22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O Sr. Antonio Cabral: - Sr. Presidenta: não seria ou que combateria este projecto, modificado, já se vê, porque não concordo com muitas das suas disposições, se não fosse o momento de despesa que elle acarreta. E, no momento em que vamos discutir um convenio com os nossos credores e externos, todo o projecto que trouxer augmento de despesa, representa um verdadeiro crime nacional. É este o ponto de vista do projecto, verdadeiramente odioso, e com o qual, ninguem que seja sinceramente patriota, pode concordar.
Se fosse num momento em que o país progredisse, e a nossa situação financeira levasse outro caminho, que um projecto como este viesse ao Parlamento, de acordo; mas que na hora triste em que o país precisa de mudar do rumo e necessita, como disse ha dias o Sr. Presidente do Conselho, do mudar de costumes, se traga ao Parlamento um projecto como este, em que a despesa augmenta em mais 2:000$000 réis, isso é que ninguem, que seja verdadeiramente amigo do seu país, pode acceitar. (Apoiados).
Todos nós sabemos como em Portugal estão desprezadas as bullas artes. Temos ahi um monumento, como é a Torre de Belem, essa incomparavel perola de estylo manuelino, a provar a nossa incuria e o nosso desprezo pela arte, porque no seu lado consentimos aquelle infame gazometro a estragá-la, a engrecê-la e a occultá-la ás vistas d'aquelles que visitam o nosso país.
Mais: a restauração da Batalha e dos Jeronimos é feita de uma forma tão contraria a todas as regras da arte, que demonstra bem claramente que no nosso país ha um desleixo absoluto em tudo quanto respeita ás bellas artes. E basta, como exemplos...
Portanto tudo quanto fosse melhorar as bellas artes, impulsioná-las, dar-lhes vigor, alento, vida, teria a minha approvação se os recursos do Thesouro fossem compativeis com esses melhoramentos e com a forma de dar á arte nacional o progresso do que ella carece.
Quem percorrer os outros paises da Europa, com verdadeiro interesse por assumptos de arte; quem for á Italia e, vir esses monumentos e esses museus incomparaveis de Napoles, Florença e Roma, onde se admiram as maravilhosas obras primas de Miguel Angelo, de Rafael de Urbino, do Leonardo de Vinci, de Donatello, da Corregio e de tantos outros; quem for á Belgica e examinar ahi as assombrosas telas de Rubens e de Rembrandt; quem for, mesmo, á Hespanha, a patria de Murillo, de Velasquez, de Ribera, onde ainda hoje se revela o talento de notaveis artistas que estudam os modelos legados pelos grandes mestres que o ouro hespanhol antigamente attrahia ao reino, como succedeu, por exemplo, no tempo de Filippe II, que chamou para o seu país mestres estrangeiros, indo assim, augmentar, como ainda hoje se vá no Escurial, os thesouros artisticos da nação; quem examinar o museu do Louvre, o de Versailles e todos os museus da França, essa foi formosa nação que na Renascença, sob Francisco l, fez vir da Italia artistas como Vinci, Cellini, dei Sarto, para educar os seus alumnos; quem percorrer o museu do Prado, em Madrid, e o comparar e comparar tudo o que deixo dito com os nossos museus, com os nossos monumentos, com todas as nossas manifestações estheticas e artisticas, sente uma tristeza verdadeiramente invencivel, uma dor profundamente esmagadora!
Nós temos muito pouco, quasi nada, e portanto não era de estranhar que se desse á arte esse impulso de que ella careço; mas, repito mais uma vez, para isso, era necessario que tivessemos os recursos precisos.
Por isso não posso concordar com este projecto, principalmente porque elle vem eivado d'este feio vicio de trazer um augmento de despesa perfeitamente intoleravel, não só pelas circumstancias afflictivas do thesouro, mas porque estamos em vesperas de discutir um convenio que nos traz encargos novos.
Não podem desprezar-se estas circunstancias para se estar a votar hoje mais um projecto que augmenta a despesa publica. (Apoiados}.
Note V. Exa., Sr. Presidente, que a approvação d'este projecto e de outros identicos, faz revoltar a opinião publica, e se ella não se manifesta por uma forma energica, é porque o nosso país chegou a um tal Estado de desinteresse e de indifferença pela governação do Estado, que não tem animo para se oppor por uma forma violenta a que se discutam e se approvem no Parlamento projectos d'estes.
E quem trouxe ao Parlamento este projecto?
Foi o Sr. Hintze, a quem já hoje ouvi fazer tantos elogios o que em assumptos da arte tem o conhecimento, o criterio, que eu vou mostrar á Camara, lendo no Summario das Sessões o que S. Exa. disse na sessão de hontem.
(Leu).
Ora quem tem o conhecimento que S. Exa. tem de um monumento de arte como é a Torre de Piza, cujos 294 degraus eu já tive o prazer de subir, que data do seculo XII e tem uns alicerces mais firmes do que a chefia politica de S. Exa.; quem tem assim uma noção de arte como tem o Sr. Hintze Ribeiro...
O Sr. Presidente do Conselho (Ernesto Hintze Ribeiro): - Eu não disse o que está ahi. Eu fiz as considerações que estava no direito de fazer, e disse que a argumentação do illustre Deputado a quem respondia, era inclinada como a Torre ao Piza, não tendo consolidados os alicerces, e que portanto desabava.
O Orador: - Eu li o que consta do Summario das sessões, já de proposito para que as minhas palavras não fossem taxadas de suspeitas. Ora o que aqui está é isto, e é o mesmo que eu tinha lido no jornal O Seculo e depois vim ver confirmado no Summario. Pasmei, portanto, que o grande reformador das bellas artes portuguesas, que tem uma noção d'estas sobre a Torro de Piza, cujos 294 degraus, repito, já subi, viesse...
Uma voz: - Não disse isso.
O Orador: - Não tenho o direito de duvidar da palavra do Sr. Hintze Ribeiro, mas eu li textualmente o Summario das sessões, como a Camara ouviu; portanto, se as palavras que li não são exactas, S. Exa. envolve numa censura os empregados tachygraphicos d'esta Camara, e elles que vejam só essa censura e merecida ou não, e que lh'a agradeçam. No entanto, sempre direi ao Sr. Presidente do Conselho que se porventura S. Exa. revir as provas do seu discurso, as modifique e emende, para que não se possa dizer que S. Ex.a. tem sobre a arte e sobre um tão notavel monumento artistico uma noção tão falsa.
Voltando ao assumpto, Sr. Presidente, eu direi que era justo que ao Porto se desse o que Lisboa já tem - uma Academia de Bellas Artes á altura devida.
Como já estranhou o Sr. Conde de Ponha Garcia, estranho eu tambem que ao Porto não se fizesse a justiça, a que o Sr. Hintze Ribeiro entendo que elle tinha direito, quando escreveu no seu relatorio:
(Leu).
Então se assim é, se a necessidade d'esta reforma era inadiavel para o Porto, porque não só decretou em dictadura?
Então, para Lisboa, fez-se dictadura, o para o Porto, apesar da inadiavel necessidade, não foi a reforma decretada em dictadura, e traz-se ao Parlamento este projecto?!
E note V. Exa., Sr. Presidente, que eu não estou encarecendo as dictaduras, mas notando apenas a contradicção do Sr. Presidente do Conselho.
Diz mais S. Exa. no seu relatorio.
(Leu).
Se ora uma flagrante injustiça, commetteu-a, então, o Governo, quando reformou a Escola de Bellas Artes de