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SESSÃO DE 4 DE ABRIL DE 1888 985
Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barras Coelho e Campos (vice-presidente)
Secretarios os exmos srs.
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cegueira Borges Cabral
SUMMARIO
Lê-se uma mensagem da camara dos dignos pares, acompanhando as alterações ali feitas á proposição de lei que tem por fim encerrar as contas geraes de receita e despeza do estado no exercicio de 1883-1884. - O sr. João Pina chama a attenção do governo para a necessidade de mandar visionar o estado dos vapores que no Tejo fazem carreiras para o Barrero, para Cacilhas e para a Belem. Responde lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Serpa Pinto refere se ao facto de ter entrado no hospital um official que viera do ultramar muito doente, ficando a familia sem recursos, porque os vencimentos do official foram, segundo a lei, entregues ao hospital; e vendo presente o sr ministro da guerra convida-o a responder ás accusações que lhe tinham sido feitas por parte da opposição. O sr. ministro da gueria diz que viera para responder a essas accusações, e para responder a differentes reparos e referencias que se tinham feito com relação ao fornecimento de pannos para o exercito, e ás manobras chamadas do Sabugo. S. exa. detem-se n'estas explicações. - O sr. Arroyo, referindo se ás explicações do sr. ministro da guerra, nota que ellas foram prejudiciaes á sua propria defeza, principalmente as que diziam respeito ao caminho de ferro de Cascaes - O sr. Carrilho apresenta, e pede que entre em discussão, dispensando-se o regimento um parecer da commissão de fazenda, approvando a alteração feita na camara dos dignos pares á proposição de lei relativa á contribuição industrial. Entra em discussão e é approvado. - O sr. Luiz José Dias apresenta uma representação dos escrivães de direito e tabelhães da comarca de Ancião. - O sr. Ribeiro Ferreira apresenta dois requerimentos, pedindo esclarecimentos ao governo - O sr. D. Pedro de Lencastre apresenta o parecer da commissão de marinha sobre a proposta do governo relativa á readmissão no serviço de praças da armada, quando sejam casadas ou viuvas com filhos. - Justificaram faltas os srs. D Jorge de Mello e Cardoso Valente.- O sr. Serpa Pinto refere-se ainda á defeza do sr. ministro da guerra, mas reserva-se para, em occasião mais opportuna, expor as suas idéas a este respeito. - Indo a passar-se â ordem do dia, o BI-. Francisco Machado declara que ti.nha pedido a palavra para responder ao sr Arroyo - A pedido do sr Arroyo é a sessão suspensa por dez minutos. Eram tres horas e quarenta minutos. As tres horas e cincoenta minutos reabriu a sessão e entrou se na ordem do dia.
Ordem do dia continúa em discussão o projecto n ° 23, determinando que a fabricação dos tabacos no continente seja exclusivamente por conta do estado, expropriando se as fabricas existentes. - Usa da palavra o sr. Arroyo, continuando o seu discurso, que levou até ao fim da sessão, concluindo e mandando para a mesa differentes propostas.
Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.
Presentes á chamada 47 srs. deputados. São os seguintes: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Alfredo Pereira, Antonio Centeno, Hintze Ribeiro, Augusto Ribeiro, Barão de Combarjúa, Bernardo Machado, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, EIvino de Brito, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Francisco Machado, Lucena e Faro, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, João Arroyo, Sousa Machado, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Barbosa Colen, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Abreu Castello Branco, Alpoim, Oliveira Matos, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Abreu e Sousa, Julio do Vilhena, Poças Fakão, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Marianno de Carvalho, Martinho Tenreiro, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Vicente Monteiro e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho. Barros e Sá, Augusto Pimentel, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Severino da Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guihermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Candido da Silva, Baima de Bastos, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, Santiago Gouveia, Rodrigues dos Santos, Alfredo Ribeiro, Silva Cordeiro, Oliveira Martins, Jorge J'Neill, Avellar Machado, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Miguel da Silveira, Estrella Braga e Visconde de Silves.
Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Simões dos Reis, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Conde de Fonte Bella, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco Mattoso, Soares de Moura, Guilherme de Abreu, Casal Ribeiro, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Correia Leal, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Ruivo Godinho, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, José de Napoles, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Pinheiro Chagas, Matheus de Azevedo, Dantas Baracho, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officio
Da camara dos dignos pares, remettendo a mensagem, acompanhando a proposição de lei que tem por fim encerrar as contas geraes da receita e despeza do estado no exercicio de 1883-1884, bem como um exemplar do parecer da commissão respectiva sobre tal assumpto.
Alterações feitas pela camara dos dignos pares, no projecto de lei da camara dos senhores deputados; que tem por fim encerrar as contas geraes da receita e despeza do estado, no exercicio de 1883-1884.
Artigo 1.° As receitas e despezas geraes do estado na metropole, no exercicio de 1883-1884, em vista da declaração proferida pelo tribunal de contas, datada de 17 de agosto de 1886, e em harmonia com a conta geral do estado e documentos annexos, na gerencia de 1885-1886, são fixadas definitivamente nos termos seguintes:
(O resto do projecto e os mappas approvados.)
Palacio das côrtes, em 3 de abril de 1888. = Antonio José de Barros e Sá = Frederico Ressano Garcia, par do
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reino secretario = Joaquim de Vasconcellos Gusmão, par do reino secretario.
A commissão de fazenda.
REPRESENTAÇÃO
Dos escrivães de direito e tabelliães da comarca de Ancião, contra a proposta da nova organisação apresentada pelo sr. ministro da justiça.
Apresentada pelo sr. deputado Luiz José Dias, enviada á commissão de legislação civil e mandada publicar no Diario da camara.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados com urgencia a esta camara os seguintes esclarecimentos:
1.° Copia do contrato particular effectuado entre o conselho administrativo da guarda municipal e o actual fornecedor de lanificios e mais effeitos do vestuario;
2.° Preços por que tem sido feito este fornecimento desde 1880 até hoje;
3.° Nota dos preços por que eram fornecidos os mesmos artigos á guarda municipal do Porto pelo anterior fornecedor. = O deputado, Ribeiro Ferreira.
Requeiro que, pelo ministerio da guerra, sejam enviados com urgencia a esta camara os seguintes esclarecimentos:
Copia authentica de quaesquer queixas feitas pelos conselhos administrativos dos diversos regimentos ácerca da qualidade dos lanificios e mais effeitos de vestuario fornecidos pelo contrato em vigor, que tenham dado entrada na respectiva repartição até 31 de março proximo passado. = O deputado, Ribeiro Ferreira.
Mandaram-se expedir.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
Tenho a honra de participar a v. ex.º e a camara que o nosso collega e meu prezado amigo o sr. D. Jorge de Mello tem deixado e deixará de comparecer, por falta de saude, a algumas sessões d'esta casa do parlamento. = O deputado, José de Saldanha de Oliveira e Sousa.
Declaro a v. exa. e á camara que faltei por motivo justificado ás tres ultimas sessões d'esta camara. = O deputado, João Cardoso Valente.
Para a secretaria.
O sr. Pina: - Desejava chamar a attenção do sr. ministro respectivo para o estado em que se encontram os vapores que fazem carreiras de Lisboa para o Barreiro, para Cacilhas e para Belem.
Dizem-me que estes vapores estão velhos e que muitas vezes levam maior peso do que a sua lotação lhes permitte levar, ameaçando portanto risco de um dia irem ao fundo.
Consta-me mais que o vapor do Barreiro não é bem dirigido.
Por consequencia, como se tratava de medidas preventivas, entendi dever chamar a attenção do governo sobre este assumpto, a fim de se proceder a uma vistoria, para se conhecer se estão em boas condições.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Simplesmente para declarar a v. exa. e acamara que transmittirei ao meu collega as considerações que s. exa. acaba do fazer. Comtudo, parece me que os vapores de que s. exa. fallou não fazem carreira para o Barreiro, mas sim para o Seixal, e não admira que n'este tempo o serviço seja mais difficil, em consequencia da rapidez das correntes do rio.
O sr. Serpa Pinto: - Sr. presidente, principio por communicar a v. exa. que faltei ás ultimas sessões por motivo justificado. Tenho agora de fallar sobre um facto que me parece bastante injusto o que se está dando.
Um official vindo do ultramar bastante doente, teve de entrar n'um dos hospitaes de Lisboa. Este official tem mulher e filhos; parece-me que pelas leis do ministerio da marinha o seu vencimento vae todo para o hospital, da modo que a familia d'elle está sem recursos e continuará por muito tempo n'este estado, porque a molestia de que elle padece não tem cura rapida.
Ora, parece-me isto uma injustiça muito grande, e eu sinto não estar presente o sr. ministro da marinha para pedir a s. exa. que do qualquer modo remediasse este caso, que é grave.
S. exa. não está presente, portanto, pedia a v. exa. tivesse a bondade de lhe communicar o que acabo de dizer.
Aproveito a occasião de ver presente s. exa. o sr. ministro da guerra, para dizer a s. exa. que já por duas vezes eu, aqui na camara, estranhei que s. exa. não tivesse comparecido, depois de graves accusações que lhe foram feitas por este lado da camara.
Não fui eu que levantei essa questão, como já o declarei duas vezes, mas isso não faz ao caso. Refiro-me á questão do caminho de ferro de Cascaes.
Sc fallei aqui n'ella, foi unicamente pelo grande respeito que me merece s. ex.º, e por ver que as palavras proferidas por este lado da camara que ficaram registadas nos annaes parlamentares, não tinham resposta por parte de s. exa.
Uma vez que s. exa. está presente e sabe o que aqui se disse, eu espero que s. exa. cabalmente responda hoje ao que se disse d'este lado da camara.
Não digo mais nada sobre este assumpto.
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Sr. presidente, venho hoje responder a algumas asserções que têem sido feitas por alguns illustres deputados sobre assumptos concernentes ao ministerio da guerra, sentindo não o poder ter feito antes, porque assumptos de serviço não me permittiram vir a esta camara.
N'uma das sessões passadas o illustre deputado o sr. D. José de Saldanha referindo-se á publicação de annuncios em que se erigia pelo ministerio da guerra que a arrematação de pannos para fornecimento do exercito entrasse ou exclusivamente ou n'uma grande parte a lã merina, s. exa. fez especial menção d'esta lã que não abunda no nosso paiz e é quasi exclusivamente estrangeira, queixando-se por isso de ser afrontada a industria nacional.
Queixou-se mais s. exa. de que em todos os ministerios, mas em especial no da guerra, se não attendessem as succesivas e repetidas recommendacões que s. exa. aqui tinha feito em beneficio das industrias nacionais, sempre que por acção de qualquer dos ministerios podessem ser favorecidas, principalmente em assumto de arrematação.
Eu já tive occasião de dizer em outra sessão, em resposta ao sr. D. José do Saldanha, e sinto que s. exa. não esteja presente, que com relação ao fornecimento de trigos para a padaria militar, as recommendações que estavam feitas á administração d'aquelle estabelecimento eram para que os fornecimentos fossem exclusivamente dos trigos nacionaes, sempre que não houvesse graves inconvenientes na sua acquisição para os interesses da manutenção das tropas.
Eu já mostrei um mappa a s. exa. em que se demonstrava que os trigos comprados eram trigos rijos e trigos moles, nacionaes, e que só a farinha em parte era estrangeira por ser considerada indispensavel pelos technicos para que o pão alvo fornecido aos officianas inferiores tivesse melhores condições do panificação.
N'essa occasião s. exa. deu-se por satisfeito, mas agora
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vem queixar-se de que se fizeram annuncios pelo ministerio da guerra e que n'elles se exigiam productos estrangeiros, indo prejudicar as industrias nacionaes.
Eu tenho a dizer a s. exa. que os ultimos annuncios de fornecimentos de pannos para o ministerio da guerra, foram feitos, um em 4 de novembro de 1880 pelo meu antecessor, convidando as fabricas a apresentarem amostras para servirem de padrões para fornecimento de lanificios para o exercito.
A direcção da administração militar publicou em 15 de fevereiro de 1887 no Diario do governo n.° 30 d'esse dia e mez um annuncio, e outro no n.° 53 do Diario de 9 de março, do 1887, mandando fazer as arrematações de pannos e mais artigos de vestuario pelos padrões que estavam admittidos, e nem nos annuncios para os padrões, nem nos do concurso se fallava em lã merina; por consequencia, caduca a queixa de s. exa., porque não ha motivo para ella.
De certo algum informador menos escrupuloso illudiu s. exa. na sua boa fé, e o levou a fazer essas observações.
S. exa. tomará nota que os citados annuncios foram para os ultimos fornecimentos e contratados até ao fim do corrente anno; que não ha portanto outros annuncios o que estes não mencionam a necessidade de lãs merinas.
Por consequencia caduca, repito, completamente a queixa feita por s. exa. a este respeito. Sobre este assumpto nada mais tenho a dizer e creio que s. exa. se dará por satisfeito.
Quando aqui se discutiu a resposta ao discurso da cocrôa, tanto o illustre deputado o sr. Lopo Vaz como o sr. Marçal Pacheco, referiram-se com desfavor ás manobras chamadas do Sabugo, dizendo e affirmando que o modo como tinham corrido as cousas militares por essa occasião, demonstrava e punha a nú o pessimo estado da organisação militar. Referiram-se principalmente ao fornecimento de viveres para o rancho, que chegára muito tarde ao campo das manobras e por consequencia tinha sido muito irregular este serviço e muito prejudicial, pois que os corpos tinham saido dos quarteis apenas com o rancho da manhã. Este facto deu-se mas não com a exageração apontada por s. exa. Os fornecimentos chegaram mais tarde do que deviam chegar, mas não me parece que só por esta circumstancia se possa affirmar que seja lastimoso o estado do exercito.
Pelo contrario, para se realisarem as manobras do Sabugo, instruiram-se e prepararam-se as tropas, não só d'esta divisão, mas em todas as divisões onde se realisaram manobras. Prepararam-se, e exercitaram-se principalmente na tatica applicada; as tropas iniciaram este estudo mais de um mez antes de chegar a epocha das manobras; começaram por hesitar mas foram-se instruindo a pouco e pouco e antes dos exercidos finaes as tropas mostraram que estavam sufficientemente adestradas na tatica applicada e da qual quasi que não tinham conhecimento algum antes de se realisarem taes exercicios.
Por essa occasião malograram-se as manobras nas terras do Sabugo, porque todos sabem que as chuvas torrenciaes que cairam n'esse dia acompanharam sempre a marcha das tropas; desde os quarteis até ao Sabugo, e desde o Sabugo até aos quarteis os soldados marcharam o estacionaram sempre debaixo de agua, mas de um modo regular e exemplar.
O modo como as tropas que faziam parte da divisão supportaram as durezas do tempo, marchando e bivacando debaixo de chuvas torrenciaes e soffrendo mesmo a demora do rancho na melhor ordem e sem haver o menor caso de indisciplina, prova que o exercito alem de ter adquirido com os alludidos exercicios a instrucç3o necessaria para bem se desempenhar da missão que lhe está confiada, mostrou ser soffredor e disciplinado, o que é uma das virtudes indispensaveis para o prestigio das tropas.
Sr. presidente, é verdade que os fornecimentos chegaram mais tarde, mas essa demora foi de tres ou quatro horas, e não foi só devida á pouca pericia dos officiaes da administração militar que estavam encarregados d'esse serviço, pois é certo que a má organisação da administração militar, e o mau gado com que está, dotada contribuiram para isso.
Mas a má organisação que tem, não lhe foi dada por mim, (Apoiados:) e brevemente será melhorada, porque eu já annunciei a apresentação de uma proposta, que se está estudando ha dois annos, sobre a reforma da administração militar, e que não tem sido apresentada tão cedo como o governo desejava, porque ella é muito complexa nos seus differentes ramos.
Em todo o caso uma certa desculpa na deficiencia do serviço da administração militar, porque com mau gado, e com as chuvas abundantes que houve os carros entrando nas terras enterraram-se em atoleiros de que foi difficil tiral-os. (Apoiados.)
No emtanto se o bivaque se divesse realisado á noite as tropas estavam fornecidas de ranchos, e os soldados que tinham comido os ranchos nos quarteis, á noite podel-os-iam comer no bivaque, o que é cousa muito vulgar em operações da campanha. (Apoiados.}
Portanto, sem querer desculpar o serviço da administração militar, sobre o qual mandei proceder a uma syndicancia para saber dos abusos que se deram, e para providenciar a fim de que elles não continuem, é certo que esta falta é devida principalmente ás circumstancias que apontei.
O que resultou, porém, não digo do exercicio final, porque elle mallogrou-se por causa da inclemencia do tempo, mas dos prepares para exercicio é que as tropas se instruiram se não cabalmente, porque é necessario repetir estes exercicios, ao menos ficaram assim preparadas em manobras, que são hoje julgadas os mais importantes para todos os exercitos, que é o exercicio da tactica applicada, que era quasi desconhecido entre nós.
Portanto d'aqui é que eu tiro motivo e fundamento para louvar as forças que entraram n'aquelle exercicio pelas repetidas provas a que foram submettidas e pela disciplina exemplar que manifestaram; e tenho sentimento que não chegassem a realisar-se as manobras que eram por assim dizer o fecho de todas as operações preliminares, porque ellas mostrariam que as tropas se tinham preparado habilmente para estes exercicios que na paz simulam a guerra.
O sr. Lopo Vaz, que sinto não ver presente, referiu-se tambem por essa occasião ás propostas onerosas que successivamente eram apresentadas pelo ministerio da guerra. Devo dizer que essas propostas onerosas reduziram se quasi exclusivamente ao augmento dos soldos dos officiaes.
Este augmento, como todos sabem, era reclamado ha muito tempo para nivelar de algum modo a remuneração merecida pelos officiaes, á de outras classes civis que já tinham recebido augmento de vencimentos. Alem d'isto quando se trata de preparar o exercito para todos os effeitos da guerra, é necessario começar por dar um certo bem estar aos officiaes, e esta é condição indispensavel para se exigir um bom serviço.
Os regulamentos theoricos e praticos para a instrucção dos corpos recentemente decretados, tem exigido o augmento das obrigações dos officiaes não porque elles se recusassem, ou mostrassem a menor repugnancia em fazer o serviço, não obstante não estarem sufficientemente remunerados, mas porque é dever do governo procurar empregar todos os meios para que o exercito esteja em condições de se poder exigir serviço mais rigoroso.
Já tenho apresentado propostas, e hei de apresentar ainda outras, onerosas tambem para o orçamento, mas indispensaveis para a organisação do exercito e para o preparar para os effeitos da guerra. Todos os ministros da guerra, que me suçcederem terão necessariamente de as apresen-
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tar, porque não se trata sómente de melhorar e reformar serviços existentes, mas de iniciar e de implantar novos serviços, para aperfeiçoar a organisação do exercito. Para esses melhoramentos é indispensavelmente necessario fazer tambem maiores despezas, mas depende da previdencia dos ministros apresentarem, opportuna e necessariamente, essas medidas de modo que ellas accumuladas não vão onerar consideravelmente o orçamento e difficultar mais a boa administração do estado, lançando a perturbação nas finanças.
Entretanto para melhorar as condições do exercito, em proporção com os exercitos de guerra, como devem ser todos, tenha a certeza a camara que é indispensavel que todos os ministros da guerra e todas as situações políticas apresentem, como disse, successiva mas opportunamente novas propostas, que de certo exigem algum augmento de despeza. (Apoiados.)
Por exemplo, o serviço de saude. Este serviço precisa necessariamente ser melhorado e não se póde fazer sem augmentar algum tanto o pessoal e o material sanitario; e para tal fim tem de ser augmentada a verba correspondente no orçamento do estado. E necessario comprar mais armas portateis para o exercito, comprar artilharia para as fortificações não só da zona defensiva de Lisboa, mas de todo o reino, melhorando aquellas que estão mal artilhadas. (Apoiados.)
É necessario completar o serviço de reservas a fim de que ellas produzam os seus effeitos naturaes. Para tal fim é necessario ter depositos de fardamentos, o que tambem augmenta a despeza.
É necessario organisar opportunamente um exercito territorial que vá auxiliar em occasião de guerra o exercito effectivo, e isso conduz a certas despezas importantes. Por consequencia, creia a camara e tenha bem presente o paiz que todos os ministros da guerra, que desejem desempenhar-se bem das suas funcções, têem de apresentar a este respeito algumas propostas que tendem como já disse, a elevar as despezas, a fim de que o exercito possa chegar áquelle estado do aperfeiçoamento que todos desejâmos. (Apoiados.)
É necessario tambem augmentar a força effectiva do exercito. (Apoiados.)
Depois da nova organisação os quadros, pelo augmento do numero de corpos, absorvem uma grande parte do pessoal que posto figure na força effectiva do exercito, não póde d'ella dispor para destacamentos diligencias e exercicios, é necessario que os quadros sejam sufficientemente providos de soldados para que se possa occorrer convenientemente as necessidades do serviço e só possa proceder á instrucção tanto theorica como pratica. (Apoiados.)
Por consequencia, o augmento da força é fatal; tem de se fazer. (Apoiados.)
Eu já, prevenindo essa hypothese, tenho desde o anno passado fixado em 30:000 homens o effectivo do exercito. Depois vem os licenciamentos, para reduzir á verba orçamental, onde não figuram como effectivos mais de 21:000 homens.
É necessario que a força effectiva do exercito, feitos os licenciamentos suba pelo menos a 25:000 ou 26:000 homens, e isto mesmo já com muita economia e em attenção ao orçamento, para que se possa fazer todo o serviço e dar a instrucção inherente á actual organisação do exercito. (Apoiados.)
Alguns srs. deputados referiram-se tambem ás minhas suppostas contradicções a proposito do caminho de ferro de Cascaes.
Não existem taes contradicções, posso affirmal-o em minha consciencia.
Respeito muito a opinião dos meus adversarios, mas eu tenho exposto com toda a franqueza a minha opinião sobre a questão do caminho de ferro de Cascaes, e esta tem sido uniforme.
As minhas palavras não estão em contradicção com o unico documento firmado por mim, que ha sobre este assumpto, que é o officio do remessa do parecer da commissão de defeza sobre o traçado d'este caminho de ferro, remessa que eu fiz, conformando-me com o parecer da commissão, e dizendo ao ministerio das obras publicas que desejaria que tanto quanto possivel, se seguissem o adoptassem aquellas indicações.
Em primeiro logar convém saber quaes são os deveres do ministerio da guerra quando é consultado sobre o traçado de um caminho de ferro.
Pretende-se fazer o traçado de um caminho de ferro, consulta-se a commissão de defeza por intermedio do ministerio da guerra; o ministro manda ouvir a commissão, esta expõe a doutrina sobre o assumpto, applica essa doutrina á hypothese que se dá e envia o parecer ao ministro, o qual se conforma eu não com elle, ou limita-se apenas a fazer a remessa ao ministerio das obras publicas que tem depois de apreciar o parecer.
Ora o parecer da commissão do defeza sobre o caminho de ferro de Cascaes era impondo certas e determinadas condições de maneira a tornar áquelle caminho de ferro exclusivamente militar. Esse parecer, sem se preoccupar com nenhuma outra condição economica ou commercial ácerca dos intuitos ou da indole d'esse caminho de ferro, suppõe que elle deve ser militar e indica as condições a que esse traçado deve satisfazer.
São esses os deveres da commissão de defeza; mas o governo tem de applicar outro criterio, tem de ver se o caminho de ferro não é feito exclusivamente no intuito militar e se são outras as condições do traçado, e procura conciliar tanto quanto possivel as condições militares com as economicas, ou então o caminho não se faz. (Apoiados.)
Se o caminho de ferro de Belem a Cascaes fosse necessario o indispensavel para serviço d'essa zona de defeza, a propria commissão do defeza tel-o-hia proposto e reclamado, e tendo nós de gastar 4.000:000$000 ou 5.000:000$000 réis nos levantamentos das baterias e fortificações n'esta zona militar e tendo de as artilhar, não era muito que para completar todos estes serviços militares, por parte do ministerio da guerra se fizesse esse caminho de ferro, gastando mais 500:000$000 ou 600:000$000 réis.
Mas a commissão de defeza nunca o julgou indispensavel nem importante, nem nunca o disse no seu parecer; em todo o caso uma vez que foi sujeito ao seu julgamento o traçado d'este caminho, a commissão só tinha a fixar, sem se preoccupar com outras condições, quaes as condições militares a que devia satisfazer, como se fosse uma via ferrea militar.
O governo, em presença das indicações da commissão, de defeza, e tendo do tomar em consideração a indole especial d'este caminho, adoptou apenas as indicações que eram compativeis com essa indole, não adoptando a maioria d'ellas por não as julgar impreteriveis e por se opporera capitalmente á realismo d'este melhoramento.
Por consequencia, dizendo eu no meu officio de remessa, que desejaria que tanto quanto possivel se attendessem as indicações da commissão de defeza, embora doutrinariamente, concordasse com todas ellas para um caminho de ferro militar, não tinha por que me oppor á deliberação tomada pelo ministerio das obras publicas, por ter adoptado só as que julgou possiveis, em vista da indole especial d'este caminho de ferro. Não ha, pois, contradicção.
Não ha outro documento com a minha assignatura, inspirado por mim, ou emanado do ministerio da guerra. Em que se nota portanto a contradicção?
Poderia havel-a nos meus discursos na camara dos pares sobre este assumpto?
Lá disse o mesmo que estou dizendo aqui; que os deveres e intuitos do governo, sendo differentes dos intuitos e deveres da commissão de defeza, não podia o governo considerar o caminho só debaixo do ponto de vista militar,
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precisando ao contrario conciliar todos os interesses publicos, e por isso o ministro da guerra tinha de concordar com o ministro das obras publicas que consultou a corporação competente, a junta consultiva de obras publicas a qual fazendo considerações ácerca do parecer da commissão de defeza disse que só se podia e devia applicar em caminho d'esta natureza tanto quanto fosse possivel as condições militares.
Vejamos como se pronuncia sobre este caminho de ferro á junta consultiva de obras publicas.
Diz ella o seguinte:
«Com respeito ao parecer da commissão de defeza, o qual tem sómente em vista as conveniencias militares, a junta julga dever observar que em geral estas conveniencias devem ser attendidas de um modo absoluto quando se e tratar de uma linha ferrea destinada a satisfazer as condições estrategicas ou de estabelecer communicações promptas e seguras com praças de guerra ou pontos fortificados, e tanto quanto possivel, quando as linhas ferreas tiverem de satisfazer á condição de servirem certas zonas de terreno e determinadas povoações.
«No caso presente a linha ferrea de Belem a Cascaes tem principalmente por fim servir as povoações marginaes do Tejo, e por isso deveria ella approximar-se das mesmas povoações o mais possivel, satisfazendo quanto for rasoavel ás conveniencias dos serviços militares.
«Assim a idéa de desviar o traçado para a direita a partir do Dáfundo atravessando em tunnel a Boa Viagem seria de uma enorme despeza sem aproveitar ás povoações marginaes, despeza que pela sua grande importancia poderia tornar financeiramente impossivel a construcção d'esta linha ferrea concedida sem garantia de juro nem subvençao.
«Quanto ás disposições reclamadas para cobrir militarmente a linha ferrea poderão ellas ser adoptadas opportunamente quando forem julgadas indispensaveis. - 29 de agosto de 1887.» - Assignados: General Maia - General Placido de Abreu -- General Guedes Quinhones- General Francisco Maria Brandão - Coronel J. Joaquim de Matos - Coronel Heitor de Macedo - Tenente coronel Neves Cabral - Tenente coronel Agnello Moreira - Tenente coronel D. Antonio de Almeida - Lourenço de Carvalho.
Quem firma este parecer são officiaes distinctos, que necessariamente comprehendem quaes as condições militares indispensaveis n'uma linha ferrea, e o seu patriotismo não os levaria a opinar d'esse modo n'esta consulta, se tivessem opinião diversa sobre o assumpto.
O parecer do sr. Lourenço de Carvalho é insuspeito por todos titulos e a todos os respeitos; por consequencia esta commissão a quem não falta patriotismo e saber, disse o mesmo que eu digo; é que as condições militares que se poderem adoptar se acceitam, e se não adoptam as que prejudicam um caminho que não se oppõe nem contraria a defeza d'aquella zona.
Eu, de accordo com o meu collega das obras publicas, não posso deixar de me conformar com esta doutrina, visto que este caminho de ferro não é exclusivamente militar.
Sendo certo que este caminho tem de satisfazer a outros intuitos, appliquemos quanto possivel, como resalvei no meu officio de remessa, as condições militares; e nada mais.
Portanto não me perece, repito, que haja contradicção no meu modo de proceder a respeito d'este caminho de ferro.
Demais o dever do ministro da guerra perante uma consulta d'esta natureza, era ouvir a commissão de defeza e remetter esse parecer para o ministerio das obras publicas.
Como podia o ministerio da guerra oppor se á resolução tomada por parte do ministerio das obras publicas? Eu havia de insistir? Eu insistiria em que se adoptassem todas as condições que estão exaradas no parecer da commissão de defeza, não obstante o caminho não ser feito pelo ministerio da guerra, se entendesse que a falta de applicação d'aquellas condições prejudicava o serviço das fortificações, inutilisava a defeza, e facilitava o ataque do inimigo e a entrada na capital que é o seu objectivo; e se depois da minha insistencia o ministerio das obras publicas persistisse na sua resolução, eu sabia o que tinha a fazer, eu sacrificaria sem hesitação a minha pasta. Mas o que seria um contrasenso era contrariar um melhoramento importante, simplesmente por capricho, ou na falsa supposição de que resultarão prejuizos que eu não reconheço. (Muitos apoiados.)
Isto com relação ás suppostas contradicções, que repito, não existem.
Agora com relação ás approximações que se quizeram fazer da minha nomeação para membro do conselho fiscal da companhia real dos caminhos de ferro, a asserções d'esta natureza não respondo; (Apoiados.) não respondo por que ellas estão muito abaixo do meu caracter, da minha dignidade, dos meus serviços, e dos meus precedentes. (Apoiados.) Não respondo, nem mesmo me canso a demonstrar, o que aliás seria facil, que a minha nomeação para esse logar da companhia dos caminhos de ferro, o que é do dominio da minha vida particular, estava garantido ha muito tempo; antes mesmo de se inventar o caminho de ferro de Cascaes. (Apoiados.)
Como é crivel que um homem que conta quarenta annos de serviço publico em commissões de governo e de commando em todas as regiões do globo, que sempre tem desempenhado esse serviço com isenção e patriotismo, procurando, o que lhe parece ter conseguido, honrar em toda a parte o seu paiz e o seu proprio nome, como é crivel que um homem n'estas condições, sacrificasse o seu credito, a sua dignidade, as suas convicções, a sua consciencia e os altos deveres e responsabilidades que lhe assistem como ministro da corôa, trocando tudo isto por um prato de lentilhas offerecido por uma companhia qual quer (Apoiados.-
Vozes: - Muito bem.
Ninguem o póde acreditar. (Muitos apoiados.)
Só a paixão politica póde arrastar os homens publicos a fazer estas asserções, de que no fundo da consciencia se arrependem depois.
Isto não é novo entre nós. (Apoiados.) Tenho visto muitos, se não todos os homens notaveis que se sentaram n'estas cadeiras serem victimas de grandes injustiças. (Apoiados.) Vi que a grandes vultos como o marquez de Sá da Bandeira, o duque de Loulé, Joaquim Antinio d'Aguiar, Anselmo Braamcamp e outros se dirigiram por vezes accusações gravissimas, que feriam tão respeitaveis e venerandos caracteres; mas estou persuadido de que, essas accusações, como as que se tentam dirigir-me agora, são apenas filhas da paixão politica, provém da onda politica que occasionalmente nos arrasta, e não da expressão da consciencia intima de quem as faz. (Muitos apoiados.)
Na minha humildade não procuro comparar-me a esses grandes vultos, mas descendo ao fundo da minha consciencia encontro-me tão honrado como elles. (Muitos, apoiados.)
Sobre este ponto nada mais digo.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado pelo seu discurso.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Hintze Ribeiro.
O sr. Arroyo: - V. exa. comprehende que este negocio tem um caracter tão serio, que não se póde deixar de dar a palavra aos srs. deputados que a pediram. (Apoiados.)
Supponho que a maioria não quererá tirar a palavra aos deputados que querem fallar sobre o incidente.
O sr. Serpa Pinto pediu a palavra para responder ao sr. ministro da guerra, e eu tambem a pedi para o mesmo fim.
Vozes: - Não se póde alterar a inscripção.
O Orador: - Supponho que a maioria não terá a coragem de negar a palavra aos deputados directamente inte-
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ressados n'este debate, e por isso requeiro que v. exa. consulte a camara sobre se quer que se lhes dê a palavra.
O sr. Presidente: - Os srs. deputados que approvam o requerimento que acaba de fazer o sr. Arroyo, para se dar a palavra aos srs. deputados que a pediram sobre o incidente, queiram levantar-se.
Foi rejeitado o requerimento.
O sr. Arroyo: - Muito bem. O sr. ministro da guerra é que fica n'uma boa situação. A maioria tem medo do ouvir a resposta. (Apoiados na esquerda.)
Vozes: - Ordem, ordem.
O sr. Presidente: - Eu peço ordem ao sr. Arroyo.
O sr. Arroyo: - É assim que as maiorias se desprestigiam.
Vozes: - Ordem, ordem.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Hintze Ribeiro.
O sr. Hintze Ribeiro: - Eu desisto da palavra e peço a v. exa. que me inscreva depois de fallarem os srs. Serpa Pinto e Arroyo.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda approvando uma alteração feita na camara dos dignos pares á proposição de lei relativa á contribuição industrial.
Peço que v. exa. consulte a camara sobre se dispensa o regimento para este parecer entrar já em discussão.
Foi dispensado o regimento.
Leu-se na mesa o parecer que é o seguinte:
PARECER
Senhores - Á vossa commissão de fazenda foi presente a mensagem da camara dos dignos pares com a alteração feita na mesma camara ao artigo 5.° do projecto de lei modificando a contribuição industrial.
Esta alteração consiste em accrescentar as palavras "do corrente anno" em vez de acorrente".
Entende a vossa commissão que essa emenda deve ser approvada para o projecto poder subir á sancção real.
Sala da commissão, aos 3 de abril de 1888. = Carlos Lobo d'Avila = Marianno Prezado = Antonio Eduardo Villaça = Antonio Maria de Carvalho = Oliveira Martins - Gabriel José Ramires = Vicente Monteiro = José Frederico Laranja = A. Baptista de Sousa = A. Carrilho = Fernando Mattoso Santos.
Foi approvado.
O sr. Luiz José Dias: - Mando para a mesa uma representação dos escrivães de direito e tabelliães da comarca de Ancião, na qual se contem algumas considerações ácerca do projecto da reforma judiciaria.
Espero que, quando o projecto vier á discussão, esta camara attenderá as considerações que fazem estes empregados, juntamente com quaesquer emendas que porventura sejam apresentadas.
A representação está concebida em termos respeitosos, e peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que ella seja publicada no Diario da camara.
Foi auctorisada a publicação no Diario da camara.
O sr. D. Pedro de Lencastre: - Mando para a mesa o parecer da commissão de marinha sobre a proposta de lei n.° 27-C, auctorisando a readmissão no serviço militar ás praças da armada casadas ou viuvas com filhos.
A imprimir.
O sr. Serpa Pinto: - Estou certo que ha poucos momentos, quando a maioria ficou sentada para cortar o incidente que se havia produzido, havia um homem que, se fosse deputado em vez de ser par do reino, se teria levantado, (Apoiados da esquerda) porque conheço os brios do sr. ministro da guerra e sei que s. exa. era incapaz de ficar sentado se fosse deputado.
S. exa. respondeu ás observações que foram feitas d'este lado da camara, justificando-se como póde e como quiz e fundando se em qualidades pessoaes que todos respeitâmos, nas que não são resposta as observações feitas pelos deputados da opposição.
Repito, parece-me que se o sr. ministro da guerra fosse deputado se levantaria, e sei ia o primeiro a pedir á maioria para deixar fallar os deputados d'este lado da camara. N'esta questão do caminho de ferro de Cascaes, que eu tenho tratado unicamente no campo technico, não quiz mais do que levantar a ligação que ha entre os dois factos a que s. exa. se referiu hoje.
Eu creio o sei-o mesmo particularmente, já que s. exa. fallou na sua vida particular, que o logar que hoje occupa n'essa companhia lhe estava promettido ha muito tempo, mas s. exa. já que teve a imprudencia, permitta-me s. exa. a expressão, de acceitar esse logar n'esta occasião, devia ter vindo aqui immediatamente justificar-se como se justificou hoje e deixar ampla e aberta a discussão a este lado da camara, porque s. exa. conscio da sua honra e da sua probidade não tem medo dos ataques d'este lado, e sé o não tem, deixa fallar.
Ora como eu pedi a palavra unicamente para responder a algumas observações da sr. ministro da guerra com relação ao traçado do caminho de ferro de Cascaes, entendo que não é agora occasião de o fazer e desisto da palavra para se seguir a fallar o sr. Arroyo que está inscripto.
O sr. Arroyo: - Julgava que o caminho que tomára o sr. ministro da guerra era illegitimo, injusto, e sobre tudo prejudicial á sua propria defeza.
Fizera o sr. ministro da guerra varias considerações sobre differentes assumptos, a maior parte dos quaes respeitavam á discussão da resposta ao discurso da corôa.
Estranhava a opposição que a paixão partidaria podesse tambem transviar um pouco o pensamento da maioria e que se consentisse que, encerrada a discussão da resposta ao discurso da corôa, o sr. ministro da guerra viesse defender-se antes da ordem do dia.
Se, por exemplo, as manobras do Sabugo tinham tido defeitos, era por occasião d'aquella discussão que s. exa. devia defender-se.
A defeza do sr. ministro da guerra com relação ao caminho de ferro de Cascaes fôra desgraçada.
Dissera s. exa. que as condições militares não deviam ser todas sustentadas, porque o caminho de ferro devia attender a certas condições economicas.
N'este caso em nenhum caminho de ferro se attenderia o ponto de vista militar, porque todos elles satisfaziam a fins economicos.
S. exa. não era ministro da guerra senão para manter as condições militares do paiz.
Quando se tratava de publicar a portaria, que fizera alterações no traçado, s. exa. devia levantar-se, e dizer ao seu collega que acima de tudo estava quem respondia pela manutenção do exercito e pelas condições de defeza do paiz.
Dissera s. exa. que os principios que deviam regular o procedimento do governo eram differentes d'aquelles que deviam regular a commissão de defeza.
Não era, porém, assim. Os principios que s. exa. devia acceitar eram os da commissão de defeza.
S. exa., ou se esquecera de que era ministro da guerra quando se publicou a portaria que approvou o traçado, ou se esquecia de que o era quando apresentava uma tal defeza.
O orador, citando a data da portaria que approvou o traçado do caminho de ferro de Cascaes e a data em que o sr. ministro da guerra foi nomeado para o conselho fiscal da companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, fez ainda algumas considerações no sentido de mostrar que s. exa., honrado, digno e pundonoroso, como é, e como to-
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dos reconhecem, devia ter sido mais severo do que fôra, com respeito ás suas proprias incompatibilidades.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.}
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia e tem a palavra o sr. Arroyo para continuar o seu discurso.
O sr. Francisco Machado: - Peço a v. exa. que me diga quantos deputados estavam inscriptos para antes da ordem do dia.
Faço esta pergunta porque ouvi dizer d'aquelle lado da camara (o esquerdo) que não havia na maioria quem respondesse ao sr. Arroyo,
O sr. Presidente: - Estavam ainda inscriptos os srs. Arthur Hintze Ribeiro, Francisco Machado e Julio de Abreu e Sousa.
O sr. Francisco Machado: - Declaro que tinha pedido a palavra para responder ao sr. Arroyo.
O sr. Pedro Victor: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que o sr. Francisco Machado use da palavra.
O sr. Presidente: - Já declarei que se passava á ordem do dia, e já disse que tinha a palavra o sr. Arroyo.
O sr. Arroyo: - Parece-me que não é um favor de caracter politico, mas de caracter pessoal o que vou pedir a v. exa. É que seja consultada a camara sobre se permitte que a sessão seja interrompida por alguns minutos para eu descansar.
O sr. Presidente: - Está suspensa a sessão por dez minutos.
Eram tres horas e quarenta minutos.
As tres horas e cincoenta minutos continuou a sessão.
ORDEM DO DIA
Discussão do projecto de lei n.º 23, determinando que a fabricação dos tabacos no continente seja exclusivamente por conta do estado, expropriando-se as fabricas existentes.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Arroyo.
O sr. Arroyo: - Antes de continuar na serio das suas observações, que desejava concluir hoje, permittisse-lhe a camara que se referisse á ausencia systematica do sr. ministro do reino.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Disse que julgava que o sr. ministro do reino estava na camara dos dignos pares, a cuja sessão fôra convidado a assistir pelo sr. Bocage.
O Orador: - O sr. ministro do reino estaria hoje cumprindo uma obrigação de serviço na camara dos dignos pares mas a questão dos tabacos não começara n'esta sessão começára antes das ferias o ainda não vira s. exa. n'esta camara para collaborar, como lhe cumpria, na defeza do projecto em discussão.
Disse que, havendo na fabrica nacional um tão grande differença entre e tabaco importado e o tabaco vendido, não podia deixar de julgar muito justas as considerações que a similhante respeito apresentára o sr. deputado Moraes Carvalho.
O tabaco entrado desde 1882 a 1886 nas fabricas de Xabregas e lisbohense fôra na quantidade de 4.492:770 kilogrammas, e a venda fôra de 6. 197:908 kilogrammas, havendo uma differença de 1.705:198 kilogrammas. Como se explicava isto? Podia dizer-se que as fabricas tinham no fim do anno de 1881, um resto de tabaco em ser; mas tambem no fim do anno de 1886 ficaram com um resto em ser equilibrando-se essas quantidades.
Não queria repetir as considerações apresentadas pelo sr. Moraes Carvalho, porque não desejava tornar-se fastidioso, mas, havendo uma differença tão grande entre o tabaco importado nas fabricas ô o tabaco vendido, parecia-lhe que era isso assumpto que devia ser esclarecido.
Passou ora seguida a apresentar uma serie de calculos no sentido de mostrar que o systema na régie era prejudicial ao thesouro, declarando que o relatorio do sr. ministro da fazenda era muito deficiente quanto a despezas, por isso que não vinham n'elle mencionados muitos encargos que o estado tinha de satisfazer, taes como o da caixa das reformas, o do legado de Paulo Cordeiro, cujos dividendos o estado garantia aos operarios, as despezas no escriptorio, a parte dos lucros garantida aos operarios e ao conselho gerente, o que tudo importava n'uma somma valiosa.
Na sua opinião, estabelecendo se a régie segundo os principios exarados no projecto, os resultados haviam de ser perniciosos para o thesouro: o estado não havia de auferir os lucros que teve no anno economico de 1886-1887, que foram de 3.649.000$000 réis.
Era preciso contar com muitas despezas que ficavam onerando o thesouro, e que não existiriam se continuasse em vigor o regimen da liberdade.
Mas, no balando apresentado pela companhia nacional, relativo ao mez de dezembro, dizia-se que os lucros n'esse mez foram de 191:000$000 réis; e era esta a occasião de ler a acta da sessão do conselho de 31 de outubro, em que, sendo esse conselho consultado pelo commissario regio ácerca do estabelecimento do gremio, declarára que não annuiu a entrar no gremio, por isso que a companhia perderia infallivelmente, porque, se augmentasse o preço do genero, a venda diminuiria, e quer se augmentassem ou não os preços, o prejuizo era certo para a companhia.
Os homens competentes, em 31 de outubro, entendiam que o prejuizo era certo, ainda quando se augimentaste o preço da venda, e em dezembro diziam que tinha havido um augmento de lucro de 191:000$000 réis.
Se a fabrica perdia, como era que em dezembro os lucros augmentaram 191:000$000 réis?
Desde que homens competentes diziam que a fabrica não podia deixar de perder, a consequencia logica era que ella não podia ganhar.
Taes equivocos parecia-lhe que eram altamente prejudiciaes.
Porque era que a fabrica nacional não quiz o gremio? Foi porque julgou que não lhe era isso vantajoso, e porque lhe conveiu mais a administração por conta do estado.
A fabrica nacional não queria o gremio, preferia que fosse administrada pelo estado, e na tal gerencia do sr. commissario regio dizia que ella auferira em 1887 a quantia de 587:000$000 réis.
E se ella em outubro não queria o gremio, agora com 587:000$000 réis de lucros talvez quizesse. Pois a administração por conta do estado dava tão bons resultados e o gremio não os havia de dar?
Talvez que a fabrica nacional, que então não quiz o gremio, o quizesse agora, á vista de lucios tão grandes.
N'esta questão o governo tem praticado muitas illegalidades, e se agora praticasse mais uma, e se a fabrica nacional adherisse á idéa do gremio, fazia se a vontade ao sr. presidente do conselho, e tudo seria paz na igreja progressista.
Era preciso examinar bem o que foi a administração provisoria do estado na questão dos tabacos, e quando concluisse o seu discurso havia de apresentar uma proposta que completava o seu pensamento.
Para si o estado havia de administrar peior que os particulares; têem dito isto todos os economistas desde que havia economia politica no mundo.
A régie administrada pelo estado dava sempre peiores resultados do que a administração particular.
Já tivera occasião de dizer que o systema da régie e a acção coerciva por parte do governo havia de dar em resultado muitos processos, para julgar os quaes não haviam de chegar os juizes de direito e até os juizes municipaes.
Era tambem enorme a divida de tabacos e isto havia.
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de trazer grande quantidade de processos, sendo talvez necessario crear um pessoal especial para isso.
Achava mau o principio de entregar aos recebedores de comarcas o deposito de tabacos, porque, alem de outros defeitos, iria converter-se n'uma arma eleitoral, e daria logar a perturbações no regimen, que redundariam em prejuizos para o thesouro.
A régie daria logar a que o governo fosse pagar todos os tabacos bons ou maus que as fabricas tivessem, as propriedades d'essas fabricas por preços muito altos, assim como teria de pagar as despezas da transição de natureza mysteriosa. Tudo isso o estado tinha de pagar.
O estado ia tomar a si a régie com uma grande quantidade de tabacos accumulada, e isto quando o consumo era insuficiente para o stock.
Esta circumstancia havia de trazer graves difficuldades ao governo, porque o empate de capital havia do trazer graves prejuizos para o paiz, do mesmo modo que traria a perturbação á industria do tabaco.
O governo precisava ter fundos de reserva, caixa de reserva para fazer face ás despezas e nada d'isto estava estabelecido no projecto: isto traria tambem um novo augmento do despeza.
O estado obrigava-se a dar que fazer todos os dias aos operarios da fabrica nacional, quando a fabrica nacional do Porto só dava que fazer quatro horas por dia aos operarios: ora, obrigando se o governo a sustentar um pessoal enorme de operarios, dando lhes que fazer todos os dias, isto traria um grande augmento de despeza.
desde o momento em que o estado sustentava os operarios, queria ver o que havia de succeder desde que o consumo fosse inferior á producção.
A producção não se podia regular pelo consumo porque o estado obrigava-se a sustentar um certo numero de homens todos os dias.
Era indispensavel proteger os operarios, sustental os; segundo as disposições do projecto isso era inevitavel, mas a culpa fosse a quem se lembrava de proteger a régie.
Havia ainda a despeza com os escriptores, com as machinas e utensilios, e tudo isto havia de trazer grandes despezas para o thesouro.
A fixação dos salarios havia de ser tambem uma das maiores difficuldades em que o governo se havia de encontrar.
Mas dizia a commissão e o governo que não havia maneira de se sair do statu quo senão por meio da régie. Havia outro meio, que era voltar á vigencia da lei de 18 de agosto.
O que havia de terrevel no regimen da régie era o ponto da capitalisação dos lucros industriaes.
Os portadores de acções ficavam recebendo 12 por cento, auferiam os lucros das suas acções, e o estado só auferia o lucro commercial do seu dinheiro.
Se a régie não desse bons resultados ter-se-ia, de passar para o monopolio, e o estado seria obrigado a vender as fabricas perdendo grandes sommas n'essa venda.
E que a régie não havia de durar muito, era para si certo, por isso que o sr. ministro da fazenda entrava de má vontade na régie, e havia de dar uma lição ao sr. presidente do conselho, que se oppozera ao monopolio.
Desejava antes de concluir fazer algumas perguntas.
O emprestimo de 7.200:000$000 réis era feito em concurso ou não?
Eram garantido sós lucros cessantes o todas as fabricas? Com que direito se garantiam os lucros cessantes ás fabricas que se recusaram a entrar no gremio?
Fica entendido que as companhias nacionaes respondem por todas as suas dividas?
Fica entendido que o estado só recebe como activo o que forem despezas reaes?
A este respeito parecia-lhe necessario que houvesse ex-categoricas.
E quanto á cotação das acções: porque é que se marcava a cotação de 31 de dezembro de 1886, e não a cotação de 3l de março de 1887?
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Disse que a rasão era porque a cotação de dezembro era inferior.
O Orador: - Disso que a cotação posterior a março é que era superior. Alem d'isso, as acções era 31 de dezembro tiveram no mesmo dia differentes cotações; como só fazia a liquidação?
Pelo projecto ía-se fazer partilha dos lucros com o pessoal operario, e se pertencesse a qualquer banco ou companhia, passariam os seus fundos para o tabaco, porque era muito melhor.
Entendia que o projecto era uma enorme desgraça financeira para o estado. A régie era um verdadeiro guet-apens feito ao sr. presidente do conselho, e era o mesmo que pôr as finanças publicas ás ordens de uma companhia.
Depois de mais algumas considerações concluiu, mandando para a mesa as seguintes:
Moções
A camara, reconhecendo que só do aperfeiçoamento do regimen da liberdade de industria dos tabacos poderão resultar vantagens reaes para as finanças publicas, para as classes dos manipuladores e revendedores, e para os consumidores, continúa na ordem do dia. = João Arroyo.
Considerando que o projecto de lei que toma como base para fixar o preço da expropriação das fabricas de tabacos, não só o equivalente dos capitães effectivamente empregados n'esta industria, mas tambem o quantitativo dos lucros alem de uma certa percentagem; ou estes se computem pelo que resulta dos balanços, ou pelo excesso acima do par da cotação das acções;
Considerando que, para os effeitos da expropriação, só podem ser attendidos aquelle excesso e aquelle computo na parte em que correspondam ao legitimo e regular exercicio da industria do fabrico de tabacos;
Considerando que na régie franceza e igualmente na italiana as quantidades de materia prima (folha de tabaco) excedem a do tabaco manipulado, ou quando excepcionalmente dá algum beneficio, é este insignificante; emquanto que em Portugal a materia prima é consideravelmente inferior ao producto fabricado; e que a differença entre esta proporção e aquella é tamanha, que só poderá ser attribuida á perfeição relativa do fabrico e á diversidade das proporções das especies de tabaco manipulado de cada paiz em confronto com os dos outros paizes, quando um inquerito minucioso e rigorosas experiencias destruam todas as duvidas a este respeito;
Considerando que o governo póde mandar proceder a estas experiencias, porque está na posse effectiva de algumas fabricas de tabaco; e que este mesmo facto facilita a realisação do inquerito e o apuramento da verdade, tão necessario para o calculo da expropriação, como para o das vantagens a auferir da régie;
Considerando que os balanços das fabricas de tabacos foram classificados pelo sr. relator do projecto, por parte da commissão de fazenda, como podendo ser ficticios, e por consequencia inexactos os respectivos relatorios;
Considerando que esses relatorios serviram de base aos calculos do governo sobre as vantagens da régie, e que, admittida a hypothese por parte da commissão de fazenda, de serem inexactos esses relatorios, admittida fica pela mesma commissão a hypothese de serem erroneos esses calculos de vantagens;
Proponho:
1.° Que o governo mande proceder, em uma ou mais fabricas de tabacos na posse do estado, e sob uma fiscalisação rigorosissima, ás experiencias necessarias para se apurar quantos kilogrammas de materia prima são neces-
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sarios para fabricar 100 kilogrammas de cada uma das especies de tabaco manipulado nacional, que actualmente são consumidas no paiz.
2.° Que seja nomeada uma commissão de inquerito parlamentar, que apure, em relação a cada fabrica, e em relação a cada um dos annos de 1886 e 1887:
a) A existencia, por especies, de tabacos em rama, no primeiro e no ultimo dia do anno;
b) O quantitativo de tabacos em rama, que durante o anno deram entrada nas fabricas;
c) O quantitativo de cada uma das especies de tabaco manipulado durante o anno;
d) O quantitativo de tabacos (materia prima) despachados para importação ou arrematação na alfandega;
e) Todos os demais elementos necessarios, não só para formular um balanço exacto, mas tambem para o rectificar devidamente, se se apurar que, houve qualquer dolo ou fraude no peso declarado dos tabacos manipulados, ou introducção de materias estranhas, ou acquisição de folha de tabaco contrabandeada, ou por outro qualquer meio.
3.º Que se aguarde o resultado d'aquellas experiencias e d'este inquerito para se resolver definitivamente sobre a adopção da régie e principalmente sobre as bases que devem regular o preço das expropriações das fabricas de tabaco. - O deputado pelo Porto, João Arroyo.
Estas propostas foram admittidas e ficaram em discussão juntamente
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é trabalhos em commissões; e para sexta feira e a continuação do projecto de lei n.°
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Representação mandada publicar n'este Diario
E N.º 121
Senhores deputados da nação portuguesa. - Os escrivães de direito e tabelliães da comarca de Ancião vem perante os representantes da nação advogar os interesses da sua classe, que se lhes afiguram prejudicados com o projecto da nova organisação judiciaria apresentado pelo nobre ministro da justiça.
Prestâmos inteira homenagem ao zeloso ministro, que, com uma tenacidade não vulgar nos tempos que vão correndo, se esforça em levar a effeito uma reforma reclamada ha já cincoenta annos.
Mas por isso mesmo que a reforma é de grande vulto, complexa e difficil na sua realisação pratica, porque tem de innovar o que a lição da experiencia demonstrou conveniente e proveitoso, seja-nos licito fazer sobre o assumpto algumas considerações, certissimos de que a justiça nos será feita.
Póde com rasão dizer-se que em o nosso paiz não existem empregados que mais trabalhem e cuja occupação seja mais fatigante e ruinosa do que os da classe a que pertencemos.
A alta consideração em que é tido o poder judicial faz com que todos os governos incumbam a este a resolução de todos os assumptos concernentes á segurança, justiça e administração, e das simples relações civis ou criminaes têem os nossos tribunaes que occupar-se, já do recrutamento, já do recenseamento, já de execuções fiscaes e tantas, outras, augmentando assim o nosso trabalho, sem que nos augmentem os proventos, o nunca da classe saiu um grito contra esta flagrante injustiça.
Pelos melhoramentos introduzidos na nossa legislação e por outras quaesquer causas economicas, é de todos sabido que têem soffrido sensivel diminuição os proventos dos nossos logares, e tudo isto parece ainda aggravado com o que passamos a enumerar:
1.° O decreto de 29 de julho de 1886, que creou os julgados municipaes, prejudica consideravelmente os escrivães das comarcas a que pertencem aquelles julgados, e esta verdade, reconhecida de todos, tambem o é pela reforma, pois que procura dar a estes uma compensação condigna, o que não consegue todavia, porquanto não podemos indicar vantagens o antes prejuizos que nos traga a mesma reforma.
2.° Pelo artigo 207.º $ 1.°, o distribuidor fica sendo archivista dos feitos findos de todos, os cartorios da comarca. É certo que a nova organisação judiciaria não postergou o liberal principio dos direitos adquiridos, e que portanto está innovação irá tendo a sua realisação pratica com ó fallecimento dos actuaes escrivães, o que se nos afigura de incontestavel justiça, porque do contrario ficariam estes funccionarios privados dos proventos que lhes advem dos processos findos e que representam quasi sempre uma consideravel receita nos seus já tão minguados interesses.
Mas, srs. deputados, se a reforma vier a reunir em um só os cartorios dos escrivães de cada comarca, esta medida, posto que pareça de grande alcance para? o publico, mal se compadece, em nossa humilde opinião com a existencia de um archivo especial, com a ordem e regularidade do serviço e com a responsabilidade que cada empregado tem no desempenho dos trabalhos que lhe competem, responsabilidade que é peculiar e não collectiva, pelo que se tornaria embaraçoso e difficil o andamento dos processos, dando até azo, porventura, a dissènções entre os mesmos empregados; pois é indubitavel que este ramo de publico serviço não é homogeneo de outros que são exequiveis em commum, sob a direcção de um chefe.
Daria, porém, a nosso ver, o mesmo resultado de conveniencia e accessibilidade para o publico, fazer installar os cartorios em um edificio adequado, mas inteiramente separados cada um d'elles, com casas sufficientes e apropriadas e a exemplo do que já é pratica em algumas comarcas; e assim ficaria tambem satisfeito o fim que o incansavel reformador teve em vista, com o respeito pelos nossos direitos e pelos interesses da classe.
3.° A nota é um dos pontos que não devemos deixar passar sem reparo. Diz o substancioso relatorio n'esta parte que ella representa em muitos casos, a principal fonte de receita para o escrivão, que, sem ella, em grande numero de comarcas mal poderá subsistir; que não ha maneira de lh'a tirar, senão reduzindo o numero dos officios.
E notavel, srs. deputados e sr. ministro, que, como já representaram alguns nossos collegas, ao passo que os demais empregados publicos arrancam ao thesouro por successivas reformas, melhorias e confortos, a nossa classe, porventura a mais prestante do estado, só possa melhorar com o nosso sacrificio ou de nossos collegas.
Não cuidâmos do presente, porque bem sabemos que continuâmos a exercer o tabellionato, mas fallando em nome da classe, pretendemos demonstrar que no futuro ou a nota nos não seja tirada, ou que de contrario o thesouro compense o sacrificio.
Não comprehendemos que se recusem ao nobre ministro os meios de tornar proficua, racional e vantajosa a reforma a que a sua coragem metteu hombros.
4.° Aposentações. - Parece-nos excessiva a idade fixada de sessenta annos e não menos o periodo de trinta de effectivo serviço. E basta para tanto advertir que o escrivão de direito não tem horas regulamentares de serviço; trabalha do sol a sol, e em muitas comarcas, em que os proventos do cartorio não dão para ter um escrevente, precisam ainda fazer da noite dia. E não é com tal vida e tanto trabalho que o escrivão póde dar trinta annos do bom e effectivo serviço. Sêde humanos, reduzindo aquelles termos a cincoenta e vinte e cinco annos.
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994 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
5.° Transferencias por motivo de serviço,- Bem se comprehende que o sabio reformador, no remanso do seu gabinete, não tacteou as baixezas da politica sertaneja, que nas suas desvairadas exigencias póde collocar o empregado na contingencia de faltar ao cumprimento do seu dever ou ser transferido.
Ou o empregado cumpro com o seu dever, e n'este caso a transferencia, sem ser a seu pedido, representa um castigo, que não merece, ou o empregado não cumpre e seria então conveniente taxar na lei os casos em que mereça um tal castigo.
Fiscalise e superintenda o governo na ordem dos serviços publicos, mas não fique porta aberta para abusos, sempre injustificaveis.
Por ultimo, e para não distrahir a vossa attenção, senhores deputados, que é reclamada para muitos e momentosos assuntos, os supplicantes vem ainda expor a v. exas. quão iniquamente são collectados pelos proventos que auferem, pagando contribuição industrial, que recáe nas lotações dos seus empregos e que, conjunctamente com as contribuições municipal e parochial, monta a uma cifra verdadeiramente extraordinaria, a ponto que os escrivães nas comarcas de l.ª classe ficam sendo maiores contribuintes (!) ao passo que os demais empregados publicos só pagam collectas diminutissimas e suavemente, pois estão sujeitos ao imposto de rendimento, com que os impetrantes desejam tambem ser tributados, em vez d'aquella contribuição; e com muito mais rasão, embora se abrisse uma excepção, visto que prestam nas causas crimes e de fazenda, que processam, não pequenos serviços ao estado, que não os remunera com um ceitil por este trabalho, nem lhes paga as despezas que de seu bolso fazem.
Ácerca d'este importante assumpto já os supplicantes o outros seus collegas levaram ao seio da representação nacional, em 1884, uma representação, para a qual esperam que v. exa. se dignem olhar favoravelmente, substituindo a contribuição industrial que pagam es empregados judiciaes pelo imposto de rendimento, por mais justo o equitativo.
Não nos seja madrasta a nação a que damos o melhor e o mais precioso da nossa vida; e n'estes termos, os abaixo assignadoa, adherindo a tudo que lhes não for contrario o que tenha sido representado pelos seus collegas - Pedem aos dignos deputados da nação hajam por bem attendel-os.- E. K. M.cê - Ancião, 24 de março de 1888. - (Seguem-se as assignaturas.}
Redactor == Rodrigues Cordeiro.