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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Pires de Lima, pronunciado na sessão de 24 do março, e que devia ler-se a pag. 964, col. 1.ª

O sr. Pires de Lima: — Pedi a palavra, e vou usar d'ella para expor rapida e singelamente á camara algumas considerações sobre o projecto que acaba de entrar em discussão, o qual tem por fim annexar ao concelho de Ovar as freguezias de Esmoriz, Maceda, e Cortegaça, ora pertencentes ao concelho da Feira.

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara: não se ouve nada do que está dizendo o orador.

O Orador: — Agradeço a V. ex.ª os esforços que faz para tranquillisar a camara, mas parece-me que esses esforços, não serão efficazes.

Depois de uma discussão tão interessante como aquella que acabou, não é facil conciliar a attenção para um objecto tão árido como é este de que vou occupar-me. Creia, porém, a camara que eu serei o mais breve e resumido que me seja possivel.

O projecto que se discute tem, como ía dizendo, por fim transferir do concelho da Feira para o de Ovar as tres freguezias de Esmoriz, Maceda e Cortegaça, e eu apenas tenho a apresentar duvidas sobre a desannexação da primeira — Esmoriz — a qual a meu parecer devo continuara pertencer ao concelho da Feira, do que faz parte agora. São tres os argumentos apresentados pelo governo e reproduzidos pela illustre commissão de administração publica para justificar o projecto: — vontade dos povos; conveniencia de harmonisar a divisão judicial o politica com a administrativa; e finalmente a população. Estes tres argumentos vou eu examinar por sua ordem, e creio poder demonstrar que nenhum d'elles colhe.

Segundo, a affirmativa do sr. ministro do reino e da illustre commissão de administração, a freguezia do Esmoriz que pertenço ao concelho da Feira, prefere fazer parte o ser encorporada no concelho de Ovar.

Reconheço que em qualquer divisão territorial a vontade dos povos é um elemento que não pede ser posto de parte, o antes pelo contrario deve ser muito o muito attendido, mas a vontade dos povos não se presume, é um facto que só se pôde demonstrar por documentos.

Vejamos pois quaes os documentos que existem.

O governo, e a illustre commissão, no seu parecer, affirmam que estando em vigor o decreto do 5 de abril de 1869, pelo qual o poder executivo estava auctorisado a transferir freguezias de um concelho para outro concelho, ou de uma comarca para outra comarca, quando dois terços "dos. eleitores assim o requeressem, os habitantes de Esmoriz pediram para fazer parte da comarca e do concelho de Ovar, e que sendo a primeira, pretensão satisfeita, pelo decreto de 23 de novembro de 1875, no qual o governo em virtude das faculdades que lhe concedeu a lei de 14 de abril de 1874, mandou que esta freguezia juntamente com as duas de Cortegaça e de Maceda formassem um julgado e passassem para a comarca de Ovar, faltava apenas attender á segunda, a qual não pode ser ainda resolvida, porque o processo mandado instaurar pelo ministerio do reino, segundo o costume, não se concluiu antes da lei de 6 de maio de 1878 que transferiu, do governo para o poder legislativo, as faculdades de alterar a circumscripção dos concelhos, e por isso o governo vinha agora, ao parlamento, em observancia da lei vigente, e, para fazer a vontade dos povos, propôr que á freguesa de Esmoriz fosse concedida a sua annexação ao concelho de Ovar.

De feito, ha duas representações d'esta freguezia. A primeira feita em 1871; a segunda em 1876; aquella pedindo a annexação a Ovar para os effeitos administrativos o judiciaes, esta só para os administrativos.

Examinemos, porém, o valor do cada uma d'estas representações.

A respeito de ambas, foi ouvida a procuradoria geral da corôa, cuja opinião, por todos reconhecida como competente, ninguem por certo averbará de suspeita.

Da primeira, diz á consulta dirigida ao governo, as seguintes palavras, para as quaes chamo a attenção da camara:

«Mostra-se das representações juntas do processo anterior, assignadas no fim do anno de 1871 e principio de 1872, quanto era volúvel a vontade, assim dos eleitores, como dos outros que o não eram, requerendo, ora que se decretasse a desannexação, ora, reclamando as suas assignaturas, e protestando contra os meios empregados para se obterem.

«Esta inconstância dos eleitores foi a causa da confusão do processo, e da difficuldade do se verificar a maioria dos dois terços, com relação a cada uma das freguezias requerentes, como se mostra da instrucção junta, ao mesmo processo, a existencia d'este requesito essencial com preterições d’esta, ordem, apesar do minucioso exame a que procedi, nunca se apresentou ao meu espirito limpo de duvidas.»

Aqui está o que era a primeira representação. N'ella nunca se chegou a conhecer exactamente a vontade dos moradores, do Esmoriz, os quaes n'um dia appareciam pedindo a annexação, n'outro reclamando as suas assignaturas e protestando contra os meios que se tinham empregado para as alcançar. E note-se que entro os signatarios apparecem a fingir de eleitores muitos que não estavam recenseados, q que revela a má fé deste documento, e lhe tiraria grande parto da sua força, se elle realmente tivesse alguma.. Vamos agora á outra representação feita em 1876. Ouçamos antes de tudo a opinião da procuradoria geral da corôa a respeito d'ella. Leio as palavras da consulta:

«As representações ultimamente juntas, em que de novo se requer a transferencia das tres parochias do concelho da Feira para o de Ovar, a que já pertencem judicialmente, removem em parte essas duvidas, mostrando pelo confronto das assignaturas com os nomes inscriptos no recenseamento junto, de 1876, bojo era vigor, que já existo a maioria dos dois terços dos eleitores, relativamente ás duas freguezias, a de Cortegaça e a de Esmoriz.

«No estado actual do processo anterior, e como, nos termos em que eu entendo o decreto de 15 de abril de 1869, nem se devam tomar as assignaturas dos eleitores que firmaram as primeiras representações, com as que se encontram nas segundas, e mais recentes; nem extrahir a maioria legal de dois recenseamentos pertencentes a annos diversos, tendo decorrido quatro annos do permeio:

«É meu parecer que para simplificar o processo, se remetiam ao governador civil da districto do Aveiro as tres ultimas, representações inclusas para que este magistrado as mando instruir com as informações das juntas do parochias das tres freguezias requerentes, a das duas camaras municipaes da Feira e Ovar, e o parecer, do conselho de districto, tendo em vista o recenseamento de 1876, em vigor ao tempo em que foram assignadas, e actualmente.»

Está claramente manifestada a, vontade do povo, diz a procuradoria geral da corôa, mas, para evitar duvidas, colham-se informações de varias corporações, começando pela junta de parochia.

E não foi inutil a lembrança. A junta de parochia revelou cousas curiosíssimas.

Que eleitores são estes que assignam? Muitos são almas do outro mundo, responde a junta, pessoas que já tinham morrido antes de se fazer a representação! Eu noto, como