SESSÃO DE 6 DE ABRIL DE 1886 827
que, tendo feito as contas do anno e visto que não perderam, calculem que tudo que lhes é devido e seja pago vale como ganho? Mas este processo não é o de um financeiro eminente, como é o sr. Marianno de Carvalho. Não póde fazer isto quem tantos annos passou a fundar uma escola positivista de finanças.
Honro-me de apresentar-me como seu discípulo, sr. Marianno de Carvalho. Mas onde estará v. exa. para responder-me? Nos conselhos da coroa?
Pois ouça, sr. ministro da fazenda.
Quaes são os princípios em que se fundou o nobre ministro da fazenda para apresentar esta proposta de lei?
De que factos partiu?
Que cálculos fez?
Que elementos tem para apreciar os resultados d'esta monstruosa providencia?
Lê-se este relatório; e não se encontra um único fundamento sensato! Apenas uma inspiração do acaso!
O que devia s. exa. fazer para apresentar esta proposta? Sabe-o muito melhor do que eu. O pouco que sei e que vou dizer não hesito em declarar novamente que o devo, em grande parte, ao methodo positivo que o sr. Marianno de Carvalho tanto tem usado, para não dizer que delle tem abusado tanto.
A grande força do sr. Marianno de Carvalho provém desse methodo, fecundado pelo espirito geometrico com que a natureza o dotou, por essa qualidade preciosa e rara, sem a qual, na phrase dos estatutos da nossa universidade, não podem conservar-se, nem fazer progresso algum os conhecimentos naturaes do homem, em qualquer objecto que seja.
Não ha muitos annos, em 1879, o sr. ministro da fazenda, na discussão da eleição feita pelo circulo de Belém, em que se haviam apresentado só dois candidatos, os srs. Pedro Franco e Fuschini, tendo sido o numero dos votantes impar, teve a grande habilidade de convencer a maioria da camara de então, de que nenhum dos dois candidatos tinha obtido maioria absoluta. (Riso.)
(Interrupção do sr. Luiz José Dias.)
Houve muitos membros dessa camara que se deixaram convencer disso; entre elles um talentoso lente de theología, cuja memória ha de ser sempre querida para o partido a que pertence o illustre deputado, o dr. Pires de Lima.
Volto já ao assumpto.
O que devia ter feito o sr. ministro da fazenda para fundamentar esta proposta? Devia ter apresentado um quadro das contribuições em divida, acompanhado de minuciosas indicações, principalmente da relação nominal dos contribuintes devedores. Por ahi é que havíamos de descobrir as causas das irregularidades que têem havido nes-tas cobranças.
O § 2.° do artigo 1.° diz o seguinte:
«A falta de exacto pagamento de uma prestação torna vencidas todas as seguintes, que serão cobradas pelos meios ordinários.»
Sabe v. exa. quaes são estes meios ordinarios? São os que não deram resultado algum até este momento; os mesmos que inspiraram esta providencia, porque não têem sido executados.
Desde o momento em que as contribuições não foram pagas, deviam os exactores da fazenda relaxar os respectivos contribuintes ao braço justiceiro da auctoridade administrativa.
Pois não se fez o que se devia.
Não quero trazer nomes para aqui; não devo fazel-o agora; mas posso, devo e quero expor, apreciar e condemnar um facto geral, que, na sua triste e desgraçada realidade, revela bem a natureza e os fins d'esta providencia monstruosa aqui proposta.
Não ha muitos dias, estudando eu esta questão, fui informado por um meu amigo de Lisboa, para mim de todo o credito de que, no bairro desta capital onde estou residindo actualmente, homens importantes na política, titulares de linhagem, cidadãos poderosos, nunca pagaram suas contribuições, as quaes estão em divida e comprehendidas n'esta generosa proposta.
Esta questão fica para mais tarde, quando eu demonstrar que o projecto em discussão não é democratico, antes é para favorecer principalmente os poderosos, que levam, o seu patriotismo até figurar nas assembléas parlamentares, até mais alto ainda, se mais podem subir; mas que j perdem completamente esse patriotismo quando vêem abertas as arcas do thesouro para receber as contribuições que elles devem, contribuições que tinham de juntar-se às dos humildes e pobres.
Mas, afastando-me desta ordem de considerações, vou justificar as minhas moções de ordem.
Na falta de esclarecimentos especiaes, que o sr. ministro da fazenda, devera ter fornecido, falta muito de sentir porque estas questões, para mim, não têem caracter politico e são muito importantes; na falta de especiaes esclarecimentos, fui consultar o volumoso livro da conta geral da administração financeira do estado. Vou indicar á camara os elementos de apreciação que ali encontrei.
Não vem indicadas com sufficiente desenvolvimento as contribuições em divida. Encontra-se, é verdade, indicada a differença entre as contribuições liquidadas e as contribuições cobradas; mas não vem as contribuições em divida especificadas por artigos, como era absolutamente indispensável para a acertada discussão deste projecto de lei.
Vejamos o que dá este volumoso livro, que para mim tem um grande valor.
Ao sr. Marianno de Carvalho peço me ouça como collega já antigo que tem sincera admiração pelo seu talento e pelos seus merecimentos, e que manifesta esta admiração estudando com attenção as questões em que com s, exa. vem discutir.
N'isto não ha cumprimentos de cortezia.
Nós, os regeneradores, não precisamos de negar o talento a quem Deus o deu, nem encobrir os merecimentos alheios. Principalmente em questões de natureza mathematica, como são as financeiras, devemos reconhecer o valor dos outros; nem ha que invejar-lhes, porque temos a fortuna de possuir o primeiro génio da península nesta transcendente sciencia.
Bem desejo eu que o sr. Marianno de Carvalho acceite opportunamente a minha segunda proposta, completando assim a conta geral da administração financeira do estado na metrópole, e traduzindo em números abstractos os factos desta administração.
Actualmente quem quizer fazer uma apreciação da administração financeira do estado, sr. presidente, tem de dar-se a um grande trabalho, porque, para ler-se neste enorme volume, tem de effectuar-se muitas operações numéricas.
Se a este livro estivesse annexa a tabeliã, um pequeno fascículo, que indico, ficariam todos bem habilitados a fazer rapidamente, num abrir e fechar de olhos, um juízo seguro do andamento dos negócios da fazenda publica.
Eu já disse, em outra occasião, e repito agora que estou persuadido de que se faz o que vemos neste livro da conta gral da administração financeira do estado., para que pouca gente conheça a nossa verdadeira situação financeira, porque, a dizer a verdade, não ha questão mais simples do que esta...
(Aparte.)
O sr. Marçal Pacheco, pelos estudos que tem feito ácerca da questão, não o reconhece assim; mas que difficuldades conhece o illustre deputado depois do estudo attento das propostas do governo?
Refere-se este volume aos exercícios findos dos annos económicos decorridos desde 1877-1878 até 1882-1883, abrangendo, entre muitas outras, as contas definitivas das