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1110-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

E se o governo não póde apresentar a administração do caminho de ferro como modelo, não poderia apresentar de certo a administração da régie como modelo tambem. (Apoiados.)

E sabem s. ex.as porque? Passo a dizel-o. É o sr. ministro da fazenda que vem em meu auxilio, e é com as suas proprias palavras que eu posso argumentar.

Querem s. ex.as saber que cuidados, que precauções, podemos dizer quasi, que profunda transformação no modo de ser do nosso parlamento seria preciso para que a régie podesse produzir alguma cousa?

Repito, é o sr. ministro da fazenda quem nol-o vae dizer, nas considerações com que termina o relatorio das suas propostas de lei este anno:

"Concluo se, portanto, que a régie, como empreza industrial a beneficio do thesouro, é perfeitamente acceitavel, alem de que em todos os calculos apresentados nem se attendeu ao consumo nas colonias portuguezas, nem ao augmento de consumo no reino. Acceitando os ultimos dados acima expostos, teremos para receita provavel dos tabacos no proximo anno economico mais 560:000$000 réis, que a verba supposta no orçamento das receitas.

"São estes os fundamentos da proposta de lei, que tenho a honra de apresentar-vos, na qual muito se procurou attender á boa economia na administração e a isental-a do influxo damninho da politica. E convem não esquecer que os resultados previstos só podem manter-se favoraveis, quando a estas duas condições se attender essencial e constantemente; o unico perigo da administração por conta do estado consiste em que alguma vez venham a ser esquecidos. N'este ponto deve o parlamento, agora e sempre, exercer a mais minuciosa e severa fiscalisação."

Sr. presidente, se o bom exito da régie depende de uma rigorosa e constante fiscalisação parlamentar, que triste desillusão não vae ter o sr. ministro da fazenda, e que dolorosas ancias, que patrioticas angustias não vae s. exa. soffrer para preencher no orçamento o deficit produzido n'este capitulo das receitas publicas. (Apoiados.)

Ninguem como o sr. ministro da fazenda nos póde descrever o influxo damninho da politica em assumptos de administração. (Apoiados.)

Ora, francamente, e sem querer insistir de mais sobre o assumpto, peço á camara que considere o que será a régie, não digo com o sr. Marianno do Carvalho ministro da fazenda, incapaz, como todos nós o sabemos, de intrometter a politica na administração, (Riso.) mas com um ministro que possa parecer-se alguma cousa com elle. (Riso.)

Não estamos nós já a ver esse ministro oppôr uma barreira ferrea, impenetravel aos influxos damninhos da política, no pessoal da régie, por exemplo, em occasião de eleições geraes em Lisboa e Porto? (Apoiados.)

A tentação será tão grande, sr. presidente, que me parece que na primeira opportunidade a régie naufragará, sem que possam valer-lhe todos os cuidados da fiscalisação parlamentar! (Apoiados.)

O influxo damninho da politica na administração! Ninguem melhor do que o sr. ministro da fazenda poderá fallar com auctoridade a respeito d'este ponto! (Apoiados.)

Fiscalisação parlamentar! Ninguem como s. exa. póde melhor n'ella confiar!
Pois ha assumpto de administração mais grave, em que a fiscalisação parlamentar deva com maior empenho exercer-se, do que a elaboração e discussão do orçamento geral do estado, (Apoiados.) que é o transumpto da nossa civilisação e da nossa riqueza, e onde se deve discutir e apreciar o modo como estão organisados os diversos serviços publicos? (Apoiados)

O parlamento portuguez, no entretanto, ha quatro annos que demitte de si, por indicação dos governos, esta importantissima funcção, que por si só justifica a creação do parlamentarismo moderno! (Apoiados.)

Ha quatro annos que não se discute um orçamento n'esta camara, e os differentes ministerios em dictadura mansa, sem levantarem attritos, sem crearem resistencias e quasi que sem promoverem reparos, têem conseguido, apesar de não disporem nem de força nem de prestigio, o que o grande chanceller allemão, o principe de Bismarck, não póde conseguir no parlamento allemão sem embargo de elle apenas se contentar com orçamentos biennaes! (Apoiados.)

Então, é a um parlamento que dá exemplos d'este respeito e d'este amor pelas suas prerogativas, que o governo vem pedir por uma suprema irrisão a
fiscalisação da régie?! (Apoiados.)

Se este pedido não é uma pungente ironia dardejada pelo sr. Marianno de Carvalho á mansidão d'esta camara, não comprehendo eu qual seja a intenção do sr. ministro ao formulal-o!

A régie está, pois, condemnada, e por quem apparentemente parece que mais interesse tinha em defendel-a.

Mas argumenta-se com a régie franceza.

Invoca-se a França, e peço a v. exa. que attenda bem na força d'este argumento, o diz-se que se a régie franceza dá elevados lucros ao estado, tambem a régie portugueza os póde dar.

Admittamos por um momento que os calculos do sr. Marianno de Carvalho são absolutamente verdadeiros; admittamos por um momento que, guardadas as devidas proporções do consumo e da população, a régie portugueza possa vir a render tanto como à franceza, ainda assim teremos, conforme o demonstrou irrefutavelmente o sr. Moraes Carvalho, um rendimento muito inferior ao produzido pelo regimen da liberdade.

Mas a comparação da régie portugueza com a régie franceza só póde admittir-se com determinados coeficientes de correcção.

Em primeiro logar não devemos esquecer-nos que a régie franceza é uma das manifestações da grande centralisação que ha um século domina n'aquelle paiz.
Todos sabem que a França, atraves dos differentes regimens governativos, que ha cem annos tem tido; atraves das diversas dificuldades que tem atravessado a sua politica interna e externa; atraves de todas as suas revoluções; atraves de todas as convulsões sociaes que a têem dilacerado, salvou sempre o principio da centralisação, herança commum dos seus partidos de governo, quer se chamem radicaes quer conservadores.

Ora a régie é uma das manifestações d'esta centralisação, e ao mesmo tempo encontra n'ella o seu principal esteio.

Poderá a régie portugueza encontrar igual apoio? De certo que não!
Portugal não é, como a França, um paiz centralisado, Portugal ó um paiz administrativamente desorganisado!

Alem d'isso a régie franceza não é organismo que nascesse completo, de um só jacto, tal como hoje se encontra.

Essa régie tem-se aperfeiçoado pouco a pouco, e o que é no momento actual não o era em 1811, anno em que foi decretada! (Apoiados.)

Ora, admittmdo, na melhor das hypotheses, que Portugal possa vir a adquirir a capacidade administrativa sufficiente para, n'um certo tempo, ter a sua régie organisada como a franceza, ainda assim será necessaria a indispensavel aprendizagem, que levará annos, porque, apesar de todas as vantagens especiaes que tinha a França para tal organisação, passou por largos annos de aprendizado o actual regimen de tabacos que ali vigora.

O sr. Marianno de Carvalho, ou qualquer outro ministro da fazenda poderão no entretanto dispensar no orçamento o que nos primeiros tempo a régie nos vae custar? De certo que não, visto que foi para obter maior rendimento do que o produzido pelo regimen da liberdade que s. exa. alterou a legislação dos tabacos.