SESSÃO N.º 59 DE 17 DE ABRIL DE 1896 1031
O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - Principio por agradecer ao illustre deputado e meu amigo o sr. Adriano Monteiro, o ter-me proporcionado ensejo, em resposta a s. exa., a quem tenciono dar explicações que de todo o ponto satisfaçam, de responder tambem, a alguns illustres deputados, designadamente ao sr. conselheiro Marianno de Carvalho, que durante a discussão do orçamento, por varias vezes, com uma certa insistencia, se referiu mais directamente ao ministerio das obras publicas.
O empenho de s. exa. foi principalmente o de demonstrar que a organiasação do orçamento era um acto de todo o ponto inutil e inefficaz para a fiscalisação da administração publica, porquanto, no disser de s. exa., elle na sua elaboração não obedecia ás regras e aos preceitos de contabilidade publica, antes se inspirava nas necessidades de momento, e que a discussão parlamentar era tambem inefficaz e inutil, pois que os erros, os vicios e defeitos, que essa discussão evidenciava, não eram corrigidos, antes se repetiam e aggravavam com a mesma se não com maior intensidade.
N'esta ordem de idéas, um dos pontos em que s. exa. mais insistentemente faltou foi no que dizia respeito ás despezas feitas pelo ministerio das obras publicas com a construcção, reparação e conservação de estradas, e ainda principalmente nas verbas dos edificios publicos.
Disse s. exa. que o governo não conservara aquellas disposições que na lei encontrara bons, antes as substituiu por outras de todo o ponto inconvenientes, o assim tinha substituido as antigas leis do contabilidade, estabelecendo em 1893 umas novas disposições, em virtude das quaes as despezas do ministerio das obras publicas se faziam por duodecimos, e, fazendo resaltar o absurdo resultante á estas disposições, figurava á camara a seguinte, hypothese.
Dizia s. exa.: Imagine-se que para a construcção de uma ponte estava inscripta no orçamento a verba de 100 contos da réis. O respectivo ministro não póde em cada mez gastar mais ou menos; ha de gastar necessariamente a duodecima parte d'esta quantia, ainda que o tempo seja invernoso e que as cheias tornem impossivel o trabalho e façam perder completamente o dinheiro que com as obras se gastara.
Ora, sr. presidente, esta disposição legal não é tão absurda que não exista, por exemplo, em França, nem se póde interpretar pela fórma por que s. exa. entende que ella se devia rigorosamente applicar.
Nada obsta a que o ministro das obras publicas, que tem de mandar construir uma ponte que custa 100 contos de réis, nada obsta a que elle apenas mande principiar essa construcção sem que tendo decorrido dois, tres ou quatro mezes, tenha os duodecimos sufficientes, ou para que as obras se concluam ou ellas fiquem em estado de satisfazer a uma necessidade real e verdadeira, mas que em todo o caso essas obras não venham a perder-se completamente.
Em seguida disse s. exa. que o governo deveria estabelecer o principio de até ao dia 8 de cada mez se publicarem na folha official as contas detalhadas da despeza feita nos mezes anteriores. E assim, dizia s. exa., o ministerio das obras publicas em 8 de janeiro de 1895 provou que durante seis mezes d'aquelle anno economico se tinha gasto com a construcção de estradas e sua conservação, o na reparação de edificios publicos, quasi que a totalidade da verba que para todo o anno economico estava inscripta no orçamento.
Vejam v. exa. e a camara o que aqui ha por um lado de injustiça e por outro lado de contradicção!
Eu sou diariamente accusado no parlamento e na imprensa do que não attendo ao miseravel estado em que se encontram as estradas, deixando-as quasi que tornarem-se intransitaveis, e tem-se dito pela voz dos deputados mais auctorisados que eu durante seis mezes do anno economico gastei tudo quanto regularmente podia gastar, para que este estado de cousas se melhorasse e para que a construcção das estradas satisfizesse ao fim para que haviam, sido feitas! (Apoiados.)
Mas ha contradicção. Se se demonstrar que a do orçamento ou as disposições da lei de contabilidade eram absolutamente inofficazes porque não se cumpriam, é exactamente pelo cumprimento rigoroso e exacto da lei de contabilidade publica, que manda publicar as contas que demonstram que noa primeiros seis mezes de 1894-1895 se gastou de janeiro a junho a verba inscripta para todo o anno economico, que as prova de alguma cousa serviu essa lei do contabilidade publica, porque foi pelo menos d'esta vez rigorosamente observada e seguido.
Em seguida s. exa. tratou dos edificios publicos, e disse que não era conveniente o systema seguido pelo governo, de dar trabalho aos operarios, o que eram gastas Soquei-las obras quantias fabulosas.
Para mostrar a fórma anarchica como aquelles serviços correm, a. exa., com os primores do seu espirito e com a sua verve inexgotavel, mas sem um argumento solido a verdadeiro, disse que vindo de fóra tres ou quatro trabalhadores que eram brochantes, os mandaram para o caneiro de Alcantara. E contou com graça o que fariam estes brochantes no collector. Eu principio por declarar a v. exa. e á camara que em todas as obras do estado, ou sejam da circumscripção hydraulica ou reparações em edificios publicos, ou obras meramente districtaes, ha sempre falta de trabalhadores propriamente. O trabalhador falta, o que abunda, o que ha do excesso são carpinteirou, canteiros, pedreiros e brochantes, e estes não entram nos obras do estado simplesmente por não terem trabalho. s. exa. conhece muito bem a lei de julho de 1894, que estabelece as regras, em virtude dos quaes os trabalhadores e artistas que não têem trabalho, podem ser admittidos nas obras do estado; têem de inscrever os seus nomes no governo civil, procedendo-se ás necessarias averiguações para se saber o numero de annos que têem vivido em Lisboa, ou se vem de fóra. No caso de não terem vivido durante certo tempo em Lisboa, são remettidos para as anos terras. Só depois d'essa declaração e da apresentação do cadastro e documentos pelos quaes provera ter as habilitações necessarias para exercerem as profissões que dizem ter, é que são admittidos nas obras do estado.
Mas com relação ás obras do estado, como acontece em muitas outras cousas, levantam-se de quando em quando no nosso paiz idéas ou principios que parecem incontestaveis, que parecem absolutamente certos, e que aos abraçados e considerados por toda a gente como axiomas, de uma verdade incontestavel. Assim, n'uma certa epocha, entendeu-se que o mal d'este paiz, na suas dificuldades financeiras, as suas circumstancias difficeis e apertadas, provinham exclusivamente do grande numero de empregados publicos e dos vencimentos que esses empregados auferiam. Esta idéa tomou tal força e tal apparencia de verdade, que, pela chamado lei de relevação publica, votada por uma camara em que abundavam os empregados publicos, camara de que eu fazia parte, e tambem votei, só reduziu o numero d'esses empregados, reduzindo-se tambem sensivelmente os seus vencimentos. Pois os netos e o experiencia vieram demonstrar que perante deficits de 13:000,14:000 ou 15:000 contos de réis, os 600 ou 700 contos de réis doa empregados publicos, eram absolutamente ineficazes, absolutamente insignificantes para o restabelecimento do equilibrio orçamental e financeiro.
Perante a experiencia dos factos, caiu a lendo, passando aquella idéa a ser considerada como uma banalidade, sem importancia e sem alcance.
Mas, como era necessario alguma cousa que resolvesse essas dificuldades, inventou-se que a situação do paiz se salvava, que o deficit desapparecia e tudo corria da melhor maneira, se nos cofres publicos entrassem todas as dividas