SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1890 1015
Ella é, com effeito, filha do partido regenerador; mas filha bastarda; nasceu do consorcio occasional e infeliz deste partido com o sr. Fuschini, e como o parto foi difficil, não me admira que não tenha despertado sympathias; mas emquanto não a engeitarem é necessario respeital-a.
A lei no artigo 80.° diz:
«No caso de epidemia, ou quando o julgar do utilidade e segurança publica, o governo poderá, por decreto motivado, avocar a directa e immediata direcção de todos os serviços geraes de saude e hygiene.»
E o § 2.° acrescenta:
«Se a junta de saude publica aconselhar qualquer medida de caracter geral ou permanente, o governo, se com ella se conformar, communical-a-ha ao conselho de saude e hygiene municipal, para que este a execute e faça executar.»
Ora é evidente que a avocação destes serviços não significa destruição, mas centralisação.
Num caso de epidemia não é conveniente que um puxe para um lado e outro para outro; é conveniente que não haja duplicação de serviços, e é bom centralisar. Dahi a disposição da lei.
Até em casos excepcionaes a lei entende que o governo, ouvida a junta de saude, tem de consultar o conselho geral de saude e hygiene para tomar qualquer deliberação. Ora querem v. exas. saber o que fez o governador civil de Lisboa? Acabou com o conselho de saude e hygiene!
Este conselho tem reuniões fixas; pois na ultima que se quiz convocar, quando os delegados de saude chegaram, já esse conselho não existia, porque por ordem superior ficam suspensas as suas sessões.
Ora isto é inaudito. (Apoiados.)
Os delegados de saude são verdadeiros magistrados, que têem de entender e de deliberar sobre assumptos gravíssimos e interesses não menos graves. (Apoiados.) O conselho de saude e hygiene é o tribunal de segunda instancia para aonde vão todos os recursos relativos a assumptos de hygiene e nomeadamente relativos a construcções.
Não existindo esse conselho, quem queira construir uma casa tem que estar á espera, sem andar para diante, porque a lei não permitte que as construcções se façam sem o conselho de saude e hygiene ser ouvido.
Quando eu tive a honra de ser eleito pela primeira vez presidente da camara municipal este facto coincidiu com a publicação da lei a que me refiro, e lembro-me que houve uma verdadeira crise de trabalho em Lisboa, porque os serviços de hygiene não estavam organisados, porque não havia delegados de saude suficientes. E como a lei era expressa e não permittia que se approvasse construcção alguma sem ir aquelle jubet domine, o resultado foi que durante algum tempo caiu na camara municipal uma celeuma constante de empreiteiros, mestres de obras e trabalhadores, porque as obras tiveram de parar por aquella causa. Está presente um delegado de saude, que se ha de lembrar deste facto, eu pelo menos lembro-me perfeitamente, porque tive de attender a todos, e não foram poucos os cuidados que de ahi me provieram.
Mas não é só isto. A auctoridade administrativa suspendeu tambem as consultas que os sub-delegados de saude de Lisboa são por lei obrigados a dar aos pobres.
V. exa. comprehende a gravidade que a suspensão deste serviço póde ter em casos de febres e de molestias infecciosas; o indigente, o indivíduo que não tem meios recorre às consultas gratuitas, faltam cilas, não tem a quem se soccorrer, e esta falta é mais perigosa do que o deixar de condemnar-se alguns kilogrammas de bacalhau avariado mais perigosa do que a falta de visitas sanitárias que o sub delegados andara fazendo, e a pretexto das quaes deixam de prestar os soccorros aos indigentes. (Apoiados.)
Ha mais. A auctoridade administrativa suspendeu tara bem o serviço da vaccina.
Estamos providenciando para que se não morra por causa do cholera, que está longe, mas permitte-se morrer de outra, doenças que, pela forma como se está fazendo o servido, encontram tudo preparado para se desenvolver. Isto não tem justificação.
Ainda me vou referir a uma falta, da qual já conheço a causa, a qual, embora não me satisfaça claramente, não posso deixar de confessar que tem alguma força.
Vi hontem num jornal, e repetido n'outro hoje, que um commissario de policia tinha ido com tres (!) sub-delegados de saude condemnar uma porção de bacalhau avariado. Parece-me que bastava que a auctoridade fosse, conforme manda a lei, com um só sub-delegado, e que, quando o tossuidor do género condemnado não se conformasse com essa decisão, então é que se devia nomear pelas vias comitentes uma commissão do sub-delegados para confirmar a não a primeira sentença. É o que manda a lei.
Sei que não houve sentença, e que isto foi motivado pelo escrupulo do funccionario que condemnou o genero, em quem fez peso o valor d'elle.
Este assumpto é muito digno de respeito, mas não ilesas circumstancias especiaes, em que, para alimentar este luxo de condemnar géneros com juntas se arriscam os pobres a morrerem sem soccorros medicos. E visto que estou fatiando da hygiene, lembrarei ao ministro do reino um assumpto que interessa altamente á hygiene e á salubridade de Lisboa.
S. exa. talvez não saiba que ha um sitio chamado Terramotos, bairro de Alcantara, onde existem fabricas de torrefacção de ossos, contra as quaes se têem constantemente apresentado muitas reclamações e feito muitos esforços para serem tiradas dali; e que, tendo acabado umas, outras ficavam e outras abriam.
Chamo attenção do sr. ministro do reino para este foco de infecção, que não deve ser por mais tempo permittido dentro da cidade.
Não sei que influencias nefastas tem protegido industria tão nocivas á saude publica, o que sei é que o actual sr. ministro dos estrangeiros apresentou na camara dos dignos pares, sendo opposição ao governo que presidia então aos negócios do paiz, reclamações sobre este ponto, e disse que quando o partido regenerador fosse ao poder ha vir de acabar com aquellas fabricas.
E parece-me que o sr. ministro da fazenda tambem n'esta casa, por occasião de apresentar uma representação, declarou que não havia motivo para se não acabar com aquellas fabricas.
Pois chegou agora a occasião de poderem como governo executar o que aconselhavam na opposição, e eu de novo chamo a sua attenção para este ponto, a fim de que se não consinta por mais tempo aquelle foco de infecção, que é muito mais perigoso e nocivo á saude, do que a existência de alguns kilogrammas do bacalhau avariado que tem melhor fiscal do que qualquer delegado do saneie, o nariz do consumidor.
Termino como comecei, repetindo que, fazendo estas reclamações, não me anima qualquer desejo de fazer opposição, qualquer interesse partidario, tão somente o desejo de denunciar ao governo irregularidades que devem ter um termo, factos que podem prejudicar gravemente o interesse de todos.
A representação teve o destino indicado a paginas 1008. O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - O illustre deputado e meu amigo o sr. Fernando Palha, queixou-se da não comparência do sr. presidente do conselho de ministros a esta sessão e ainda a outras. S. exa. é injusto porque não ignora que a presença do sr. Serpa Pimentel tem sido necessária na outra camara, em virtude da discussão do projecto do bill de indemnidade, projecto que não só tem caracter político, mas envolve medidas de que aquelle nosso collega tem a responsabilidade, e que não podiam ser discutidas sem que elle estivesse presente, como chefe do gabinete.
59 *