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Discurso que devia ser transcripto a pag. 891, col. 3.ª, lin. 65.ª do Diario de Lisboa, na sessão de 23 de março

O sr. Fontes Pereira de Mello (sobre a ordem): — Na conformidade do regimento começo por ler á camara a moção de ordem que tenho a honra de mandar para a mesa, e v. ex.ª me permittirá que use do meu direito para a sustentar. À minha moção é a seguinte:

«Proponho que esta camara eleja uma commissão de inquerito, a qual, sem prejuizo do seguimento d'esta discussão, collija esclarecimentos, e proceda a averiguações que a habilitem a emittir o seu voto ácerca do systema de tributar o tabaco, que deve merecer a preferencia entre nós.»

Se n'este importante assumpto se tivesse dito a ultima palavra; se todos os homens esclarecidos e competentes estivessem de accordo sobre os meios mais efficazes e mais convenientes, debaixo de todos os aspectos em que esta importante questão deve ser considerada, para auferir do tributo do tabaco a maior somma para o thesouro, com o menor gravame dos contribuintes e dos consumidores; se todos os economistas tivessem uma unica opinião a tal respeito, e se todos os governos e homens d'estado dos differentes paizes fossem de accordo sobre o methodo que mais convinha empregar para resolver esta questão gravissima, a minha moção não teria rasão de ser, e eu não a apresentaria á camara pedindo-lhe, como peço, a sua approvação.

Quando as nações grandes, as nações esclarecidas, aquellas que ha muito tempo nos tomam a vanguarda no caminho da civilisação e da sciencia, têem procurado adquirir a maior copia de esclarecimentos para formar uma opinião em tão importante assumpto; quando está nas mãos de todos, e tem sido por mais de uma vez citado n'esta casa o interessante inquerito feito em França em 1835, 1836 e 1837, que lançou tão grande luz sobre esta questão, não só pelos depoimentos das pessoas competentes que foram chamadas a interpor o seu parecer, mas pela reunião de esclarecimentos e documentos que compendiou; quando a Inglaterra fez um largo inquerito em 1830 para resolver igualmente este negocio; quando vemos que este objecto tem sido estudado profundamente em Hespanha, na Austria, na Sardenha, em todos os paizes, numa palavra, que de um ou de outro modo têem julgado conveniente resolve-lo; creio que não será fóra de proposito o desejo que manifesto, e em que peço á camara me acompanhe, de que ella tome em suas mãos este importante assumpto; que se occupe de o estudar por meio de uma commissão sua; que rodeie essa commissão de todos os meios de informação que forem necessarios para conhecer os factos e apurar a verdade, e que depois de tudo isto fique o governo do paiz, fiquem os poderes publicos habilitados para resolverem definitivamente esta questão com todo o conhecimento de causa.

Porém não pense a camara que a minha intenção é embaraçar o seguimento d'este negocio, que é impedir por qualquer modo a sua resolução, que é mesmo desejar que se sobreesteja n'este importante debate. Não, senhores. Eu digo que isto se faça sem prejuizo da discussão d'este projecto e mesmo da sua approvação, ou rejeição, conforme a varia fortuna que tiver nas duas, casas do parlamento.

Não ha nada absolutamente immutavel em objectos d'esta ordem.

Quando o nosso collega e meu particular amigo, o sr. Casal Ribeiro, apresentou aqui a idéa de uma administração provisoria por conta do estado, até que se resolvesse maduramente esta questão, pareceu-me que a alguns espiritos, e notavelmente ao do sr. ministro da fazenda, se tinha afigurado que era improprio, que era inconveniente e que era prejudicial á fazenda publica esse estado provisorio, que não se compadecia com a natureza do objecto e com a circumspecção que devia haver nas decisões que sobre elle se tomassem. Porém, sr. presidente, todas as leis são transitorias, todas podem ser revogadas, todas são susceptiveis de melhoramento. É isso da natureza dae cousas, e temos um exemplo bem significativo no proprio negocio que se discute.

Qual é a legislação do paiz actualmente sobre este assumpto? É a que se fez em 1860.

Em 1860 approvou-se urra proposta do governo, na qual se pedia auctorisação para arrematar por mais tres annos o monopolio do tabaco, e decretou-se que no fim d'esses tres annos o monopolio seria administrado por conta do estado. O que acontece hoje, tres annos depois? O governo vem ao parlamento e diz: «A lei que existe, que manda administrar o monopolio do tabaco por conta do estado desde 1 de maio de 1864, não é conveniente que subsista». De maneira que ainda aquella lei não principiou a executar-se e já nós vemos pedir dos bancos do ministerio a sua revogação. Prova evidente da instabilidade da legislação sobre taes assumpto se da necessidade que póde haver, em dadas circumstancias, de alterar ou modificar essa legislação. Se isto assim é, que inconveniente haveria em estudar a questão do tabaco debaixo de um ponto de vista elevado, e com todos os meios de informação, que habilitassem os poderes publicos a resolve-la convenientemente? Creio que nenhum.

Com isto não digo á camara, e não pense alguem, que eu não tenho á minha opinião assentada sobre o systema que mais convem seguir a respeito deste importante objecto. Mas a minha opinião não a reputo infallivel, porque desgraçadamente a experiencia me tem mostrado que muitas vezes erro, e que erramos todos nós; mas por isso mesmo que respeito as opiniões alheias, por isso mesmo que vejo que no meu paiz, e fóra d'elle, ha opiniões muito auctorisadas de homens competentes, que optam uns por um systema e outros por outro, eu, sem querer que ninguem jure sobre as minhas palavras, peço á camara, peço aos poderes publicos do meu paiz, que só resolvam definitivamente depois de terem obtido os esclarecimentos necessarios. Este é o objecto da minha proposta.

Mas, pois que o nobre ministro da fazenda pareceu lançar um certo desfavor sobre alguns documentos d'esta natureza, que se têem colligido em paizes estrangeiros, e notavelmente sobre o inquerito feito em França, permitta-me a camara que eu, em abono da proposta que apresento, e para justificar a sua utilidade, declare que não posso conformar-me com a opinião emittida sobre este ponto pelo sr. ministro.

Ouvi perfeitamente as rectificações que s. ex.ª fez na sessão de hontem, ao que de certo no calor da discussão lhe tinha escapado no dia anterior. Ouvi a consideração com que s. ex.ª já tratou ultimamente os documentos saídos das regiões officiaes francezas, e aquella em que tinha o merecimento e as qualidades dos homens que haviam dirigido o mencionado inquerito; mas, apesar d'isso, o nobre ministro não deixou de citar uma expressão auctorisada, que todavia é mais um dito espirituoso do que uma sentença em assumpto de tanta gravidade, assegurando que um homem notavel tinha dito na tribuna franceza que = tudo dependia da arte de agrupar os algarismos =, e que casa arte, e não a falsificação, é que fazia nascer no seu espirito graves duvidas sobre a exactidão dos resultados a que chegou a commissão de inquerito.

Reconhecendo, sr. presidente, que cada um é senhor de emittir a sua opinião como quizer, direi comtudo que se eu estivesse collocado nos bancos do governo, não me atreveria a lançar uma suspeita de menos verdadeiro sobre um documento official de um paiz como a França (apoiados).

Ainda ha pouco o nobre ministro julgou que as contas n'aquelle paiz eram dadas e feitas com tanta precisão e com tanta clareza, que de lá copiou grande parte das disposições que inseriu no regulamento geral de contabilidade (apoiados); e, quando se tem feito isto, independente de outras considerações que a camara de certo aprecia, e o nobre ministro tambem, não se póde ir lançar uma expressão de duvida, de desconfiança, sobre os documentos officiaes de um paiz onde a contabilidade publica tem attingido um grau de perfeição que ainda não pôde ser excedido em algum outro da Europa (apoiados).

E se eu fosse atrás d'esta insinuação, deste dito, d'esta expressão espirituosa que o nobre ministro foi pedir emprestada a um grande orador francez, a respeito da arte de agrupar os algarismos, para que elles digam o que nós queremos que seja dito, que considerações não poderei eu fazer sobre o seu relatorio, sobre os calculos apresentados por s. ex.ª a respeito dos preços por que hão de ficar os generos (apoiados), sobre o modo por que apreciou a receita publica, e sobre todos esses elementos de que se serviu, tem nos dizer d'onde vinham, sem nos dizer qual é a sua origem (apoiados), querendo tirar conclusões que estarão nos principios, se as bases em que se funda forem exactas, mas que serão uma completa decepção se ellas não corresponderem á verdade dos factos!

A verdadeira arte de agrupar os algarismos consiste em os combinar de maneira que não só cheguemos a resultados exactos, mas que o façamos de modo a ser entendidos, ainda pelos menos experimentados e conhecedores da sciencia. Nesta tribuna não se falla só para a camara, mas tambem para o paiz inteiro, e é preciso que o paiz comprehenda e aprecie. Detesto a arte de agrupar algarismos, para enredar as questões e illudir os inexperientes, e applaudo a que tem por objecto esclarecer o publico, e pôr as questões ao alcance de todas as intelligencias. Neste sentido, é honroso exercer aquella arte, e oxalá que nos bancos dos srs. ministros a vejamos sempre empregar d'esta maneira, porque isso será nobre e digno como convem (apoiados).

V. ex.ª ouviu de certo, e ouviram todos em uma das sessões passadas, creio que na de ante-hontem, uma apostrophe que o sr. ministro da fazenda dirigiu á minha humilde pessoa a proposito de um signal de adhesão, destes que se costumam usar no parlamento, francamente pronunciado não sei por qual dos meus collegas que se tenta neste lado da camara. Suppondo o nobre ministro que aquelle apoiado inoffensivo tinha sido pronunciado por mim, que o não foi, porque eu estava completamente silencioso, respondeu lhe s. ex.ª perguntando me — se me não lembrava das propostas que havia apresentado á camara em 1853 e 1854, das minhas opiniões antigas, e se vinha hoje accusar o governo e aggredi-lo pela falta de informações ou esclarecimentos no projecto que apresentou? Esta allusão já tinha sido feita, delicadamente, é verdade, por parte do meu amigo o illustre relator da commissão, e por isso a camara reconhecerá que eu estou n'uma posição excepcional em relação aos meus illustres collegas no debate que nos occupa.

Permitta-me porém v. ex.ª que de passagem lhe diga, que não fui eu quem deu esse signal de adhesão e assentimento ao illustre ministro. Talvez que aquelle apoiado fosse pre-