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SESSÃO DE 6 DE ABRIL DE 1888
Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)
Secretarios os exmos. srs.
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cergueira Borges Cabral
SUMMARIO
Duas representasses mandadas para a mesa pelo sr. Lucena e Faro, uma da camara municipal do concelho de Castro Daire e outra das camaras municipaes de Tabuaço Armamar, pedindo a construcção de uns caminhos de ferro. - Requerimentos de interesse publico aprosentados pelos Srs. Serpa Pinto, Francisco José Machado e João Pinto. - Justificações de faltas dos Srs. Vasconcellos, Gusmão, Moraes Sarmento e Sebastião Baracho. - O sr. Francisco Machado participa que cumpriu a missão de ir desanojar o sr. Matheus Teixeira. - O sr. Serpa Pinto pede que seja suspensa, a sessão até que compareça algum membro do governo. - Declaração do sr. presidente. - O sr. D. José de Saldanha refere se ao fornecimento de annos para o exercito e a algumas das considerações feitas pelos srs. Fuschini e Moraes Carvalho em relação á crise agricola. - Auctorisa se a publicação no Diario do governo das representações apresentadas pelo sr. Lucena e Faro. - O sr. Teixeira e Vasconcellos justifica as suas faltas ás sessões e apresenta um projecto de lei creando caixas de seguros contra a mortalidade, por doença ou desastre, do gado bovino, cavallar e ovino. - 0 sr. Franco Castello Branco pede a comparencia do sr. ministro do reino para lhe dirigir algumas perguntas a respeito do uma circular do sr. governador civil de Braga. - O sr. Ribeiro Ferreira troca explicações com o sr. ministro da fazenda sobre o concurso para fornecimento de pannos para a policia fiscal. - Occupa-se detidamente do mesmo assumpto o sr. João Arroyo. - O sr. Simões Ferreira manda para a mesa, para ser impresso, o parecer da commissão do administração publica sobre o projecto de lei que approva o contrato provisorio para a illuminação a gaz da Povoa de Varzim.
Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.º 23, que altera o regimen do fabrico dos tabacos - Defende o projecto, em largas considerações, o sr. Antonio Maria de Carvalho, que apresenta uma moção de ordem.
Abertura da sessão - Ás duas horas e quarenta minutos da tarde.
Presentes á chamada 52 srs. deputados. São os seguintes: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Antonio Castello Branco, Ribeiro Ferreira, Jalles, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Barão de Combarjúa, Eduardo de Abreu, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Candido da Silva, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Avellar Machado, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Abreu Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, José de Saldanha (D.), Julio Graça, Julio Pires, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Martinho Tenreiro, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Campos Valdez, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Gomes Neto, Pereira Borges, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Santos Crespo, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Madeira Pinto, Mattoso Santos, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Cardoso Valente, Izidro dos Reis; Vieira de Castro Rodrigues dos Santos, Silva Cordero, Oliveira Martins, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Alpoim, Oliveira Matos Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Santos Moreira, Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção Manuel José Vieira, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Pedro Monteiro, Dantas Baracho e Visconde de Monsaraz.
Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Sousa e Silva, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Ennes, Guimarães Pedrosa, Fontes Ganhado, Simões dos Reis, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro, Conde de Fonte Bella, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco Mattoso, Soares de Moura, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Jorge de Mello (D.), Jorge 0'Neill, Alves do Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, José Castello Branco, Ruivo Godinho, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, José Maria dos Santos, Santos Reis, Pinheiro Chagas, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Sebastião Nobrega, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada,
REPRESENTAÇÕES
Da camara municipal do concelho de Castro Daire, pedindo a construcção do caminho de ferro de Vizeu ao Porto pelo valle do Paiva.
Apresentada pelo sr. deputado Lucena e Faro, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.
Das camaras municipaes de Tabuaço e Armamar, pedindo a construcção do caminho de ferro do valle do Corgo para Villa Franca das Naves.
Apresentadas pelo sr. deputado Lucena e Faro, enviadas á commissão de obras publicas e mandadas publicar no Diario do governo.
REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja enviada a esta camara nota do numero de soldados e cabos promptos para o serviço, em todo o exercito, no dia 31 de janeiro, e igualmente nota dos musicos e corneteiros, officiaes inferiores e officiaes de todas as classes promptos para serviço no mesmo dia. = Serpa Pinto.
Requeiro que, pelo ministerio da guerra, se remettam a esta camara copias das actas da commissão de defeza de Lisboa e seu porto, que tenham referencia ao projecto do caminho de ferro de Lisboa a Cintra e Torres Vedras, sobre que a mesma commissão deu parecer em 11 de outubro de 1883. = .F. J. Machado.
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Requeiro que, pelo ministerio das obras publicam, seja enviada copia do seguinte documento:
Officio do concessionario da linha ferrea de Lisboa a Cintra e Torres Vedras, datado de 24 de setembro de 1883. = F. J. Machado.
Requeiro que me sejam enviados, pelo ministerio do reino, os seguintes documentos:
1.° Copia dos officios de 6 e 14 de setembro de 1887, remettidos pela direcção geral de instrucção publica á commissão inspectora, mandando fazer proposta relativa ao pessoal docente da escola normal do sexo feminino;
2.° Resposta da commissão inspectora de 21 de setembro de 1887, fazendo a proposta dos professores;
3.° Requerimento da commissão inspectora, pedindo a exoneração em 31 de dezembro;
4.° Officio do presidente da commissão inspectora de 21 de março ultimo, expondo os motivos por que pediu a sua exoneração;
5.° Portaria que nomeia o pessoal para a escola normal, datada dos primeiros dias d'este mez.
Sala das sessões, 6 de abril de 1888. = O deputado, João Pinto.
Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja enviada a esta camara a nota dos recrutas em divida, dos contingentes dos dois ultimos annos, bem assim o numero dos recrutas em divida do ultimo contingente, no dia 31 de março do corrente anno. = Serpa Pinto.
Mandaram-se expedir.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
Declaro a v. exa. e á camara que por motivo justificado não pude comparecer ás ultimas sessões da camara.
Sala das sessões, em 6 de abril do 1888. = O deputado por Evora, José Joaquim de Vasconcellos Gusmão.
Declaro que faltei ás sessões de 2, 3 e 4 do corrente, por motivo justificado. = Moraes Sarmento, deputado por Chaves.
Declaro que por motivo justificado faltei ás ultimas sessões. = Sebastião Baracho.
Para a secretaria.
O sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos, pelos ministerios da guerra e das obras publicas, com referencia ao caminho de ferro de Lisboa a Cintra e Torres Vedras.
Desejaria que v. exa. instasse para que não haja demora na remessa dos documentos que peço n'estes requerimentos.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa a seguinte:
Participação
Participo a v. exa. que cumpri o que me foi determinado por. v. exa., indo desanojar o sr. deputado Matheus Teixeira de Azevedo. = F. J. Machado.
Para a acta.
Os requerimentos vão publicados a pag. 995.
O sr. Serpa Pinto: - Como faltam ainda cinco minutos para as tres horas e nenhum dos membros do governo está ainda presente, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se concorda em que seja suspensa a sessão até que venha algum dos srs. ministros, que possa responder ás nossas perguntas ou transmitti1-as aos seus collegas. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Não me parece necessario que se suspenda a sessão, porque emquanto o governo não estiver representado, eu vou dar a palavra aos srs. deputados que desejem expor quaesquer considerações, sem exigirem a presença dos srs. ministros.
N'esta conformidade tem a palavra o sr. D. José de Saldanha.
O sr. Serpa Pinto: - Peço perdão a v. exa., mas eu ainda não acabei de fallar. O que eu pedi a v. exa. foi que consultasse a camara para que suspendesse a sessão até compareceu algum dos srs. ministros (Apoiados.) e agora...
O sr. Presidente: - Eu concedia agora a palavra ao sr. D. José de Saldanha, porque s. exa. deseja fallar, mesmo na ausencia dos srs ministros; mas logo que chegue algum dos membros do gabinete, darei a palavra ao sr. Serpa Pinto, ou a qualquer outro illustre deputado que quizer dirigir-se ao governo.
Pareceu-me que n'isto não haveria inconveniente. No emtanto, se v. exa. quizer, póde agora continuar no uso da palavra.
O sr. Serpa Pinto: - Perfeitamente de accordo; mas tenho agora de mandar para a mesa dois requerimentos que ao referem a documentos importantissimos, e que julgo indispensaveis para a discussão das leis constitucionaes que têem de ser presentes ao parlamento.
Peço a v. exa. que inste com o sr. ministro respectivo, para que esses documentos sejam enviados com a maior brevidade.
Os requerimentos vão publicados a pag. 996.
O sr. Presidente: - V. exa. fica inscripto para quando esteja presente o sr. ministro da fazenda.
O sr. D. José de Saldanha: - Sr. presidente, pedi a palavra pela rasão seguinte: na ultima rasão, hontem, 4, quando o sr. ministro da guerra se apresentou n'esta casa a prestar esclarecimentos sobre a questão dos pannos para o fornecimento do exercito, s. exa. fez o favor de se referir á minha pessoa a respeito de umas perguntas que eu, na sessão de 14 de março findo, fiz, baseadas n'umas informações, que me tinham sido communicadas, e das quaes resultava que para esses fornecimentos fôra condição essencial, indispensavel, o emprego das lãs merinas.
Ora eu não me achava n'essa occasião dentro do recinto d'esta sala, e por isso logo que fui avisado do que se passava, dei-me pressa em vir occupar o meu logar, mas quando o fiz já s. exa. tinha acabado de se referir a esse ponto, e não era já occasião propria para pedir a palavra, a fim de agradecer a s. exa. os seus esclarecimentos, e sobre elles dizer alguma cousa mais do que eu dissera era tempo.
Sr. presidente, pedindo hoje, pois, a palavra, para agradecer a s. exa. a sua boa vontade de esclarecer o assumpto perante o paiz, agradecimento que lhe constará, ou pelo extracto das sessões, ou por qualquer outra noticia do que aqui se passar hoje, não posso nem devo deixar de insistir comtudo n'um facto, que para mim tem grande importancia.
S. exa. affirmou que nos dois annuncios, publicados no Diario do governo, e mandando fazer as arrematações pelos padrões adoptados, não se fallava em lá merina, e, segundo me consta, s. exa. insistiu em que não havia, portanto, rasão de queixa por parte de quem affirmára que foi a condição essencial, indispensavel, o emprego das lãs merinas na fabricação dos pannos para esses fornecimentos.
Pois, sr. presidente, a meu ver, a questão, se mudou de figura, fica comtudo de pé, porque, pelas informações que tenho, embora nos annuncios não exista a condição explicita de que a lã merina devia entrar na fabricação dos pannos, é certo, ninguem o póde contestar, que esses fornecimentos foram feitos segundo os padrões offficiaes, que são os que foram approvados, ou estabelecidos, por uma commissão official, devida ao fallecido sr. Antonio Maria
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de Fontes Pereira de Mello, e esses padrões, conforme tambem me consta, foram fabricados com lã merina.
Quer isto dizer que effectivamente se dão, com relação á industria nacional, os inconvenientes que por mim foram apontados.
Fica por consequencia de pé a questão, porque a verdade é que, embora nos annuncios não se tenha indicado clara e francamente a condição de serem os pannos fabricados com lá merina, esses padrões typos, adoptados ou estabelecidos por essa commissão, exigem o emprego de lã merina!
Fica a questão de pé, sr. presidente, porque, emquanto esses padrões forem os legaes, as fabricas que forem aos concursos para os fornecimentos de pannos para o exercito - ficarão obrigadas a fabricar os seus pannos com a lã merina.
Eu poderia até citar alguma fabrica, existente em Portugal e que emprega quasi exclusivamente na fabricação dos pannos a lã merina, com prejuizo das lãs portuguezas, mas não me demorarei sobre esse ponto, nem tão pouco procurarei averiguar se as fabricas excluem dos seus productos as lãs portuguezas exactamente por effeito da existencia dos taes padrões.
Já que estou com a palavra, aproveito a occasião para fazer algumas considerações sobre certos e determinados pontos, que têem sido apresentados no decorrer da discussão de differentes questões, que têem sido levantadas no parlamento no corrente anno.
Uma das cousas que me magôa mais, sr. presidente, é ver e ouvir n'esta camara, incidentemente e no decorrer d'essas discussões, um ou outro orador, que, com o fundamento de que pertence a uma certa e determinada escola philosophica ou politica, parece querer fallar ex cathedra apresentando uma ou outra opinião como intallivel e que está muito longe de o ser.
Sempre que se dá esse facto o meu desejo seria, se fosse possivel, responder de prompto para contestar; mas isso é impossivel, e até seria inconveniente, porque correria o risco de me tomar massador.
Por outro lado, dada a possibilidade de fazer o que indico, e posta de parte a apprehensão de me tornar massa dor, não teria forças para resistir ao trabalho de estar sempre com os ouvidos attentos e pedir a palavra sempre que se apresentassem idéas contrarias ás que eu sustento.
Explicada a situação, resta um unico recurso: corre ao deputado a obrigação, de ir tomando notas, de registar os factos, para, na occasião mais opportuna sustentar e affirmar as suas idéas e rebater as contrarias.
Foi isto é que já me succedeu na legislatura de 1882 a 1884, quando estive quasi dois annos e meio á espera de occasião propria para accentuar as minhas idéas sobre um dado ponto.
Agora não tem decorrido ainda dois annos e meio, mas com certeza já são passados mais de quinze dias, e, aproveitando o ensejo, referir-me-hei, em primeiro logar, ao sr. deputado Augusto Maria Fuschini, que sinto não estar presente, mas a quem vou reponder desafogadamente, porque as minhas palavras são sempre fielmente reproduzidas pelos srs. tachygraphos e mantidas no Diario da camara.
S. exa. logo no principio da sessão legislativa, se bem me recordo, e tambem mais modernamente, faltou sobre varios assumptos referentes especialmente á crise agricola, e disse que uma das causas, que tinha levado alguns individuos a levantarem a bandeira da crise agricola, fôra a circunstancia de que a esses individuos seria desagradavel passar de uma situação mais favorecida da fortuna para outra menos favorecida.
Sr. presidente, quando tal ouvi fiz, desde logo, o firme proposito de, na primeira occasião que se apresentasse, rebater esta idéa, porque não é exacta.
Não é exacta, sr. presidente, porque, percorrendo o paiz de norte a sul defrontâmos com uma caracteristica que talvez passe para muitos desapercebida, mas que representa para num um grande progresso, e é que de norte a sul do paiz toda a gente trabalha.
Sr. presidente, desde que o principio do trabalho está generalisado em todo o paiz, desde que cada um de per si e todos juntos os cidadãos portuguezes são obrigados a trabalhar, ainda que não queiram, ou para manter a sua condição social ou para occorrer ás necessidades da sua familia, não póde avançar-se no parlamento uma proposição como a que o sr. Fuschini apresentou!
Não se póde sustentar que meia duzia de individuos levantaram a questão agricola para manterem uma certa posição social.
Sr. presidente, os factos demonstraram que essa opinião do sr. Fuschini é errada.
O que se passou no primeiro congresso agricola em Lisboa, em fevereiro d'este anno, prova que não foram só alguns individuos, que levantaram tal questão.
Ao congresso agricola vieram individuos de todos os pontos do paiz, e lá se encontraram muitos de chapéu alto fino de seda, mas tambem muitos de chapéu baixo de abas largas e com jaqueta.
Prova isto que a questão não é do apanagio de meia duzia de individuos, mas interessa a todos e a todo o paiz.
Vamos a outro ponto.
S. exa. tem tido occasião de se referir tambem aqui e por mais de uma vez á questão social.
Ninguem ignora que s. exa. se apresenta sempre aqui como defensor das classes menos favorecidas pela fortuna e todos sabemos que s. exa. se apresenta sempre como um dos sustentaculos, com que ellas podem contar no parlamento.
Eu não sou ninguem; não sou socialista, na accepção que muitos dão a essa palavra; não tenho para muitos a auctoridade que s. exa. possue, mas direi que ba n'esta casa muitos individuos que, sem seguirem as doutrinas de s. exa. e que julgo são em parte partilhadas por alguns membros d'esta camara, pelo contrario, seguindo idéas diametralmente oppostas, não têem perdido a occasião, sempre que ella se lhes tem offerecido, de se apresentarem aqui para defender, nos pontos em que ellas devem e podem ser defendidas, não só essas classes dignas de serem attendidas, mas todas, porque todas são dignas de attenção, partindo, como parte, do principio de que em todo o paiz se trabalha de norte a sul. (Apoiadas.}
Na minha, opinião todas as classes devem ser defendidas porque todas trabalham.
Tambem passarei a rebater uma opinião apresentada ha poucos dias aqui na discussão do projecto de lei n.° 23, sobre a fabricação dos tabacos, pelo deputado o sr. dr. Moraes Carvalho.
O sr. dr. Moraes Carvalho, já o anno passado, quando se tratou da questão de pautas, aqui sustentou uma, certa ordem de idéas em relação á questão dos cereaes. Não levo a mal isso, porque entendo que cada um deve ter rasões, que levem o seu espirito a partilhar certa ordem de idéas na resolução de uma dada questão.
O que é certo é que o sr. dr. Moraes Carvalho sustentou, incidentemente na questão dos tabacos, a mesma ordem de idéas que sustentara era 1887, e disse que a questão agricola tinha sido erradamente apreciada por alguns individuos debaixo do ponto de vista de lucros para os mogeiros. Emprego o adjectivo que hoje tem fóros de official e de academico, porque não quero melindrar seja quem for.
Ê claro que eu não posso levantar agora esta questão com toda à altura do debate que merece, mas, desde o momento em que uma opinião, a meu ver, errada foi novamente aqui accentuada por um cavalheiro de illustração, sem contestação alguma, e que tem a sympathia de nós todos, o que já tambem aqui foi affirmado e especialmente pelo illustre relator do projecto do tabaco, o sr. dr. Vi-
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cente Rodrigues Monteiro, eu não posso deixar de, pelo menos, dizer que não partilho a opinião de s. exa.
Acrescentarei mais que, quando em 13 de março findo foi apresentada n'esta casa do parlamento a representação dos moageiros, eu pedi a palavra no dia seguinte, para declarar que em occasião opportuna trataria de apreciar esse documento.
Se isso se verificar terei tambem occasião de responder directamente ao sr. dr. Moraes Carvalho, sobre questão de ceraes.
Sr. presidente, sou obrigado a dizer ainda mais alguma cousa. Lamento sempre que no parlamento eu vejo que um individuo, por mais esclarecido, por mais intelligente e por mais auctorisado que seja, no correr da discussão traz á téla do debate, talvez com mais propriedade á téla da conversa, questões que não estão directamente ligadas com o assumpto principal está em discussão.
Debaixo d'esse ponto de vista, se nós todos chegassemos ao ponto de nos convencermos de que as discussões aqui na camara, tanto mais teriam a ganhar, quanto mais elevadas ellas fossem, não pela sua extensão, nem pelo rendilhado dos discursos, mas pela elevação dos argumentos apresentados e pelo concentrado das syntheses empregadas, é fóra de duvida que teriamos conseguido muito, a avaliar pelo que me succede.
Sr. presidenta, vejo me muitas vezes seriamente embaraçado, quando aqui estou tres quartos de hora, e mais, a ouvir com todo o cuidado um discurso para o comprehender, para o synthetisar, e reconheço que o meu espirito, a minha intelligencia, tem de se sujeitar a dar verdadeiros saltos mortaes para acompanhar a discussão!
Magôa me isto sobremaneira.
Desejaria estar á altura de poder fazer n'esta occasião comprehender á opposição parlamentar que a verdadeira chave da discussão, quando se trata de um assumpto, está em discriminar quaes são os argumentos principaes que devem ser apresentados, para os mover, a homens esclarecidos, como entendo que devem ser considerados todos que aqui estamos, deixando de parte, ou no escuro, a serie de pequenos argumentos que de nada valem para esclarecer o assumpto, embora muitas vezes possam lá fóra ser aproveitados para outros fins.
Esses taes argumentos, admittindo que o sejam sempre, de certo não trazem vantagem alguma para esclarecer a discussão, e, a meu ver, produzem um grande prejuizo: fazer perder tempo, e quantos mais dias ficarmos aqui, mais ficará tambem sobrecarregado o orçamento do estado.
O sr. Lucena e Faro: - Mando para a mesa tres representações, uma da camara municipal de Castro Daire, outra da camara municipal de Tabuaço. A primeira pede que seja construido um caminho de ferro que ligue Vizeu com o Porto, pelo valle do Paiva, e as outras duas fazem igual pedido com relação a um caminho de ferro pelo valle do Corgo e por Lamego, a Villa Franca das Naves.
As vantagens d'estes caminhos de ferro são bem conhecidas, e eu não quero cansar agora a camara com considerações que a este respeito poderia fazer.
V. exa. sabe tão bem como eu quaes são essas vantagens geraes e locaes. Aquelles caminhos de ferro ligam as duas principaes cidades e regiões das mais populosas e productivas a nordeste da provincia da Beira Alta, com o Porto, que é o centro commercial com que essas regiões têem mais relações.
Limito-me por agora a pedir a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que as representações sejam publicadas no Diario do governo, e em occasião opportuna direi o que entender conveniente para mostrar a justiça dos pedidos feitos por estas camaras municipaes, aguardando por emquanto as resoluções do governo sobre este assumpto.
Permittiu-se a publicação, e tiveram o destino indicado a pag. 995.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Justificou algumas faltas ás sessões e apresentou um projecto do lei auctorisando o governo a crear no continente e ilhas adjacentes caixas do seguros contra a mortalidade, por doença ou desastre, dos animaes das especies bovina, cavallar e ovina.
Ficou o projecto para segunda leitura.
O sr. Franco CastellO Branco: - Eu tinha pedido a palavra, na esperança de que o sr. presidente do conselho comparecesse hoje n'esta camara, porque desejava chamar a attenção de s. exa. para uma circular do governador civil de Braga, sobre cobrança e deposito de emolumentos devidos ao tribunal administrativo; mas, visto s. exa. não estar presente, e como este negocio diz mais especialmente respeito á sua pasta, eu peço a qualquer dos srs. ministros presentes o obsequio de communicarem ao seu collega do reino o desejo que tenho de que s. exa. ámanhã, ou o mais breve que lhe seja possivel, compareça aqui para conversarmos sobre o assumpto.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Eu encarrego-me de prevenir
o sr. presidente do conselho dos desejos do illustre deputado.
O sr. Simões Ferreira: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto de lei n.° 27-E, a fim de ser approvado o contrato provisorio para a illuminação a gaz da villa da Povoa de Varzim.
Foi mandado imprimir.
O sr. Ribeiro Ferreira: - N'uma das sessões passadas tive occasião de chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para as condições arbitrariamente introduzidas no concurso de lanificios para a policia fiscal.
O sr. ministro da fazenda, a despeito das observações feitas, entendeu por conveniente approvar o concurso, sanccionando assim condições que até então ninguem se tinha atrevido a apresentar. (Apoiados.)
S. exa. em resposta ao meu collega e amigo o sr. Avellar Machado, disse em breves palavras a rasão do seu procedimento. E em verdade, sr. presidente, nunca se evidenciou tão efficazmente que para defender uma ruim causa não basta ter talento, é preciso mais alguma cousa, ter justiça, o essa infelizmente não estava do lado de s. exa. (Apoiados.)
Póde o sr. ministro da fazenda, com a sua muita habilidade, e com o prestigio da sua palavra, provocar os applausos de uma parte da camara, pôde; mas passada a primeira impressão, em todos ficará a certeza de que os preceitos do regulamento de contabilidade não foram attendidos, e que se estabeleceram condições que miravam mais a proteger interesses particulares que os da fazenda publica. (Apoiados.) Isso é que não soffre contestação.
Limitar-me-hei a demonstrar o que avanço, pondo completamente de parte quaesquer suppostas falsas que porventura se tenham dado ou tentado praticar em qualquer contrato, porque no primeiro caso a suspeita abrange as duas partes contratantes, e não é licito suppor que os conselhos administrativos, compostos de officiaes superiores, se prestassem a defraudar os soldados no interesse do arrematante; no segundo, resta provar se houve eu não o intuito de lesar a fazenda; no caso negativo não ha dolo, e o simples lacto de um artigo qualquer ser rejeitado nem sempre significa que elle seja inferior ás amostras.
Muitas vezes a materia prima empregada, a cardação, fiação e tecelagem são perfeitamente iguaes; e todavia não condiz com esse typo, por circumstancias especiaes de fabrico, que são conhecidas de todos os fabricantes e que surgem a cada passo. N'este caso, porém, a fazenda nada soffre, porque, pelas condições geraes do contrato, o arrematante é obrigado a substituir o artigo rejeitado, e não o fazendo no praso respectivo, ainda a fazenda não é prejudicada, porque tem a garantia do deposito para effectuar a compra no mercado por conta do arrematante. (Apoiados.}
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Posto isto, passo a referir-me ao concurso para o fornecimento de lanificios á guarda fiscal.
Em primeiro logar pergunto ao sr. ministro da fazenda se houve realmente concurso. Ninguem ousará responder affirmativamente. (Apoiados)
Concurso illusorio, isso sim; nem outra cousa se lhe póde chamar desde que se impunha a condição de comprar os lanificios a certa e determinada fabrica. (Apoiadas)
Quem é que sinceramente póde crer na lealdade de um tal concurso?
Comprehende-se, portanto, a rasão por que muitos industriaes se abstiveram de concorrer á arrematação. (Apoiados.) Ninguem deseja ficar á mercê de outrem para cumprir o contrato a que se obrigue. (Apoiados.)
V. exa. comprehende as variadissimas hypotheses a que um tal exclusivo póde dar logar. Escudada uma fabrica com um privilegio tão importante como este, póde de um momento para outro, e sob qualquer pretexto, elevar o preço do qualquer artigo, ou mesmo não o entregar, collocando assim o fornecedor na impossibilidade de honrar os seus compromissos.
Nenhum d'estes inconvenientes se dá quando o arrematante só é obrigado a entregar fazendas perfeitamente iguaes. E não me parece que legalmente se lhe possa exigir mais, a não se pretender, como agora, proteger abertatamente uma fabrica. (
Se os 10 por cento estabelecidos na lei como garantia para o cumprimento de qualquer contrato não são sufficientes, elevem-se. Ninguem se oppõe a que se tomem todas as cautelas precisas para salvaguardar os interesses da fazenda; (Apoiados) mas d'ahi a conceder monopolios vae uma grande differença. (Apoiados.)
O sr. ministro da fazenda disse que não se tinha escolhido arbitrariam ente um padrão, e que apenas se adoptou o que tinha sido preferido por uma commissão em tempo nomeada pelo ministerio da guerra para a escolha de lanificios para o exercito.
Não desejo referir me agora a esse assumpto, que em occasião opportuna foi larga e devidamente commentado; apenas direi ao sr. ministro da fazenda que a commissão só foi nomeada para escolher os padrões modelos, com o fim de obter a uniformidade de côr e qualidade, sem que tal escolha dispensasse, como não dispensou, o concurso que mais tarde se fez com vantagens importantes para a fazenda publica, como logo demonstrarei. (Apoiados.)
Disse mais o sr. ministro da fazenda que, suscitadas duvidas sobre a competencia da commissão, tinham as amostras sido enviadas ao instituto, e que o resultado confirmou as apreciações feitas.
Disse eu em aparte, e repito agora, que no instituto foram apenas analysadas as amostras escolhidas, e não todas as que a commissão tinha apreciado, de fórma que não houve confronto. (Apoiados.) No instituto limitaram-se a dizer que as amostras que lhe tinham sido submettidas a exame podiam servir para o fim a que eram destinadas, o que não quer dizer que outras não servissem igualmente. (Apoiados.)
Mas admittamos que de dez ou quinze amostras de qualquer artigo, só uma tinha as condições exigidas em qualidade e solidez do côr; seria esse facto de si sufficiente para determinar desde logo e adjudicação sem concurso; sobre o preço? De certo que não. (Apoiados.)
Se a qualidade é funcção importante, o preço não é menos, principalmente quando o consumidor não dispõe de avultados recursos, como no caso sujeito. O que se deveria; pois fazer? Realisar nos termos da lei o contrato provisorio, e em seguida abrir concurso para o contrato definitivo. (Apoiados.)
Assim procedeu o sr. visconde de S. Januario, e, circumstancia notavel, sr. presidente, já então se diligenciava obter condição analoga á que agora vingou! Pretendia-se que só fossem admittidas as fazendas das fabricas a que pertenciam as amostras!
O mesmo concurso illusorio! O nobre ministro da guerra, honra lhe seja, recusou a sua approvação a tão insolito pedido. É que s. exa. comprehendeu bem o alcance de tal concessão, e preferiu defender os interesses dos soldados.
E sabe v. exa. qual foi o resultado? V. exa. vae ouvir e admirar-se. Pelo documento que tenho presente, e é copia do original, resultou do concurso publico uma economia de 24:481$910 réis. Quer dizer, se o sr. Visconde de S. Januario concede o privilegio pedido, os soldados teriam de pagar a mais esta pequena cifra. (Apoiados.)
E note v. exa. outra cousa, e é que os vendedores dos artigos principaes foram precisamente os mesmos que assignaram o contrato provisorio. Na guarda fiscal, de que é commandante o nosso digno collega, o sr. Eliseu Xavier de Sousa e Serpa, succedeu outro tanto.
Escolhidas as amostras, s. exa. não concedeu privilegio, abriu concurso publico, e o resultado foi igualmente lisonjeiro. (Apoiados.) E note v. exa. que as amostras escolhidas não pertenciam á fabrica agora protegida!
O sr. ministro da fazenda provocou-me a demonstrar tambem que os lanificios adoptados para a policia fiscal eram diversos dos analysados para o fornecimento do exercito. É facil. Os lanificios são de tres qualidades, azul para casacos, azul para capotes, e mescla para calças.
O primeiro é superior em preço, por isso que a fabrica protegida pede 2$500 réis, e pelo do exercito, que foi vendido a 2$370 réis, pedia 2$400 réis. O segundo é um typo novo, porque se não têem usado capotes de panno azul. Com o terceiro succede o mesmo; as mesclas até hoje em uso são pretas e esta é clara.
Já v. exa. vê que a demonstração não é difficil.
Outra allegação do sr. ministro da fazenda, que carece de prova, é a seguinte:
Disse s. exa. que não houve tempo para realisar o concurso de amostras; mas sr. presidente, o decreto que organisa a policia fiscal, é de 17 de novembro; então até março não houve tempo mais que sufficiente?
E escolhidas as amostras, para que se estabeleceu o privilegio?
Por acaso as mais fabricas do paiz não têem iguaes operarios, iguaes machinismos, iguaes materias primas? Não adquirem as lãs nos mesmos mercados? Não têem justa serem tratadas com iguaes attenções? Não contribuem de igual modo para as despezas do estado? Por acaso as fabricas Daupias, de Lordello, no Porto; de Campos Mello & Mendes Veiga, na Covilhã; de Bibiano, em Castanheira de Pera, não são justamente consideradas entre-as primeiras do paiz?
Estas e outras não estariam no caso de produzir lanificios iguaes aos adoptados para o fornecimento da policia fiscal? Sem duvida alguma, e o sr. ministro da fazenda não o ignora. S. exa. sabe muito bem, que da escolha de amostras que precedeu a arrematação de panno azul para a guarda fiscal a cavallo foram approvadas e consideradas a par as amostras de duas fabricas. Tenho aqui o documento comprovativo. A analyse foi feita pelo nosso distincto collega dr. Mattoso. Mas não convinha saber cousa alguma. Era preciso afastar concorrentes, e dar o privilegio a uma fabrica, e por isso se mudou de systema!
Queixou-se depois da malária que tudo invade e ameaça subverter!
Haja mais cuidado no cumprimento da lei, cujo fim é não só evitar favoritismos, como impedir apreciações injustas e infundadas.
Quem assim não fizer tem de soffrer as consequencias do seu irregular procedimento: não se affronta impunemente a opinião publica, e os homens que mais alto estão collocados maior obrigação têem de a attender.
Limito por aqui as minhas considerações, sentindo que
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1000 DIARIO DA CAMA&A DOS SENHORES DEPUTADOS
o sr. ministro da fazenda me tivesse obrigado a tomar parte n'este debate.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Tinha dito ao sr. deputado pelo Cartaxo e aos srs. Arrojo, Arouca e Avellar Machado que este assumpto era sufficientemente importante para d'elle se tratar em sessão especialmente destinada para esse fim, e onde se podesse travar uma discussão larga á face dos documentos que ha sobre o assumpto; tinha-se até combinado que essa discussão fosse hoje; mas motivos de serviço publico me impediram de comparecer na camara mais cedo.
Como infelizmente não póde ser hoje, eu peço aos illustres deputados que marquemos um dia para discutir largamente este assumpto, e se o sr. presidente o quizer determinar, desejo que esse dia seja o mais proximo possivel, porque tenho o maximo empenho em que esta questão se liquide.
O illustre deputado pelo Cartaxo, com a sua impaciencia multo justificada no seu zêlo acrisolado pelos interesses publicos, não julque que eu não tenho o maximo empenho em que esta questão se liquide; estimaria até que fosse hoje; mas parece-me que o pouco tempo que falta para se entrar na ordem do dia não permittiria discutir o assumpto com a largueza que todos desejâmos.
O illustre deputado pelo Cartaxo, com o zêlo que o distingue pelos negocios publicos relativos a fornecimentos, não quiz combinar commigo que se escolhesse outro dia para discutir este assumpto, e é claro que eu hei de acatar a resolução de s. exa e da camara. Se quizerem que se discuta assim, discutirei.
Em primeiro logar devo confessar que em tal discussão me leva grande vantagem, porque a sua competencia é muita (Apoiados.)
O illustre deputado pelo Cartaxo tem competencia geral em tudo; mas n'esta questão especial as suas habilitações são superiores ás minhas. D'ahi vem que o seu discurso, embora breve, foi conceituoso. Conceituoso como sempre, breve como de quem, sabendo muito, em poucas palavras de tudo. A camara tambem logo o comprehendeu.
Eu tambem responderei em poucas palavras ao illustre deputado.
Se a camara quer marcar um dia, e eu desejaria que marcasse, para se discutir largamente este assumpto, não só com relação á policia fiscal, á guarda fiscal, mas a todos os fornecimentos que dependem do ministerio da fazenda e dos que dizem respeito ao exercito, nos quaes s. exa tem mostrado tão larga habilidade, o debate ganharia e ganhariam os interesses publicos.
Preferindo, porém, s. exa na sua natural impaciencia por zelar os interesses do thesouro, estes debates minutos antes da ordem do dia, sinto na verdade não ter maiores ensanchas para celebrar os feitos dos fornecimentos, mas acompanho o illustre deputado pelo Cartaxo.
De tudo quanto o illustre deputado se occupou, o que me fez maior impressão não foi o que s. exa disse, foram os apoiados d'aquelle lado da camara (a esquerda). Eu digo porque.
Não foi porque estranhasse que d'aquelle lado da camara se apoiasse o illustre deputado que fallou com tanta competencia especial no assumpto; mas porque s. exa no que estava dizendo combatia, de frente, os actos do antigo chefe do partido regenerador, o sr. Fontes Pereira de Mello.
Tudo aquillo que o illustre deputado combateu foi exactamente aquillo que o sr. Fontes determinou.
Era natural o meu espanto de o ver applaudido pelos amigos de Fontes, quando s. exa combatia Fontes; mas talvez tudo se explique por ser tanta a eloquencia do sr. deputado pelo Cartaxo em materia de fornecimentos, que aos prpprios herejes converteria.
O sr. deputado pelo Cartaxo diz: é um privilegio depois de um concurso de amostras, dar se a adjudicação á fabrica cuja amostra fosse preferida.
Foi isso o que fez o sr. Fontes em virtude de uma consulta de uma commissão de officiaes nomeada para estudar os lanificios para o exercito, e em virtude do parecer de uma repartição dirigida por um dignissimo official o sr. Cornelio.
Mas ao Fontes procedeu assim no ministerio da guerra e assim tambem procedeu agora o ministerio da fazenda, como condemnam antigos regeneradores os actos do que foi seu chefe?
Repito, que não estranhei que aquelle lado da camara applaudisse o illustre deputado, cuja rhetorica é sempre applaudida e em materia de fornecimentos é inexcedivel; só me causou estranheza que os applausos de s. exas estivessem condemnando os actos do que foi o seu chefe.
O sr. Ribeiro Ferreira: - V. exa labora n'um equivoco.
Effectivamente o sr. Fontes mandou abrir um concurso provisorio; e s. exa sabe perfeitamente que o sr. visconde do S. Januario mandou depois abrir um concurso definitivo. Mas os actos do sr. visconde de S. Januario não invalidam os do Fontes.
(Interrupção.)
O Orador: - Nós estamos a discutir agora uma questão de facto. Temos os documentos na secretaria e podem os illustres deputados examinal-os; escusarei do estar a discutir vagamente.
{Interrupção.)
O zêlo do illustre deputado pelo Cartaxo, por tudo quanto sejam interesses do thesouro em materia de fornecimentos, não o deixa estar tranquillo, mas os factos são os factos.
Ora os factos são que o parecer de uma commissão de officiaes superiores do exercito, commissão nomeada pelo sr. Fontes), foi que fizessem os fornecimentos as fabricas que tinham apresentado as amostras preferidas; o parecer da repartição competente era identico. O sr. Fontes conformou se com os pareceres e assim lavrou o seu despacho.
Se o sr. visconde de S. Januario entendeu depois que devia proceder de outra fórma, ou por modo differente, não se segue d'ahi que o despacho do sr. Fontes não tivesse sido como indiquei e não seja agora contrariado pelos applausos dos seus antigos partidarios.
Affirmára o sr. Ribeiro Ferreira, illustre deputado pelo Cartaxo, que o que se quizera fôra proteger uma determinada fabrica.
Não levantaria a accusação se fosse feita a mim, mas levanto-a porque é feita a empregados dignissimos. (Apoiados.)
Eu sou constitucionalmente responsavel pelo que se passa na secretaria que dirijo, mas não sou directamente responsavel pelos actos preliminares dos concursos, e quando o illustre deputado diz que se quizera proteger uma fabrica, accusa me menos a mim, do que a alguns empregados do ministerio da fazenda, que me cumpre defender.
O sr. Ribeiro Ferreira: - Eu citei um facto.
O Orador: - O facto é ter-se contratado o fornecimento por um certo modo; mas o que não é facto é terem aquelles honrados funccionarios procedido assim para protegerem abertamente uma fabrica. O zêlo do illustre deputado pelos interesses publicos cegou o. (Muitos apoiados.)
O illustre deputado podia discutir, emittir a sua opinião, podia dizer que os empregados erraram; mas o que não podia dizer era que elles resolveram proteger uma dada fabrica.
Essa accusação é que eu lamento que a fizesse, sem ter na mão os documentos com que o provasse.
O sr. Ribeiro Ferreira: - Eu provei-o com a base 5.ª
O Orador: - A base 5.ª não póde servir para provar a accusação que o illustre deputado dirigiu áquelles func-
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SESSÃO DE 6 DE ABRIL DE 1888 1001
cionarios, que são todos dignissimos, honrados e honestos, sem que nunca a sua honestidade, a sua honra e a sua dignidade fossem postas em duvida.
A malaria está em vir uma pessoa tão imparcial como o illustre deputado, accusar, sem provas, homens cuja reputação está desde muito tempo estabelecida pelos seus actos, pelos seus precedentes, pelos seus serviços ao paiz, em todas as administrações, sem que nunca, contra a probidade d'estes homens, houvesse a mais pequena suspeição. (Apoiados.)
Podiam ter errado; mas o que se não devia dizer, nem ainda por excesso de zêlo, era que foi para proteger uma dada fabrica que elles procederam. Contra esta phrase é que me levanto, porque ella é offensiva do homens honradissimos, de quem me prezo de ser chefe.
Fallou se em privilegios e em monopolios, e a este respeito devo dizer que, depois de aberto concurso de amostras, e tendo uma fabrica mostrado que melhorará consideravelmente os seus productos por causa do melhor machinismo que empregara, por usar melhores materias primas, por melhores operarios, não comprehendo como se ha de ir dar o fornecimento a simples imitadores e quasi sempre maus imitadores.
No ministerio da fazenda não se tem nunca procedido assim, nem se procederá.
O sr. Arroyo: - Está irritado.
O Orador: - Não estou irritado; mas tinha rasão para o estar, não pelo que se disse de mim, mas pelo que se disse de homens, cuja honradez e dignidade tenho obrigação de defender, porque o merecem. Fallo alto para ser ouvido por todos, mas não estou irritado.
Entendam-me como quizerem, mas emquanto eu occupar a pasta da fazenda, nenhum fornecedor ha do proteger a industria nacional quando em concurso de fabricas nacionaes, e para favorecer interesses da industria nacional apresenta fazendas allemãs.
Essa protecção á industria nacional é que eu não dou.
Para a policia fiscal escolheu-se a fabrica qne já tinha feito fornecimentos para o exercito e para a guarda fiscal e cujos productos tinham sido preferidos. Não havia obrigação de abrir concurso e por excesso de escrupulo se abriu.
Quanto a preços posso desde já dar algumas informações ao illustre deputado, porque por acaso trago na minha pasta os documentos necessarios para isso. O panno azul, destinado aos casacos das praças da policia fiscal, custa 2$350 réis o metro, e o panno azul comprado para o exercito custa 2$370 réis.
Logo a policia fiscal comprou mais barato e comprou melhor, e só restaria ao illustre deputado provar, no que teria mais competencia do que eu, que 2$370 é menos que 2$350. Bem sei que s. exa, sempre ardendo em zêlo, tambem me accusou de ter infringido o regulamento geral de contabilidade. Unicamente não provou que eu o tivesse infringido. Faltava-lhe apenas a demonstração. Reconheço todas as habilidades do illustre deputado, mas faltou-lhe a habilidade n'este ponto.
Taes são as explicações que, n'esta altura da sessão, quando vamos entrar na ordem do dia, dou ao illustre deputado, tornando a pedir aos que se interessam n'estes negocios, que concordemos em qne n'uma sessão proxima se discuta largamente este assumpto, e então os illustres deputados me encontrarão munido dos esclarecimentos technicos e não technicos e do regulamento de contabilidade, para provar á camara quem tem interesses n'esta questão, e quem os tem bons e maus.
Tenho concluido.
O sr. Arroyo: - Referindo-se ao concurso para o fornecimento de pannos para a policia fiscal, trata de demonstrar que n'esse concurso houve favoritismo e que não foi cumprido o preceito do artigo 73.° do regulamento da contabilidade.
Uma prova d'esse favoritismo resulta, a seu ver, da simples comparação dos annuncios para o concurso com os decretos de novembro de 1887 e de março de 1888.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa o restituir.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de lei n.º 23 (novo regimen do fabrico do tabaco)
O sr. Antonio Maria de Carvalho (sobre o ordem): - Expõe largas considerações em favor do projecto, e termina mandando para a mesa uma moção de ordem.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão, quando s. exa o restituir.)
Leu-se na mesa a seguinte:
Moção de ordem
A camara, reconhecendo que os desastrados effeitos da lei de 31 de março de 1879 tornam necessario o recurso á régie como meio de salvaguardar os interesses tão prejudicados do thesouro, applaude o governo pelos seus esforços e continua na ordem do dia. = Antonio Maria de Carvalho.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é: na primeira parte, a discussão dos projectos de lei n.ºs 29 e 30; e na segunda parte, a continuação da discussão do projecto de lei n.° 23.
Está levantada a sessão.
Eram pouco mais de seis horas da tarde.
Redactor = S. Rego.