SESSÃO N.º 58 DE 18 DE ABRIL DE 1902 21
pelo culto do passado em harmonia com os estimulos do futuro, tem sido muitas vezes a salvadora das nações nas suas crises mais graves. (Apoiados).
Em Portugal todas as epocas mais notaveis da actividade nacional teem sido assignaladas por obras de arte que ficaram perpetuando, ao par das glorias de um povo, as suas qualidades artisticas: durante a Reconquista, os bellos monumentos, fortalezas templos, palacios, onde brilha por vezes a arte mudejar; antes de D. João I, Alcobaça e os relevos dos tumulos de D. Pedro e D. Ignez; com D. João I, a Batalha, producto do genio nacional combinado com a arte cosmopolita que encheu a Europa de productos similares, poema de pedra que entre nós perpetua a affirmação poderosa da independencia portuguesa; com D. Manuel os Jeronimos e a formosa Torre de Belem, memorando as nossas conquistas, que tantas novas influencias trouxeram á architectura, a pintura, ao mobiliario em Portugal; com D. João V, com D. José I, com D. Maria I, com D. Fernando, animações de arte de diversa natureza, consoante as preoccupações da epoca; mas sempre, desde os tempos mais remotos, o gosto artistico manifestando-se por construcções valiosas, pela acquisição de artistas estrangeiros e de obras de arte, pela educação de artistas portugueses no estrangeiro, pois só no tempo de D. João II e de D. Manuel havia 50 pensionistas portugueses em Paris, pela criação de industrias artisticas como ns de obra de talha, esculpturas em barro, ourivesaria, azulejos, filigranas, mobilia, revelando as disposições nativas do nosso povo para os assumptos de natureza esthetica. (Apoiados).
Não é nestas condições, que um Parlamento pode negar a despesa de pouco mais de 2:000$000 réis annuaes, mesmo nas actuaes condições precarias do Thesouro, quando, sobretudo, o Ministro que pede uma verba tão modesta para satisfazer uma necessidade tão imperiosa, tem criado no seu Ministerio, e só em questões que dizem respeito á instrucção, economias ou receitas annuaes importantes, das quaes eu citarei apenas tres: - as propinas que hão de provir das novas cadeiras criadas; a eliminação das verbas aos normalistas, orçadas em 15:000$000 réis; o producto dos registos na Torre do Tombo, determinados pelo decreto de 24 de dezembro de 1901, producto orçado era 20:000$000 réis, mas que já hoje se pode calcular, pelo que tem produzido, que subirá a réis 30:000$000, sendo a meu ver ainda susceptivel de maior augmento.
Quer-me parecer, Sr. Presidente, que quem realiza economias e cria receitas d'esta natureza, tem direito a pedir a applicação de uma verba tão somenos para medida de tanto alcance como é a reforma da Academia das Bellas Artes do Porto. (Apoiados).
Para se avaliar dos resultados financeiros de um Ministerio não basta analysar as medidas de per si, convem considerá-las no seu conjunto; e já aqui mesmo, nesta casa do Parlamento, foi sobejamente provado que das medidas adoptadas pelo Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino resultam importantes economias. (Apoiados).
Vou terminar, Sr. Presidente: não quero alongar-me em considerações que me levariam muito longe. Limitar-me-hei a pedir ao Sr. Presidente do Conselho que complete agora a sua obra, prestando toda a sua attenção aos assumptos artisticos, que no país não costumam geralmente merecer as boas graças dos poderes publicos.
Pode-se dizer, sem receio de desmentido, que a arte em Portugal tem sido dos menores concorrentes do Orçamento. Teem saído do país verdadeiras preciosidades artisticas, que podiam e deviam ter sido adquiridas pelo Estado; outras teem passado a mãos de particulares, e levarão qualquer dia fim igual; os nossos artistas, alguns dos quaes são verdadeiras glorias nacionaes, não encontram estimulos nos Governos; muitos dos monumentos mais caracteristicos estão em ruina, e muitas das restaurações teem sido realizadas por uma forma verdadeiramente barbara! Basta ler-se o bello livro de Ramalho Ortigão, O culto da arte em Portugal, para se ver quanto é urgente que os Governos pensem a serio no estado da arte e das cousas artisticas entre nós. Hão d'este notavel escriptor estas palavras que confirmam o que affirmei ha pouco:
«É pela arte que o genio de cada raça se patenteia, que a autonomia nacional de cada povo se revela na sua autonomia mental, e se affirma, não só peia sua especial comprehensão da natureza, da vida e do universo, mas pelo trabalho collectivo da communidade, na litteratura, na architectura, na musica, na pintura, na industria e no commercio. É pelo culto da arte e pela educação artistica que esse culto comprehende, que a producção industrial se especializa, se valoriza pela originalidade caracteristica do producto, e transforma pela prosperidade, unicamente determinada pelo ensino, toda a economia de uma nação, como se evidenciou nos ultimos tempos em Inglaterra, na Austria, na Allemanha, por via da simples reconstituição dos museus e da multiplicação das escolas».
Tratando especialmente da arte de pintura, dizia Francisco Vieira, o Portuense, no discurso de abertura da Academia de Desenho e Pintura, no Porto, no dia 10 de julho de 1802:
«O estabelecimento de uma Academia de Pintura e Desenho será certamente para Portugal um dos passos mais agigantados no caminho da sua civilização, prosperidade e adeantamento litterario. O desenho e a pintura são uma das mais solidas e instructivas bases de muitas bellas ideias. D'ellas depende a apuração do bom gosto, resulta a perfeição das fabricas e manufacturas; por ellas vimos no conhecimento do genio dos antigos; pulem-se as maneiras e costumes de uma nação, tomando um ar de elegancia que as distingue dos povos menos adeantados nestas sublimes artes».
São verdades incontestaveis; são noções de todos os tempos, mas cuja realização nem sempre constitue capitulo obrigado no programma dos Governos. Não podia, portanto, deixar de merecer o meu applauso e de todos quantos se interessam pelos progressos do país, que tão largo quinhão tivessem tido no programma do actual Governo, em cujas ideias politicas commungo, os assumptos relativos ás letras, ás sciencias e ás artes. (Apoiados).
A unificação do ensino artistico no Porto com o ensino em Lisboa não só porá termo a desigualdades e rivalidades que não teem razão de ser, não só satisfará uma justa aspiração d'aquella cidade, mas contribuirá fortemente para affirmar a unidade artistica de Portugal, longe de todo o espirito de parcialidades e de conventiculos só proprios para prejudicar a arte portuguesa, que tem de ser inspirada e movida pelo mesmo sentimento, e os artistas portugueses que devem todos constituir uma mesma familia.
Se o Porto tem os distinctos artistas, cujos nomes deixei citados, não menos illustres, não menos notaveis, não menos credores da consideração e apreço do país são os artistas da escola de Lisboa que outrora se chamaram Domingos Sequeira, Lupi e Ferreira Chaves entre os mortos, e entre os vivos se chamam Salgado, Carlos dos Reis, Malhoa, Columbano, Simões d'Almeida, Costa Motta, José Luis Monteiro, Nunes Junior e tantos outros. (Apoiados). Todos são lustre e gloria da patria commum!
Felicito, portanto, o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, felicito o Governo, felicito a nobre cidade do Porto, que tenho a honra de representar nesta casa do Parlamento, e felicito o país por se ir converter em lei este projecto que reputo de elevado alcance para Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado}.