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como for da commodidade do governo, mas sim como for da sua conveniencia propria, e em todo o caso votarei pela segunda proposta, porque a minha opinião é que haja sessão á noite, mesmo porque, ainda que a camara tome esta resolução, póde ser que as necessidades da discussão obriguem mais tarde a camara a accumular com as sessões da noite as sessões diurnas. É o que tenho a dizer.
O sr. Faria Rego: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga esta materia sufficientemente discutida. Julgou-se discutida.
O sr. Pereira Dias: — Eu já tinha declarado que retirava a minha proposta, ou pelo menos que a julgava substituida pela do sr. Sá Nogueira, para que as sessões diurnas se transformassem em nocturnas. Portanto peço a v. ex.ª que considere a minha proposta como retirada.
Posta á votação a proposta do sr. Sá Nogueira para que as sessões da camara comecem ás sete horas da tarde e acabem á meia noite, foi approvada.
O sr. Presidente: — Esta resolução da camara começa a vigorar ámanhã.
(Pausa.)
O sr. Presidente: — Em cumprimento de resolução da camara, a mesa nomeia para membros da commissão de inquerito os seguintes srs. deputados:
Annibal Alvares da Silva.
Antonio Cabral de Sá Nogueira.
Antonio Roberto de Oliveira Lopes Branco.
Augusto Cesar Falcão da Fonseca.
Augusto Saraiva de Carvalho.
Carlos Bento da Silva.
Francisco Manuel da Rocha Peixoto.
Francisco da Silveira Vianna.
Gilberto Antonio Rolla.
João Antonio dos Santos e Silva.
João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.
Joaquim Antonio de Calça e Pina.
Joaquim de Vasconcellos Gusmão.
Venâncio Deslandes.
Agora vae passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados que têem requerimentos ou representações a mandarem para a mesa podem faze-lo.
O sr. A. J. da Rocha: — Mando para a mesa um requerimento de interesse particular, e peço a v. ex.ª que lhe dê o destino competente.
ORDEM DO DIA
CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO NA ESPECIALIDADE DO PROJECTO N.° G
O sr. Barros e Sá: — Peço a palavra para um requerimento.
O sr. Presidente: — Eu já annunciei que se ía passar á ordem do dia.
Leu-se ha mesa o artigo 5.° do projecto n.° 6.
O sr. Barros e Sá: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).
O sr. Sá Carneiro: — Não é o espirito de classe que me impelle a combater o projecto em discussão; é a injustiça revoltante do privilegio, estabelecida pelo governo, n'este projecto; é a ira economica descarregada exclusivamente sobre tres das mais importantes classes do estado; classes symbolisadas pela luz da intelligencia, pela justiça e pela ordem.
E certo que pelo projecto que se apresentou agora por parte da commissão de fazenda vejo que se quer attenuar o privilegio.
Sr. presidente, tambem quero dar a minha opinião individual n'esta occasião, para rebater algumas palavras que ouvi dizer n'um áparte em defeza do exercito.
O exercito não se impõe, sabe que é essencialmente obediente e ha do se-lo; o exercito não só ha de acatar, mas ha de fazer respeitar as leis que porventura aqui fizermos depois de approvadas pela camara alta e de sanccionadas pelo augusto chefe do estado, embora essas leis o prejudiquem; o exercito sabe quanto é uma instituição indispensavel na sociedade, mas sabe que n'um paiz que tem instituições livres não é um corpo deliberante; o exercito conhece qual é a sua missão, ha de cumpri-la.
Quando fallo n'esta casa a respeito do exercito, declaro que o faço sempre com um certo constrangimento, porque tenho notado que o exercito tem geraes antipathias.
Vozes: — Não é verdade.
O sr. Alvaro de Seabra: — Não se póde dizer isso.
O Orador: — Os illustres deputados dizem que não é verdadeira a asserção que apresentei. Folgo muito com isso, e agradeço; o que noto ainda assim é certo desprezo pela força publica, e esta circumstancia contrista-me, e sabe v. ex.ª porque? Porque esta circumstancia é um signal precursor da decadencia. Sempre que um povo despreza a sua força publica, é contar que esse povo passa a representar um papel muito inferior na escala das nações, ou perde a sua independencia. Para provar isto tenho a historia, e poderia enumerar os factos. Poderia tomar por ponto de partida o Egypto; do Egypto passar á Grecia, da Grecia a Roma, a Constantinopla, no tempo do baixo imperio; poderia vir a esta peninsula, aos campos de Rocroi, poderia ir á Criméa, aonde uma grande nação representou no primeiro anno da famosa expedição um papel muito inferior áquelle que lhe competia; mas ainda assim, a essa grande nação, que é a Gran-Bretanha, aproveitou a lição, pois hoje presta tão desvelada attenção ao seu exercito, como á sua marinha.
O nosso exercito, devemos confessa-lo, esta completamente desarmado; tenho dito isto muitas vezes, porque 10:000 espingardas que ha do novo systema, não se póde dizer que seja sufficiente. O paiz esta aberto, e sem defeza. Ora, o que diria a camara, se eu lhe pedisse em nome da nossa autonomia que fizesse um sacrificio supremo para fortificar o Porto e Lisboa? O que responderia? Responder-me-ia talvez o seguinte: «A nossa força publica esta concentrada no patriotismo nacional; as nossas forças de guerra estão levantadas nas nossas allianças.» Pois se essa fosse a resposta da camara, eu replicaria o seguinte: «O patriotismo enthusiastico póde, é verdade, produzir grandes prodigios n'um momento dado; mas para repetir esses prodigios, era preciso organisar, instruir, disciplinar, dirigir esse patriotismo.» Quanto ás allianças, apontar-lhe-ia para as annexações recentes, a que os alliados das nações annexadas assistiram de braços cruzados, deixando substituir ao direito admittido pelo equilibrio europeu, o direito do facto consummado, que equivale ao direito do mais forte.
Se eu insistisse em pedir que se fortificasse o Porto e Lisboa, nas circumstancias apuradas em que se encontra o I nosso thesouro, estou certo que olharia a camara para mim com desprezo ou com uma pungente ironia.
Mas a idéa não é minha. E de um dos primeiros vultos d'este paiz (apoiados). A idéa é do patriota dos patriotas, dos illustrados dos illustrados, dos bravos dos bravos, o nobre e venerando marquez de Sá da Bandeira.
Dito isto nada mais tenho a acrescentar sobre o assumpto; passo a entrar na materia.
Aprouve á Providencia, nos seus altos e insondaveis designios, conservar-me os dias para assistir á hora extrema, triste e dolorosa do passamento do exercito, atrofiado pelas mãos de quem parece ignorar os serviços do exercito, que tanta gloria espargiu sobre o povo portuguez.
Para que é a absoluta incapacidade do 1.° artigo? E a doutrina do 4.° artigo? Significa a perturbação, o cahos na disciplina. Foi o golpe mais fatal e mais profundo que se lhe podia descarregar. E este pensamento reservado do artigo 5.° que fim tem? Sabe a camara e sabe v. ex.ª a operação que se seguia para um official militar mudar de situação? Eu o digo.
Por ordem do ministerio da guerra reunia-se uma junta composta das principaes notabilidades da medicina militar.
Esta junta era presidida por um general. Era um acto grave e solemne; se o parecer da junta era favoravel, o official mudava de situação.
Agora, apesar de se fazer a mesma operação, é preciso intervir o procurador geral da fazenda e a secção administrativa do conselho d'estado.
Mas, pergunto: o procurador geral da fazenda é perito? Põe-se em duvida a consulta da junta?
A junta tem uma responsabilidade official. Esta debaixo das ordens do ministro da guerra, e se o ministro da guerra entender que ella usou mal, manda reunir uma nova junta, e se a segunda der parecer contrario á primeira, esta fica compromettida, até certo ponto.
Ha muita differença entre as cousas militares e as cousas civis.
O veredictum das juntas militares é muito importante. Aqui ha um pensamento reservado que não sei o que significa.
O governo pelo projecto em discussão conferiu diplomas de medicina ao procurador geral da fazenda e á secção administrativa do conselho d'estado?
Para mim não é cousa nova, porque n'esta terra, como a camara sabe, já o governo conferiu um diploma de bacharel a um individuo que nunca tinha ido a Coimbra.
O exercito esta disposto a fazer sacrificios; elle ha de acompanhar n'este caminho o povo de que é filho, mas não lhe eliminem as reformas, não lhe eliminem a promoção, porque a promoção e a reforma são o estimulo mais poderoso dos militares, sem elle a morte dos exercitos é inevitavel.
Não tirem ao exercito os unicos estimulos que tem. Pois não conhecem todos os serviços gloriosos que o exercito tem feito á sua patria? Não conhecem todos os instinctos de liberdade, de que o exercito tem dado tantas provas, talvez mais do que nenhum outro? Estes instinctos de liberdade estão provados nas terriveis hecatombas do campo de Sant'Anna, de S. Julião da Barra e de campo de Ourique; estão tambem provados pelos movimentos generosos de 1820, 1826 e 1828.
So não fôra o receio de ser tachado de hyperbolico, eu podia evocar os manes dos heroes do Bussaco, dos Arapiles, de S. Sebastião, da Victoria e de Tolosa; eu podia evocar os manes dos infelizes soldados da legião do marquez de Alorna, mortos como heroes que eram em Wagram, em Smolenko e nos gelos da Russia. Poderia evocar os soldados de D. Pedro, para dizer-lhes que fugissem d'esta terra!
Disse o illustre relator da commissão que = a absoluta incapacidade exigida no artigo 1.°, em nada altera o que se acha estabelecido =. Ora, eu não concordo com s. ex.ª
Sr. presidente, n'esta casa dos Solons e dos Lycurgos portuguezes, n'esta casa que se diz o santuario das leis fez-se uma lei por proposta do sr. Camara Leme, que facultava a reforma aos officiaes do exercito que tivessem trinta e cinco annos de serviço e cincoenta e cinco annos de idade. Pouco tempo durou esta lei porque o ministerio passado, em nome das economias, trouxe ao parlamento a lei do cabimento, de que se arrependeria, sem duvida, quando soubesse que a despeza annual ascendia á insignificante verba de 5:000$000 réis!
Eu combati o cabimento com todas as minhas forças; a maioria de então approvou-o, não sei se em nome da lealdade politica, cousa que até hoje não pude perceber, mas tenho observado que as maiorias votam por lealdade politica qualquer medida proposta pelo governo; assim tambem a maioria de hoje votou o projecto em discussão na generalidade, e o ha de votar na especialidade em nome da mesma lealdade politica.
Emquanto ao projecto direi que, tendo-se apresentado tantas emendas e substituições, estimarei que o governo e a commissão de fazenda approvem algumas dellas, no que renderão homenagem á justiça com que são reclamadas, porque as tres classes de que se trata no projecto são atacadas nos seus direitos.
O artigo 4.° é absurdo; é tão iniquo que custa a acreditar que por tal modo fosse redigido.
O artigo 5.°, com relação ao exercito, suspeito que n'elle se contenha um pensamento reservado.
Não tenho fallado com militares a respeito de todo o projecto em discussão, mas creio que a todos tem causado profundo desgosto a intervenção, sobretudo do procurador geral da fazenda, e da secção administrativa do conselho d'estado.
Não se creia que obtemos hoje a reforma com a facilidade que parece, e eu poderia adduzir factos a favor d'esta asserção.
Aqui esta um collega bem proximo de mim, que sabe que o coronel de caçadores n.° 6, tendo quarenta e quatro annos de serviço, veiu a Lisboa á junta para se reformar e não se reformou.
Já se vê que, quando com um coronel se procede assim, com os de patente inferior não se procederá mais favoravelmente.
A justiça deve ser igual para todos, mas infelizmente como nas cousas dos homens não ha perfectibilidade, sempre ha distincções; ora, quando se trata assim um coronel que conta quarenta e quatro annos de serviço, o que poderá esperar um official de patente inferior! Portanto a camara vê que as reformas no exercito não se concedem a quem as pede, concedem-se só a quem esta no caso de as obter pela sua incapacidade.
Deposito grande esperança na camara a respeito de se adoptarem algumas emendas que modifiquem um pouco o projecto, e hei de mandar uma proposta para que se elimine a intervenção do procurador geral da fazenda e da secção administrativa do conselho d'estado. Feito isto, a minha consciencia fica desencarregada.
O que eu sei, repito, é que o exercito aceita o imposto; se todas as classes forem sujeitas a elle, porque não deseja de certo ser exceptuado.
Já se sabe que não aceita de boa vontade, porque os sacrificios custam, e os de dinheiro custam talvez mais do que muitos outros, mas reconhecida a necessidade dos sacrificios não se exime a faze-los.
Comquanto não seja exactamente em relação ao objecto que se discute o ponto em que vou tocar, permitta-se-me comtudo que diga duas palavras ácerca das expressões de um sr. deputado que n'uma das sessões passadas disse que havia um fosse entre a maioria e a minoria.
Em primeiro logar s. ex.ª, trazendo esta figura do fosse, não lhe determinou as dimensões com relação á largura e á profundidade, o que era indispensavel.
Um fosse entende-se sempre uma obra anteposta a um ponto fortificado. Quem occupa este ponto? quem occupa a campanha? Onde esta, pois, a maioria? A maioria esta na campanha, e a minoria esta no ponto fortificado; é isto, o natural, porque não se póde suppor que o adversario mais forte occupe o ponto fortificado, e o mais fraco a campanha!
Por consequencia a quem convem a transposição do fosse? E, á minoria? Não. A maioria é que tem de dar o assalto, e portanto, se alguem tem conveniencia em transpor o fosse, que o illustre deputado aqui apontou, não é de certo a minoria; mas por outro lado eu queria saber para que quer a maioria dar o assalto; é para ir buscar as pastas? Não, porque as tem no seu campo. Quer os empregos? Não, porque é ella que póde dispor d'elles. Quer as graças? Tambem não, porque é ella quem as póde conceder, e não a minoria; logo quer dar o assalto para ir buscar o que? Nada, porque na posição da minoria não ha senão as baterias da palavra, e o fogo d'essas mesmas baterias cala-se por um meio mui simples, por um requeiro a v. ex.ª que consulte a camara se a materia esta sufficientemente discutida— basta isto, e o fogo das baterias da minoria cessa immediatamente.
Portanto entendo que a figura do fosse apresentada pelo illustre deputado, o sr. Saraiva de Carvalho, não foi bem trazida; s. ex.ª não foi feliz n'esta figura.
Vou dizer ainda duas palavras em resposta a um periodo do discurso de outro illustre deputado, por quem tenho muita sympathia e de quem sou verdadeiro amigo.
S. ex.ª proferiu aqui a seguinte memoravel sentença: «Ai daquelles que não aceitarem a revolução de janeiro».
Confesso que me fez impressão esta sentença; mas, reflectindo um pouco, disse eu —que revolução de janeiro foi esta? Foi uma revolução social? Mudaram-se as instituições? Venha o novo codigo, e se é preferivel á carta e acto addicional, juremo-lo; mas parece-me que não ha nada d'isto. Proclamou-se o grande codigo das reformas, hasteou-se a bandeira da moralidade e das economias? Não ha administração nenhuma, que não tenha hasteado essa bandeira; eu mesmo, como deputado, a hasteei em 1864. Mas a questão é de applicação e o mal vem de muito longe; e portanto o meu desejo era que deixassemos estas recriminações; todos nós temos peccados n'este ponto, e aquelles que os não têem ainda hão de ter occasião de os commetter tambem, estejam certos d'isso.
Façamos pois um penitet, reunamo-nos todos em volta das instituições e da dynastia que tantas lagrimas e que tanto sangue nos custaram, e não compromettamos a independencia da patria.
Sr. presidente, sou homem de grandes defeitos, tenho a franqueza de os confessar; mas tenho uma virtude, que é a de estremecer, acima de todas as cousas, a independencia do sagrado solo da patria (apoiados).