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1064 DIÁRIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei da reforma constitucional

Leu-se na mesa. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.º 13

Senhores.- Rever legal e tranquillamente o código constitucional, alcançando pela emancipadora evolução das idéas, pelo movimento progressivo e civilisador da sociedade, o que poucas nações conseguem sem assignalados desastres e grandes sacrificios; é facto que deve registar-se: não só por dar prova cabal da indole pacifica que distingue o povo portuguez, mas tambem porque é testemunho certo de que a liberdade acceita, respeitada e defendida pelo espirito nacional, dá garantia bastante para se realisarem todas as conquistas racionaes e justas sem as convulsões anarchicas da revolução ou despotismo
Na verdade, posto que muitas vezes irreflectidamente o neguemos, e com descuidado critério queiramos ir buscar exemplos às nações que luctam ainda para sanccionar em leis o que temos como direito indiscutivel; podemos já hoje affirmar que não existe paiz no mundo onde o cidadão gose com maior independência seus direitos, ou lhe estejam mais garantidos e respeitados.
Não quer isto dizer que é perfeito o nosso estado social, e não temos graves e difficeis problemas para resolver; mas é certo que difficuldades iguaes áquellas que nos embaraçam, ainda não foram resolvidas por outra qualquer nação.
No caminhar triumphante e redimidor da democracia, não permanecemos distanciados das nações que timbram de ser cultas.
Pouco mais de meio século vae decorrido desde que se estabeleceu em Portugal o governo representativo, e todavia alegra o espirito e robustece os ânimos contemplar o espaço andado já. Felizmente podemos affirmar com affouteza que não ha paiz onde sejam melhor acatadas as verdadeiras conquistas democráticas.
Aqui é livre o homem, como é livre o trabalho; livre a propriedade, como é livre o pensamento; a consciência humana não permanece vinculada; é livre a palavra, como é livre a imprensa, e as distincções sociaes que reconhecemos não são vexame para ninguém, mas sim nobre incentivo, pois para todos estão patentes os caminhos da fortuna, das honras e do poder.
Como os indivíduos porém, as nações devem sempre aproveitar ensejo favorável para melhorar os seus elementos de vida, as bases da sua organização; porque, se a evolução é lei eterna da natureza, para as sociedades humanas a evolução deve significar o movimento ascendente da civilisação do povo, e a justa applicação dos princípios da sciencia política nos limites que pelas condições sociaes forem traçados.
D'aqui vem que por vezes se impõe a cada estado a necessidade de rever o código fundamental para em seus textos e doutrinas fazer as modificações e inserir as reformas que a experiência, a licção dos factos, as alterações económicas, as necessidades publicas reclamam, a fim de conservar perfeita harmonia entre os costumes dos poros e as instituições que os regem e protegem.
Vão seria o intento de pretender encravar com a letra ou espirito immutavel da lei o movimento continuo das aspirações, a energia do pensamento, a incoercível força de independência que caracterisa os homens e os povos no presente século. Ha até, e a historia o mostra, no movimento gradual e progressivo das nações uma lógica immanente, ligando de tal modo as instituições aos costumes, que minados estes desabam aquellas, qualquer que seja o amparo com que pretendam escoral-as.
O trabalho de revisão, porém, demanda escrupuloso cuidado, especialmente nesta epocha denominada de renovação e transformação social em que por toda a Europa o chamado espirito novo, ambicioso e irrequieto, proclama a desordem como sendo o caminho mais rápido para realisar chimericas esperanças.
Fácil era formular em leis as theorias abstractas da sciencia, mais fácil ainda traduzir os códigos extranhos e promulgal-os como lei do paiz; mas de que valeriam essas leis, se o caracter nacional as não vivificava; de que serviria codificar princípios, se no governo das sociedades é indispensável sempre adaptal-os ás circumstancias, amoldal-os aos acontecimentos?
Não se apagam voluntariamente as tradições; não se reformam rápido os costumes; não se alteram facilmente as crenças; não se quebram a capricho as relações sociaes; nem o caracter nacional se modifica de um para outro instante: e d'estas tradições, costumes, crenças, relações sociaes, de tudo emfim que forma o caracter nacional de um povo, é que naturalmente hão de resultar as instituições da sua constituição politica, sob pena de ficarem como letra morta, ou causarem incalculáveis perturbações e enormes perigos.
Necessário é, pois, que presida sempre o espirito conservador a qualquer reforma constitucional progressiva. Parece um paradoxo, mas é verdade inconcussa. Avançar lentamente para avançar com segurança; innovar a tempo; retemperar as instituições nas forças e no espirito do século,mas não sacrificar á seducção das theorias abstractas, mem mudar só pela imitação de extranhos, ou pelo desejo do experimentar novidades.
Na maior parte dos casos mais vale reparar o templo antigo do que derrubal-o para levantar edifício novo. Tem sido este o grande segredo da liberal Inglaterra, onde as modificações constitucionaes são quasi sempre um acto de conservação determinado por um progresso.
Nem de outra sorte se comprehende a vida social; para progredir é necessario conservar, para conservar é necessario progredir. Mal vae á nação que não souber alliar o respeito pelas suas tradições com as necessidades de movimento que resultam da acção civilisadora do tempo.
É tambem indispensável considerar, especialmente em nação como a nossa, tão matizada de partidos políticos, que na lei de garantias constitucionaes, para ser duradoura, para assegurar estabilidade às instituições e garantir a paz publica, deve haver uma tal amplidão, que no âmbito por ella traçado possam á vontade expandir-se as legitimas aspirações desses partidos, deixando campo largo e aberto, onde todas as idéas se contrastem livremente, e assegurando ao mesmo tempo tanto a tranquillidade dos que, satisfeitos com as conquistas já alcançadas, pretendem o repouso, como o trabalho assiduo, justo e honesto d'aquelles que pelos meios legaes procuram impulsionar e accelerar o movimento civilisador.
Não póde a constituição fundamental do estado ser destinada para garantia ou instrumento de um partido só, é absolutamente preciso que abranja e abrigue toda a nação á sombra das instituições que levanta.
É a liberdade a grande conquista das sociedades modernas; e a unidade absoluta dos espíritos na profissão das mesmas doutrinas um chimerico sonho que jamais terá realidade. A terra é arena cerrada onde constantemente ha de escutar se o ruido das disputas humanas. Superior porém a essas luctas, dominando tranquilla e justa, o combate das doutrinas deve em cada estado presidir a consciência nacional manifestada nas instituições constitucionaes, como a guarda vigilante dos direitos de todos.
Finalmente é mister um racional equilíbrio para se não cair nas theorias dos partidos extremos.
Ha homens a quem só apraz a contemplação do passado, e é grato viver no culto das ruínas: acreditam que a providencia cerrou com sete sellos o livro dos destinos humanos, e maldizendo as conquistas da liberdade, tremem a cada nova affirmação democrática, considerando funesta a pro-