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SESSÃO DE 1 DE ABRIL DE 1876
Presidencia do ex.ª sr. Joaquim Gonçalves Mamede
Secretarios — os srs.
Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos Barão de Ferreira dos Santos
SUMMARIO
Apresentação de requerimentos e representações. — Foi approvada uma proposta de louvor & mesa pela maneira acertada como dirigiu os trabalhos na presente sessão — Na ordem do dia terminou a discussão do projecto n.º 145 sobre a tabella judicial, sendo approvado assim como as emendas a elle apresentadas pela commissão; é approvado o projecto n.º 70, que concede uma pensão aos veteranos da liberdade que desembarcaram nas praias do Mindello, e que se acabarem em más circumstancias — O sr. Pinheiro Chagas verifica a sua interpellação ao sr. ministro da marinha sobre os actos do governador de S. Thomé, Gregorio José Ribeiro, a que respondeu o sr. ministro; usaram maia da palavra sobre esta interpelação os srs. deputados Barros e Cunha, Pereira Rodrigues e Arrobas, sendo a final approvada uma moção de confiança, proposta pelo sr. Arrobas, por 39 votos contra 3—Em seguida o sr. presidente declarou terminados os trabalhos da actual sessão, agradecendo á camara a coadjuvação que lhes havia prestado.
Presentes á chamada 61 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Alberto Garrido, Teixeira de Vasconcellos, Avila Junior, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Pereira Carrilho, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Eugenio, Vieira da Mota, Conde da Graciosa, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Palma, Ellidio do Valle, Ferreira Braga, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Pinto Bastos, Lourenço de Carvalho, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Freitas Branco, Faria e Mello, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Mello Simas, Pinheiro Chagas, Cunha Monteiro, Pedro Jacomo, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Julio Ferraz, Thomás Ribeiro, V. da Arriaga, V. da Azarujinha, V. de Carregoso, V. de Guedes Teixeira, V. de Moreira de Rey, V. de Sieuve de Menezes, V. de Villa Nova da Rainha.
Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Pereira de Miranda, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, Rodrigues Sampaio, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Carlos Testa, Conde de Bertiandos, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Camello Lampreia, Pinto Bessa, Jeronymo Pimentel, Guilherme Pacheco, Luciano de Castro, Moraes Rego, Nogueira, Julio de Vilhena, Luiz de Campos, Pires de Lima, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Ricardo de Mello.
Abertura — As duas horas da tarde.
Acta —Approvada.
EXPEDIENTES Representações 1.* Da camara municipal de Alvaiázere, pedindo que seja conservada a autonomia do seu concelho, e se ampliem as funcções dos actuaes juizes ordinarios, augmentando-se-lhes a alçada, e dando-lhes os inventarios de menor valia. (Apresentada pelo sr. deputado Mouta e Vasconcellos.) Á commissão de legislação civil.
2.ª Da camara municipal do concelho de Almodovar contra a divisão comarca. (Apresentada pelo sr. deputado Boavida.)
Á commissão de legislação civil.
3.ª Da camara municipal do concelho de Borba no mesmo sentido. (Apresentada pelo mesmo sr. deputado.) A mesma commissão.
4.ª Dos cidadãos do concelho da Louzã contra a ultima circumscripção comarca. (Apresentada pelo sr. deputado Dias Ferreira.)
Á commissão de legislação civil.
5.ª Da camara municipal de Barrancos, pedindo auctorisação para gastar nos melhoramentos de que tanto necessita a quantia que se acha em cofre destinada para a viação na importancia de 1:6750826 réis. (Apresentada pelo sr. deputado Braga.)
6.ª Da camara municipal do concelho de Penamacor contra a divisão comarca. (Apresentada pelo sr. deputado Sousa Lobo.)
A commissão de legislação civil.
7.ª Da camara municipal do concelho de Villa Franca de Xira, pedindo lhe seja concedido o chão e ruinas de uma casa pertencente á fazenda nacional, a fim de n'aquelle local se estabelecer a passagem para o caes da praia. (Apresentada pelo sr. deputado visconde da Azarujinha.)
8.ª Dos fabricantes de pão contra a enorme taxa que pagam, e pedindo serem passados para a 7.ª classe. (Apresentada pelo sr. deputado Alves.)
A commissão de fazenda.
Officios
1.º Do ministerio do reino, participando que Sua Magestade El-Rei houve por bem decretar que a sessão de encerramento das côrtes geraes ordinarias se effectue no dia 2 do corrente mez de abril pela uma hora da tarde.
A secretaria.
2.° Do ministerio da fazenda, acompanhados copia authentica da relação nominal dos quatorze cidadãos do concelho de Cintra, mais collectados no anno de 1875 em contribuição predial, industrial, sumptuaria e de renda de casas.
A secretaria.
3.° Do ministerio das obras publicas, acompanhando cem exemplares de conta de gerencia d'aquelle ministerio do anno economico de 1871-1872 e igual numero de exemplares das gerencias dos dois annos economicos seguintes e respectivos exercicios.
Mandaram-se distribuir.
SEGUNDAS LEITURAS
Projecto do lei
Senhores. — Por decreto de 3 de novembro de 1860, precedido de auctorisação legislativa, e confirmado posteriormente pela approvação parlamentar, se creou o concelho geral das alfandegas para decidir em ultima instancia as Contestações e duvidas sobre a classificação dos objectos sujeitos a direito, e applicação dos artigos das pautas.
Já de antes a commissão das pautas, creada por decreto de 28 de dezembro de 1852, tinha a alta missão de resolver estas questões; que pela sua variedade e importancia abriam ao abuso e ao arbitrio vasto campo onde eram assaltados os interesses legislativos e a boa fé dos cidadãos e do estado.
Toda a legislação anterior foi por esse motivo revogada
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tanto n'um como n'outro d'estes dois diplomas, assignados pelos estadistas mais distinctos da geração presente e executados sem interrupção até aos ultimos dias da enria que passou, no qual uma portaria de 30 de outubro delegou no director geral das contribuições indirectas as attribuições que pelas leis e pela pratica consuetudinária, só ao conselho geral das alfandegas eram conferidas.
Para quem lançar as vistas sobre os recursos, que até hoje têem subido ao. conselho geral das alfandegas, e que foram antes d'elle existir, resolvidos pela commissão dás pautas, hão restará duvida de quão valiosos interesses se litigam cada dia; e que perniciosas consequencias dimanariam para á commerciante de boa fé ss acima do tribunal, que á lei lhe deu como garantia, viesse sentar-se omnipotente ò arbitrio do ministerio da fazenda.
E sejam quaes forem os erros praticados pelo conselho, senhores, no que não póde haver duvida e era que se 0 arbitrio se podesse admittir se abriria uma porta nas alfandegas de que sómente -b ministro da fazenda possuiria a chave.
E, como em quasi todas as classes da pauta a discriminação dos artigos varia de 1 a 200 por cento segundo a sua fórma ou composição, ficaria rio poder e em só homem favorecer os seus amigos á custa dos que não achassem meios de, conquistarem as boas graças do poder.
E tão longe, foi já este abuso que pelos documentos lidos por mim á camara se prova ter o actual ministro da fazenda mandado revogar a sentença do conselho geral das alfandegas, que a companhia união commercial dó Porto, tinha reconhecido competente e legitimo para decidir o recurso, que sob o n.º 991; interpoz de classificação de 200 quartolas de assucar marca C U C, contra marca 173/75, importada de Rotterdam pelo navio Zenes, e publicado rio Diario do governo no 147 de 1875 datado de 1 de julho do mesmo anno.
E porque, senhores, nem a moral, nem a boa administração da fazenda publica, nem os interesses honestos e legitimos do commercio são compativeis com o arbitrio de um individuo no systema representativo (seja qual fóra sua hierarchia official), tenho á honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto lei:
Artigo 1.° Toda e qualquer contestação ou duvida sobre a classificação dos objectos é generos sujeitos ao pagamento de direitos pela pauta será unicamente resolvida pelo Conselho geral das alfandegas em conformidade com á disposição do decreto de 3 de novembro de 1860.
Art. 2.° O ministro da fazenda não póde em caso algum alterar ou revogar a resolução do conselho, a qual é publicada na folha official, e tem força de sentença passada em julgado.
Art. 3.° O ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda e todo e qualquer empregado das alfandegas que alterar-ou consentir que se altere o direito que o conselho geral das alfandegas tiver mandado applicar em resolução de recurso, fica responsavel pelos seus bens por qualquer damno causado á fazenda publica e sujeito ás penas estabelecidas na legislação criminal.
Art. 4.° Nenhuma resolução será legitima sobre a classificação de qualquer genero submettido a despacho; quando a parte discordar da opinião dos verificadores, senão aquelle que o conselho geral das alfandegas resolver sobre recurso.
Art. 5.° Foi a dos casos de recursos, que só o conselho resolve, não póde o ministro da fazenda interpretar, explicar ou ingerir-se na classificação dos artigos sujeitos a despacho.
Art. 6.° Fica em vigor o decreto de 3 de novembro de 1860 e revogada toda a legislação e pratica em contrario. 31 de março de 1816. = João Gualberto de Barros e Cunha.
Requerimento
Requeiro, por parte da commissão das obras publicas, que de peça ao governo, pelo ministerio das obras publicas, copia dos estudos, a que se tem procedido na. ria de Faro pela commissão geodésica. = Hermenegildo Gomes dá Palma, deputado por Santarem.
A camara resolveu que fossem publicadas no Diario do governo as representações apresentadas na ultima sessão pelos srs. Ferreira Braga, Boavida e Sousa Lobo.
Teve segunda leitura, e foi approvada, a proposta apresentada na ultima sessão pelo sr. Lencastre, que é a seguinte
Proposta
Considerando que é necessario revêr ás leis, que se articulam á magistratura judicial dó ultramar, e que sobre o assumpto pendem de resolução muitas representações, varias consultas do extincto conselho Ultramarino; e algumas propostas dos governadores das provincias ultramarinas e magistrados judiciaes em serviço nas mesmas provincias;
Considerando o quanto importa ao bom regimen das provincias ultramarinas é á administração publica; que o ultramar tenha uma boa magistratura judicial;
Considerando que o numero das comarcas existentes nas provincias ultramarinas é insufficiente par* as necessidades do serviço;
Considerando como é necessario conciliar os interesses dos magistrados pertencentes á magistratura do ultramar com os interesses e vantagens dos magistrados pertencentes á magistratura do reino;
Considerando o quanto importa ao bem da nação não regatear vantagens aquelles que vão servir em paragens distantes e em climas menos salubres, animando assim os que têem préstimo e valor;
Considerando como é conveniente e necessario pôr ferino á antinomia entre as duas magistraturas, e estudar os meios de se chegar a um bom resultado;
Considerando como todos os projectos apresentados até hoje em côrtes têem encontrado difficuldades para serem convertidos em lei; e que os governos hesitam na solução e resolução das propostas, consultas e representações por causa da antinomia de interesses das duas magistraturas;
Considerando como importa que este estado de cousas não continue, e que de vez se tome uma resolução que colloque este ramo de serviço publico na altura da consideração e importancia que deve attingir:
Proponho que a mesa d'esta camara seja auctorisada a nomear uma commissão de onze membros, seis d'elles que conheçam as provincias que constituem os dois districtos judiciaes do ultramar e os outros que pertençam á magistratura do reino a qual, tomando conhecimento de todas as propostas, consultas, representações, e ouvindo as estações competentes e colhendo informações que lhe convierem, apresente na proxima sessão legislativa um relatorio circumstanciado sobre o assumpto á camara e ao governo. = O deputado pela Figueira da Foz, Luiz Adriano d» Magalhães Menezes e Lencastre = Alberto Garrido.
O sr. Carrilho: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.
O sr. Augusto Godinho: — Mando uma declaração de que por motivo justificado não tenho comparecido a algumas sessões da camara, e de que se estivesse presente na sessão em que se votou a admissão á discussão da pro-proposta do sr. Mariano de Carvalho, a respeito do inquerito aos actos governamentaes, teria votado contra.
O sr. Alberto Garrido: — Peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da marinha.
O Sr. Julio Ferraz: — Mando para a mesa um requerimento de José Maria Leal Coimbra; escrivão do concelho de Monchique, pedindo para lhe ser extensivo o beneficio requerido pelos escrivães dás administrações dos concelhos dos districtos de Vizeu e Aveiro.
O sr. J. J. Alves: — Mando para a, mesa ima representação assignada por grande triumpho de padrões d'esta
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cidade, na qual, queixando-se, de que rendo excessiva a taxa de 160000 réis que o gremio a que pertencem é obrigado a pagar, pedem para mudar de classe.
Esta pretensão, que é a consequencia de se acharem alteradas as condições que determinam a collocação d'aquelles contribuintes na 6.ª classe, pare; e me digna de ser attendida.
Já na sessão de 22 de março eu fiz um requerimento para que todas as representações sobre assumptos identicos, e que estão affectas a esta camara, fossem remettidas ao governo para serem consideradas pela commissão que o sr. ministro da fazenda vae nomear.
Peço portanto a V. ex.ª tenha a bondade de mandar dar á esta representação o mesmo destino; isto é, envia-la ao illustre ministro.
O sr. Visconde da Azarujinha: — Mando pára a mesa um projecto do lei, auctorisando o governo a conceder á camara municipal de Villa Franca de Xira o chão e ruinas de uma casa pertencente á fazenda nacional, e mando tambem uma representação da mesma camara.
O sr. A. J. de Seixas — Mando para a mesa um requerimento, que vae tambem assignado pelos srs. J. J. Alves e Visconde da Azarujinha, para que o projecto de lei n.º 102, ácerca da avenida que a camara municipal de Lisboa tenciona abrir ao norte do passeio publico, seja discutido na primeira parte da ordem do dia de hoje.
Não pretendo com este requerimento que o projecto seja o primeiro a discutir-se, mas peço que depois dos projectos que foram considerados mais urgentes, elle seja discutido.
Não posso, na minha qualidade de deputado da nação, e agora especialmente como deputado por Lisboa, deixar de advogar este negocio com todo o empenho.
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Requeremos que o projecto n.º 102, sobre a avenida ao norte do passeio publico de Lisboa, seja discutido na primeira parto da ordem do dia. = Os deputados por Lisboa, A. J. de Seixas = J. J. Alves— Visconde de Azarujinha.
O sr. Arrobas: — Por ser este o ultimo dia de sessão, mando para a mesa a seguinte proposta, e sou levado a apresenta la pela convicção que tenho de que ella é merecida.
A proposta é concebida n'estes termos:
«Proponho um voto de louvor á mesa, pelo modo digno como dirigiu os trabalhos da camara.»
Sou sempre parco em louvores, mas entendo que a mesa é digna da nossa consideração. (Apoiados geraes.)
O sr. Presidente: — A carlota ha de dispensar-me de pôr esta proposta á votação; não obstante agradeço profundamente a manifestação do sr. deputado e de toda a camara, a que serei eternamente reconhecido.
O sr. Arrobas: — Peço a V. ex.ª que, pondo de parte a sua modestia, ponha a minha proposta á votação, porque eu desejava que se mencionasse na acta que ella foi unanimemente approvada. (Apoiados geraes.)
O sr. Presidente: — Agradeço ao illustre deputado, em meu nome e no dos srs. secretarios, que muito me coadjuvaram nos trabalhos da mesa, a proposta que a. ex.ª apresentou e a manifestação que a camara acabou da dar.
Tenho feito todos os esforços para cumprir com os deveres do honroso cargo para que Sua Magestade El-Rei se dignou nomear-me, sobre proposta da camara.
Posso affirmar-vos, senhoras, que no desempenho de tão elevadas funcções, procurei ser sempre imparcial e justo, sustentando a todos o seu direito dentro das prescripções do nosso regimento.
Não sei se consegui satisfazer a todos; ao menos tenho a consciencia tranquilla, porque foi sempre o meu maior desejo ser agradavel a todos.
Agradeço sinceramente á camara a manifestação, a qual
attribuo á muita indulgencia o muita benevolencia que a camara tem tido sempre para commigo, e da qual conservarei a mais grata recordação.
O sr. Palma: — Fui encarregado de apresentar a esta camara tres requerimentos, um de D. Marianna Júlia do Rosario Rebello, viuva de José Maria Rebello, segundo official que foi da direcção da administração militar, com a graduação de capitão; outro de D. Victoria de Almeida Gourgelt e D. Virginia de Almeida Gourgelt; filhas do fallecida tenente coronel, João de Almeida Gourgelt; e outro de D. Guilhermina Amália de Brito Capello; D. Maria Amália de Brito Capello, D. Emilia Carolina de Brito Capello e D. Carolina de Brito Capello, a primeira viuva e as outras filhas do major addido á praça de Palmella, Felix Antonio Gomes Capello.
Estas requerentes pedem á camara se digne conceder-lhes uma pensão.
Peço a V. ex.ª que remetta estes requerimentos á respectiva commissão.
O sr. Presidente: — Vae proceder-se á eleição de um vogal substituto para a junta do credito publico, e cuja eleição não póde adiar-se por mais tempo.....
Passando se á eleição, verificou-se terem entrado ria uma 52 listas, saíndo eleito o sr. José Eduardo de Oliveira por 52 votos.
O sr. Presidente: — Fui, prevenido de que o sr. ministro da marinha está na outra casa do parlamento, o que tenciona vir a e*ta a fim de se poder verificar a interpellação do sr. Pinheiro Chagas, que está dada para ordem do dia.
Conforme a resolução que a camara hontem tomou, vão ler-se os pareceres de commissões, que estão publicados no Diario da camara, é que estão dados tambem para ordem do dia.
Foram lidos e approvados sem discussão os pareceres n.º 40-E, 40 F, 43 D, 43 O, 43 H e 43-J, e foi tambem approvado, salva a redacção, o parecer n.º 43-K.
O sr. Pinheiro Chagas (para um requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara se deseja que se realise hoje a minha interpellação.
Vejo que em logar dos projectos que tinham sido recommendados á attenção da camara por difficientes srs, deputados, com rabões solidamente fundadas, se estão discutindo quantos projectos a mesa entende, e a interpellação fica indefinidamente adiada.
Peço a V. ex.ª que me declare se t\ interpellação se não realisa. Esta declaração servirão igualmente; mas o que desejo é que V. ex.ª me diga francamente se a interpellação se verifica ou não.
O sr. Presidente: — Eu já declarei que tinha sido prevenido pelo sr. ministro da marinha e ultramar de que s. ex.ª se acha na outra casa do parlamento, e que está prompto a vir a esta camara a fim de se verificar a interpellação annunciada pelo sr. deputado.
Foi lido na mesa o parecer n.º 61—B, e entrou em discussão.
O sr. Arrobas: — Não esperava, e por isso fui surprehendido por este parecer, que resolve de chofre um assumpto que não compete á illustre commissão de guerra.
Trata-se da concessão de terrenos e de muralhas pertencentes) á fazenda nacional, e não é a illustre commissão de guerra a competente para dar parecer sobre a justiça ou a conveniencia da concedido pedida, com relação ao valor venal dos terrenos e das muralhas; a competencia é da commissão do fazenda. (Muitos apoiados.)
A illustre commissão de guerra em assumptos d'esta ordem apenas dá seu parecer sobre se os terrenos e muralhas pedidas são necessarios para s fortificação. (Apoiados.)
Peço, pois, que este parecer reja remettido á illustre commissão de fazenda. (Apoiados.)
O sr. Presidente: — Vae ser remettido á commissão de fazenda.
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Foram approvados sem discussão os pareceres n.ºs 65-D, 65-E, 65-F, 80-D, 80-E e 82-B, e bem assim o parecer sem numero, publicado a pag. 371 do Diario da camara dos senhores deputados.
O sr. Presidente: — Está tambem publicado no Diario da camara um parecer da commissão do guerra, sobre o mesmo assumpto a que se refere o parecer n.º 82-B, mas ficou prejudicado com a votação do parecer da commissão do ultramar.
Foram igualmente approvados sem discussão os pareceres n.ºs 10 - A, 10-B, 17-F, 17-G, 17 H, 17-K, 17-L, 18 - A, 20 - A, e 20-B.
Todos estes pareceres estão publicados no Diario da camaras dos senhores deputados.
O sr. Visconde da Arriaga: — Como V. ex.ª tem posto em discussão todos os pareceres que concluem pela remessa ao governo para os tomar em consideração, e a commissão de fazenda remetteu igualmente para a mesa um no mesmo sentido, eu peço a V. ex.ª a dispensa do regimento para se dar a este igual destino.
Foi approvado este requerimento e entrou em discussão o seguinte parecer.
Parecer
Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi presente o requerimento de Antonio Augusto Leão, major reformado, pedindo que sejam capitalisados os recibos dos seus soldos, correspondentes aos mezes de janeiro a junho de 1848, na importancia de 1230555 réis.
Considerando que os vencimentos d'essa natureza já foram capitalisados, em virtude de providencias geraes, que seria conveniente revalidar, para que se possa fazer justiça inteira a todos os individuos que se acham ou estiveram nas circumstancias identicas á do requerente:
É de parecer que esta petição seja remettida ao governo, para d'esta fórma poder ser considerada opportunamente, como merece.
Sala da commissão, aos 3 do março de 1876. = Antonio Maria Barreiros Arrobas — Visconde da Azarujinha Mello e Simas = Antonio José de Seixas = Antonio José Teixeira = Joaquim de Matos Correia — Antonio Maria Pereira Carrilho.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Pinheiro Chagas: — Requeiro a V. ex.ª que consulto a camara se entende que se deve entrar já na interpellação annunciada ao sr. ministro da marinha. Peço a V. ex.ª que ponha o meu requerimento á votação.
O sr. Presidente: — Esteja tranquillo o illustre deputado: o sr. ministro da marinha não deixa de vir a esta casa, e assim o assegurei já á camara; e logo que s. ex.ª compareça, terá logar a interpellação.
O sr. Paula Medeiros: — Eu tambem tenho um requerimento na mesa.
O gr. Presidente: — O requerimento do sr. Pinheiro Chagas é anterior, e a interpellação já está ha dias dada para ordem do dia.
O sr. Paula Medeiros: — A interpellação leva muito tempo, emquanto o meu projecto discute-se n'um instante.
O sr. Pereira Rodrigues (para um requerimento): — O meu requerimento é o seguinte:
«Roqueiro que seja convidado o sr. ministro do ultramar a comparecer n'esta camara para poder verificar-se a interpellação do sr. Pinheiro Chagas sobre negocios da provincia de S. Thomé e Principe.
«Sala das sessões da camara dos deputados, 1 de abril de 1876. = O deputado pelo circulo n.º 105, J. M. Pereira Rodrigues».
O sr. Presidente: — Eu já tenho annunciado á camara mais do uma vez que o sr. ministro da marinha está na outra casa do parlamento, e que não se recusa a vir a esta casa para ter logar a interpellação annunciada. Estejam certos d'isto.
O sr. Pereira Rodrigues: — Não estava presente quando V. ex.ª fez essa declaração.
O sr. Seixas: — Emquanto não vem o sr. ministro da marinha peço a V. ex.ª que tenha a bondade de mandar pôr á votação o meu requerimento.
O sr. Presidente: — Não se póde interromper uma discussão que ficou pendente da sessão passada.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão que tinha ficado pendente na sessão antecedente
O sr. Presidente: — Hontem tinha sido approvado um requerimento para se mandarem imprimir e distribuir pelas casai dos srs. deputados umas alterações que a commissão tinha feito a este parecer.
As alterações foram impressas e distribuidas por todos os srs. deputados, conforme a resolução da camara.
Continua a discussão do projecto de lei n.º 145.
Tem a palavra o sr. visconde de Sieuve de Menezes.
O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: —Quando pedi a palavra a V. ex.ª era para este fim. Como já foi satisfeito o meu desejo, caduca o meu adiamento.
O sr. Paula Medeiros: — Requeiro a V. ex.ª que ponha á votação o meu requerimento. Muitos dignos pares do reino me affiançam que, se se approvar aqui o projecto a que me referi ainda n'esta sessão, passa na outra camara.
O sr. Presidente: — Agora, como já disse, vae entrar-se na discussão do projecto de lei que ficou hontem pendente.
Leram-se na mesa as seguintes emendas:
Proposta Proponho as emendas seguintes:
No parecer
Artigo 22.°:
N.° 4.° Em logar de « familia do nomeação de louvados» diga-se: «familia, a nomeação da louvados». Artigo 26.°:
N.° 9.° Substitua-se pelo seguinte: «De cada operação de rateio de principal, juros, custas ou multa, 100 réis». Artigo 27.°:
In fine. Acrescente-se: «E -lhes applicavel, na parte respectiva, o disposto no n.º 14.° do artigo 35.°». Artigo 34.°:
N.° 37.° Em vez de «sem advogado» diga-se: «seu advogado».
N.° 39.° Em vez de «o requerimento» diga-se «a requerimento». Artigo 35.°:
N.° 6.° Em logar de «c nomeação de louvados» diga-se: «nomeação de louvados, conselho de tutela».
Na proposta do governo
Artigo. 1º
Substituição: «O conselheiro presidente do supremo tribunal de justiça levará de assignatura ou sêllo de sentença, carta ou ordem que se expedir no tribunal, 700 réis».
Artigo 9.°:
Substituição: «Os presidentes das relações levarão de assignatura ou sêllo de:
«Cartas de qualquer natureza, 250 réis.»
«Carta de sentença até 1:0000000 réis, 250 réis.»
«Da mais de 1:0000000 réis até 2.000$000 réis, 300 réis.»
«De mais de 2:000000 réis até 4:000$0000 réis, 400 réis.»
«De mais de 4:0000000 réis, 500 réis.» «E quando por sua natureza não tiver avaliação, 300 réis.»
Artigo 12.°:
Substituição:... «será feita pelo modo que a maioria dos juizes entre si accordar.»
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Artigo 16.°:
N.° 1.° «Derivem qualquer papel que transitar pela chancellaria, e juntamente se o registarem em livro comprado á sua custa, numerado e rubricado pelo presidente, 200 réis.»
(O n.º 1.° passa a 2.° e o 2.° a 3.°)
Artigo 18.°:
N.° 1.° Em vez de «500 réis» diga-se: «600 réis».
N.° 2.° Em vez de «500 réis» diga-se: «600 réis».
N.° 3.º Em vez de «300 réis» diga-se: «400 réis».
N.° 5.° Addicionado: «de contarem quaesquer custas em processos de 1.* instancia ou do supremo tribunal de justiça, quando lhes compita por ainda não terem sido contados, levarão o mesmo que se acha designado para os contadores respectivos».
(O n.º 5.° passa a 6.»)
Artigo 21.°:
N.° 19.° Em logar de «parte, respectivo a juramento» diga-se: «parte e respectivo juramento».
N.° 20.º Adiante de «decisório» ponha-se uma «,».
N.° 22.º Em vez de «e formal» diga-se: «ou de formal».
N.°... Addicionado, a seguir: «de sêllo de cartas de qualquer natureza, que forem pastadas em nome do Rei, e sómente n'estas e em nenhuns outros papeis, quaesquer que sejam, 100 réis.
«A disposição d'este numero não tem applicação nas sedes das relações.»
Artigo 22.°:
N.° 2.° In fine. Acrescente-se: «independentemente de intimação».
N.° 12.° Ja fine. Em vez de «600$000 réis» diga-se: «600 réis». In fine. Em seguida a «quando não houver» acrescente-se: «meação ou terça a separar, nem».
N.° 20.° Em logar de «mas o excesso dos emolumentos... (até ao fim)» diga-se: «mas os credores, cujos creditos forem attendidos e os quizerem receber pelo inventario, pagarão proporcionalmente as custas do mesmo, conjunctamente com os interessados, ou aquelles credores sómente se o passivo absorver a herança».
Artigo 26.°:
N.° 3.° Abaixo de «os sêllos de 60 réis outra» acrescente-se: aos Bellos de outra qualquer quantia outra». Artigo 34.°:
N.° 3.° (3.° periodo) abaixo de «obra nova» acrescentese: «a cada advogado ou procurador, no cartorio, audiencia ou dentro da cidade ou villa, 200 réis»; (6.° periodo) adiante de «para elles serem levados a effeito» acrescentese: «e de sentenças finaes».
N.° 118 Adiante de «juizo ajuízo» acrescente-se: «de entrega de documentos».
«§ unico. Em seguida a «audiência acrescente-se: «ou houver conferentes em inventários».
N.° 14.° Em seguida a «despachos» acrescente-se: «de preparo».
N.° 15.° Em seguida a «juiz» acrescente-se: «registo de articulados e de repúdio de herança».
N.° 27 º Em vez de «para formar» diga-se: «por formar»; em vez de «e pela partilha» diga-se: «e pelo auto da reducção do mappa da partilha».
N.° 38.° In fine. Acrescente-se: «É-lhes applicavel a 2.º parte do n.º 4.° do artigo 14.°»
Artigo 35.°:
N.° 5.° Antes de «intimações» acrescentese: «citações ou». Artigo 42.°:
Principio. Em seguida a «por dia» acrescente-se: ou «parte d'elle». § unico, Supprima-se «de ida e volta». Artigo 45.°:
N.° 7.° «O caminho se contará da casa do avaliador ao local onde tiver de funccionar. Por irem prestar juramento não se contará caminho.»
Sessão de 1 de abril
(O n.º 7.° passa para 8.°) Artigo 57.°:
Em seguida ao final do primeiro periodo acrescente-se: «o solicitador vence tambem 2*/í por cento nas arrecadações em que intervier.
Artigo 59.°:
§ 1.° Em seguida a «escripta» acrescente-se: «designando as folhas e linhas em que se acham». Artigo 74.°:
Em seguida a «os papeis» acrescente-se: «avulsos». Artigo 76.°:
In fine. Addicione-se em seguida a «contrario»: até ao local mais distante da diligencia, não incluindo a volta».
«Porém dentro das barreiras das cidades de Lisboa e Porto acrescerá, a titulo de caminho, mais uma quinta parte dos emolumentos e salarios taxados para as diligencias em actos, excepto as almoedas, que se praticarem fóra do tribunal ou da casa do juiz.»
Artigo 85.°:
Em todos os processos civeis em que não houver condemnação ou multa, e nos orphanologicos de valor excedente a 120$000 réis, se contará, para entrar em regra de custas com applicação ás despezas do respectivo tribunal:
Nos juizos ordinarios................. 200
Nos juizos de direito................. 500
E quando os ditos processos sejam de valor excedente a 2:000$000 réis contar-se-ha para o referido fim............ 1$000
(O artigo 85.° passa a 86.°)
O deputado, João Vasco Ferreira Leão.
Ficou em discussão com o projecto.
O sr. Mexia: — Eu disse hontem que não approvava a proposta apresentada pelo illustre relator da commissão, o sr. Leão, porque não sabia quaes eram as emendas que se propunham á tabella; hoje, porém, cotejando essa mesma tabella com as emendas, reconheci que ellas effectivamente só se referem á redacção, e ás emendas approvadas pela > camara dos dignos pares apenas se acrescentou alguma cousa que era de necessidade.
Declaro, pois, que acho tudo justo, e sómente peço licença para apresentar uma segunda modificação ao artigo 85.° (Leu.)
Eu faço esta proposta, porque entendo que não é de justiça que se imponha um emolumento, pára substituir uma multa, nos inventarios que não forem julgados a final, porque podem principiar esses inventarios, e acabar de prompto, como muitas vezes acontece.
Por consequencia faço este additamento, e estou persuadido que a illustre commissão de legislação o approvará.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que ao artigo 85.° da proposta apresentada pelo sr. deputado Leão, como relator da commissão de legislação, adiante das palavras «120$000 réis» se acrescente «julgados por sentença final» =Mexia Salema.
Admittida.
O sr. Vasco Leão: — O additamento que o sr. deputado Mexia acaba de apresentar ao artigo 85.° é exactamente conforme com as idéas da commissão quando redigiu este artigo. Por conseguinte, por parte da commissão, não tenho duvida em declarar que acceito o additamento proposto.
Em seguida foi approvado o projecto com o additamento proposto pelo sr. Mexia.
O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão o projecto n.º 70.
Foi approvado sem discussão o projecto n.º 70, que é o seguinte:
Projecto de lei n.º 70 Senhores. — A vossa commissão de guerra, a quem fei
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presente o projecto de lei n.º 59-C, cuja iniciativa foi renovada pelos srs. deputados visconde de Sieuve de Menezes, Henrique Ferreira de Paula Medeiros, Ricardo Julio Ferraz) Manuel Maria de Mello e Simas, Filippe Augusto de Sousa Carvalho e Pedro Roberto Dias da Silva, a fim de ser concedida a pensão de 150 réis ás praças que desembarcaram no Mindello, e que não tenham emprego algum remunerado pelo estado;
Considerando que acudir com alguns meios de subsistencia a alguns d'aquelles valentes, que no último quartel da vida se vêem obrigados a recorrer á "caridade publica, é pagar-lhes uma divida sagrada e um ponto de honra, sobretudo para áquelles que, no remanso da paz, lêem gosado os fructos d» liberdade conquistada com tanto sangue, incommodos, riscos é privações:
É de parecer que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.ª Serão reformadas, conforme a legislação vigente, as praças de pret que, pertencendo ao exercito libertador, desembarcaram nas praias do Mindello.
Art? 2.º' O beneficio d'esta lei sera sómente applicado aos individuos que necessitarem de soccorro.; Art. 3.° A necessidade de que trata-o artigo 2.° sera comprova a perante as competentes auctoridades em via ta dos regulamentos do governo...
Art. 4'.° Fica revogada a. legislação em contrario.
Sala da commissão; 19 de março de 1876. = José Maria de Mori.es Rego =s\José Frederico Pereira da Costa — Visconde de Villa Nova da Rainha = Miguel Maximo da Cunha Monteiro = Hermenegildo Gomes da Palma — João Maria de Magalhães = Antonio José d’Avila Junior == D. Luiz da Camara "Leme =José Joaquim Namorado, relator.
A commissão de fazenda é de parecer que seja approvado o parecer da illustre commissão de guerra, de accordo Com o governo.
Sala das sessões da commissão de fazenda, em 3 demarco de 18761 —José Dias Ferreira = Antonio Maria Pereira Carrilho —Visconde de Guedes Teixeira =Visconde da Azarujinha = Manuel Maria de Mello e Simas — Antonio José Teixeira—Joaquim José Gonçalves de Matos' Correia — Antonio Maria Barreiros Arrobas} relator.
Renovámos a iniciativa do projecto, da sessão de 5 de dezembro de 1865) pelos deputados José Maria Sieuve de Menezes e Manuel Homem' dá Costa Noronha, que tem por fim concorda pensão de 150 réis ás praças que desembarcaram no Mindello, e que' não tenham emprego remunerado pelo" estado.' - * * ".
Sala da commissão, em 22 de fevereiro de 1876. =Visconde de Sieuve de Menezes=Henrique Ferreira de Paula Medeiros = Ricardo Julio Ferraz === Manuel Maria de Mello Simas= Filippe Augusto de Sousa Carvalho = Pedro Roberto Dias "da Silva. '
O sr. Seixas: — Peço agora que o meu requerimento seja votado, visto que é sr. ministro ainda não veiu responder á interpellação.
O sr. Presidente: — O sr. ministro da marinha está na camara dos dignos pares," aonde á sua presença é necessaria para serem discutidos os tratados que foram approvados n'esta casa; logo que s. ex.ª estiver disponivel, tenho a certeza de que s. ex.ª virá á camara.
O sr. deixas: — Mas eu requeiro a V. ex.ª que ponha á votação o meu requerimento; se acaso a camara o approvar discute-se o, projecto, e logo que appareça sr. ministro dispende-se essa discussão.
O sr. Presidente: — Já tinha sido em uma das ultimas sessões apresentado um requerimento do sr: Pinheiro Chagas e de outros srs. deputados para se discutir o projecto de lei n.º 60; este requerimento não póde ser preterido por outros, visto que não podem ser votados todos ao mesmo tempo.
O sr. Seixas: — Respeito muito a mesa, respeito o sr. Pinheiro Chagas, respeito todos os meus collegas, mas pergunto a V. ex.ª se o meu requerimento feito hoje não prefere aos mais antigos; se V. ex.ª me disser que não, eu resigno-me; agora se não é assim eu quero que seja respeitado o meu direito...
O sr. Presidente: — Eu vou consultar a camara sobre este incidente.
O Orador: — Trata-se de um melhoramento importante para a capital. Peço, pois, a V. ex.ª que o ponha em discussão em seguida á interpellação ao sr. ministro do ultramar.
(Entrou o sr. ministro dos negocios estrangeiros, encarregado interinamente da pasta da marinha e ultramar.)
O sr. Presidente: — Está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros e encarregado da pasta "da marinha e ultramar; vae verificar-se a interpellação annunciada pelo sr. Pinheiro Chagas
O sr. Ministro da Marinha e Ultramar: — Peço a palavra.
O sr. Presidente: —Fui a palavra o sr. ministro. Ò sr. Ministro da Marinha e Ultramar — Eu estava na camara dos dignos pares, aonde havia um incidente, depois do qual o sr. presidente declarou que a camara ía constituir-se em sessão secreta para se discutirem alguns tratados, dependentes do ministerio a meu cargo, importantes e urgentes: apesar d'isso, desde que me disseram que havia tanta insistencia na-camara dos senhores deputados para que se verificasse a interpellação annunciada pelo illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas, eu estou ás ordens da camara, e ella terá de certo a complacencia de calcular as necessidades da minha posição para alongar o menos possivel este debate.
0 sr. Pinheiro Chagas: — O convite que nos acaba de fazer o nobre ministro seria sufficiente para eu alongar ò menos possivel a minha interpellação, se o adiantado da hora e até mesmo o incommodo que tenho não contribuisse tambem para que a não prolongasse muito.
Mas antes de entrar nó assumpto da interpellação desejo fazer a V. ex.ª, ao sr. ministro da marinha e á camara uma declaração a respeito de um projecto que' foi hontem aqui votado, ou antes ás alterações feitas na outra casa de parlamento a um projecto que d'aqui fóra, contra às quaes não pedi a palavra unicamente porque não desejava que se suppozesse que eu queria embaraçar a votação de um projecto, que, ainda que muito defeituoso na fórma, linha um fim util, que era desenvolver nas nossas colonias os melhoramentos de que ellas tanto carecem.
Votando as emendas ao emprestimo não posso deixar de referir certas declarações feitas no parlamento, quando se tratou aqui d'este assumpto;
Disse eu ao sr. ministro da marinha que o seu projecto me' parecia extremamente vago. Achava muito pouco curial que s. ex.ª viesse pedir um emprestimo de réis 5.000:000$000, quando s. ex.ª mesmo declarava que hão sabiá bem se precisava da 5.000:000$000, de 6.000:000$000 ou de 7.000.000$000 réis. Pedia eu que se fizessem o» orçamentos das obras, e se pedisse depois a 'somma necessaria para ellas. S. ex.ª rejeitou as minhas considerações, não acceitou aqui modificação alguma no projecto.
Foi depois na commissão da' camara dos dignos pares acceitar a importante modificação que lá se fez, que correspondia em grande parte áquillo que eu tinha dito; modificação que obriga" ò' governo a só levantar somma quasi exclusivamente necessaria para a construcção do caminho de ferro de Trai: Wall, quer dizer que obriga ò governo a se levantar a somma necessaria para uma obra para 'a qual já existe um orçamento provisorio.
Lamento profundamente que o illustre ministro não só
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tivesse esta desconsideração para commigo, que pouco valho de certo, mas que represento aqui os meus eleitores, mas que a tivesse para com a camara electiva, rejeitando as propostas que, aqui se fazem para as ir acceitar na camara dos dignos pares, obrigando a sua maioria a votar sim e não sobre o mesmo assumpto com poucos dias de intervallo.
Feita esta declaração, entro no assumpto da interpellação.
Quando eu compulsei os documentos que me foram enviados do ministerio da marinha, o aonde ía procurar se os papeis officiaes confirmavam as accusações formuladas contra o sr. Gregorio José Ribeiro, e que me tinham levado a annunciar uma interpellação ao governo, confesso a V. ex.ª que não esperava encontrar q que encontrei.
Já procurei as provas de um erro de demonstração n'aquella colonia, e encontrei a prova de que a nossa administração colonial, pelo menos em S. Thomé, porque não tenho agora elementos para poder fallar das outras, é completamente deploravel.
Nós estamos votando leis que se dizem liberaes, leis que se dizem feitas para libertar escravos, e se estes documentos são verdadeiros, como quero crer, provam exuberantemente que essas leis nunca foram cumpridas, como mostrarei no decurso da discussão.
Não conheço o sr. Gregorio José Ribeiro senão muito superficialmente, não tenho contra elle a minima animadversão, só o julgo pelos documentos que tenho presentes, e sobre elles fundamento as minhas accusações.
Declaro que não venho pedir a demissão do governador de S. Thomé, isso é um acto do poder executivo, que é responsavel pelo procedimento dos seus subordinados, e só ao sr. ministro do ultramar d'esse procedimento peço conta.
Mas, sr. presidente, o que posso afiançar a V. ex.ª e á camara, é que o actual governador de S. Thomé, o sr. Gregorio José Ribeiro, é incompativel com a população d'aquella ilha, e que o sr. ministro, se quizer administrar bem, tem de tirar de S. Thomé ou o sr. Ribeiro ou a população. (Riso).
Affigura-se-me que o »r. Ribeiro seria um excellente governador para a ilha de Robinson Cursos, e ainda assim desconfio que depois de quatro ou cinco dias estaria em divergencia com o Sexta Feira. (Riso.)
Não ha um só subordinado do sr. Ribeiro, com o qual este senhor não esteja em aberta hostilidade, e isto desde uns factos que ali se deram por occasião da eleição que trouxe á camara o nosso collega o sr. Pereira Rodrigues.
Os actos do sr. Gregorio José Ribeiro levantaram, pouco depois de elle estar no governo, opposição violenta em S. Thomé, e os cidadãos d'aquella ilha, usando do direito que assiste aos cidadãos dos paizes liberaes, e creio que S. Thomé tem fóros de paiz liberal, pelo menos tem um representante em côrtes, e é regido pelas mesmas leis que nos regem a nós, usando d'esse legitimo direito, começaram a dizer mal d'esses actos e do proprio governador.
O sr. governador publicou então um aviso, prohibindo que se dissesse mal d'elle, e ameaçando com castigos rigorosos quem o fizesse.
Devo dizer, que o sr. ministro da marinha achou este aviso tão absurdo que enviou uma portaria para S. Thomé, prohibindo. a repetição, de similhantes attentados contra a liberdade.
O sr. ministro da marinha desde logo podia ver que o sr. Gregorio Joaé Ribeiro não era apto para delegado de um governo liberal, visto que se lembrava de publicar avisos d'esta ordem, e que por tanto era incompativel com uma população que quizesse usar dos direitos, dos povos liberaes.
Quer y. ex.ª saber as relações excellentes em que. está Sessão de 1 de abril
o governador de S. Thomé com a auctoridade ecclesiastica da sua ilha?
Tenho em meu poder copia authentica de um officio enviado pelo sr. pro-vigario capitular de S. Thomé ao sr. ministro da marinha, officio em que aquella auctoridade accusa o governador do seguinte:
1.° De ter incitado faccionara que o servem a armarem-lhe emboscadas com o intento de o assassinarem;
2.° De consentir que serviçaes e sua roubem os fructos de hortas vizinhas, fructos que vão servir para o passadio do palacio do governador;
3.° De punir libertos com castigos atrocíssimos, praticando com elles as torturas de que s. ex.ª accusa varios proprietarios da ilha de S. Thomé nos seus relatorios.
Não affirmo que estas accusações sejam verdadeiras, mas sei que foram formuladas n'um officio, cuja copia posso mandar para a mesa, dirigido pelo pro-vigario capitular ao sr. ministro da marinha. Mas, se essas accusações eram verdadeiras, s. ex.ª não podia deixar de demittir o governador; se o não eram, o illustre ministro não podia deixar de proceder contra o pro-vigario capitular. (Apoiados.) Pois nenhuma das duas cousas se fez! O governador continua dirigindo os negocios da provincia e o pro-vigario capitular pausei-a em Lisboa gosando tranquillamente da licença que lhe foi concedida! Entendo que é procedimento do illustre ministro é completamente injustificavel, porque nem deu rasão ao pro-vigario capitular nem robusteceu a auctoridade do governador, não destruindo a alta offensa que tinha sido feita ao prestigio d'essa auctoridade. (Apoiados.)
Tenho ainda outro documento em que varios parochos da ilha de S. Thomé juram in verbo sacerdotes, que debaixo de pressão exercida pelo sr. governador da ilha de S. Thomé, foram coagidos a declarar que tinham sido convocados para uma reunião pelo pro-vigario capitular para fazerem uma representação contra o sr. Gregorio José Ribeiro!
Com relação a este documento estamos no mesmo caso do officio. (Apoiados.) Se se accusações são verdadeiras, como é que s. ex.ª mantem um governador capaz de abusar d'esta fórma da sua auctoridade? E se são falsas, como é que 3. ex.ª não procede contra estes parochos que juram falsidades in verbo sacerdolis, e os conserva dirigindo as igrejas do ultramar, onde são precisos homens de uma alta moralidade e de um alto espirito, e onde a influencia moral do padre é necessaria e indispensavel? (Apoiados.) S. ex.ª procedeu de fórma que não justificou o governador nem justificou os parochos!
Ha ainda mais. A guarnição da ilha de S. Thomé não é muito numerosa e d'esta guarnição oito officiaes não poderam supportar o despotismo do sr. Gregorio José Ribeiro e pediram a sua transferencia. Pois esses oito officiaes que usavam de um direito plenissimo, o direito de petição, foram punidos e passaram a meio soldo unicamente por terem pedido a sua transferencia!
Este procedimento do governador para com os seus subordinados militares parece-me que está era relação com o modo por que procedeu relativamente aos parochos. (Apoiados.)
Mais ainda. Veiu a Lisboa uma representação assignada pelos proprietarios de S. Thomé, pedindo a demissão do sr. Gregorio José Ribeiro, e a está representação respondeu o silencio! ' " -
O sr. Francisco de Oliveira Chamiço, director do banco ultramarino, homem completamente insuspeito para o governo, não só pela Feridade do seu caracter, mas tambem porque as suas ideias politicas não lhe permittiam ser instrumento da opposição, em nome dos proprietarios de S. Thomé dirigiu-se ao sr. Corvo, pedindo a demissão do sr. Gregorio José Ribeiro,
(Interrupção do sr. ministro da marinha.)
Appello para a declaração do sr. ministro da marinha.
O. sr. Francisco de Oliveira Chamiço. foi apresentar pes-
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Boamente ao sr. ministro da marinha a representação dos proprietarios de S. Thomé, e pedirei ao sr. ministro da marinha que me declare se isto não é perfeitamente verdadeiro.
(Interrupção que se não percebeu.)
(Com vehemencia.) Direi mais. S. ex.ª foi mais adiante: já que me provocam, direi tudo.
S. ex.ª prometteu a demissão a um digno par do reino, que tambem lh'a pediu, e eu estou auctorisado a dizer o nome d'esse digno par do reino, se me for contestada a veracidade do facto. Desde o momento em que parece que um illustre deputado contesta a veracidade do que affirmo, eu repito que estou auctorisado a dizer o nome do digno par do reino, que pediu ao sr. ministro da marinha a demissão do sr. Gregorio José Ribeiro, e a quem o sr. ministro da marinha a prometteu.
E note V. ex.ª a importancia que tem a intervenção do sr. Francisco de Oliveira Chamiço, pelo facto d'aquelle cavalheiro ser director de um banco cuja prosperidade está dependente da prosperidade das provincias ultramarinas.
E o director de um banco, cujo maximo interesse é que não haja desordem em S. Thomé, cujo maximo interesse era não ir auxiliar as queixas dos proprietarios se ellas fossem infundadas, cujo maximo interesse é que reine a paz e a harmonia n'aquella colonia; é o director d'este banco que vem pedir, em nome dos interesses de S. Thomé, que estão intimamente ligados com os interesses do mesmo banco, a saída do sr. Gregorio José Ribeiro.
Ha mais ainda. O sr. ministro da marinha possuia uma prova evidentíssima de que o sr. Gregorio José Ribeiro tinha uma completa incompatibilidade com os seus subordinados e com os seus administrados no proprio relatorio a que o sr. Barros e Cunha aqui alludiu e que s. ex.ª mutilou, para nós não vermos, para não ver o publico qual era a [linguagem empregada pelo sr. governador de S. Thomé.
Esse relatorio era uma prova bem manifesta do que elle não tinha a prudencia necessaria para exercer tão altas funcções, de que elle não tinha a prudencia indispensavel ao seu cargo, porque, longe de se mostrar acima das paixões que não devem nunca chegar á altura de uma magistratura tão elevada como é a do governador de uma provincia ultramarina, entrava na luta e escrevia as mais terriveis verrinas contra os seus subordinados e contra os seus administrados.
Tanto maior importancia tinha o facto quanto era certo que era impresso na imprensa de S. Thomé esse relatorio; e depois, quando se publicou em Lisboa o relatorio mutilado, viu-se que essas mutilações haviam sido feitas unica e exclusivamente nos paragraphos verrinosos com que o sr. Gregorio José Ribeiro verberava os habitantes de S. Thomé. O sr. ministro da marinha condemnava assim tacitamente a linguagem e o proceder do seu subordinado, o annullava as provas d'esse procedimento, para que o publico não visse quanto era injustificavel a conservação de um governador, que descia do seu palacio á praça publica a tomar parte nas lutas do soalheiro, e a ser elle, o zelador da paz e da ordem, um elemento de desordem e de guerra. (Apoiados.)
Ahi n'esse relatorio mesmo podia s. ex.ª ver qual era a situação de incompatibilidade em que estava o governador de S. Thomé para com a população d'aquella colonia, porque ahi se reflectiam as scenas verdadeiramente vergonhosas de injurias e offensas, injurias e offensas que aquella auctoridade firmava no proprio documento que enviava ao governo.
Disse s. ex.ª ao Sr. Barros e Cunha, quando lhe respondeu a respeito d'este ponto, que eram confidenciaes estes relatorios.
Eu confesso sinceramente que não julgava o sr. ministro da marinha, apesar de reconhecer os seus altíssimos talentos, e apesar de o suppor, pela sua vastissima illustração,
habilitado para fazer quaesquer inventos, capaz de fazer esta descoberta das confidencias impressas!
Quando Guttenberg descobriu em mil quatrocentos e não se quantos a nobre arte da imprensa, não suspeitava de certo que ella havia do ser applicada ás confidenciaes! (Riso.) Mas agora já sabemos que, quando alguem quizer fazer uma communicação altamente secreta, não tem mais do que manda-la imprimir. (Riso.)
Recorda-me isto um dito de uma comedia de Legou vê. N'essa comedia ha um personagem que diz que um certo segredo é conhecido de trinta ou quarenta pessoas. Replica-lhe outra: «Tanta gente!» E elle torna: «Pois é por isso mesmo que o segredo está bem guardado; somos quarenta a guarda-lo! » (Riso.)
E o que acontece agora a respeito do relatorio do governador de S. Thomé. Este relatorio é um segredo que está tão bem guardado, que tem a guarda-lo toda a população de S. Thomé, e todas as pessoas que no reino receberam algum exemplar.
O sr. Pereira Rodrigues: — Ha só esse exemplar; e eu logo direi a s. ex.ª e á camara o motivo por que o tem na mão.
O Orador: — Peço desculpa a s. ex.ª S. ex.ª póde de qualquer maneira dizer como elle está na minha mão, agora ou logo; mas creia que não poderá occultar de certo, que desde o momento que um livro se imprime é do dominio publico, e não só do dominio dos revisores nem dos compositores.
Já disse a V. ex.ª que não-vinha aqui pedir a demissão do governador; mas é uma cousa singular, que todas estas representações, todas estas queixas, nem se quer ao menos produziram a syndicancia, que era o dever immediato do sr. ministro da marinha!
No momento, em que uma população inteira protesta contra os actos despóticos de um governador, nem ao menos o governo se digna mandar fazer uma syndicancia para se reconhecer se esses protestos são verdadeiros ou falsos!
Onde é que estão as contra representações, as manifestações de alguma parte da população da ilha de S. Thomé que defendam o sr. Gregorio José Ribeiro contra as accusações feitas?
Quaes são em S. Thomé os defensores do sr. Gregorio Ribeiro?
São os negros? E possivel, porque s. ex.ª tem querido acrescentar ao nome do sr. Gregorio Ribeiro o epitheto de libertador!!
Não ha nome mais falso, não ha cousa mais profundamente absurda!
Quando se lêem os documentos que me chegaram á mão, quando se lêem os relatorios do sr. governador de S. Thomé, póde-se suppor que a liberdade para os negros foi decretada hontem!
A verdade é que ha vinte annos que se estão libertando os negros; a verdade é que é uma vergonha apresentarem-se aqui propostas de lei para completar a libertação doa negros, e dizer-se depois nos relatorios que as leis que se votaram aqui nunca se cumpriram! Esta é a verdade que transparece dos documentos!
O sr. Ministro da Marinha: — Exactamente.
O Orador: — Exactamente! diz o sr. ministro; folgo com esta confissão, porque nós estamos fazendo leis, e o poder executivo, que tem obrigação de as cumprir, vem depois dizer-nos: exactamente, não as cumpri. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Marinha: — Mas hão de cumprir-se.
O Orador: — Mas s. ex.ª está no governo ha cinco annos, e tenho tanta garantia de que as leis se hão de cumprir d'aqui por diante como foram cumpridas até hoje.
Quer V. ex.ª ver?
Diz-se que em S. Thomé a liberdade foi dada aos negros!
S. ex.ª sabe perfeitamente que ha muitos annos que os
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escravos foram transformados em libertos, e diz depois o sr. ministro da marinha: «Mas esses libertos continuavam a ser escravos.» Mas porque? Se nós tinhamos feito aqui leis que os transformavam em libertos com condições especiaes!
Transformava-se um escravo em liberto, mas continuava a ser escravo?
Quer V. ex.ª saber o que fez agora o sr. governador? Transformou o liberto em homem livre com obrigação de trabalho! E eu pergunto: que garantia temos para que o negro livre com obrigação de trabalho não continue a ser liberto, como o liberto continuava a ser escravo?
Os escravos foram transformados em libertos; o liberto era o escravo antigo, que ficava tendo obrigação do trabalhar seno salario por dez annos, com a condição obrigatoria de ser registado; per conseguinte o registo era por as sim dizer a averbação fita perante a auctoridade de um districto, pela qual o negro, antigo escravo, se obrigava a trabalhar durante dez annos, e dizia a lei de dezembro do 1858 que esse registo era condição essencial para os senhores das roças poderem exigir dos libertos o serviço que estes lhes deviam. Pois bem, í gora, quando o sr. Gregorio José Ribeiro tomou esta medida precipitada, que introduziu a desordem em S. Thomé, diz-nos elle que reconheceu que a maior parte dos individuos que lhe appareceram na cidade estavam livres, porque tinham acabado para uns os dez annos, e que outros nem sequer estavam registados.
Ora, quando as leis se cumprem d'esta fórma, quando não se exige o registo, que garantias tenho eu de que hão de ser cumpridos os novos contratos feitos a esses negros transformados em homens livres, e feitos tambem perante a administração do concelho, obrigando-se os negros para com os senhores de roças a trabalharem por um certo numero de annos a troco de um certo salario, se a auctoridade fiscalisar tanto a execução d'esses contratos, como fiscalisou o cumprimento dos contratos em que os negros se obrigavam a trabalhar dez annos sem salario? Que importam os contratos se a auctoridade não os faz cumprir? E que garantias tenho eu de que os novos, contratos se cumpram? Nenhuma.
N'esse tempo, em que o sr. Gregorio José Ribeiro tomou esta medida a que alludi, fiseram-se quatro mil e tantos contratos em poucos dias, mas sem garantia nenhuma de que se cumpririam. Apresentava-se um homem na administração do concelho, levando em sua companhia vinte ou trinta negros, e contratava com elles, sem se saber se podia pagar-lhes o salario, nem sequer se os podia alimentar. Isto confessa-se nos proprios relatorios do administrador. Não havia a certeza de que a maior parte d'esses homens podessem cumprir os contratos, não havia a certeza de que os novos proprietarios podessem alimentar os seus servos.
Por consequencia, quer a camara saber o beneficio que o sr. Gregorio José Ribeiro fez aos negros? Transformou-os de libertos em homens livres. Liberto?, a lei não os protegia, era o mesmo que se fossem escravos; homens livres, a lei não os protege, é o mesmo que se fossem escravos. Tirou-os das roças, onde eram bem alimentados, como por exemplo, na roça de Agua Izé, e appello para o meu amigo e collega o sr. Carlos Eugenio, que ainda ha poucos dias elogiou esta roça, onde os negros tinham um hospital em melhores condições do que muitos hospitaes do estado no ultramar; tirou-os d'essas roças para outras onde se não lhes offerecem garantias de serem sustentados nem tratados nas doenças, nem pagos dos salarios. E os resultados têem-se visto nos boletins; têem-se, segundo elles dizem, encontrado muitas vezes abandonados nas estradas cadaveres de negros...
O sr. Pereira Rodrigues: — Encontravam-se d'antes tambem.
O Orador: — Encontravam-se d'antes! E singular que Sessão de 1 de abril
os boletins officiaes refiram então este facto como um facto novo e estranho!...
O sr. Manuel de Assumpção: — Anteriormente os negros eram cousas.
O Orador: — Eram cousas! Pois o illustre deputado não sabe que desde 1836 não ha escravos nas colonias? Legislador, s. ex.ª desconhece as leis que dão a gloria do partido progressista, e que restituíram aos negros o nome, os fóros e as garantias de homens; suppõe que eram cousas os libertos em cuja fronte se linha apagado o stygma da escravidão...
O sr. Manuel d'Assumpção: — V. ex.ª dá licença?... Não é nada d'isso o que eu queria dizer. Sabia effectivamente que deviam ser considerados como homens livres, mas sabia tambem que os não consideravam assim. E s. ex.ª ainda ha pouco, referindo-se á medida que tornava os homens pretos em homens livres, taxou essa medida de precipitada, e portanto V. ex.ª é ainda mais culpado do que eu. Eu sabia que elles deviam ser livres e não eram, e s. ex.ª acha precipitado o sr. Gregorio José Ribeiro quando quiz mostrar que elles eram livres!
O Orador: — Acho estranho que s. ex.ª venha defender...
O sr. Manuel d'Assumpção: — Não defendo nada.
O Orador: — Acho estranho que s. ex.ª venha defender um homem que, tendo obrigação de cumprir as leis, nunca as soube cumprir, e que julga dever merecer a consideração de Portugal por ter mudado apenas um nome, quando devia ter transformado o objecto em si. Elle tinia obrigação de fazer sentir a todos os proprietarios que os escravos não eram cousas; favorecia-o a lei, e essa lei não a cumpriu. Dizia a legislação que os homens que relêem de má de em teu poder pessoas ingénuas ou libei tas seriam punidos com as penas dos que commettem o crime de carcere privado e com a multa de 1000$000 réis.
Pergunto ao sr. ministro da marinha, onde estão os pro-ce-soa contra estes homens que o governador declarou que tinham como escravos pessoas ingénuas libertas?
Onde estão os castigos e as multas de 1000$000 réis?
O sr. Manuel d'Assumpção: — Foi um mal se não existiram..
O Orador: — Mas V. ex.ª quer mais alguma cousa?
O sr. Gregorio José Ribeiro diz no seu relatorio que os senhores ã u escravos 03 maltratavam como verdadeiros Torque males.
Pode estão os processos contra esses homens que torturavam os libertos? E a parte nenhuma.
O sr. Pereira Rodrigues: — Foram instaurados muitos processos e estão ainda instaurados.
O Orador: — E singular! Havendo tantos processos instaurados, não se sabe ainda qual foi o resultado de nenhum d'elles!
Falla-se nos relatorios nas torturas dos negros, mas não se falla nos castigos dos torturadores. Citam-se actos de ferocidade praticados contra os libertos, mas não se refere como foram punidos os algozes. E punia-os a lei, e não os entregava á vindicta da lei, nem o governador, nem o ministro! Como hei de eu prestar homenagem ao sr. Gregorio José Ribeiro por ter transformado o liberto, que era o homem livre contratado por alguns annos sem salario, no actual horamos livre contratado com salario por alguns annos! Mudou-lhe apenas o nome. Não saberá protege-lo agora como não soube protege-lo até aqui.
Se a lei castiga sem distincção quem maltrata um negro livre e quem maltrata um liberto, como ha de esperar o negro livre a protecção que o liberto nunca teve? (Apoiados.)
Uma. voz: — Não a podia reclamar.
O Orador: — Ora essa! Para que havia então a junta protectora...
(Interrupção.)
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Não tinha a junta protectora dos libertos obrigação de velar por elles? Então para que servia?
O sr. Pereira Rodrigues: — Logo direi a s. ex.ª para que servia.
O Orador: — Bem sei! O sr. Gregorio José Ribeiro, que está em hostilidade com toda a gente, não deixou de o estar tambem com a junta protectora! E o sr. ministro não procedeu a uma syndicancia para saber quem cumpriu o seu dever, se foi o governador, to foi a junta!
Isto mostra apenas a necessidade de uma syndicancia a que nunca se procedeu. (Apoiados.)
Mas praticavam-se effectivamente em S. Thomé as atrocidades que os relatorios referem? Hesito em acredita-lo quando encontro contradicções como a que vou apontar.
O sr. Gregorio José Ribeiro disse n'um relatorio, de que o sr. Corvo copiou alguns trechos n'um documento apresentado ás côrtes em 1875 — que os proprietarios, que mais torturavam os escravos, eram os proprietarios de côr parda ou preta, filhos do paiz, e até disse o sr. Gregorio José Ribeiro, que eram uns verdadeiros Torquemadas!!
E agora diz o sr." administrador do concelho n'um relatorio enviado pelo sr. Gregorio José Ribeiro ao sr. ministro da marinha — que, podendo os libertos contratar-se com quem bem quizerem, preferem os proprietarios, filhos do paiz, aos brancos! De fórma que os negros querem ir servir por sua livre vontade, os Torquemadas que os torturam!
Em face d'esta contradicção tenho todo o fundamento para poder duvidar da veracidade de todos estes relatorios.
(Apoiados.)
E costume constante do sr. Gregorio José Ribeiro accusar nos seus relatorios os proprietarios de S. Thomé de quererem a continuação da escravatura.
Pois o sr. ministro da marinha sabe perfeitamente que os proprietarios têem a peito proceder a uma resolução definitiva sobre este ponto. Como a lei já aboliu o trabalho servil, são elles os primeiros que desejam ha muito a realisação da liberdade, para se não acharem do súbito face a face com as difficuldades resultantes da organisação precipitada do trabalho colonial. (Apoiados.)
Mas os lavradoras de S. Thomé reuniram-se e lavraram uma acta, pedindo que se realisasse completamente a libertação dos negros, e que se organisasse o trabalho livre. Essa acta foi entregue pelo sr. Chamiço ao nobre marquez de Sá da Bandeira. Ainda depois, um dos mais opulentos proprietarios d'aquella ilha, o gr. barão de Agualva, propoz ao governo ir dando a liberdade aos seus serviçaes, substituindo-os successivamente por homens livres, cujos contratos fossem feitos debaixo da maior vigilancia das auctoridades.
E o sr. ministro da marinha nunca attendeu a estas supplicas! Aqui veiu pessoalmente um delegado dos proprietarios de S. Thomé para tratar d'este assumpto, e s. ex.ª respondeu pouco maia ou menos com esta phrase: Apresamos os delude! Em 1878 já eu não sou ministro.
Mas s. ex.ª enganou-se, porque 1878 está á porta, e o illustre ministro acha-se em face de difficuldades que não quis resolver como os proprietarios de S. Thomé pediam, e como era logico e sensato que se resolvessem.
Ahi está a rasão das queixas do sr. Gregorio José Ribeiro contra os proprietarios da S. Thomé! Accusa-os de quererem a escravatura, quando elles, pelas suas representações estiveram constantemente solicitando a libertação dos escravos. (Apoiados.)
Eu desejo realmente precipitar o mais possivel estas minhas observações, não só pelo motivo a que se referiu o sr. Andrade Corvo, mas tambem porque me sinto bastante fatigado. Portanto passo a historiar rapidamente os acontecimentos que deram origem a estas desordens de S. Thomé, cujos resultados se estão fazendo sentir fatalmente ainda hoje nos negocios d'aquella importantissima colonia.
Em julho ou agosto de 1875 appareceram na cidade de j
S. Thomé quarenta e tantos trabalhadores da roça do conde dos Frades, queixando-se dos maus tratos praticados n'elles pelo administrador da mesma roça.
O sr. Gregorio José Ribeiro foi verificar se esses trabalhadores eram ou não effectivamente obrigados a trabalhar, e encontrou que a maior parte d'elles estavam livres, porque uns já tinham acabado o seu tempo, e os outros não estavam registados.
Veja V. ex.ª como o sr. Gregorio José Ribeiro tinha cumprido as leis.
D'aquelles libertos uns não estavam registados, e portanto não poliam ser obrigados ao trabalho, os outros já tinham acabado o seu tempo. Se os maus tratos de um administrador os não impelissem a vir á cidade queixar-se, esses homens continuariam a ser escravos per omnia secula so Dculorum.
Ha mais ainda, comtudo. Esse administrador, de cujos maus tratos se queixavam os escravos, não foi castigado, cujo impune, como aliás ficam todos os oprimas da que falla o sr. Gregorio José Ribeiro. Aqui quem foi castigado foi o proprietario, que estava em Lisboa, porque lhe tiraram os libertos, que foram mandados para outra parte.
D'ahi a pouco começaram a vir á cidade libertos de todas as roças, e nos documentos que mi foram enviados, do ministerio da marinha encontra-se o faze-lo de que a maior parte d'esses libertos estavam livres já.
Ora aqui está como o sr. Gregorio José Ribeiro liberou os escravos de S. Thomé!... O sr. Gregorio José Ribeiro libertou-os em 1876, mas confessa elle mesmo que os devia ter libertado muito mais cedo.
E aqui está porque eu accusei de precipitado o sr. Gregorio José Ribeiro. Se elle tivesse cumprido as leis, tinham sido libertados a pouco e pouco os escravos...
(Aparte.)
Ter-se-ia feito a transição sem abalos, que foi esse sempre o espirito da legislação... (Aparte.)
O sr. Ribeiro tinha obrigação de saber maia cedo quaes eram aquelles que não tinham registo, e quaes eram 03 que tinham acabado o seu tempo de serviço...
(Aparte.)
Libertar os escravos, e não arruinar a agricultura... (Aparta.)
Eu vou dizer a V. ex.ª como isto se podia fazer a pouco e pouco.
Percorrendo-se os documentos ácerca dos libertos encontra-se o seguinte: F. entrado em 1860, livre. F. entrado em 1861, livre. F. entrado em 1862, livre. F. entrado em 1863, livre, etc.. Ora, como as leis obrigavam os libertos a um certo tempo de trabalho, que era de dez annos, segue-se que depois d'esses dez annos estavam livres, e portanto, se o sr. Gregorio José Ribeiro e os seus antecessores tivessem cumprido as leis, o que acontecia era que o liberto que tivesse entrado em 1860 estava livre em 1870, o que tivesse entrado em 1861 estava livre em 1871, o que tivesse entrado em 1862 estava livre em 1872, e assim successivamente até que, chegando o anuo de 1876, não haveria nem resquícios de servidão em S. Thomé, e ao mesmo tempo a agricultura não soffreria os males que está agora soffrendo em consequencia d'esta libertação total da todos os homens da trabalho.
Se o sr. Gregorio José Ribeiro e os seus antecessores tivessem cumprido as leis, repito, como era do seu dever, porque estamos aqui a faze-las para ellas se cumprirem e para se realisar aquillo que temos em vista que se realise,. nós tinhamos já em 1876 conseguido a libertação de todos os trabalhadores em S. Thomé sem o prejuizo da agricultura que aquella colonia está soffrendo.
Que as leis não se cumprem temos nos reconhecido. Ha muito tempo que estamos aqui laureando-nos com as leis de liberdade dos escravos, e elles continuam a ficar no
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mesmo estado; e d'aqui a dois ou tres annos teremos de continuar a votar leis n'este sentido.
Note V. ex.ª que não sou eu só a fazer estas observações.
Quando Se promulgou a ultima lei de liberdade, um zeloso empregado no ministerio dos negocios estrangeiros addido á embaixada de Londres mandou para o Times a traducção ingleza da lei. A Inglaterra é muito interessada na extincção da escravatura, porque é um negocio reclamado ali pela opinião publica do modo mais intenso.
O Times fazendo a publicação louvou-a. Mas dizia o Times com rasão: «ó singular, anda-se constantemente a fazer leis para acabar com a escravatura em S. Thomé e em todas as provincias ultramarinas e a escravatura sem acabar»: dizia mais; «Deus queira que a final esta lei se cumpra; temos as mais serias duvidas a este respeito.
Se o sr. ministro da marinha não fizer com que os seus empregados cumpram as leis, s. ex.ª ha de vir propôr nova lei, e d'esta maneira estamos a libertar escravos até á consummação dos seculos.
Esta mesma libertação precipitada dos negros era condemnada pelo sr. Gregorio José Ribeiro, porque elle, como se vê de uma acta da sessão do conselho do governo, dizia— é certo que é necessario proceder-se á libertação dos serviçaes que já não devam trabalho aos seus senhores; mas devemos tambem attender aos interesses da agricultura, e não se deve dar essa liberdade precipitadamente a todos ao mesmo tempo, pela mesma rasão que no exercito não se dá a baixa a todos que têem direito a ella no mesmo momento.
Pois quando chegou o tempo de s. ex.ª realisar as suas idéas fez exactamente o contrario. Deu a liberdade a toda a gente que appareceu, entregou os negros a quem os quiz levar, fazendo contratos com uma precipitação incrivel, sem garantia alguma, tornando se por conseguinte a situação de fórma tal, que nem os negros tinham garantia da verdadeira liberdade, nem os senhores tinham garantia tambem de poderem ter as suas terras cultivadas, e consultado d'isto é que as roças estão abandonadas, os roubos são frequentíssimos. os negros vão para senhores que os não podem sustentar, nem tratar nas suas doenças, morrem pelas estradas, roubam, para se alimentar, os fructos das rocas, ou vem vadiar para a cidade. Eis o estado de S. Thomé.
A cultura em S. Thomé está n'um estado deploravel. Eu posso appellar para o sr. Alberto Garrido, que passou ha pouco por S. Thomé, e s. ex.ª viu qual era o estado da agricultura ali.
O sr. Alberto Garrido: — Peço a palavra.
O Orador: — Tenho aqui tambem documentos que attestam o que estou dizendo.
Vou concluir. Termino perguntando a s. ex.ª quaes são os motivos por que ainda, contra todas as indicações da boa administração, contra todas as queixas dos habitantes e das pessoas mais importantes de S. Thomé, mantem o sr. Gregorio José Ribeiro á frente da administração d'aquella ilha. Será pelos beneficios que fez aos negros transformando-os em homens libres? Não, porque se tivesse cumprido a lei tinha-os libertado a pouco e pouco. Por os eximir aos maus tratos que pesavam sobre elles? Não, porque a lei que tinha para os proteger dos maus tratos, como libertos, é a mesma que tem para os proteger como homens livres. Deu-lhes garantias de bom tratamento? Tambem não, segundo confessa o proprio sr. administrador do concelho no seu relatorio, enviado ao sr. ministro da marinha, os homens a quem entregou esses negros livres não dão garantia sufficiente nem de pagamento de salarios, nem de lhes darem para alimentação, nem da os tratarem nas doenças. Que bem fez elle á agricultura de S. Thomé? collocou-a no lastimoso estado em que a descreve um relatorio de que vou ler um trecho. Este relatorio é insuspeito para a maioria, é o relatorio do banco ultramarino assignado pelo sr. Chamiço. (Leu.)
Aqui está relatado por pessoa competente e insuspeita qual o estado em que ficou a agricultura de S. Thomé depois das medidas do sr. Gregorio José Ribeiro.
Eu reporto-me ao que já aqui disse e que disse tambem hontem n'esta casa o sr. Luiz de Lencastre: «nós precisâmos nas provincias ultramarinas, não' de accumular leis sobre leis, mas de quem as saiba cumprir com energia, e de quem as execute fielmente; do que precisâmos no ultramar é de administração, e é isso a que o sr. ministro da marinha attende em logar secundario. Não venha s. ex.ª pedir constantemente leis para a libertação dos escravos; faça com que os seus empregados as cumpram. Se assim fôra já ha muito tempo que tinha acabado nas provincias ultramarinas a nodoa da escravidão, que não é culpa nossa se não se apagou ha mais tempo. (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem.
O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): —A commissão de redacção não fez alteração nos projectos n.ºs 70 e-145.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Mando para a mesa o parecer da commissão diplomatica a respeito dos ordenados do fallecido visconde de Reboredo.
O sr. Presidente: — A commissão nomeada pela mesa em virtude da proposta do sr. Lencastre para tratar dos negocios da magistratura e da creação de novas comarcas no ultramar compõe-se dos senhores: ' 1
Thomás Ribeiro.
Vieira da Mota.
Arrobas.
Visconde de Arriaga. Luiz Bivar.
Francisco da Costa, e Silva. Carlos Eugenio Correia da Silva. Teixeira de Vasconcellos. Alberto Garrido. Luiz de Lencastre. Pinheiro Osorio.
O sr. Pereira Rodrigues: —Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte a quaesquer outros srs. deputados alem do sr. Pinheiro Chagas que possam tomar parte n'esta interpellação.
Foi approvado este requerimento.
O ír. Alves: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. « (Leu.)
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que V. ex.ª consulte a camara sobre se permitte que entra em discussão, depois de terminada a interpellação e antes de se encerrar a sessão, o projecto relativo á abertura da avenida entre o norte do passeio publico -e a estrada da circumvallação. =J. J. Alves, deputado por Lisboa.
O sr. Ministro da Marinha: — A camara sabe que eu estou um tanto incommodado, e por isso espero que me relevará a difficuldade que tenho em fallar; comtudo o assumpto é tão grave e trata-se para o paiz de uma questão, que interessa tanto a sua honra e dignidade, que eu n'esta occasião não posso deixar, e immediatamente, de responder aos pontos principaes, para os quaes o illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas acaba de chamar a attenção do governo.
O illustre deputado fez uma larga allegação contra um funccionario publico. Esse funccionario tem até hoje, no assumpto principal sobre o qual tenho de responder — na minha opinião como ministro — cumprido o seu dever. (Apoiados.)
Acceito, pois, completa e inteira a responsabilidade dos-seus actos. (Vozes: — Muito bem.)
Sessão de 1 de abril
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Accusa se o governador de S. Thomé por ter praticado actos de arbitrariedade; mas quando se busca saber quaes foram esses actos—aos quaes o governo deu o seu assentimento, e de que lhe resulta uma gravissima responsabilidade — chega-se só a dizer que o governador de S. Thomé foi precipitado em applicar as leis que se destinam a assegurar a liberdade d'aquelles que, sendo livres, estavam ha largos annos escravisados. (Apoiados.)
Esta a accusação, e nenhuma outra.
Se o governador de S. Thomé escreve mal ou bem, se se apaixona eu não quando escreve, não assumptos de accusação que possam fazer com que o governo — dando o seu verdadeiro valor ás reclamações suspeitas, por isso que são apaixonadas, de certo numero de individuos que querem a demissão d'esse funccionario — sacrifique a dignidade do principio auctoritario nas colonias, que é preciso manter. (Apoiados.)
A camara sabe como procedo quando se trata de um governador sobre o qual pesam accusações gravei», que tornam necessaria a sua demissão. (Muitos apoiados.) Eu, amigo intimo, amigo de infancia, amigo sincero e de muitos annos do sr. José Horta, não duvidei exonera-lo de governador geral de Angola, e ainda que me custasse lagrimas o decreto de exoneração, como me custou, referendei-o, para entender que assim era preciso (prolongados apoiados. — Vozes: — Muito bem); porque eu não sacrifico á amisade o interesse publico; porque procedo desassombradamente e segundo a minha consciencia quando o dever m'o determina (muitos apoiados); porque não tenho capriches como ministro, nem subordino as conveniencias do estado ás minhas affeições (muitos apoiados); e n'este momento, em que não posso occultar a minha commoção, permittam-me que eu lamente que, por ter praticado um acto a que fui forçado pelas circumstancias, perdesse a amisade d'aquelle amigo, cavalheiro de elevado merito, de honradissimo caracter, e que havia prestado relevantes serviços ao paiz em outras importantes commissões que exerceu. (Muitos apoiados. —Vozes: — Muito bem.)
O sr. Gregorio José Ribeiro recebeu principalmente instrucções para o caso de que se trata; ordenei e que procurasse por todos os modos fazer cumprir as leis, e dar a liberdade aquelles que a ella tinham direito.
O sr. Gregorio José Ribeiro encontrou, como os governadores de todas as colonias de todas as nações do mundo, aonde é abolida a escravidão, resistencias dos senhores de escravos.
O sr. Gregorio José Ribeiro não se dobrou a essas resistencias, e diz-se que fôra apaixonado e violento. Pois quem não ha de ser apaixonado e violento quando vê diante de si factos como estes, que se deram e que a camara vae conhecer?
E preciso que a camara saiba os motivos pelos quaes sustenho conservado o sr. Gregorio José Ribeiro, apesar da queixas de alguns senhores de roças de S. Thomé. Vou ler á camara um relatorio, não do governador, mas do administrador do concelho que é um homem que não deve ser suspeito aos que reclamam contra o sr. Gregorio José Ribeiro. O documento é longo, mas é indispensavel que seja lido.
«Governo da provincia de S. Thomé e Príncipe—Copia— Serie da 1875—Administração do concelho, Ilha de S. Thomé — N.° 219. — 111.º° sr. — Devendo responder minuciosamente aos quesitos do officio de V. s. a, n.º 1:353, a "fim de a. ex.ª o governador bem poder informar o governo da Sua Magestade, peço venia para narrar os factos que occorreram durante a crise a que V. 3.ª se refere, quaes ás providencias que se tomaram e os alvitras que se tem adoptado, pelo que se na conseguido até esta data a tranquillidade e socego publico.
«Em meiado de outubro, apresentaram se á poria do palacio do governo os libertos ao serviço na fazenda Conde dos Frades, pertencentes ao casal do falaciado Mauricio
José Soares, queixando-se do terem sido espancados na vespera á noite (domingo) pela administrador d'aquella fazenda, Maximo Minho o, o pelo empregado da mesma fazenda; mostrando um os illustres injectados de sangue, dizendo ter sido pisado pelo empregado; outro, um golpe profundo no pulso do braço esquerdo, feito com um punhal; e um terceiro, ferido fim um dedo do pé nora arma de fogo.
«I)'esta queixa foi levantado o competente auto e remettido ao ministerio publico, sendo todos os outros libertos entregues á junta protectora, visto que não queriam voltar para aquella fazenda.»
Eu tenho uma vantagem n'esta questão, e é que o governador de S. Thomé não é doa meus amigos, e todos os proprietarios de S. Thomé ma são completamente desconhecidos; não lhes quer bem, nem mal, e só a administração da justiça para todos. (Apoiados.)
«Decidiu a junta que todos fossem para a fazenda, e esteja, em vez do seguiram para ali, voltaram do novo ao palacio a pedirem-a sua liberdade, do que resultou serem mandados á secretaria do governo para, pelos registos, se reconhecerem d'estão os que ainda eram obrigados a cumprirem 09 seus serviços n'aquella fazenda.
«D'este apuro, viu-se que apenas seta individuos, tendo dois homens e cinco mulheres, eram os unicos obrigados a serviços, e estes foram mandado a para a fazenda. Sendo os restantes individuos livres, foram intimados para no praso de tres dias procurarem trabalho, sob pena de serem considerados vadios, e em 23 de outubro foram todos contratados com patrões por elles escolhidos, sob salarios differente. como tive occasião de participar a V. s.ª em tempo competente.
«Cumpriu-se a portaria do governo de Sua Magestade de 21 de abril do corrente anno, mas infelizmente o resultado foi como era de esperar; correu rapida a noticia entre a classe de trabalhadores em toda a ilha, e foram abandonadas as fazendas, affluindo todos estes individuos á cidade, ou porque em iguaes circumstancias aquelles, ou porque alguem, como se dia, os aconselhou, buscavam ou pretendiam a sua liberdade.
«Fosse como fosse, o que é certo é que em 2 de novembro foi abandonada a roça Saudade, pertencente ao agricultor Freire Sobral, e observando se para com 03 libertos d'esta fazenda o que se praticou com a primeira, poucos foram os que tiveram de voltar para a fazenda por ainda serem obrigados a prestarem serviços,
«Nos dias 5 e 6 contrataram-se os individuos que foram considerados livres. Em 8 principiaram a apresentar-se na cidade roças inteira, e até 13 tinham vindo todas, exceceptuando a de Diogo Vaz, pertencente a Ruy Matoso da Camara, e isto porque, segundo dizem os serviçaes d'esta fazenda, ha tres mezes que recebem salarios, e lhes foram dadas terras por aquelle agricultor, e estarem muito satisfeitos com seu" patrão, dando como motivo de terem vindo á cidade buscarem gente que com elles se quizessem contratar por cento de seu patrão, para trabalharem nas suas terras.
«Á medida que s. ex.ª o governador me mandava apresentar os libertos que o procuravam, chegando ás vezes seu numero a subirem acima de cem, ia-os dispondo em differentes depositos. em torno d'esta administração e do quartel de policia para melhor serem vigiados.
«Até ao dia 16 estiveram estes depositos cheios, contendo o menor cento e quarenta pessoas.
«Houveram tres noites seguidas em que pernoitaram nos depositos perto do duas mil pessoas, durante o dia a accumulação era muito maior.
«No largo era frente d'este edificio, o não tres espaçosas ruas que d'ella partem, confundiam-se os libertos que pretendiam a sua liberdade para se contratarem com novos patrões, e os patrões que os queriam para seu serviço.
«Era tal a balbúrdia e confusão que já os contratadores
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bilhete com os nomes aos serviçaes que ajusta vara.
«Foi precisa muita paciencia e prudencia da parte da auctoridade e policia para se conseguir que a ordem fosse observada e não houvessem distúrbios ou factos a lamentar pela reunião de tanta gente.
«N'esta repartição procurou-se sempre na melhor ordem possivel registar o maior numero de contratos de locações de serviços entre 03 individuos que iam sendo considerados livres com os patrões por elles escolhidos; e para maior brevidade se fizeram imprimir os documentos juntes, sendo: o contrato que fica registado n'esta repartição, e uma guia correspondente a este contrato que se entregava ao individuo que contratava seus serviços.
«De 23 de outubro a 23 de novembro o numero de contratos foi o seguinte: em 20 de outubro, 41; em 5 de novembro, 13; em 6, 41; em 8, 34; em 9,306; em 10, 607; em 11, 296; em 12, 384; em 13, 534; em 14, 346; em 15, 267; em 16, 751; em 17, 319; em 18, 118; em 19, 89; em 20, 99; em 22, 69; em 23, 44. Somma, 4:381.»
O sr. Pinheiro Chagas: — Quatro mil contratos!
O Orador: — E melhor 4:000 contratos feitos em quatro dias, do que 4:000 negros sem contrato e sem salario. (Apoiados.)
O sr. Pinheiro Chagas: — E questão de palavra. Que differença ha entre homens livres obrigados a trabalho o libertos?
O Orador: — O liberto era pela sua situação obrigado a trabalho sem salario e sem poder mudar de patrão.
O sr. Pinheiro Chagas: —Também estes não podem mudar de patrão, porque fazem contratos.
O Orador: — Logo que lhes faltem ao cumprimento do contrato podem reclamar, e fica roto o contrato, podendo contratarem-se com quem quizerem, e em vez de darem o seu trabalho gratuitamente, dão-no mediante um salario.
Esta questão liga-se com as mais altas questões de administração e de liberdade.
Trata-se com calor de defender interesses que não discuto. Os donos de propriedades devem ter conveniencia em as cultivar, e em obter d'ellas o maior producto, mas não podem, nem a lei lhes devo consentir, ter operarios gratuitos (apoiados) quando a lei garante a liberdade a esses operarios.
O illustre deputado sabe que o direito de propriedade se deriva antes de tudo do direito do cada. homem ás suas proprias faculdades, e não ha meio nenhum, lei nenhuma, principio nenhum, que possa admittir que principios barbaros e absurdos, de epochas remotas e odiosas, se possam hoje manter. (Muitos apoiados.)
Todo o homem que trabalha tem direito ao seu salario e o direito de contratar-se com quem quizer. (Apoiados.)
Os individuos livres pela nova lei são obrigados a dois annos de trabalho, como o são nas colonias inglezas, onde a liberdade é bem entendida. Quer-se que os homens que se dedicam ao trabalho rural ou industrial trabalhem, para que não fiquem entregues á vadiagem; os contratos são inspeccionados pela administração publica, fazem-se cumprir, e em vez de serem indefinidos como era a escravidão, são limitados e garantem-se todos os direitos de cidadão, dando-se-lhes um salario.
Será indiferente que o homem que trabalha a terra tenha os direitos de cidadão? Será isto uma questão que se discuta no parlamento portuguez, em um paiz ha quarenta annos livre?! (Apoiados.)
Não continuo a ler este relatorio. A historia que chamou a attenção publica para os factos de S. Thomé, é a seguinte:
«Aos 10 dias do mez de outubro do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1875, na sala da administração d'este concelho e ilha de S. Thomé, achando-se presente o meritissimo administrador commigo, Stock ler, escrivão do seu cargo, e as testemunhas Ricardo Adolfo
Mas de Saint-Maurice, capitão do batalhão de caçadores n.º 2 da Africa occidental, e Pedro Luiz Ferrary, apresentaram-se Joaquim Antonio e Manuel Borges, trazendo este suspensa em um annel de ferro que trazia fechado no pescoço, uma corrente do mesmo metal; mostrando na nádega esquerda as carnes retalhadas com um chicote, que elles dizem ser de pelle de boi, e áquelle apenas o annel no pescoço, que diz ter separado da corrente do primeiro para poderem com mais facilidade fugirem da roça Praia Sei, mostrando tambem em ambas as nádegas as carnes retalhadas; como os queixosos dizem pertencer á casa...»
Alguns d'estes homens foram mandados, como era natural, á junta protectora dos libertos, e sabe V. ex.ª o que a junta resolveu? Que elles fossem de novo entregues aos homens que os tinham flagellado.
(Interrupção que não se percebeu.)
O illustre deputado sabe perfeitamente que, tendo esse negocio ido para o poder judicial, a responsabilidade é toda d'elle, mesmo porque o poder administrativo não tem acção sobre o poder judicial. (Apoiados.)
Ainda que esteja aqui até á meia noite hei de pôr este negocio em claro, preciso ler os documentos, e expor esta questão de maneira que fique provado que n'estas circumstancias a administração publica foi impellida pelo seu amor ao principio de liberdade, e que cumprindo o seu dever alcançou a tranquillidade da consciencia, e mereceu o applauso a que tem direito (Apoiados.)
Accusa-se o governador do S. Thomé de não ter cumprido as leis e de não ter reconhecido quaes eram os homens livres e quaes os libertos! A accusação seria grave se ella não fosse feita pela fórma por que a fez o illustre deputado, mas s. ex.ª acrescentou que essa culpa era anterior ao governador actual e que todas as administrações successivas tinham tido difficuldade em verificar taes factos.
E se nós recorrermos ao sr. marquez de Sá da Bandeira, que é insuspeito n'esta questão, porque tinha uma verdadeira paixão pela liberdade (muitos apoiados), vemos que nos tempos em que governou, sentiu as mesmas difficuldades e não poude immediatamente fazer cumprir a lei. Mas é porque a lei da liberdade não existia; havia meio de confundir os que eram libertos com 03 que eram livres; e a descriminação era difficil. Por isso é que o sr. marquez de Sá se lembrou de propôr a liberdade absoluta para que não haja discussão a esse respeito, e saibam todos que são livres. Está feita assim a vontade dos agricultores de S. Thomé, que pediram a liberdade dos servos!
Essa proposta é antiga; o tambem aqui vem um documento a que se refere o sr. marquez de Sá, que prova como elle apreciava essa proposta.
Diz o sr. marquez de Sá no seu livro, o seguinte:
«Segundo informações recebidas de testemunhas oculares, os libertos são tratados na ilha de S. Thomé como se fossem escravos.»
E n'outra parte diz:
«Os libertos que existem nas duas ilhas devem ter concluido, pelo menos o maior numero d'elles, o praso de tempo que tinham obrigação de servir como libertos. E por isso têem direito á sua liberdade completa. Pelo que é necessario que o governo da metropole faça com que as auctoridades locaes não descuidem o cumprimento dos deveres que tem de fazer dar a liberdade aos que a ella têem direito.»
O sr. marquez de Sá conhecia este objecto, e o que succedeu?
Foi a lei da liberdade, não foi o sr. Gregorio José Ribeiro que resolveu a questão. (Apoiados.)
Eu não estou aqui a fazer do sr. Gregorio José Ribeiro um nobre: cumpriu a lei, era exactamente o que devia fazer como funccionario publico. E se cumpriu o seu dever, não merece por isso coroas de triumpho; porém quem merece coroas de louro é o sr. marquez de Sá, que defendeu
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a liberdade durante toda a sua vida e morreu depois de ter proposto a lei, que definitivamente a assentou nas nossas colonias. Esse sim; esse é que merece as coroas de louro. (Apoiados.)
E mais adiante, fallando na junta protectora, diz assim: « E os mesmos libertos abandonados por aquelles a quem uma lei benefica havia encarregado a sua tutela e a sua defeza, soffrem, sem esperança e sem futuro, os males que referem as testemunhas occulares. Mas tambem os factos indicam os perigos a que os proprietarios e os seus feitores se acham expostos.
«Em S. Thomé verifica-se o que dizia um dos nossos antigos poetas:
Ah! que por força ha de ser, Onde uma só parte falla Sempre a outra ha de gemer.
Que grande verdade ainda hoje! os lamentos dos escravos só agora cá chegam!
« O meio unico de fazer cessar tão deploravel estado de cousas é simples; elle consiste em acabar com a classe dos libertos, tornando livres todos que existem. Então os proprietarios ruraes, por proprio interesse, tratarão bem os trabalhadores, pois se fizerem o contrario, não acharão quem os queira servir.»
Esta é que é a opinião do sr. marquez de Sá; esta é que é a opinião que a camara approvou (apoiados), e aquella que se ha de executar.
Depois refere-se o sr. marquez de Sá a uma proposta que lhe haviam feito alguns proprietarios de S. Thomé pedindo a liberdade dos libertos. Eu vou procurar aqui esta proposta, que é curiosíssima, para a ler á camara, porque é bom ler tudo isto, que vem de auctoridade que todos nós acatámos. (Apoiados.)
(Pausa.)
O sr. marquez de Sá falla aqui n'uma proposta que lhe foi feita pelos proprietarios de S. Thomé, para darem a liberdade aos seus escravos, com a obrigação, se bem me recordo, de elles os servirem por espaço de dez annos gratuitamente, e de poderem importar escravos do continente africano para aquella ilha.
A este respeito diz o sr. marquez de Sá:
« A pretensão de que seja permittida a importação em S. Thomé de pretos provenientes de Angola não póde ser concedida emquanto houver libertos; pois que isso equivaleria a auctorisar a permanencia do estado de escravidão, visto que os libertos são tratados como escravos; e consequentemente seria promover o trafico da escravatura em Angola e nos paizes adjacentes, aonde sómente por compra se poderiam obter os chamados libertos; o que seria contrario á legislação vigente e ás estipulações do tratado de 3 de julho de 1842.»
Queixou-se o illustre deputado de que nós estamos sempre aqui a fazer leis para a liberdade dos escravos, e que não a conseguimos.
Só, por equivoco o illustre deputado podia dizer isto.
(Aparte do sr. Pinheiro Chagas.)
As leis anteriores á ultima não estabeleciam a liberdade.
(Aparte do sr. Pinheiro Chagas.)
Era a liberdade para 1878, e por isso é que até aqui o sr. deputado não encontrou a liberdade; é porque não estava na lei.
(Aparte do sr. Pinheiro Chagas.)
Isto não tem duvida alguma.
O ultimo decreto estabelecia a liberdade para 1878, e como é que o illustre deputado não havia de encontrar libertos, se essa condição acabava em 1878? (Apoiados.)
(Aparte do sr. Pinheiro Chagas.)
O sr. marquez de Sá não podia conseguir a libertação completa emquanto não acabasse a classe dos libertos, e foi com essa idéa luminosa que elle propoz em 1875 a extincção d'essa classe. (Apoiados.)
(Aparte do sr. Pinheiro Chagas.)
Diz o illustre deputado que não se cumprem as leis, e eu digo ao illustre deputado que se hão de cumprir as leis, porque não haverá ministro algum n'esta terra que deixe de seguir o caminho que eu hei de seguir, se continuar a estar n'este logar, para conseguir a libertação completa de todos os cidadãos em terras portuguezas (Apoiados. — Vozes: — Muito bem); e até o illustre deputado, se se sentar n'estas cadeiras, ha de ser o mais rigoroso de todos os ministros, porque tem necessidade de provar que as palavras que pronunciou não representam os seus principios...
(Aparte do sr. Pinheiro Chagas.)
O illustre deputado é que ha de ser o mais rigoroso, porque precisa fazer esquecer as palavras que ousou pronunciar aqui.
A lei ha de cumprir-se. Só agora, em vista d'ella, é que ha liberdade completa, só agora é que acaba a duvida que se levantava sempre a respeito de quem era liberto e de quem o não era, para á sombra de tal duvida se praticarem os maiores abusos e as maiores arbitrariedades.
O sr. marquez de Sá propoz exactamente que se extinguisse a classe dos libertos para acabar com este pretexto para abusos e irregularidades, para acabar com estes equivocos entre quem era liberto e quem não era liberto (apoiados); esta é que é a idéa luminosa do sr. marquez de Sá, estes é que são os principios sanccionados pelo parlamento, e são elles que hão de dar definitiva e inquebrantável liberdade a todos os cidadãos portuguezes de côr, que são tão cidadãos portuguezes como nós, perante a natureza e perante Deus. (Muitos apoiados.)
Continuar a ter acorrentados uns homens, a titulo de libertos, e flagellal-os até elles fugirem trazendo ainda os grilhões ao pescoço, não póde ser.
Quer-se isto, mas não ha de ser; porque ha de revoltar-se o espirito da nação inteira, para não consentir que haja quem deshonrem este paiz com actos como estes, que enchem de vergonha a nação e a humanidade. (Apoiados.)
Diz-se que me pediram a demissão do governador de S. Thomé; não me recordo se assim foi. Citou-se o nome de um amigo meu, cavalheiro distincto; mas creio que elle não me pediu a demissão do governador. Elle sabe e comprehende bem a sua posição e a minha para o fazer; sabe muito bem que ninguem impõe a demissão de um funccionario a um ministro, quando este entende que a não deve dar.
Peçam a responsabilidade ao ministro, e se elle não poder justificar-se das accusações que lhe fizerem, a sua queda será prompta e inevitavel; mas isto não succederá porque eu sustento uma auctoridade que executa as minhas instrucções, que se esforça pelo cumprimento das leis, e que mantendo com energia a liberdade dos negros tem contra si, e só por esse motivo, o odio e a guerra dos que ainda querem a escravidão em terras portuguezas.
Tal, porém, não será, emquanto eu tiver a honra de me sentar n'estas cadeiras.
A liberdade não é uma palavra de effeito para mim, é um principio, uma idéa christã e civilisadora, pela qual me devotei desde que tive uso de rasão e que manterei, custe o que custar, sejam quaes forem os inimigos que pretendam ataca-la. Tenho dito. (Muitos apoiados.)
Vozes: — Muito bem.
(O orador foi comprimentado por grande numero de deputados.)
O sr. Pereira Rodrigues: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)
O sr. Barros e Cunha: — A camara póde decidir que sejam inscriptos todos sobre a ordem; mas como eu fui o primeiro que pedi a palavra sobre a ordem, creio que todos os outros srs. podem usar da palavra sobre a ordem, com a condição de me não preterirem.
Leu-se na mesa o seguinte requerimento:
«1.° Requeiro que V. ex.ª consulte a camara se permitte
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que seja prorogada a sessão até fallarem todos os srs. deputados que pediram a palavra; 2.° Se devem ser considerados como tendo pedido a palavra sobre a ordem todos os srs. deputados que a pediram. =, 7. M. Pereira Rodrigues.
Foi approvada a primeira parte d'este requerimento.
O sr. Barros e Cunha: — Mando para a mesa a minha moção de ordem. (Leu.)
Farei a diligencia para ser o mais resumido que o adiantado da hora determina e impõe, apesar da importancia e da gravidade do assumpto, pelo menos segundo o meu modo de ver, e seguindo a ordem por que o debate tem corrido direi a V. ex.ª, que em tempo, quando aqui se discutiu a lei que. considerava extincta a condição de liberto na ilha de S. Thomé, achando-me impossibilitado de poder comparecer na sessão d'esta casa, porque um acontecimento na minha familia me obrigou a ausentar de Lisboa, mandei pedir a V. ex.ª que obtivesse do illustre ministro que aquella lei fosse adiada até segunda feira proxima, para poder tomar parte na sua discussão, porque desejava propôr principalmente uma emenda, para que em logar de se dizer, como se disse na lei, que era considerada extincta a condicção de liberto, se dissesse que ficava complectamente extincta a condicção de liberto, e que, em vez de restringir á ilha de S. Thomé, o principio se ampliasse e estendesse a todas as provincias do ultramar.
O sr. ministro foi libertador a retalho, e pela primeira vez se promulgou uma lei de liberdade por excepção.
Isto era o que tencionava principalmente pedir á camara, que não consentisse por indigno do seu decoro; porque, se é verdade que ha interesses ligados á conservação da escravatura, é verdade tambem que os maiores interesses que ha em S. Thomé são os dos cavalheiros d'aquella localidade, que se empregam na agricultura, os quaes principalmente desejam a liberdade completa do homem e do trabalho, sem o que a cultura e o capital que n'ella têem empregado n'aquella provincia não póde prosperar.
Nem é só na provincia de S. Thomé que o liberto nominal está, pelo abuso e pela falta do cumprimento das leis, transformado ou, melhor, mantido na primitiva escravidão. Se o governo ignora isto é porque o quer ignorar.
A cruel severidade que tanto escandalisa o sr. ministro existe em todas as provincias do ultramar.
Leia-se o que todos os dias dizem os viajantes da nossa Africa occidental, e o que referem os jornaes da parte do oriente.
Os honrados agricultores de S. Thomé foram adiante do governo. Sentiram que era indispensavel acabar com o pretexto que difficultava a importação de braços do continente africano e foram os primeiros a pedir que se extinguisse a condição de liberto, cedendo do seu direito ao tempo que faltasse de trabalho obrigatorio e sem indemnisação.
E póde alguem accusar taes homens de deshumanos e de egoistas?
Mas póde o sr. ministro, que sujeitou á tutela publica os que d'ella estavam isentos, submette-los pela lei que apparentemente os liberta ás restricções do artigo 21.° do regulamento de 20 de dezembro de 1875?
Em que differem as condições do § 1.° e do § 2.° d'este artigo da servidão anterior?
E tambem eu queria pedir que tal disposição se banisse da lei.
Nem V. ex.ª nem o governo me quizeram ouvir.
Quando uma commissão dos principaes agricultores de S. Thomé se dirigiu a mim e tive a honra de a apresentar ao sr. ministro da marinha, a primeira cousa que lhe disse foi:
«O que querem os membros? E estringir a liberdade ou pedir-me a defeza de uma idéa que pareça que a restringe? Não me presto a isso; eu quero a completa liberdade do homem, seja qual for a sua côr». (Muitos apoiados.)
Appello para o testemunho d'esses laboriosos cidadãos, alguns dos quaes já partiram para os seus destinos, e outros me ouvem n'esta sala, que todos sabem que lhes exigi a declaração solemne de que desejavam representar no sentido de libertar completamente o trabalho do negro, e essa declaração elles e eu fizemos ao sr. ministro.
(Interrupção.)
Mas se o illustre ministro me dá licença, © sr. Pinheiro Chagas não foi por fórma alguma exagerado quando apontou os inconvenientes que na verdade resultavam do estado em que se achavam 03 trabalhadores e o trabalho na ilha de S. Thomé.
Incitados pela necessidade que o governador teve de fazer da questão da liberdade uma arma politica, elle levou-os a insurgirem-se contra os seus antigos senhores, dos quaes eu não pretendo defender a humanidade, que o proprio governador no seu relatorio defendeu, ao passo que sobre os inconvenientes da liberdade immediata diz o seguinte o seu relatorio Original a pag. 25:
Se eu desse já a liberdade a toda essa gente, causava sem duvida prejuizo á agricultura, que se vê sem braços, e augmentava a vadiagem da gente de má Índole e sem amor ao trabalho, não tendo a força armada sufficiente para perseguir esses vadios, que per força se tornariam em ladrões e malfeitores.»
Escuso de lêr mais periodos d'este relatorio que legitimamente possuo e que parte da camara conhece e que o illustre ministro conhece igualmente.
Mas o certo é que todos 03 inconvenientes que resultaram da transformação que se deu á condição em que viviam os trabalhadores em S. Thomé provém principalmente do governador, que, affectando amor pela liberdade doa homens de côr preta, que não tem, como não tem respeito pelos cidadãos de côr branca; insinuou-lhes, que d'elle recebiam a liberdade e transformou-os em inimigos dos seus patrões. E só por odio, só por vingança, só para vexar os europeus que se achavam n'aquella provincia. O governador foi o principal motor da desordem, e virá a ser a principal origem das calamidades por que naturalmente aquella ilha tem de passar, segundo as informações que tenho, mas que, porque não são officiaes, são o fundamento da minha proposta.
Sr. presidente, a continuação do governador de S. Thomé n'aquella ilha, em verdade o digo, não fortifica o prestigio do governo e tenho-a como um erro funesto.
Tenho documentos não fallo já do officio do sr. vigario pro-capitular, que se queixa da perseguição que o governador lhe tem feito; mas tenho documentos de palmatoa - das e bofetadas dadas em cidadãos na administração d'aquelle concelho; tenho o celebre processo do espancamento do sr. dr. Evaristo Brandão (mostrando o); tenho alem d'isso o documento de que o governador tinha transformado os malfeitores em policias, o que tem dado logar a não haver ninguem honesto n'aquella provincia que tenha garantia de não ser preso e assassinado quando se não preste a obedecer á vontade do governador.
Tenho todos estes documentos e sinto que pelo adiantamento em que vae a sessão me não seja licito pedir á camara que os mandasse imprimir a fim de que o paiz tivesse ácerca do estado da administração d'esta provincia a de todo o ultramar as noticias exactas e acudisse com providencias indispensaveis, absolutamente indispensaveis para refrear o despotismo que atrophia a prosperidade das provincias ultramarinas, e que, como hontem se disse, obsta a que a metropole tire d'ellas o partido que deve tirar.
Na provincia de S. Thomé tudo que é honesto é perseguido, e o governador nomeia para os cargos que dependem da sua nomeação, tal qual como se tem feito no continente em relação ás nossas alfandegas, individuos que têem sido condemnados e demittidos como empregados deshonestos, taes como o sr. Stokler que é escrivão da admi-
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nistração e da camara municipal e que tem a protecção do sr. Gregorio José Ribeiro.
A policia é feita por malfeitores; os empregados são escolhidos pelo governador de S. Thomé e alguns dentro do numero de individuos que deviam estar cumprindo sentença; as leis não se executam com a severidade com que deviam ser executadas; e alem d'isso todos estes factos, que são outras tantas occupações ao sr. governador, são publicos; mas as censuras do governo são sempre confidenciaes! E para conservar o prestigio do poder! Seja! Se na parte moral vae tudo assim, a administração não me parece melhor que a de Angola.
A construcção da alfandega foi dada de arrematação, mas de tal maneira correm as cousas em S. Thomé, que, comquanto fossem publicados no Boletim official os preços estabelecidos no orçamento para a construcção da alfandega, dá se o seguinte. (Leu.)
O orçamento que serviu de base ao contrato na alvenaria, comparando-o com o contrato feito para a construcção do hospital, dá a differença de 9:0000000 e tantos mil réis.
Isto é, no contrato para a alfandega o metro cubico de alvenaria é calculado em 120500 réis.
Na construcção do hospital o estado pagou a 40135 réis.
O preço das madeiras, da cal, dos salarios, tudo está exagerado.
E note V. ex.ª que as provas estão todas aqui (mostrando o processo) nos boletins officiaes; nas contas da repartição de obras publicas, que eu não inventei.
A perda com este contrato de 32:000$000 réis é, nos artigos de que ha documento para comparar, maior de 12:600$000 réis.
Eu entrego ao sr. ministro todo este processo, se s. ex.ª o quizer ver.
Todos os calculos estão feitos, como se prova pelo orçamento, por um preço muito superior áquelle que os bole fins officiaes revelam e estabelecem como tendo sido os que foram pagos pelo estado nas obras construidas por conta do governo.
Entendo que é tempo de que estes factos sejam apreciados na metropole pelo illustre ministro que se acha á testa dos negocios do ultramar; e se s. ex.ª deseja, ponho á sua disposição todos os documentos que possuo e espero da sua rectidão e do sentimento de dignidade que o illustre ministro professa, que tomará em consideração, não a aggressão politica, porque não está na nossa intenção faze-la ao governador de S. Thomé, mas unicamente o interesse que nós todos devemos ter pela boa administração e pela prosperidade das colonias. (Apoiados.)
Peço á camara me desculpe o ter tomado tempo já em prolongamento de sessão, mas a camara bem vê, que lhe faço sacrificio immenso no muito que tinha a dizer ácerca dos negocios nos quaes ha muito tempo tenho tomado parte e tenho dedicado todo o cuidado e toda a attenção que sempre merecem aquelles que soffrem. (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem, muito bem.
(O orador entregou ao sr. ministro da marinha varios documentos a pedido de s. ex.ª)
Leu-se na mesa a seguinte
Moção
A camara lamenta o estado em que se encontra a administração da provincia de S. Thomé, e faz votos para que o governo dê providencias para que se respeite a liberdade e executem as leis. = Barros e Cunha.
Foi admittida.
O sr. Pereira Rodrigues: — Cumprindo as prescripções do regimento, mando para a mesa a minha moção de ordem:
«A camara satisfeita com as explicações do governo, passa á ordem do dia.»
Sr. presidente, quando me levanto para defender o governador de S. Thomé e Principe, e procuro com argumentos, na minha opinião irrefutáveis, e com documentos authenticos, provar o grau de prosperidade a que tem levado a provincia ultramarina, que tenho a honra de representar n'esta casa, não tenho nunca em mira auxiliar o nobre ministro do ultramar na defeza d'aquelle seu subordinado, porque s. ex.ª não carece de cireneu de tão debeis forças, como são as minhas.
Homem de sciencia distincto entre os mais distinctos, notavel homem de lettras e estadista imminente, o sr. Corvo trata com igual superioridade todos os assumptos e acaba de pôr a questão de S. Thomé em toda a luz da verdade e da justiça.
Por conhecer minha insufficiencia, corro me de levantar a voz perante esta assembléa, e quando constrangido de m'o pedir o desejo, quero tocar algum assumpto em que porventura possa ter competencia, foge-me o atrevimento e aconselha-me a rasão que o não faça.
N'esta questão, porém, o meu silencio seria mal interpretado. Conhecidas as minhas relações com a primeira auctoridade de S. Thomé, deputado pela provincia, que eu não fóra, corria-me a obrigação de pugnar pela honra immaculada d'um funccionario benemerito, pelo seu bom no, me adquirido nos perigos e canceiras do mar e em muitos annos de bom e leal serviço ao estado.
Podia eu, sem desaire, não proceder assim? Qual dos nossos collegas não praticaria do mesmo modo?
O meu procedimento tem-me trazido odios e malquerenças. Quando por a não sejam, pouco importa. Aos doestos, ás calumnias, aos discursos e pamphletos, com que têem querido expor-me á irrisão publica, respondo com o trabalho honrado e com o rigoroso cumprimento dos meus deveres. (Muitos apoiados.)
Se a questão de S. Thomé não fosse uma questão de interesso publico, se os illustres deputados que/desde o anno passado tomaram a seu cargo trata-la no parlamento não fossem movidos pelo amor da patria, e tivessem apenas por conveniencias politicas, por compromissos particulares, tomado este assumpto das informações apaixonadas dos interessados em antigos abusos, deviam estar pouco lisonjeados por lhes ter sido retirado o mandato, embora para ser entregue ao sr. Pinheiro Chagas, que nos está este anno mostrando todos os dias o que podem as suas faculdades.
Quando entrei na vida politica, foi com prazer que encontrei s. ex.ª no campo em que estou, mas hoje com verdadeira mágua vejo-o nos arraiaes contrarios pelejando com denodo, e, o que mais me pésa, accesso em ira, amostrando-se fero e cavalleiro contra quem, como o governador de S. Thomé, sempre teve para com s. ex.ª e para com os seus protegidos e recommendados a devida consideração.
Sr. presidente, considerando que durante mais de dois annos a opposição tem consagrado columnas e columnas dos seus jornaes a esta questão de S. Thomé, considerando que em uma e outra casa do parlamento tem sido repetidas vezes chamada a attenção do sr. ministro da marinha para este assumpto, dir-se-ía que esta questão era vital para o paiz.
Se, assim fóra Portugal era uma nação felicíssima.
(Aparte do sr. Pinheiro Chagas.)
S. ex.ª admira-se? Pois eu lhe demonstrarei que a situação de S. Thomé é prospérrima, e nunca o foi tanto.
Basta ler com attenção os documentos que têem sido presentes n'esta sessão á camara. Basta ler com attenção o relatorio que precede a proposta de lei do nobre ministro do ultramar para o emprestimo de 5.000:000$000 réis. Por esse relatorio se vê que antes de 1834, S. Thomé tinha de rendimentos publicos pouco mais de 8:000$000 réis, e hoje rende perto de 110:000$000 réis! O seu movimento commercial, que em 1842' era de 58:000$000 réis aproximadamente, sobe hoje a mais de 600:000$000 réis.
Se a hora não estivesse tão adiantada, e se eu não visse
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que os meus illustres collegas estilo aqui mais pela necessidade de votarem uma das moções do que para ouvir-me, porque estão perfeitamente illucidados pelas nobres e eloquentes palavras do sr. ministro da marinha e ultramar, havia de ler a V. ex.ª os relatorios, especialmente o ultimo, do director de obras publicas de S. Thomé, pelos quaes se "vê que a provincia tem tido uma transformação completa nos ultimos dois annos.
Comtudo, se V. ex.ª me dá licença, lerei apenas uma parte d'este ultimo relatorio.
«Palacio do governo. — Têem tomado grande incremento as obras d'este edificio, no trimestre proximo findo, devido especialmente ao sensivel augmento que tem havido no numero dos operarios, com a entrada dos novos contratados, de que acima fallo. V. ex.ª apreciará, examinando os trabalhos executados, que são: elevaram-se todas as paredes á altura compete até para receberem o madeiramento do telhado, collocaram-se algumas janellas nos seus logares, emadeirou-se e cobriu se da telha a parte do edificio superior á imprensa, assoalhou-se áquelle e forrou-se parto do tecto da mesma imprensa, principiou-se a arcada do peristilo e a assoalhar a secretaria.
«Empregaram-se n'estes trabalhos 87 jornaes de olheiro, 784 de pedreiro, 725,5 de carpinteiro e 1:853 de trabalhador, tudo na importancia de 846$060 réis, que com a de 2:596$730 réis, gasta em materiaes, prefaz a de 3:442$790 réis.
«Fortaleza de S. Sebastião. — Pintou-se a porta principal, forrou se de papel uma das casas de habitação, rebocou-se e caiou e interiormente outra, retocando-se a pintura das portas e janellas de ambas, concertaram-se as portas com venezianas de todas as casas; o solho e fornalhas da cozinha, que foi caiada interiormente, e concertou-se um dos reparos das peças de artilheria, as quaes todas foram pintadas.
«N'este trabalho foram empregados 7,5 jornaes de pedreiro, 17,5 de carpinteiro, 25,5 de trabalhador, e 27,5 de pintor, na importancia de 80850 réis, tendo-se gasto no material 148$120 réis, o que perfaz a quantia total de 156$970 réis.
¦ «Serraria de madeira. —O relatorio do capitão Henrique Augusto Dias de Carvalho, o respectivo encarregado, o que!, por copia, acompanha esta memoria, fará illucidar a V. ex.ª do trabalho executado na serraria que, tendo no tempo intermedio entre a rescisão do contrato com os proprietarios da, roça Monte-Macaco e a celebração do havido com a roça Ribeira Funda, funccionado na horta militar, passou a funccionar agora n'esta ultima roça.
«Empregou-se o seguinte: jornaes de olheiro 92, de mestre serrador 153, de carpinteiro 977, e de trabalhador 1:385, na importancia de 24.105$800 réis; foram compradas algumas arvores para serem serradas, na importancia de 110$000 réis, sendo por isso o total gasto 3540560 réis.
«Hospital militar no Alto da Boa Vista. — Continuou-se a ligar por cruzetas os prumos das paredes de uma das enfermarias, e principiaram-se os caboucos de outra.
«Gastou-se a quantia de 2480690 réis em 72 jornaes de olheiro, 667 da pedreiro, 359 de carpinteiro, 902 de trabalhador, 149 de carreiro e 57 de amassador; e no material a de 1:077$262 réis, sommando o total 1:325$952 réis.
«Obras diversas. — Sob esta epigraphe passo a descrever todos os trabalhos executados, e que no mappa vão designados com a? letras D, E, F, O, H, J, K, L e N\ fizeram-se diferentes peças novas de ferro, e concertaram-se outras, para as diversas obras; pozeram-se grades de madeira em duas janellas, e vidros em outras, e procedeu-se a diversos outros concertes no quartel do batalhão, conduziram-se os materiaes vindos de Lisboa para o deposito d'esta repartição, concertaram-se e pintaram-se os escaleres e os armários que servem de archivo, pertencentes á alfandega, e concertou-se a escada da ponte cães, fez-se e pintou-se uma caixa com estante para requerimentos e livro
da porta da secretaria da junta de fazenda, acabaram-se de collocar os marcos Kilometrico em diversas estradas principaes, concertaram-se alguns carros de mão, e fizeram-se dois nevos, concertaram-se as estantes do coreto da musica, do jardim do largo de D. Luiz I, e compraram-se diversas ferramentas para serem distribuidas pelos operarios.»
Hoje sabe-se em que se gasta a verba consignada para obras publicas, mas em que se gastaram as sommas designadas n'este mappa?
Mappa da despeza feita pela commissão dos 25 por cento na compra de materiaes durante os annos economicos de 1870-1871, de 1871-1872, de 1872-1873 até ao mez de outubro de 1873, como abaixo se vê:
Annos economicos Mezes Importância Totalidade
. Agosto................ 1:0985115
Outubro............... 1:723$815
1870-1871 Novembro............. 892$390
Dezembro............. 1:068$900
Janeiro............... 1:031$460
Abril 230262 6:04$972
Julho................. 1:981$900
Setembro.............. 1:878$830
Novembro............. 676$405
1871 1879 Dezembro............. 1:1510756
Janeiro............... 10$028
Fevereiro............. 1:401 £735
Abril................. 2:015£195
9.-986$899
Outubro............... 324£290
1872-1873..... Dezembro............. 373£360
AM 955720 1:653$370
19:806$755
Sala das sessões da commissão dos 25 por cento em S. Thomé, 3 de abril de 1875. ~ Mathias José Jesus Buraca, secretario da commissão.
Quer V. ex.ª, quer a camara saber em que se empregaram os materiaes aqui descriptas? Peço attenção para este officio do sr. director das obras publicas de S. Thomé.
«Governo de S. Thomé e Principe. — Serie de 1875 — Direcção das obras publicas da provincia em S. Thomé — N.° 18. — Ill.mo sr. Em satisfação ao officio de V. s.ª, n.º 272 sirva-se V. s.ª levar ao conhecimento do s. ex.ª o governador da provincia: 1.°, que tendo chegado a esta ilha em setembro de 1870, fui mandado no paquete seguinte para a ilha do Principe, d'onde só me ordenaram regresso em julho de 1872, que durante esse periodo um apontador que havia n'esta ilha, Antonio José de Almeida, que mal sabia fazer o seu nome, era não só o encarregado da dirigir alguma obra que se fizesse, mas ainda o fiel dos materiaes em deposito, quando os havia.
«Chegado a essa ilha principiei a montar a repartição em outubro de 1872, porque só então me foram mandados entregar alguns instrumentos que havia arrecadados no palacio do governo, que não estava obra alguma em construcção, e que por informações me constou ter-se feito a ponta da alfandega que importou em uma grossa verba, segundo a voz publica. Durante a minha estada na ilha do Principe algumas compras de matarias se fizeram, a que queriam eu prestasse o meu nome para legalisar os documentos que deviam entrar na commissão dos 25 por cento; o que não fiz, parque a isso se não prestava o meu caracter, tanto como empregado publico como homem.
«Que grassando a epidemia da varíola, a toda a pressa se mandou construir em S. José, proximo á casa do desta
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mento, um barracão para hospital de variolosos, o que se fez dando-se de empreitadas parciaes aos artistas degrada dos que então haviam, trabalhando em casas particulares;
o Que em principio de 1873 o infeliz antecessor de s. ex.ª, ordenára fosse reformada e melhorada a ponte de Agua Grande, e tendo se dado começo o esta obra foi ella mandada sustar pelo conselho governativo quando tomou posse do governo, bem como todos os mais.
«Pode dizer-se, portanto, pelo que respeita ao 1.º quesito do citado officio, que durante a minha ausencia nada se fez, ou se alguma obra se fez não consta nem ha d'isso vestigios, e que depois do meu regresso se fez apenas na barracão para hospital dos variolosos;
«2.° Não posso informar s. ex.ª sobre o 2.° e 3.° quesitos porque até outubro de 1873 nem sequer havia archivo n'este repartição, que, como disse, estava eu organisando n'esse ultimo anno;
«3.° Tanto as importancias despendidas com materiaes como os depositos d'estes se os havia estariam por certo a cargo do almoxarifado, o só este e a commissão dos 25 por cento poderão informar sobre o 2.° e 3.° quesitos;
«4.° Pelos documentos existentes n'esta repartição consta ter-se despendido na compra de materiaes para as obras effectuadas, desde 1 de novembro de 1873 a 31 de dezembro de 1874, a quantia de 7:1180385 réis;
«5.° Tambem consta por documentos ser em 31 de dezembro de 1874 o valor dos materiaes existentes em deposito de 6:029$0259 réis, incluindo as ferramentas distribuidas e distribuir........
«Per ultimo, devo informar que só depois do actual governador tomar as redeas da administração d'esta ilha se organisou o serviço das obras publicas tal como deve ser.
«Que tanto o regulamento como as differentes medidas adoptadas n'este serviço permittiram;
«Que em pouco mais de um anno se tivesse concluida a obra projectada pelo antecessor da s. ex.ª, mudança da direcção e elevação da ponte Agua Grande, tornando as suas avenidas rampas mui suaves e com solidez necessaria para passagem de viaturas;
«Que se apropriassem alojamentos na fortaleza de S. Sebastião para os officiaes casados, e no deposito panai para os solteiros;
«Que se reparasse toda a fortaleza e alguns reparos de bôcas de fogo;
«Que no quartel do batalhão se fizessem melhoramentos e a elle se annexassem secretaria, gabinete para o commandante, sala para o conselho administrativo, repartição do quartel mestre, casa da ensaios para a musica, armazens para generos alimenticios, e retrete;
«Que se desse principio "á construcção do palacio destinado a residencia do governador e a todas as repartições publicas;
«Que se reparasse e reformasse completamente a ermida do Senhor Jesus de Bouças, hoje o melhor templo da colonia;
«Que se desse principio á construcção do hospital no alto da Boa Vista, estando já mui adiantada a canalisação da agua para este edificio, cuja origem fica d'elle distante 7:139m,7 e que tambem começou n'este tempo;
«Que se montasse uma serraria de madeira em Monte Macaco, que está produzindo bons resultados, do que me reservo informar s. ex.ª por occasião do meu relatorio do trimestre que hoje finda;
«Que se levantasse a planta da cidade, e da roça «Antonio Vaz» e annexas;
«Que se demarcassem algumas estradas da cidade ás differentes villas em kilometros;
«Que se concluisse a casa para a pharmacia do estado e se reparasse e assediasse a casa onde ha annos se acha o hospital;
«Qe fossem rebocados e caiados por mais de uma vez
alguns templos, como a igreja da Misericordia, Conceição e Santa Maria Magdalena;
«Que por mais de uma vez se fizessem reparos e concertos na ponte e edificio da alfandega;
«Que se montassem as officinas de serralheiro e funileiro;
«Que alguma mobilia se fizesse para differentes repartições, e que não se tem deixado de satisfazer as requisições da secção de trabalhos na ilha do Principe;
«Que de todas estas construcções, b-;m como da alfandega, que se vae principiar, se fizessem com antecedencia os necessarios estudos, apresentando-se as plantas e alçados convenientemente desenhados, acompanhados os planos com os competentes orçamentos em regra; o que tudo está hoje archivado n'esta repartição, depois do exame o approvação do conselho technico, que hoje funcciona regularmente, e que na provincia era tribunal desconhecido; e finalmente, alem de se manter a correspondencia a tempo com todas as outras repartições, regularmente todas as quinzenas são apresentadas as folhas da pagamento aos operarios, o que em acto continuo é distribuido, se fazem requisições diariamente dos materiaes mais insignificantes, sendo umas e outras, depois de registadas no livro competente, enviadas ás instancias a que devem seguir.
«Não ha comparação possivel no trabalho que se tem emprehendido na repartição que me foi confiada, com os que nos deixaram nos ultimos dez annos os que tinham a seu cargo igual missão, pelo menos no que se vê e consta. As grandes sommas que se despenderam a titulo de obras publicas não podiam só ter sido empregadas na construcção da ponte da alfandega, que raro é o mez que não precisa de concertos e reparos, e que admirado estou não esteja já em baixo; na igreja da sé, apesar de ter caído o seu frontispício no dia seguinte ao que se dava por concluido, e de se ter substituido já por tres ou quatro vezes o guarda-pó, apesar de não concluida a igreja; no barracão-quartel, apesar de ter ido a terra só com o peso do madeiramento do telhado; nos taes treze pontos que se dão por construidos na ilha e que consistem em quatro ou cinco dormentes com meia duzia de prancheai para taboleiro, sendo a maior parte madeira offerecida pelos agricultores; e, finalmente, no pharol e muralha em frente do palacio, consistindo aquelle n'uma luz de coco muito ordinaria, estando aquella ha muito desmoronada com o peso das aguas, caso se lhe não abrissem desaguadouros, que não tinha.
«Terminando, rogo a V. s.ª queira solicitar de s. ex.ª desculpe ser esta informação ao correr da pena, attenta a urgencia exigida e de não estar preparado para de prompto confeccionar um relatorio annual, que era verdadeiramente a informação que n'este momento desejaria apresentar.
«Deus guarde a V. s.ª Direcção das obras publicas da provincia em S. Thomé, 31 de março de 1875. — Ill.mo sr. secretario geral do governo da provincia. = Antonio Frederico da Costa - Moura, director.»
Sr. presidente, diz-se que a provincia de S. Thomé está em completa anarchia. Está em anarchia S. Thomé e o governador participa que ha socego, está em anarchia S. Thomé e o administrador do concelho officia que a tranquillidade publica não foi alterada em toda a provincia. Pois não ha lá um juiz de direito conhecido por magistrado integro, homem dos poucos a quem podem applicar-se os versos de Sá de Miranda:
Homem d'uma só fé D'antes quebrar que torcer?
Não está lá um delegado desconhecido do governador, ido ha pouco do reino com recommendação de participar o estado da provincia logo que tomasse posse, que já tomou, do cargo de curador interino dos individuos sujeitos a tutela publica?
Não ha lá um director da alfandega, que ha pouco tempo foi transferido de outra provincia para aquella?
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Pois nenhuma d'estas auctoridades superiores participa que a provincia esteja em anarchia. Estaciona no porto a corveta Bartholomeu Dias, de que é commandante o sr. Soares de Andréa. Este distincto official do mar vê a provincia em completa anarchia e não participa nada ao governo!
O banco ultramarino, que foi aqui citado hoje por varias vezes, tem lá os seus agentes. O sr. Pinheiro Chagas, acaba de confessar que os interesses do banco ultramarino estão ligados com a prosperidade d'aquella provincia, e os agentes do banco vêem-na em completa anarchia e nada participam para Lisboa!
Nada participam, porque a verdade é que S. Thomé está em completo socego.
No relatorio do administrador do concelho, já citado, encontra-se o seguinte:
«Completando com estas as informações que tinha a dar ao ex.mo governador para bem poder informar o governo de Sua Magestade, devo ser o primeiro em afiançar que a provincia se acha em socego; que os trabalhadores que não quizeram voltar ás roças, em que estiveram muitos annos, não mais ahi voltaram a fazer distúrbios como se receiou; que os libertos ainda obrigados a serviços têem sido conduzidos ás fazendas em que devem servir; que para garantia das propriedades está distribuida a força militar dispensavel, pela ilha; e finalmente que todas estas medidas mandadas adoptar por s. ex.ª com as que durante a crise s. ex.ª ordenou, chegando mesmo, alta noite, a andar pelas ruas e quarteis a vigiar se ellas se cumpriam; tudo contribuiu para que não houvesse o mais pequeno transtorno da ordem e que se evitassem roubos e mais algumas desgraças que por muitos motivos se deviam receiar.»
Veja V. ex.ª, sr. presidente, que assustadora anarchia reina em S. Thomé.
Desde o principio d'esta sessão foram requeridos varios documentos que deviam demonstrar as arbitrariedades do governador de S. Thomé, e foram pedidos com tal insistencia que obrigou o sr. ministro a declarar que não tinham sido enviados logo pela difficuldade que havia na copia visto serem muito extensos, e eu tive de unir a minha voz á dos illustres deputados para demonstrar que não havia receio de que viessem á camara.
Não está no seu logar o Sr. presidente, mas está o sr. primeiro secretario.
Peço a s. ex.ª o favor de me dizer se esses documentos foram enviados á camara?.
O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — Effectivamente foram enviados á camara.
O Orador: —V. ex.ª diz-me ainda se a camara resolveu que fossem impressos, e se o sr. ministro declarou que desejava que toda a camara tivesse conhecimento d'elles e que dois dias depois se dava por habilitado para esta interpellação?
O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — Da acta ultima consta que effectivamente o sr. ministro declarou que desejava que se publicassem esses documentos.
O Orador: — V. ex.ª tem a bondada de me dizer se alguns srs. deputados insistiram pela publicação d'esses documentos, e qual foi o motivo porque elles não foram impressos?
O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — Varios senhores deputados insistiram pela publicação e não me consta o motivo porque não foram impressos.
O sr. Pinheiro Chagas: —Eu digo a rasão porque não foram impressos, porque na mesa se disse que os documentos eram muito volumosos, que levavam muito tempo a imprimir e que se gastava muito dinheiro. E eu que era o interpellante disse que desistia d'essa publicação.
O Orador: — Tenho pena que seja hoje a ultima sessão, porque no caso contrario havia de insistir todos os dias por que se fizesse a publicação d'esses documentos.
Não creio que a despeza fosse tamanha que ficasse em maior desequilibrio o orçamento do estado.
Sr. presidente, V. ex.ª o a camara sabem já quaes são os principaes motivos d'esta luta, arca por arca, contra o governador de S. Thomé.
O nobre ministro do ultramar expoz os factos com a mais levantada eloquencia, e eu não posso nem devo acrescentar uma palavra.
Vejo a impaciencia da camara, a hora está muito adiantada, comtudo não posso deixar de declarar que, tendo condemnado os maus tratos dados aos libertos não condemnei nunca em geral os colonos que são nossos irmãos, como os pretos, e de mais a mais são nossos compatriotas. Os senhores de escravos eram tão culpados de possui-los como a lei que lhes reconhecera a triste legitimidade d'essa propriedade. Era uma desgraça para os plantadores esse patrimonio, mas não era um crime. O crime era da lei que lho transmittira e lhes garantia essa propriedade humana que só pertence a Deus.
Mas a liberdade individual é inalienável, e o direito de nos possuirmos a nós mesmos nunca prescreve. Em direito, natural o preto tinha sempre o direito de libertar-se do jugo, mas em direito social a sociedade que o liberta deve considerar o proprietario.
Foi ao que sempre attendeu o governo portuguez, não por ter feito votar durante trinta annos repetidas vezes a liberdade, como disse o sr. Pinheiro Chagas, por um pequeno equivoco assim generosamente qualificado pelo nobre ministro, mas promulgando uma série de leis, desde o decreto de 10 de dezembro de 1836 até á carta de lei de 3 de fevereiro do corrente anno, preparando gradualmente um acto dos mais santos e mais memoraveis de uma nação e de uma epocha (apoiados), um acto dos que marcam data na historia da raça humana. (Apoiados.)
Coube ao actual ministro a honra de ser o executor politico d'esse acto. Os nomes do marquez de Sá da Bandeira e de João de Andrade Corvo hão de ficar associados na historia do futuro da raça negra das nossas possessões de Africa. (Apoiados.)
Eu disse ha dias que os libertos eram barbaramente tratados, e mandei para a mesa alguns documentos, mas note V. ex.ª que todos estes documentos são de data anterior á actual administração de S. Thomé! Tenho aqui outros muitos que sinto não poder fazer conhecer á camara, porque não quero abusar da sua attenção, mas não resisto a ler alguns que provam, não só os tratos de polé dados aos libertos, mas até como as auctoridades anteriores ás actuaes entendiam este assumpto.
«Serie de 1864—Administração do concelho de S. Thomé— Confidencial—Ill.mo sr. — Domingo, 31 do passado julho, apresentou-se na minha residencia um homem preto, queixando-se-me do senhor, de que se diz captivos, e não o podendo perceber bem, e vendo que tinha de proceder a um exame, mandei-o reter no calabouço da policia, e dei-lhe sustento: hontem chamei-o á minha presença e a nós, com um interprete de minha confiança, passei a investigar, dando em resultado que o homem diz chamar-se Thomé, ser escravo de Antonio e de José, de côr branca, e irmão um do outro, que têem loja e roça na Trindade, que elle é natural de Gabão Grande, e que veiu para esta ilha quando os francezes trouxeram para aqui habitadores de S. Thomé presos por contrabandearem em escravos, que os senhores d'elle dão muito pau nos captivos, que todos são gabões novos, e que em resultado das pancadas morreram dois captivos, de nomes Mebion e Manuel Longo, já na presente gravanha, do que só podem ser testemunhas os gabões que servem os ditos Antonio e José, de nomes Manuel, Marianna, Maria, Antonio, João e Manuel da Trindade, e que quasi toda a gente da Trindade sabe d'isto.
«Mandei continuar retido no calabouço o tal Thomé)
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aprovei tendo-me d'elle antes d'isso para servir de interprete ás perguntas que precisava fazer a um rapaz apresentado a esta administração por andar errante e fugitivo, e perguntado em lingua do Gabão respondeu chamar-se Quando, ter vindo do Gabão ha pouco, que era captivo de Serino, e que fugira por este o querer vender. Ignoro o ponto em que mora o senhor, e não conhece a ilha, ao que parece. Ordenei que continuasse retido no calabouço.
«Segue-se pois que Thomé se queixa de Antonio Amaral e José Amaral, unicos que na villa da Trindade existem de côr branca, que tenham loja e raça e sejam irmãos, e Quinai ignora quem é o senhor; e ninguem se quer apresentar como tal, pois que, estando retido desde sabbado, não foi ainda procurado.
«Depois de todos estes casos, apresentou-se-me Antonio Amaral procurando por dois escravos seus que lhe haviam dito estarem na policia retidos; disse-lhe que fosse ver se eram os que lá estavam e voltasse; mas que os não podia entregar sem indagar de queixas que havia contra os mesmos.
«Estes dois casos são d'aquelles que extra-officialmente me consta terem acontecido, ficando sepultados no silencio e sem seguimento, por temerem as auctoridades de outr'ora as consequencia que poderiam resultar de que muitos que se julgam captivos soubessem que eram livres; e eu, sem se me dar do que os mais têem feito, peço instrucções do que devo fazer; e para esse fim rogo a V. s.ª se digne apresentar este a s. ex.ª o governador, e communicar-se as ordens do mesmo senhor.
«Deus guarde a V. s.ª S. Thomé, 2 de agosto de 1864. — Ill.mo sr. secretario do governo da provincia. = 0 administrador do concelho substituto, A. Urbano P. de Castrou.
«Serio de 1866. — Administração do concelho da ilha de S. Thomé—N.° 429. —Ill.mo sr. —Está apanhada toda a gente fugida no dia 9, por noite, faltando só um de nome Manuel e de nação gabão, pertencente a Manuel João de Sousa. São ao todo nove que estavam para fugir em canoa: dois de casa de José Velloso de Carvalho, dois de casa de Nicolau José da Costa, quatro do casa do dito Sousa e um de José Gomes da Cunha Lisboa. Acarreios é têem, uns separadamente, outros por meio da acareação, confessado tudo. Os cabeças são os de José Gomes da Cunha Lisboa, e um, de alcunha o Sapateiro, da casa de José Velloso de Carvalho. Estou diligenciando obter a apprehensão da vela, remos, etc. que elles tinham para a canoa em que queriam fugir. Rogo a V. s.ª ordenar-me se posso mandar castigar corporalmente esta gente, na bateria, como desejam alguns dos senhores, se entrega-la a seus senhores, para estes a castigarem como entenderem.
«.Deus guarde a V. s.ª Administração do concelho, em S. Thomé, 12 do novembro de 1866. = Ill.mo sr. secretario do governo. — Antonio Urbano Pereira de Castro, administrador do concelho».
«Serie de 1876—Administração da ilha de S. Thomé — No 403 —Ill.mo sr. — Hontem deu entrada no calabouço da policia um escravo de João Caetano da Conceição Moniz por ter espancado um soldado da bateria de artilheria. Na qualidade de escravo ignoro qual será mais proficuo castigo, se entrega-lo ao poder judicial, se faze-lo castigar corporalmente na bateria e entrega-lo ao senhor depois. Rogo a se se digne expor o facto a s. ex.ª o governador, e dar-me as suas ordens.
« Deus guarde a y. para Administração do concelho em S. Thomé, 5 de novembro de 1866. — Ill.mo sr. secretario do governo. = Antonio Urbano Pereira de Castro, administrador do concelho »
Estes documentos são eloquentes. (Apoiados.) E é tal a perversão moral a que leva o habito de explorar escravos, que até pessoas de boa fé e de bom coração vivem n'um
engano de alma, ledo e cego, a este respeito. Disse-me um abastado proprietario de S. Thomé, que tratava tão bem os seus libertos, que até gastava com os seiscentos que possuia de 10:000$000 a 12:000$000 réis por anno.
Procurei logo o nosso illustre collega n'esta casa, o sr. José Maria dos Santos, e perguntei lhe quanto despendia s. ex.ª com seiscentos trabalhadores nas suas propriedades do Alemtejo. E sabe V. ex.ª o que o sr. José Maria dos Santos me respondeu? Disse-me que seiscentos trabalhadores em oito mezes do anno lhe custavam 40:000$000 réis!
Aqui está porque se diz que a liberdade matará a agricultura em S. Thomé. Os plantadores estão acostumados a ganhar milhares por cento, e difficilmente se convencem de que as suas fortunas foram feitas com o sangue dos negros, que sustentam com mandioca e banana, que vestem com uma saca de linhagem aberta pelo fundo e na altura dos braços, que recompensam com o azorrague dos seus empregados! (Apoiados.)
Mas não morrerá a agricultura. Chegou ha tres dias dos portos da Africa o vapor D. Antonia. Fui á alfandega examinar o manifesto da carga, e vi que, alem de uma pequena porção de café que traz de Loanda, de nenhum outro ponto traz café senão de S. Thomé. E só d'esta ilha traz 447 sacas. Em cacau e café de S. Thomé traz de carga o vapor D. Antonia umas 4:000 arrobas. E note V. ex.ª que este mez e chamado em S. Thomé mez morto para a exportação.
A liberdade nem matará a agricultura, nem depreciará a propriedade. Os factos demonstram o contrario. A roça do estado Pinheira, arrendada por pouco mais de 1000$000 réis por anno, e avaliada em 5:000$000 réis, acaba de ser vendida por 36:000$000 réis. A roça Babão, arrendada por 730$000 réis por anno, e avaliada em 7:000$000 réis, acaba de ser vendida por 23:000$000 réis.
São estes factos mais uma grave culpa do governador, que não póde ser perdoada. Tirou estas roças do estado ao arrendatário, residente em Lisboa, e que durante dez annos, pagando de renda annual pouco mais de 1600$000 réis, recebia todas as colheitas 5:000 arrobas de café, o que equivale a perto de 5:000 libras!
Estas culpas é que não se perdoam ao governador de S. Thomé.
Emquanto porém em Lisboa se lhe faziam as mais graves accusações, recebia elle uma grande consolação. O sr. duque de Palmella, seu amigo particular, escrevia-lho uma carta em que lho dizia que o nobre marquez de Sá da Bandeira, nas vesperas do seu fallecimento, dissera que o governador de S. Thomé era um dos melhores governadores do ultramar.
Sinto que o sr. duque não tenha assento n'esta camara para poder confirmar as minhas palavras; mas tem voz no parlamento, e se eu falto á verdade, s. ex.ª póde desmentir-me.
Disse o sr. Pinheiro Chagas que não vinha pedir a demissão do governador de S. Thomé. Pois que fez o sr. Pinheiro Chagas desde o principio do seu discurso até o fim senão reclamar essa demissão?
S. ex.ª entende que é indispensavel a exoneração do governador, porque elle é incompativel com a população.
Sabe s. ex.ª com quem elle é incompativel? E com os maus funccionarios, com os discolos e com 03 desordeiros.
Não conheço o sr. pro-vigario de S. Thomé. Não posso ter conhecimento dos officios confidenciaes que elle escreve; mas o que tenho aqui é uma acta do conselho do governo, em que s. ex.ª reverendissima disse que todo o clero de S. Thomé era immoralissimo, e em que deu pessimas informações ao governador a respeito de todos os parochos, esses sacerdotes que representam uma cousa e depois juram outra. -'
Com respeito ao sr. pro-vigario, que está em Lisboa com licença do sr. patriarcha, e não copa licença do governo:
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no, como disse o sr. Pinheiro Chagas, tenho mais este documento.
«Serie de 1869 — Administração do concelho da ilha de S. Thomé — N.° 369— Ill.mo e rev.mo sr. — Para ser presente á ex.na junta protectora, de que V. rev.ma é digno presidente, mando, para os fins convenientes, apresentar a V. rev.ma o tutelado da mesma junta, de nome Manuel, que se queixa de ter estado ha anno e meio acorrentado por ordem do pro-vigario, Joaquim Manuel Fernandes, na roça do cidadão Saavedra, d'onde foi solto ha tres semanas.
«Deus guarde a V. rev.mo Administração do concelho da ilha de S. Thomé, 12 de outubro de 1869. — Ill.mo e rev.mo sr. presidente da junta protectora dos libertos. = Francisco Abílio dos Santos Severino, administrador do concelho.»
O sr. pio vigario pertencia a junta protectora, como pertencia a ella o sr. Thomás José da Costa, cujo processo enviei ha dias para a mesa. Como poderiam estes senhores deixar de estar em desintelligencia com o governador?
São mais de seis horas da tarde, e a camara está cansada. Ha muitos pontos sobre os quaes podia responder cabalmente; resumirei o mais que poder.
Direi apenas ao illustre deputado o sr. Barros e Cunha, que os governadores não fazem orçamentos de obras publicas, e nenhuma responsabilidade lhes cabe pelos que são feitos por quem legalmente os deve fazer, e que o caso das palmatoadas se passou em S. Thomé na occasião em que o governador estava na ilha do Principe.
A opposição usou hoje o systema de que se tem servido ultimamente.
Veiu repetir accusações feitas na interpellação realisada no anno passado, e ás quaes se respondeu cabalmente.
Attendendo á impaciencia da camara, e ao adiantado da hora, termino pedindo a V. ex.ª e á camara que me desculpem o desalinho natural de quem não podia fallar n'este assumpto sem paixão, mas paixão nobre e de que me não envergonho. (Apoiados.)
O sr. Pinheiro Chagas, na Revolução de Setembro de 6 de março de 1875 dizia o seguinte:
«Hontem tambem o sr. Barros e Cunha fallou, e muito azedamente para interpellar o sr. ministro da marinha por causa de uns actos attribuidos ao sr. governador de S. Thomé e Principe. O sr. ministro da marinha, n'um rapido e elegante discurso, mostrou a improcedencia de algumas das accusações do illustre deputado, e provou que outras tinham sido prevenidas pelo governo que procedera convenientemente.
Tambem o sr. Pereira Rodrigues, deputado por S. Thomé, usou da palavra, defendendo os actos do governador increpado, Era a sua estreia na camara, e foi uma estreia de bom agouro. S. ex.ª fallou correctamente, com grande fluência, e argumentando com acerto.»
Agradeço ao sr. Pinheiro Chagas estas lisonjeiras e immerecidas palavras, mas como é que s. ex.ª, tendo-as escripto, vem agora pedir a demissão do governador de S. Thomé? E porque aos seus informadores é indispensavel a demissão do sr. Ribeiro, que em poucos mezes acaba a sua commissão; querem a demissão já, um mez, um dia antes de terminada a commissão-para que possam dizer ao successor: se nos não consentires os antigos abusos, se não fechares os olhos ás antigas delapidações, se não nos restituirei a antiga influencia e a preponderancia, á sombra da qual nos locupletávamos, terás a sorte do João Clímaco de Carvalho, que se suicidou, ou a de Gregorio José Ribeiro, que foi demittido. (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte
Moção de ordem
A camara satisfeita com as explicações do governo passa
á ordem do dia. = J. M. Pereira Rodrigues, deputado por S. Thomé.
Foi admittida.
O sr. Arrobas: — Honro-me de pertencer a um paiz em que um ministro proclama o que o sr. Andrade Corvo acaba de proclamar com tanta energia. (Apoiados.)
Havia um defeito na nossa legislação, e que não estava ainda corrigido, era uma vergonha que houvesse portuguezes que fossem propriedade de ~ outros portuguezes (apoiados), e não se reconhecesse a propriedade do proprio trabalho, que é a mais sagrada de todas as outras, propriedades. (Apoiados.)
Não posso deixar de rae enthusiasmar quando ouço fallar da maneira como fallou o sr. ministro da marinha. (Muitos apoiados.)
Não trato da questão entre o governador e os proprietarios de S. Thomé, porque tenho confiança no illustre ministro da marinha que tão desassombrado é nas suas resoluções em casos analogos.
S. ex.ª soube demittir um amigo, e acabava de tomar providencias muito graves a respeito de Angola, providencias que lhe hão de incommodar o coração; nada digo pois a tal respeito, a não ser que o sr. ministro, que tem dado tantas provas de liberal, de certo não consentiria que se estivesse opprimindo individuos, que, por não serem escravos, nem por isso deixam de ter todo o direito á protecção dos poderes publicos.
Sr. presidente, não admira que houvesse em S. Thomé homens livres conservados na escravidão sem que a auctoridade tivesse d'isso conhecimento.
O uso da propriedade chamada escravo é hoje em si um crime á vista dos verdadeiros principios da religião e da moral, e esse crime tinha-se tornado por tal modo habitual nas povoações do ultramar, que não admira que ninguem denunciasse o abuso d'essa propriedade pelos maus tratos, nem tambem da continuação na escravidão quando o preto já estava livre. (Apoiados.)
Os pretos não achando protecção nas auctoridades e receiosos dos cruéis castigos a que se expunham soffreriam sem reclamar o prolongamento da escravidão, se é que tinham consciencia de que já estavam livres. (Apoiados.)
É como o contrabando, que se faz em toda a parte e que ninguem denuncia.
Não acusem pois de precipitação a auctoridade que fez entrar na posse da liberdade aquelles que de ha muito eram illegalmente retidos na escravidão, sendo já livres. (Apoiados.)
Louvem antes a auctoridade que não consentiu que nem uma hora mais se prolongasse áquelle crime, sem se importar das consequencias, fossem ellas quaes fossem: ella só é censuravel se não fez entrar em processo os criminosos, bem como instaurar processos para indemnisação das soldadas roubadas aos pobres negros. (Muitos apoiados.)
Não sei como eram tratados os escravos nem os libertos em S. Thomé, nem mesmo os libertados; sei porém como se tratavam os que nunca foram escravos.
Sendo eu governador de Cabo Verde, mandei para S. Thomé por occasião da fome bastantes lavradores para ali ganharem a sua vida, por saberem bem fabricar o assucar e a aguardente, bem como tratar o café.
Pois, sr. presidente, estando em Lisboa vi no anno seguinte transcrever no Diario do governo uma portaria do governador de S. Thomé, elogiando a generosidade dos proprietarios de nessas, que tinham logo tomado conta dos imigrantes mas com a seguinte generosidade:
Obrigarem-se a dar lhes uma ou duas camisas e calças por anno, um dia livre por semana para trabalharem para seu sustento e 10 ou 20 réis por dia para tabaco! E para não serem estravagantes com tão grande pitança, nomeou o governador uma commissão para administrar os taes 10 ou 20 réis diarios. Estes eram os generosos e tratavam assiste os homens livres e que de tanta utilidade podiam ser para
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as suas russas. Imagine agora a camara qual seria o tratamento dos escravos, dos libertos e dos libertados. (Apoiados.)
Em questões d'esta ordem não ha que transigir, e honra ao governo que assim o ordenou e honra seja feita á camara que tão energicamente apoia o governo em seu generoso proposito. (Muitos apoiados.)
Mando para a mesa a minha moção, e declaro que é esta a primeira vez que mando uma moção de louvor e confiança a este ou a qualquer outro governo, porque não gosto de louvar os que estão no poder.
Vozes: — Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte
Moção
A camara plenamente satisfeita com as explicações do governo passa á ordem do dia.. = Arrolas.
O sr. Pereira Rodrigues: —Peço a V. ex.ª consulte a camara sobre se permitte que retire a minha moção, que unicamente mandei para a mesa para cumprir as prescripções do regimento.
Foi approvado este requerimento.
O sr. Pinheiro Chagas: — Não desejava cansar por mais tempo a attenção da camara, porém vejo-me forçado a pronunciar ainda algumas palavras em referencia ao que disse o sr. ministro da marinha e ao que acaba de dizer o sr. Arrobas.
S. ex.ª honra-se de pertencer a um paiz onde ha um ministro que sabe defender a liberdade com palavras tão sonoras e eloquentes, mas eu honrar-me ía ainda mais se no meu paiz houvesse um ministro que pozesse os seus actos de accordo com as suas palavras. (Muitos apoiados.)
Não admitto, sr. presidente, que o illustre ministro da marinha collocasse a questão no terreno em que lhe aprouve collocada; não admitto que s. ex.ª, membro do poder executivo, cumpridor da lei que votámos, se levante diante de um deputado, que tambem tem pugnado pela emancipação dos escravos, e diga: «vós não defendeis a causa dos escravos, eu é que defendo a liberdade!» (Muitos apoiados.)
Nós votámos aqui sempre com enthusiasmo, por acclamação, as leis apresentadas para libertar os escravos, e o poder executivo, encarregado de cumprir essas leis, não faz senão postergá-las e calca-las aos pés, e diz-nos depois «que votemos novas leis, porque elle não soube fazer cumprir as que existiam ».
O sr Arrobas disse ha pouco como é que os proprietarios de S. Thomé tratam os homens que servem debaixo de suas ordens; e o sr. ministro tambem asseverou, que estes senhores de escravos são violentos torturadores, e esmagam os que estão debaixo do seu dominio!
Mas é exactamente o ministro que faz essas accusações aos proprietarios de S. Thomé, que distribue por esses mesmos proprietarios honras e graças, que só se outorgam aquelles que bem merecem do seu paiz. (Apoiados.)
Um dos principaes proprietarios de S. Thomé, aquelle que é talvez o mais accusado pelo sr. Gregorio José Ribeiro, porque diz que era elle um dos Torquemadas e um dos que tinham em seu poder como escravos centenares de homens livres, foi agraciado com o titulo de barão de Aglaê, e outro sócio da mesma firma foi agraciado com uma commenda!...
Quando falta á verdade o ministro? É quando em nome do Rei os declara dignos das maiores graças e mercês, ou quando vem aqui dizer que esses homens, cobertos por elle de titulos e condecorações, são torturadores dos seus irmãos, d'aquelles que nem já tinham as obrigações inherentes ao titulo de libertos?!...
Quando falta á verdade o governador de S. Thomé, é quando chama Torquemada ao barão de Aglaê, ou quando lhe diz, como se lê n'um officio que tenho aqui presente, que S. Thomé se honra de o ter por filho?
Mas eu sei o que significa este procedimento do sr. Gregorio José Ribeiro.
Quando os proprietarios do S. Thomé resistiram á imposição da eleição do sr. Pereira Rodrigues, quando os proprietarios de S. Thomé resistiram á imposição de um candidato que nem sequer conheciam, quando os proprietarios de S. Thomé se recusaram a Chanceller a votação que o governador lhes impunha de seu cunhado para seu representante em côrtes, foi então que a opinião...
O sr. Pereira Rodrigues: — Sinto que o sr. deputado se refira a isso, agora que eu não lhe posso responder.
O Orador: — Não póde responder? Tem V. ex.ª a palavra. (Senta-se.)
O sr. Pereira Rodrigues: — V. ex.ª, sr. presidente, dá-me licença que eu responda ao sr. Pinheiro Chagas.
O sr. Presidente: — Agora quem tem a palavra é o sr. Pinheiro Chagas. Se o sr. deputado quer eu inscrevo o para depois do sr. deputado que está fallando.
O sr. Pereira Rodrigues: — Então peço a palavra para explicações.
O Orador: — Antes dos proprietarios de S. Thomé terem resistido á imposição do sr. Pereira Rodrigues para deputado, era tudo bem differente do que é agora; antes d'isso não faltavam os elogios do sr. Gregorio José Ribeiro, celebrando a munificencia e o patriotismo do sr. barão de Agualzé.
Então o sr. Gregorio José Ribeiro dizia que S. Thomé se honrava de o ter por filho. S. Thomé honrando-se de ter por filho um proprietario de escravos, quando já os não havia, um homem que devia estar na cadeia, se se cumprissem as leis, e fosse verdade o que hoje o sr. Ribeiro affirma, um homem que o governador declara que retinha em seu poder de má fé quatrocentos e cincoenta cidadãos livres, tratando os como escravos!
Esse homem, que, em vista das disposições legaes, devia ser punido como aquelles que commettem o crime de carcere privado, merecia ao sr. Gregorio José Ribeiro a distincção de lhe dizer n'um documento official que S. Thomé se honrava de o ter por filho; só depois da eleição do sr. Pereira Rodrigues levantar a discordia entre o sr. Gregorio José Ribeiro e os seus administrados é que se descobriram todas essas irregularidades, todos esses abusos, todos esses crimes!...
Eu não podia ficar silencioso diante das expressões do sr. ministro da marinha.
Não queria de fórma alguma protrahir o debate, mas não podia deixar de protestar, como sendo um dos que votaram com a maior boa fó e com enthusiasmo todas as leis que tratavam da emancipação dos escravos, contra as phrases de s. ex.ª, porque é a elle como membro do poder executivo, a elle que tinha obrigação de fazer cumprir as leis, a elle que as não fez cumprir, é a elle e só a elle que cabe toda a responsabilidade da existencia de escravos n'um paiz, que ha muito tempo lhes proclamou a emancipação. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
O sr. Carrilho (para um requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.
A camara votou que a materia da interpellação estava sufficientemente discutida.
O sr. Carrilho (para um requerimento): — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que haja votação nominal na moção do sr. Arrobas.
Foi approvado este requerimento.
Feita a chamada
Disseram approvo os srs: Teixeira de Vasconcellos, A. J. de Seixas, Â. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Carrilho, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Carlos Eugenio, Vieira da Mota, E. Tavares, Filippe de Carvalho, Fonseca Osorio, Francisco Costa, Palma, Illidio do Valle, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, J. J. Alves, Pereira da Costa, Namorado, Pereira Rodri-
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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
guos, Pinto Basto, Luiz de Lencastre, Freitas Branco, Manuel de Assumpção, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Ri cardo Ferraz, visconde de Arriaga, visconde da Azarujinha, visconde de Sieuve de Menezes, Mamede, barão de Santos e Mouta e Vasconcellos.
Disseram rejeito srs.: A. J. Boavida, Sousa Lobo e Pinheiro Chagas.
Foi approvada a moção do sr. Arrobas por 37 votos contra 3.
O sr. Pereira Rodrigues: — São quasi sete horas da noite; V. ex.ª comprehende que não posso demorar-me nas explicações que desejava dar; limito-me, portanto, a dizer que a minha eleição foi devida á apresentação do meu nome, feita em S. Thomé, pelo sr. juiz do direito, que então era, o dr. Baquero e pelo sr. dr. Jacinto de Sousa Ribeiro; o na ilha do Principe, pelo sr. Antonio Joaquim da Fonseca.
Não sei quem foi por mim, nem quem foi contra mim, o que sei é que o governador não entrou na eleição; mas a circumstancia de ser meu parente, forneceu essa arma aos seus adversarios. Quem suspeita da minha eleição dá-me direito a que suspeite da sua.
Se a hora m'o permittisse, apresentaria a V. ex.ª e á camara, rasões e documentos, com que havia do convence-se de que o que digo é a verdade.
O sr. Presidente: — Os nossos trabalhos por esta sessão estão terminados, e creio que posso affirmar com ver-dado, que todos elles correram com muita regularidade. Se a alguem cabe louvor por tão bom resultado é á camara, porque a camara acolheu sempre, com verdadeira amisade, as minhas observações, e sujeitou-se, com a melhor vontade, ás disposições do regimento. D'este modo, cumprindo todos com o nosso dever, correspondemos á confiança dos nossos eleitores.
Despedindo-me de vós, senhores, levo gravadas no meu coração mui repetidas provas da vossa benevolencia e verdadeira amisade, a que serei eternamente reconhecido.
A sessão de encerramento terá logar ámanhã pela uma hora da tarde, conforme foi annunciado á camara por um officio que ha pouco foi lido na mesa.
Está levantada a sessão.
Eram quasi sete horas da tarde.