SESSÃO DE 3 DE ABRIL DE 1886 791
soporiferas das cadeiras ministeriaes, (Riso) qualificadas ha pouco ainda pelo illustre deputado e sr. Marçal Pacheco como o Lethes, passado o qual tudo se esquece e se olvida, por muito grandes que sejam essas virtudes de esquecimento ou esses vicios; eu não sei, nem posso comprehender como já tenham desapparecido da memoria dos srs. ministros estas duas declarações tão categoricas.
Até hoje, desde a sessão de 26 de fevereiro, eu, confiando plenamente na resposta tão prompta, tão clara e tão precisa, como todas as que o sr. ministro da fazenda timbra sempre em dar á camara, segundo elle proprio diz, não me atrevi sequer a perguntar ao governo quando é que promovia a discussão do orçamento, porque nem por um minuto sequer me passou pela idéa que o sr. Marianno de Carvalho fosse infiel ao compromisso que tomara, pelo menos emquanto circumstancias verdadeiramente extraordinarias e imprevistas não viessem collocar o ministerio na dura necessidade de ter de desmentir-se, deixando que mais uma sessão parlamentar passasse sem que fosse discutido o orçamento geral do estado.
Recordando a nossa historia constitucional desde o meiado d'este seculo, eu não preciso lembrar ao sr. ministro da fazenda quantas vezes os governos em Portugal têem recorrido ao expediente da lei de meios. O que posso certificar, no entretanto, a s. exa. é que nas doze ou quatorze vezes, creio eu, em que depois de 1851 se tem appellado para a votação d'esta lei, anormal e sómente admissivel em casos muito especiaes, em nenhuma d'essas vezes, apenas com uma unica excepção talvez, em 1859, se deu o caso verdadeiramente estranho de uma proposta de lei d'esta ordem ser apresentada peio governo nos fins de março! Não ha exemplo d'isso, (Apoiados.) embora nas circumstancias mais tristes e mais dolorosas da nossa politica interna, embora nas conjuncturas mais intrincadas e mais embaraçosas da nossa vida governativa. (Apoiados.) Nunca, que eu saiba, desde 1851, nas quatorze vezes que se tem pedido a lei de meios ao parlamento, se apresentou uma proposta d'esta ordem em similhante altura do anno financeiro! (Apoiados.)
A lei de meios é um expediente de urgencia para evitar que o governo assuma a dictadura num assumpto sobre o qual, pelo espirito da constituição, pelas praxes e pelos costumes lhe é completamente vedado decretar sem o previo consentimento dos representantes do paiz. (Apoiados.)
Recorre-se á lei de meios quando o anno economico está a findar, e não ha tempo de habilitar o governo com a votação do orçamento para administrar constitucionalmente as finanças do estado, cobrando conforme a lei orçamental as receitas publicas, e applicando essas receitas de accordo com a mesma lei ás despezas correntes. Mas é só n'este extremo, que se póde votar tal lei a um ministerio, e nunca quando se está apenas no meio do anno economico, e quando alem d'isso esse ministerio tem a benevolencia quasi incondicional de uma camara, que não lhe recusaria medida alguma indispensavel, e muito menos a que se refere ao orçamento geral do estado! (Apoiados.)
(Ápartes.)
Não sei porque alguns dos meus collegas protestam contra esta asserção.
Se podemos, com effeito, aferir pelo passado o que ha de ser o futuro, no tocante ás relações do governo com a maioria, pode-se bem dizer que esta camara nada negará aos srs. ministros, pois as proprias commissões, cuja quasi unanimidade ainda não ha muito era intransigentemente adversa e hostil á politica dos membros do gabinete, têem-se prestado a auctorisar com a sua approvação todas as propostas governamentaes sem a mais pequena reluctancia, pelo menos visivel.
Não ha, portanto, rasão alguma, repito, para se apresentar a lei de meios em fins de março, quando o governo sabia com certeza que com muito pequeno esforço ficaria habilitado com a lei orçamental, sem ser necessario fazer á camara esta violencia, que dentro em breve vou dizer como era classificada ha apenas alguns mezes pelos actuaes srs. ministroa. (Apoiados.)
Sei que a illustre commissão do orçamento, e o seu relator, estão no seu logar. Ao menos são coherentes. O anno passado defenderam aqui um projecto de lei analogo, embora, e fique isto dito desde já, não com as circumstancias aggravantes que se encontram n'este projecto.
Quem não está no seu logar, porém, são os srs. ministros, porque, ou o seu procedimento actual é a formal retractação das palavras que então proferiram, ou essas palavras estão a condemnal-os inexoravelmente pelo seu procedimento de hoje!
Até ha exemplo, sr. presidente, na nossa historia financeira, tão grande deve ser, e ás vezes tem sido, o escrupulo em se recorrer ao expediente anormal d'estas auctorisações, de exercicios para os quaes se deu cumulativamente ao governo a lei de meios e o orçamento. Aconteceu isto no exercicio de 1855-1856.
Ouvi ha pouco o sr. ministro da fazenda por duas ou tres vezes invocar a benevolencia da camara para os actos do governo. Deve ter sido por ironia, com certeza!
Os actuaes deputados, que compõem a maioria regeneradora d'esta casa do parlamento, não podem conceder ao governo a minima benevolencia depois da apresentação da proposta de lei que se discute.
E querem os meus collegas saber porque? Porque o anno passado, quando se apresentava uma proposta analoga por parte do governo regenerador, era essa proposta classificada pela opposição progressista como um monstruoso attentado de leso-parlamentarismo, como um repto lançado imprudentemente á camara, como um dos signaes fatidicos da decadencia a que tem chegado entre nos o regimen representativo.
Para que as minhas palavras não possam ser alcunhadas de injustas, ou até de facciosamente violentas, eu vou ler á camara declarações insuspeitas, que não foram proferidas num mero aparte, nem que se encontram semi-perdidas n'um simples episodio parlamentar, mas que constituem o thema especial de dois discursos pronunciados aqui mesmo, n'este recinto, ha alguns mezes apenas, pelo sr. presidente do conselho.
O sr. José Luciano de Castro, entre applausos a que eu me associei do coração, por isso que s. exa. expunha n'esse momento a verdadeira doutrina constitucional e parlamentar, depois de propor, que se concedesse só até 31 de dezembro do anno findo a auctorisação pedida pelo governo, dizia:
«O direito de discutir e votar o orçamento é nosso, pertence-nos pela constituição do reino. (Apoiados.)
«Esse direito é principalmente da camara dos deputados. Não podemos declinar benevolamente nas mãos de um ministro, de um governo, qualquer que elle seja, esse direito que nos vem da constituição, da lei e dos enormes sacrificios feitos pelos nossos antepassados em favor da liberdade. (Apoiados.)
«Votar pela simples disposição de um paragrapbo um orçamento inteiro para o anno futuro É UMA IRRISÃO ; (Apoiados.) É UM ESCARNEO. (Apoiados.) é desconhecer, É LUDIBRIAR, é desvirtuar o NOSSO SACRATISSIMO DIREITO de fiscalisar a applicação dos dinheiros publicos, direito que não cedemos, QUE NÃO PODEMOS CEDER a ninguem. (Apoiados.) Sei que o sr. ministro da fazenda tendo por si a rasão das maiorias» agora é maioria alheia! (Riso.) «ha de vencer. Ha de vencer hoje. Não sabemos, porém, quem vencerá ámanhã. (Apoiados.)
«Mas» repare bem a camara «ESTE PRECEDENTE NÃO PÓDE FICAR NOS REGISTOS PARLAMENTARES. Estou convencido que o governo, depois de triumphar o seu capricho, é o primeiro a reconhecer o mal que praticou, e nunca mais virá ao parlamento apresentar uma proposta d'esta ordem.