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1352 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de s. exa., a magna de que estava possuido pela maneira como tinhamos sido abandonados pela Inglaterra, e pela confiança cega que tinhamos depositado na nossa antiga aluada, mostram que é sua opinião que devemos sempre acautelar-nos contra as nações estrangeiras, que só dão para garantia dos tratados que fazem com as nações pequenas a sua generosidade, que nem sempre é grande e muitas vezes pouco efficaz.
É com a luz que dimana do discurso do sr. Barros Gomes que eu vou apreciar as negociações entaboladas para a delimitação das fronteiras meriodinaes da nossa provincia de Angola.
As pretensões da Allemanha aos territorios ao sul do, Cunene datam de 1884.
Em 5 de setembro d'aquelle anno o commandante do navio allemão Elisabeth participava ao governo do seu paiz, que a 7 de agosto tomára posse do territorio situado, desde o rio Orange até Cabo-Frio, isto é, até 18.° 24 ao sul do Equador.
Participava mais n'essa occasião que deixara apenas uma estreita orla de terreno sobre o qual a Inglaterra já tinha incontestavel direito, que era o terreno de Walfisch Bay.
E facto muito para notar que a Inglaterra, ameaçada nas suas pretensões á posse d'aquelles terrenos, logo que teve conhecimento da occupação de Angra Pequena, pensou em circumscrever o dominio allemão, a estes territorios, e, por intermedio do governo do Cabo, assim o deu a entender.
Mas a Allemanha retorquiu que tivera pensamento identico e a altaneira Inglaterra teve de ceder.
O sr. Schmidtals, ministro da Allemanha em Lisboa, participava com a data de 18 do outubro de 1884 ao sr. Barbosa du Bocage, então ministro dos negocios estrangeiros de Portugal, que a Allemanha occupára os territórios entre Cabo Frio e o rio Orange, tomando Cabo Frio como limite sul da possessão portugueza.
Como não tenho outros documentos para justificar o que estou dizendo senão o Livro branco, é possivel que haja lacunas na minha exposição porque deve ter havido uma, serie de negociações, cujos documentos, ou por confidenciaes ou por outro motivo extranho, não apparecem, inhibindo-me de apreciar as rasões, que devem ter determinado mudanças de opinião, que ás vezes não se justificam bem, pelos documentos apresentados no Livro branco. Por conseguinte, feita esta declaração, vou reportando-me aos documentos que aqui estão publicados.
O sr. Barbosa du Bocage, em 30 de junho de 1885, isto é, quasi um anno depois, fez sentir ao nosso ministro na Allemanha, que no Livro branco allemão havia um erro de facto, que por prejudicial para Portugal se apressava a rectificar, e era o de marcar como limite sul das nossas possessões de Angola, o parallelo 18.° E esta observação do ar. Barbosa du Bocage era tanto mais rasoavel, quanto na participação que tinha sido feita pelo governo allemão, em data de 18 de outubro de 1884, vinha marcado Cabo Frio como limite sul da provincia portugueza de Angola.
A Allemanha não deu resposta a esta observação, ou porque tivesse já um pensamento reservado, com relação a este territorio, ou porque realmente reconhecesse a justeza da observação, sem se dar ao trabalho de a rectificar.
O facto foi que o governo portuguez ficou sem resposta a esta sensatissima reclamação. E assim se passou algum tempo, até que em dezembro de 1885, sem bem lograr saber-se que ponderosas rasões imperaram na chancellaria allemã, a Allemanha veio offerecer-se para tratar com Portugal.
O sr. Schmidtals no seu memorandum de 1 de dezembro de 1885 diz ao nosso ministro, que ainda era o sr. Barbosa du Bocage: «A linha de limite entre o territorio de Angra Pequena sob o protectorado da Allemanha e a colonia portugueza de Mossamedes careca de fixação difinitiva ... Convencido da authenticidade e exacção d'estas indicações, tomou o governo allemão no anno passado posse da costa até 18° da latitude, que reputava território sem possuidor...»
Esta affirmação, feita de uma maneira tão categorica, deveria fazer suppor aos negociadores do futuro tratado luso-allemão, que a Allemanha estava naturalmente pouco disposta a reconhecer os nossos historicos direitos.
E julgo que, se porventura se não julgasse dispensada de procurar motivos para assim proceder; se d'elles carecesse, deveria ter fallado com o illustre relator d'este projecto de lei, que se incumbe no seu, aliás bem feito, relatorio de apresentar toda a somma de rasões, com que se póde justificar mais do que a alienação, o nenhum direito que temos aos territórios ao sul do Cunene.
Eu depois direi como s. exa. se incumbe, na sua franqueza, de justificar o procedimento da Allemanha, em contradicção com as asserções do sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O governo portuguez deu-se pressa em acceder aos desejos manifestados pela Allemanha de demarcar os reciprocos limites, e acceitou, em these, a offerta de entrar em negociações, para chegar a um accordo difinitivo, reservando, comtudo, sempre a sua opinião de que Portugal tinha incontestavel, direito, aos territorios collocados até 18° e 24 ao sul do Equador, até Cabo Frio.
E entre as muitas rasões que apresentaram o sr. Barbosa du Bocage, que folgo de ver presente para lhe prestar a minha homenagem de admiração pelo seu talento, e o sr. ministro que depois continuou estas negociações, havia uma a que ambos ligavam importancia por insuspeita. Nas cartas do instituto geographico de Weimar e a carta de Justhus Perthes de Gotha vem marcado como limite sul das nossas possessões, o parallelo 18° e 24 até Cabo Frio.
Este reconhecimento .por um instituto de tal importancia, era um elemento poderoso de argumentação contra a invasão dos nossos territorios.
Era esta uma das rasões que s. exa. allegava.
Sempre com esta reserva, encetaram-se as negociações; e vem o memorandum de 27 de julho de 1886 dizer-nos quaes eram as idéas da Allemanha com relação á delimitação das nossas fronteiras.
Propunha a Allemanha o seguinte: que a nossa provincia de Angola ficasse limitada ao sul pelo curso do rio Cunene até á affluencia do Caculovar, isto é, até ao planalto do Humbe, e d'ahi se traçasse uma linha parallela até encontrar o Zambeze. Seriam, estas as nossas fronteiras de sudoeste.
Basta olhar para a carta para ver que este projecto era completamente inacceitavel, porque importava desde logo uma cedencia importantissima de territorio, a que tinha-mos incontestaveis direitos, e alem d'isso não correspondia a uma expressão geographica que definisse logicamente a nossa fronteira, porque se era feita em parte pelo curso do rio Cunene; o resto era uma linha mathematica, que não correspondia de modo algum a uma exigencia da geographia orographica ou hydrographica.
Esta proposta importava, como já disse, uma cessão de territorios; e a Allemanha offerecia-nos como compensação da cedencia dos nossos territorios o seguinte: o governo imperial, pela sua parte, desistia de todos os seus direitos e pretensões aos territorios ao norte d'aquella linha, e simultaneamente obrigava-se a abster-se de qualquer interferencia politica futura na mesma região.
Quer dizer, em troca d'aquella cessão definitiva de territorios importantissimos, em troca da cessão de quasi todo o curso do Cubango, a Allemanha cedia-nos uns direitos hypotheticos, mais do que isso, nullos.
Era, como se vê, uma proposta risivel, proposta que não poderia ser acceita por fórma nenhuma, e que o governo portuguez muito sensatamente declinou.