SESSÃO DE 4 DE ABRIL DE 1888 989
precisando ao contrario conciliar todos os interesses publicos, e por isso o ministro da guerra tinha de concordar com o ministro das obras publicas que consultou a corporação competente, a junta consultiva de obras publicas a qual fazendo considerações ácerca do parecer da commissão de defeza disse que só se podia e devia applicar em caminho d'esta natureza tanto quanto fosse possivel as condições militares.
Vejamos como se pronuncia sobre este caminho de ferro á junta consultiva de obras publicas.
Diz ella o seguinte:
«Com respeito ao parecer da commissão de defeza, o qual tem sómente em vista as conveniencias militares, a junta julga dever observar que em geral estas conveniencias devem ser attendidas de um modo absoluto quando se e tratar de uma linha ferrea destinada a satisfazer as condições estrategicas ou de estabelecer communicações promptas e seguras com praças de guerra ou pontos fortificados, e tanto quanto possivel, quando as linhas ferreas tiverem de satisfazer á condição de servirem certas zonas de terreno e determinadas povoações.
«No caso presente a linha ferrea de Belem a Cascaes tem principalmente por fim servir as povoações marginaes do Tejo, e por isso deveria ella approximar-se das mesmas povoações o mais possivel, satisfazendo quanto for rasoavel ás conveniencias dos serviços militares.
«Assim a idéa de desviar o traçado para a direita a partir do Dáfundo atravessando em tunnel a Boa Viagem seria de uma enorme despeza sem aproveitar ás povoações marginaes, despeza que pela sua grande importancia poderia tornar financeiramente impossivel a construcção d'esta linha ferrea concedida sem garantia de juro nem subvençao.
«Quanto ás disposições reclamadas para cobrir militarmente a linha ferrea poderão ellas ser adoptadas opportunamente quando forem julgadas indispensaveis. - 29 de agosto de 1887.» - Assignados: General Maia - General Placido de Abreu -- General Guedes Quinhones- General Francisco Maria Brandão - Coronel J. Joaquim de Matos - Coronel Heitor de Macedo - Tenente coronel Neves Cabral - Tenente coronel Agnello Moreira - Tenente coronel D. Antonio de Almeida - Lourenço de Carvalho.
Quem firma este parecer são officiaes distinctos, que necessariamente comprehendem quaes as condições militares indispensaveis n'uma linha ferrea, e o seu patriotismo não os levaria a opinar d'esse modo n'esta consulta, se tivessem opinião diversa sobre o assumpto.
O parecer do sr. Lourenço de Carvalho é insuspeito por todos titulos e a todos os respeitos; por consequencia esta commissão a quem não falta patriotismo e saber, disse o mesmo que eu digo; é que as condições militares que se poderem adoptar se acceitam, e se não adoptam as que prejudicam um caminho que não se oppõe nem contraria a defeza d'aquella zona.
Eu, de accordo com o meu collega das obras publicas, não posso deixar de me conformar com esta doutrina, visto que este caminho de ferro não é exclusivamente militar.
Sendo certo que este caminho tem de satisfazer a outros intuitos, appliquemos quanto possivel, como resalvei no meu officio de remessa, as condições militares; e nada mais.
Portanto não me perece, repito, que haja contradicção no meu modo de proceder a respeito d'este caminho de ferro.
Demais o dever do ministro da guerra perante uma consulta d'esta natureza, era ouvir a commissão de defeza e remetter esse parecer para o ministerio das obras publicas.
Como podia o ministerio da guerra oppor se á resolução tomada por parte do ministerio das obras publicas? Eu havia de insistir? Eu insistiria em que se adoptassem todas as condições que estão exaradas no parecer da commissão de defeza, não obstante o caminho não ser feito pelo ministerio da guerra, se entendesse que a falta de applicação d'aquellas condições prejudicava o serviço das fortificações, inutilisava a defeza, e facilitava o ataque do inimigo e a entrada na capital que é o seu objectivo; e se depois da minha insistencia o ministerio das obras publicas persistisse na sua resolução, eu sabia o que tinha a fazer, eu sacrificaria sem hesitação a minha pasta. Mas o que seria um contrasenso era contrariar um melhoramento importante, simplesmente por capricho, ou na falsa supposição de que resultarão prejuizos que eu não reconheço. (Muitos apoiados.)
Isto com relação ás suppostas contradicções, que repito, não existem.
Agora com relação ás approximações que se quizeram fazer da minha nomeação para membro do conselho fiscal da companhia real dos caminhos de ferro, a asserções d'esta natureza não respondo; (Apoiados.) não respondo por que ellas estão muito abaixo do meu caracter, da minha dignidade, dos meus serviços, e dos meus precedentes. (Apoiados.) Não respondo, nem mesmo me canso a demonstrar, o que aliás seria facil, que a minha nomeação para esse logar da companhia dos caminhos de ferro, o que é do dominio da minha vida particular, estava garantido ha muito tempo; antes mesmo de se inventar o caminho de ferro de Cascaes. (Apoiados.)
Como é crivel que um homem que conta quarenta annos de serviço publico em commissões de governo e de commando em todas as regiões do globo, que sempre tem desempenhado esse serviço com isenção e patriotismo, procurando, o que lhe parece ter conseguido, honrar em toda a parte o seu paiz e o seu proprio nome, como é crivel que um homem n'estas condições, sacrificasse o seu credito, a sua dignidade, as suas convicções, a sua consciencia e os altos deveres e responsabilidades que lhe assistem como ministro da corôa, trocando tudo isto por um prato de lentilhas offerecido por uma companhia qual quer (Apoiados.-
Vozes: - Muito bem.
Ninguem o póde acreditar. (Muitos apoiados.)
Só a paixão politica póde arrastar os homens publicos a fazer estas asserções, de que no fundo da consciencia se arrependem depois.
Isto não é novo entre nós. (Apoiados.) Tenho visto muitos, se não todos os homens notaveis que se sentaram n'estas cadeiras serem victimas de grandes injustiças. (Apoiados.) Vi que a grandes vultos como o marquez de Sá da Bandeira, o duque de Loulé, Joaquim Antinio d'Aguiar, Anselmo Braamcamp e outros se dirigiram por vezes accusações gravissimas, que feriam tão respeitaveis e venerandos caracteres; mas estou persuadido de que, essas accusações, como as que se tentam dirigir-me agora, são apenas filhas da paixão politica, provém da onda politica que occasionalmente nos arrasta, e não da expressão da consciencia intima de quem as faz. (Muitos apoiados.)
Na minha humildade não procuro comparar-me a esses grandes vultos, mas descendo ao fundo da minha consciencia encontro-me tão honrado como elles. (Muitos, apoiados.)
Sobre este ponto nada mais digo.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado pelo seu discurso.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Hintze Ribeiro.
O sr. Arroyo: - V. exa. comprehende que este negocio tem um caracter tão serio, que não se póde deixar de dar a palavra aos srs. deputados que a pediram. (Apoiados.)
Supponho que a maioria não quererá tirar a palavra aos deputados que querem fallar sobre o incidente.
O sr. Serpa Pinto pediu a palavra para responder ao sr. ministro da guerra, e eu tambem a pedi para o mesmo fim.
Vozes: - Não se póde alterar a inscripção.
O Orador: - Supponho que a maioria não terá a coragem de negar a palavra aos deputados directamente inte-
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