta constitucional manda que os conselheiros d'estado aconselhem segundo as leis; mas s. ex.ª, desde o momento em que aconselhasse a dictadura, diria a El-Rei: fazei o que a carta não permitte (apoiados); rasgae o pacto entre a corôa e o povo (apoiados).

Ainda o poder moderador não tinha julgado a pendencia levantada entre a camara e o governo, e já s. ex.ª nos dizia: a camara é incompativel com o governo; o dever d'ella é occupar-se unicamente da lei de meios; mas os srs. ministros da justiça e das obras publicas ainda mandam pro-

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postas para a mesa, ainda solicitam auxilio d'esta camara! Notavel solidariedade!

A contradicção continua incessante. Os srs. ministros querem evidenciar aos mais incrédulos que hão de ser contradictorios até ao fim!

Sr. presidente, a proposta da maioria da commissão é tal que deixa El-Rei completamente livre para, se quizer, dissolver esta camara, mas ha de convocar outra a fim de continuar a discussão do orçamento.

A parte da camara que votar o parecer da minoria deixará ao poder moderador a faculdade de convocar o parlamento sómente para janeiro; parte da camara que votar o projecto da maioria, como que diz a El-Rei: «Cedi quanto, sem offensa da dignidade propria, me era dado ceder; podia negar o imposto, e concedi-o (apoiados); mas era contra o meu devei contribuir para que o orçamento não seja discutido, e o governo lute com difficuldades quasi insuperaveis (apoiados).

Os deputados que assim fallarem, affirmarão o que quer todo o paiz (apoiados).

Permitta-me a camara que eü em breves palavras analyse o procedimento do governo, principalmente no tocante á reforma financeira.

Dizia o sr. ministro da fazenda no dia 11 de março que havia de publicar brevemente um decreto que tornasse equitativa a distribuição do imposto predial.

Faltou á promessa. O decreto ainda não foi publicado.

No mesmo dia prometteu duas propostas sobre direitos aduaneiros. Veiu só uma, assás facil de formular; a do imposto sobre importação de tabacos; a outra ainda não veiu; s. ex.ª não cumpriu a promessa.

No mesmo dia disse: «Hei de brevemente apresentar um relatorio ácerca da divida fluctuante e propôr os meios de torna-la muito menos onerosa»; o sr. presidente do conselho ainda no mesmo dia affirmou que esse relatorio estava prompto, e já a ser copiado a toda a pressa! Mas até hoje ainda não veiu. S. ex.ª não cumpriu a promessa.

E é este o governo que accusa a camara, é este governo que aconselha a dissolução! (Apoiados.)

Vejamos agora o que se passou com as propostas de fazenda, seguirei passo a passo o plano financeiro tal qual foi apresentado pelo sr. Carlos Bento.

Contribuição predial. O relator é um digno membro d'esta camara, um amigo intimo do governo, o sr. Arrobas. O ministerio até ha sido ingrato para quem tantos obsequios lhe tem feito, porque a accusação generica envolve aquelle sr. deputado! S. ex.ª até hoje não deu parecer sobre aquella proposta, de certo porque a não approva. Os actos governamentaes são de sorte que nem a amisade os apoia!

Outra proposta. E sobre o transito de mercadorias. Foi entregue ao sr. Pereira de Miranda, o qual logo nos principios da sessão legislativa apresentou relatorio.

Proposta sobre alienação das matas. Está na commissão de agricultura, e não me consta que o sr. ministro pedisse o andamento d'elle.

Proposta de contribuição industrial. Este projecto, como a camara sabe, era um dos mais importantes. O sr. ministro da fazenda trouxe-o a esta camara totalmente desacompanhado de esclarecimentos. E talvez facto sem exemplo na historia dos ministros da fazenda (apoiados). Foi distribuido ao sr. Santos e Silva, o qual na commissão de fazenda provocou da parte do governo explicações categoricas a este respeito. Disse que estava prompto para discuti-lo, e foi o sr. ministro da fazenda que pediu que a commissão se não occupasse d'elle por emquanto.

Proposta de contribuição pessoal.

Foi relator o meu prezado amigo, o sr. Barros Gomes, a quem o sr. ministro da fazenda tem feito, com todo o fundamento, os maiores elogios.

Onde estão, pois, as difficuldades erguidas ao plano financeiro do sr. Carlos Bento da Silva, pela commissão de fazenda?

Mais tarde foi apresentada uma proposta ácerca do imposto sobre o tabaco, da qual já fallei. O sr. Pereira de Miranda promptamente deu parecer.

Vejamos agora quaes foram os relatores dos diversos orçamentos.

O orçamento do ministerio das obras publicas foi entregue ao sr. Santos e Silva, que tem o sou trabalho prompto ha muito, e que recebeu do sr. ministro das obras publicas o seguinte elogio:

«Não sei se o governo tem tido iniciativa; o que eu sei é que eu tenho recebido o mais lisonjeiro concurso dos membros da commissão de fazenda na discussão do orçamento.»

São estas as palavras do sr. visconde de Chancelleiros.

Ia-me esquecendo de dizer que uma proposta de direitos sobre o arroz foi entregue ao sr. Arrobas, cujo ministerialismo ninguem nega; se ainda não veiu o parecer a esta casa, não é culpa de adversarios.

Demais o sr. conselheiro Arrobas já prestou grande serviço ao ministerio no orçamento da marinha; direi de passagem que o respectivo sr. ministro de tal modo se houve, que, muito contra sua vontade, aquelle cavalheiro votou contra o gabinete n'uma questão ministerial!

Nem os amigos Íntimos (apoiados), os que mais desejam a vida do governo, sentem coragem para acompanhar o gabinete nas suas incomparaveis contradicções!

O orçamento do ministerio da fazenda, como hontem disse, foi encarregado ao sr. Saraiva de Carvalho, a quem o sr. ministro da fazenda, por seus bons serviços elogiou. O orçamento da junta do credito publico, o menos importante, foi-me incumbido, por ser eu tambem o mais insignificante membro da commissão de fazenda; ha muito que veiu para esta casa o parecer que elaborei.

O orçamento do ministerio do reino está entregue ao sr. Rodrigues Sampaio; não creio que o* governo o considere adversario tal, que ponha de proposito o minimo embaraço ao rapido andamento dos trabalhos parlamentares.

Expostos assim os factos, sem o minimo receio de qualquer replica, affirmo que os erros de que o governo tem accu8ado a camara, são d'elle, em vez de serem nossos.

Se passo das finanças á politica, formulo a seguinte pergunta: quaes foram as votações, que manifestaram incompatibilidade entre a camara e o gabinete?

A principal, senão a unica, foi o voto ácerca do projecto de abolição de isenções de imposto a bancos e companhias.

Mas esta camara sustentou as suas opiniões, que foram tambem as do governo em dezembro de 1870; o ministerio, procedendo muito reprehensivelmente, pretendeu lançar á conta dos deputados da nação uma responsabilidade privativa da camara alta.

Esta camara já em dezembro de 1870 havia dado o seu voto, e de aecordo com o governo rejeitado um additamento; depois de tão grande demora, a camara dos dignos pares se occupa do projecto; altera e contraria o nosso pensamento. O ministro respectivo não defende a opinião que teve; segue sem replica os que a contrariara; não lhe lembra ou não tem coragem de lembrar aos dignos pares as difficuldades que poderia trazer a commissão mixta; vem para aqui, e ainda exprime nas seguintes palavras a sua opinião ácerca do que esta camara sustentava:

«Não me arrogo a pretensão de criticar a reducção apresentada pela outra camara a um projecto que lhe foi remettido d'esta casa do parlamento; mas, tendo a honra de pertencer a esta camara, tendo compromettido a minha opinião sobre este negocio por votos anteriores, declaro franca, positiva e categoricamente que prefiro o projecto que foi mandado d'esta camara ao projecto que foi reenviado da camara dos dignos pares».

E depois de se dizer franca, solemne e categoricamente, que a opinião da camara dos deputados era a melhor, aconselhava-se, quasi se pretendia exigir que seguissemos a peior; que aceitassemos a doutrina da camara dos dignos pares!... (Apoiados.)

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O governo queria que a camara o acompanhasse no seu funesto systema de censuraveis contradicções; a camara não quiz, a camara não devia apoia-lo em tal procedimento (apoiados). Emquanto o governo manteve a sua palavra, não appareceu a questão politica; depois que se contradisse, depois que a si proprio se desprezou, a dignidade parlamentar ordenava-nos que o combatêssemos (muitos apoiados).

Attentando nas publicas necessidades, interpretando o pensamento nacional, respeitando os outros poderes, usando, com muita sobriedade de seus direitos, e julgando urgente discutir e decidir a questão financeira, a maioria da commissão de fazenda não havia de propôr uma lei, pela qual fosse possivel que o governo estivesse por todo este anno, longe do parlamento.

Sustentei, como pude, o parecer da commissão; sustentei, como soube, os direitos d'esta camara; levantei a minha voz contra aquelles que os punham em duvida, ou que os negavam; para mim, a carta constitucional não é um simples manual de civilidade; é a lei fundamental do paiz (apoiados). A carta constitucional não é um compendio para uso de cortezãos; é o codigo dos direitos individuaes e nacionaes (muitos apoiados).

(O orador foi comprimentado por grande numero de srs. deputados.)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. presidente do conselho para uma declaração por parte do governo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Esta declaração que vou fazer por parte do governo parece-me tanto mais importante quanto eu julgo que é a melhor resposta que posso dar ao discurso do illustre deputado, na parte em que eu entendo que deve responder o governo.

O ministerio quando julgou que era incompativel com a camara, fez o que era de sua obrigação constitucional fazer. Declarou ao poder, a quem competia, essa incompatibilidade, e pediu-lhe que providenciasse.

Havia dois meios de resolver a questão; mas o ministerio não foi indicar ao poder moderador nenhum d'esses meios.

Era ao poder moderador a quem competia na sua sabedoria resolver como entendesse.

Julgo dever declarar agora á camara que o conflicto foi resolvido pelo poder moderador, appellando para o paiz.

Uma voz: —Já se comprehendeu.

O Orador: — Poís é para se comprehender que eu o digo.

Nós não queremos dictadura de nenhum genero (apoiados), e eu mantenho a declaração que tenho feito n'esta camara constantemente de que sou inimigo irreconciliavel das dictaduras, nas quaes vejo a negação do systema representativo, que eu amo do coração (apoiados), e a que tenho sido fiei toda a minha vida. Antes de terem nascido alguns dos cavalheiros que põem em duvida hoje a minha dedicação ao systema liberal, já eu o era (apoiados).

O poder moderador entendeu na sua sabedoria prorogar a sessão até sabbado.

Dísse o illustre deputado que eu tinha declarado que o governo não dava tal conselho ao poder moderador, nem lh'o podia dar, e sem ver a explicação que eu dei d'este facto, explicação eminentemente constitucional, concluiu d'aqui que o governo queria aconselhar ao poder moderador a dictadura.

Aqui estão as palavras que eu pronunciei n'esta camara, e que o illustre deputado deve reconhecer como verdadeiras. São as seguintes:

«Eu não quero illudir a camara. O ministerio actual não aconselha o poder moderador a prorogar a sessão. Não póde dar tal conselho.»

S. ex.ª parou aqui, mas a explicação segue-se:

«O ministerio já disse ao poder moderador que era incompativel com a camara; a sua missão está pois terminada, e só espera para isso a resolução do poder moderador.

«Estabelecido o conflicto, o poder moderador deve resolve-lo livre e desembaraçadamente, e fa-lo-ha como entender.»

Quer dizer que desde que o governo declarou ao poder moderador que era incompativel com a camara, não tinha mais conselhos que lhe dar, com relação á mesma camara (apoiados).

Quando o poder moderador resolvesse o conflicto, quando declarasse que queria conservar o ministerio, então é que este podia aconselhar ao poder moderador aquillo que entendesse na sua consciencia dever fazer.

Esta é que era a idéa que eu quiz exprimir, e que me parece que quem examinar de boa fé (e não quero pôr em duvida a boa fé do sr. deputado nem de nenhum dos membros d'esta casa) ha de ver que esta é a idéa que está aqui e que eu queria enunciar.

Continuava eu:

«Mas o ministerio emquanto occupar estas cadeiras não póde consentir por fórma alguma que se imponham limites ao livre exercicio das attribuições do poder moderador.»

Aqui está o que eu disse e que sustento. Apello para todos os cavalheiros que compõem esta camara, que são todos conhecedores d'este assumpto (apoiados). Submetto-me á sua imparcial apreciação, e estou convencido de que nem um só ha de deixar de concordar que isto é a verdadeira doutrina constitucional (apoiados).

Ora, sr. presidente, desde que eu declarei que o poder moderador tinha resolvido o conflicto, appellando para o paiz, e que o poder moderador prorogava as sessões d'esta camara até sabbado, é evidente que desejo ardentemente que a camara aproveite as sessões que tem para votar a lei de meios. E para dar uma prova da minha completa abnegação, e de que não venho sustentar interesses de amor proprio, declaro que emquanto não tinha resolvido o conflicto, eu não podia aceitar limite algum ao livre exercicio da sua prerogativa; mas hoje que o conflicto está resolvido, e que a camara ha de ser convocada para o mez de julho proximo, a fim de poder tratar do orçamento, se a camara votar o parecer da maioria da commissão, eu não acho n'isto inconveniente... (susurro) e o que peço á camara...

(Continúa o susurro.)

V. ex.ª sabe que eu não estou fallando só para esta camara, estou fallando tambem para o paiz, e não sou só eu; creio que os illustres deputados não têem feito outra cousa e fazem muito bem, e o paiz ha de nos julgar a todos, e vae-nos julgar breve: — appellemos para elle e esperemos o seu veredictum.

A minha idéa não é irritar o debate, nem estas declarações podem ter este fim. A nova camara ha de ser convocada para o mez de julho, e o ministerio, este ou outro, ha de empregar os meios ao seu alcance para que a camara se occupe da questão de fazenda.

Portanto, se a camara quizer pôr termo a uma larga discussão que nos póde levar até sabbado sem se ter votado cousa alguma, eu pela minha parte declaro em nome do governo que prefiro se approve o parecer da maioria a tempo que possa ir para a outra camara e ser convertido em lei.

Não posso dar mais garantias de que o governo deseja que, qualquer que seja o gabinete que esteja n'estes logares, não cobre os impostos dictatorialmente, mas por auctorisação votada pelo parlamento.

Agora peço que v. ex.ª mande ter o decreto que pro-roga as côrtes até sabbado, decreto, que deve estar sobre a mesa.

Leu-se na mesa um officio do ministerio do reino, acompanhando o seguinte

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.°, § 4.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da

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mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 3 do corrente mez de junho inclusivamente.

O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes. Paço da Ajuda, em 1 de junho de 1871. = REI. = Marquez d'Avila e de Bolama.

O sr. Latino Coelho: —... (O sr. deputado não restituiu o teu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que as disposições do artigo 8.° do projecto de lei n.º 36 sejam consignadas em § do artigo 1.°

Sala das sessões, 1 de junho de 1871. = José Maria Latino Coelho.

Leu-se na mesa uma proposição de lei vinda da camara dos dignos pares.

O sr. Mariano de Carvalho: — Depois da declaração que fez o sr. ministro do reino e presidente do conselho de ministros, de que o governo aceita a proposta de lei de meios apresentada pela maioria da commissão de fazenda, parece-me que toda a discussão deve cessar.

E esta tambem a opinião da maioria da commissão de fazenda, em vista da declaração do sr. presidente do conselho.

Em vista das suas palavras toda a discussão sobre este assumpto, d'ora em diante, a considero inutil.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Mando para a mesa o seguinte requerimento.

Leu se na mesa o seguinte:

Requerimente

Requeiro que se lavre na acta que o sr. presidente do conselho declarou que as côrtes serão convocadas para julho, a fim de se occuparem incessantemente do orçamento, e da questão financeira.

Sala das sessões, 1 de junho de 1871. =Josè Joaquim Rodrigues de Freitas Junior.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: —

Não tenho duvida alguma em que este requerimento seja approvado, porque as notas tachygraphicas hão de ractificar este facto, e eu repito a declaração. É intenção do governo que a convocação do parlamento tenha logar em julho, para se poder occupar da discussão do orçamento e de todas as medidas convenientes para a solução da crise financeira.

Declaro que não tenho duvida em que a minha declaração seja lançada na acta.

Foi approvado o requerimento do sr. Rodrigues de Freitas,

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento da Silva): — Não quero prolongar o debate, mesmo porque o meu amigo e eloquente orador o sr. Latino Coelho acabou de dizer que não havia questão para discussão; mas por isso mesmo, e pelo firme proposito que tenho de não prolongar a discussão, a camara reconhecerá a necessidade em que me encontro, de não responder devidamente a muitas accusações severas feitas por alguns srs. deputados em relação ao meu procedimento como ministro.

Ninguem mais do que eu avalia a fragilidade dos meus meios, comparada com a missão que me compete desempenhar, e as obrigações que me impõe este logar de ministro; mas ao mesmo tempo não posso considerar como sentença final, da qual não tenha que appellar, as accusações que muitos srs. deputados fizeram.

Um deputado que foi um dos mais severos a respeito do governo, foi tambem o mesmo que em uma occasião em que se tratava de negocios graves, declarára que não se podia discutir n'esta camara, porque o susurro era de tal ordem que lhe tirava todos os meios de pronunciar as suas opiniões; e disse mais, que n'esta casa não se conciliava attenções se não quando se pronunciavam verrinas, antepondo-as aos assumptos importantes.

O sr. Rodrigues de Freitas: —As palavras que n'essa

occasião proferi, eram com relação ás contradicções do governo.

O Orador — Sejam como o illustre deputado quizer, mas agora direi que nas accusações, que me dirigiu, não attendeu bem ás necessidades em que se devia encontrar o ministerio, difficuldades com as quaes lutou, e em que teve da parte da camara todo o apoio que lhe podia dar nas condições anómalas em que nos temos encontrado.

E eu agradeço n'esta occasião sinceramente o apoio que tive dos differentes membros d'esta camara...

O sr. Pedroso dos Santos: — Bem mal empregado (riso).

O Orador: — Posto que muitas vezes eu duvidasse da sinceridade que se me protestava.

(Alguns srs. deputados pedem a palavra.)

Digo isto como reconhecimento do serviço que, na posição em que os srs. deputados se achavam, poderam prestar ao governo, o que deu logar a votarem se algumas leis que tornaram as condições economicas e financeiras um pouco mais favoraveis, do que se afigurava no relatorio da commissão de fazenda, porque a dívida fluctuante não é tão grande, e porque está assegurado o seu pagamento no estrangeiro.

Portanto, já se vê que o nosso estado é um pouco melhor do que se pinta no relatorio da commissão, relatorio que redigido segundo os dados estatisticos de então, não comprehendeu tanto quanto as circumstancias o permittiam o verdadeiro estado da fazenda.

A conveniencia pois, foi poder reunir-se o parlamento de maneira que podesse discutir-se ainda este anno a questão de fazenda.

O sr. Beirão (para um requerimento): — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que, de preferencia a todos os oradores que estão inscriptos, se dê a palavra ao relator da minoria da commissão, o sr. Luciano de Castro.

Foi approvado este requerimento.

O sr. Luciano de Castro: — Pedí a palavra por parte da minoría da commissão de fazenda, porque me constou que o sr. Mariano de Carvalho convidara a minoria da commissão de fazenda a declarar se aceitava a proposta da maioria da mesma commissão, depois das declarações do governo.

O sr. presidente do conselho declarou na commissão que não podia aceitar restricções á lei de meios, porque queria deixar livro e desassombrado o uso da prerogativa real (apoiados), visto que ao poder moderador estava commettida a decisão do conflicto. Por esta rasão os membros da minoria da commissão aceitaram tal qual a proposta pelo governo apresentada; mas desde que o governo vem hoje communicar á camara que o poder moderador resolveu o conflicto, e que decidira appellar para o paiz, cessou no meu entender a rasão que se dava por parte do governo para obstar á aceitação de qualquer restricção que a camara queira propôr á lei de meios (apoiados).

Portanto parece-mo que a minoria da commissão, coherente com os principios que a levaram a aceitar a proposta do governo sem restricções, póde hoje, segundo as declarações do governo, aceitar a proposta como foi apresentada no parecer da maioria da commissão (apoiados), sem nenhuma contradicção, nem incoherencia (apoiados).

O que eu desejo é que o governo possa governar sem dictadura. A dictadura é que eu queria obviar.

E, se o governo póde cobrar a receita publica e applica-la ás despezas do estado sem usar da dictadura, eu felicito o governo por aceitar qualquer restricção que n'este ponto possa po-lo de accordo com a camara dos srs. deputados, e habilita-lo a governar legalmente (apoiados).

São estas as declarações que tinha a fazer á camara.

Vozes: — Muíto bem, muito bem.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje. Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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