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APPENDICE A SESSÃO DE 7 DE ABRIL DE 1888 1010-C
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, como pedi a palavra sobre a ordem começo por ler a minha moção:
"A camara, considerando que a régie vae ser financeiramente um malogro, economicamente um erro, e socialmente, para melhorar á condição dos operarios, uma inutilidade;
"Considerando, alem d'isso, que póde converter se nas mãos de qualquer governo pouco escrupuloso em perigosa arma politica, que todos os partidos, sem distincção, deveriam ter interesse em inutilisar; affirma a sua adhesão ao principio da liberdade industrial e passa á ordem do dia. = O deputado, Consiglieri Pedroso."
Está moção synthetisa, resume a minha opinião acerca ao projecto actual que se discute. Não espere s. exa. nem a camara que na altura em que vae a discussão, eu venha produzir um largo discurso. Diversos motivos, entre os quaes avultam especialmente dois, impõem-me n'este momento a obrigação de ser o mais resumido possivel nas considerações que vou fazer. Era primeiro logar, o meu estado de saude, não me permitte ainda o esforço de uma larga oração politica, em segundo logar a camara está já bastante elucidada por parte da opposição, acerca do projecto de lei que vae transformar o regimen actual dos tabacos e nenhuma utilidade teria, me parece, vir aqui repetir novamente calculos já feitos ou argumentos já adduzidos.(Apoiados:)
Portanto limitar-me-hei, sr. presidente, a justificar com toda a brevidade e concisão os fundamentos da minha moção de ordem; mas antes, como é praxe n'esta casa, não posso deixar de dedicar alguns minutos a responder ao discurso proferido na sessão anterior pelo sr. Antonio Maria de Carvalho.
E começo por uma declaração, que de certo a camara me permittirá. Apesar do assistir hoje pela primeira vez a este debate o sr. presidente do conselho, (Apoiados.) eu não cederei á tentação de confrontar, como o têem feito outros oradores opposicionistas, o procedimento de s. exa. n'esta questão com o procedimento do sr. ministro da fazenda.
Alguns membros da opposição, e especialmente um d'elles, o sr. Arroyo já se occuparam com toda a largueza de tal assumpto.
Os factos que se têem passado e se estão passando com a discussão do projecto que agora nos occupa, mostram bem quanta rasão tinha a opposição parlamentar, quanta rasão tinha eu proprio quando conjuravamos o sr. ministro da fazenda e a maioria a que não abrissem o deploravel precedente de, em uma discussão d'esta importancia confundir n'uma mesma inscripção generalidade e especialidade, atropellando o debate, e obrigando a um esforço inutil e contraproducente, os oradores que tivessem de fallar sobre o assumpto.
Disse eu por essa occasião, o disse-o com sobejo motivo, que o confundirem-se duas discussões, a generalidade e a especialidade do projecto, só contribuiria para protelar sem vantagem alguma o debate, para converter em desordem o que deveria ser ordem, e para dar ensejo a que os oradores d'aquelle lado da camara se furtassem á obrigação de responder aos argumentos da minoria, valendo-se do artificio de apenas a duas ou tres das nossas asserções apresentarem uma replica, deixando completamente no esquecimento todas as outras que tinham sido feitas em um largo discurso, como não podem deixar de ser os discursos da opposição em similhantes condições! E a esta circumstancia que eu attribuo o facto de os dois oradores da maioria, que fallaram, terem deixado completamente de pé todas as affirmações que por parte da opposição foram apresentadas. (Apoiados.)
Que o sr. Vicente Monteiro não respondeu ao sr. Moraes Carvalho, demonstra-o, alem de tudo o mais, a altitude do sr. Antonio Maria de Carvalho, na sessão de hontem, occupando-se quasi exclusivamente na maior parte do seu discurso em responder áquelle illustre deputado, provando assim que a resposta dada pelo sr. relator do projecto não o tinha satisfeito! (Apoiados.)
A respeito do discurso do sr. Arroyo, escuso de insistir sobre a replica, que lhe foi dada. A camara sabe bem como o sr. Antonio Maria de Carvalho respondeu a este orador. (Apoiados.)
S. exa. limitou-se a estudar, ou antes a criticar os effeitos da lei de 1879; e nada mais! Seria tal laconismo indicio de que o projecto não tem defeza? Ou seria porque a fórma tumultuaria, como o debate foi estabelecido, obriga a estas omissões involutarias os deputados da minoria?
Em qualquer dos casos sobejo motivo tem a opposição para combater um projecto formulado e discutido em taes condições! (Apoiados)
E no entretanto, afirmações houve d'este lado da camara, que mereciam uma prompta resposta da parte do sr. ministro ou do sr. relator! (Apoiados.)
Por exemplo, o illustre deputado o sr. Moraes Carvalho insistiu muitas vezes no facto, comprovado pelos documentos officiaes, de sair mais tabaco manufacturado das fabricas do que a materia que para ali tinha entrado.
Avaliou até em 500:000 kilogrammas este excesso das saídas sobre ás entradas. Uma affirmação d'essa ordem, sr. presidente, ou é verdadeira ou não o é. Se não
é verdadeira, devia ter um prompto e immediato desmentido, por parte do illustre relator da commissão, porque todos compreendem o alcance de similhante affirmação exacta.
Se é realmente exacto e não há para ella explicação que lhe attenue a apparente gravidade, então o projecto de lei tal como está redigido; é monstruosamente lesivo dos interesses publicos!
Na base l.ª, que ficará fazendo parte integrante da lei, estipula-se a indemnisação a conceder ás fabricas. As acções hão de ser pagas aos portadores, por uma certa e determinada quantia, correspondente a uma certa e determinada cotação.
Ora é indubitavel que um dos elementos d'essa cotação foi sem duvida, no caso de ser verdadeira a affirmação do sr. Antonio Mariano de Carvalho, a saída de 500:000 kilogrammas de tabaco, isentos do respectivo imposto.
Logo, não só a importancia, mas a propria concessão da indemnisação têem n'este caso que ser seriamente ponderadas! (Apoiados.)
Basta este unico exemplo, para se ver a falsa posição em que a defeza se encontra na questão de que se trata.
E agora, sr. presidente, antes de desenvolver os fundamentos da minha moção, passarei a responder ao discurso do illustre deputado que me precedeu, o sr. Antonio Maria de Carvalho.
S. exa., baseando a sua argumentação nos perniciosos effeitos da lei de 1879, entende que a régie é o unico meio de obstar ás desastradas consequencias d'essa lei.
Eu ouvi, sr. presidente, com a maior attenção todo o discurso do illustre deputado; não perdi uma unica das suas palavras, durante as duas horas em que fallou; mas confesso francamente que em vão esperei pela apresentação de um motivo ou ao menos de um pretexto apparentemente rasoavel para justificar a régie!
Com effeito s. exa. tratou de tudo; mas esqueceu-se de demonstrar que a régie vem corrigir os effeitos desastrosos da lei de 1879! (Apoiados.)
A argumentação do sr. Antonio Maria de Carvalho, foi a que vou expor á camara.
E note-se que não venho defender a lei de 1879, que não é da iniciativa do meu partido, em que eu pessoalmente não collaborei, e que...
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - E que não applaude.
O Orador: - Já vou dizer a v. exa. o que penso acerca da lei de 1879.
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Tenha o illustre deputado paciencia, que não tardará muito que possa ouvir a tal respeito a minha opinião.
Note-se, repito, que eu não venho defender a lei de 1879; venho apenas apresentara argumentação que contra ella e a favor da régie produziu o sr. Antonio Mana de Carvalho.
As minhas conclusões virão depois.
A lei de 1879, dizia na sessão de hontem s. exa., favoreceu o contrabando em grande escala, pela elevação imprudente e anormal dos direitos, como mero expediente financeiro; logo, o unico caminho a seguir é estabelecer a régie.
Francamente, sr. presidente, acho esta conclusão peregrina. (Apoiados.)
Pelo menos, para se poder estabelecer similhante raciocinio era necessário demonstrar que a régie impedia o contrabando. (Apoiados.)
Como s. exa., porém, se esqueceu de dar tal demonstração, a sua conclusão desacompanhada de provas não tem o minimo valor.
A mim até me parece que a régie, em vez de diminuir o contrabando, o augmenta em certos ramos. (Apoiados.)
Por isso eu estou convencido de que o regimen que se propõe, em logar de corrigir os effeitos desastrosos da lei de 1879, vem aggraval-os! (Apoiados.)
Com effeito, por que motivo favorecia a lei de 1879 o contrabando?
Porque augmentava os direitos do tabaco em tal proporção, que tornava o contrabando muito rendoso e, portanto, convidativo.
Pois bem; mas se eu vejo que o decreto de 27 de janeiro de 1887 augmenta ainda os direitos para o tabaco manufacturado estrangeiro, (Apoiados) e tanto que n'esse augmento funda o sr. ministro da fazenda a esperança de que a régie renda para o thesouro mais 560:000$000 réis, como quer s. exa. que eu não considere por este projecto aggravados os perniciosos effeitos da legislação de 1879? (Apoiados.)
Pois como ha de a régie impedir o contrabando, desde que por um lado a causa d'elle está na desproporcionada elevação dos direitos, e por outro lado a régie ainda os augmenta? (Apoiados.)
Não comprehendo, sr. presidente, confesso-o!
Para a régie impedir o descaminho de direitos, poder-me-ha dizer o sr. ministro da fazenda e poder-me-ha dizer o sr. relator da commissão, que ha o expediente de crear o regimen das zonas.
Vejo que o sr. relator da commissão apoia a minha indicação, pelo signal affirmativo que está fazendo.
O sr. Vicente Monteiro: - Apoiado.
O Orador: - Mas permitta-me s. exa. que lhe diga que não mediu bem o alcance do estabelecimento do regimen das zonas no nosso paiz.
A perspicacia do sr. ministro do fazenda, comtudo, não deve ter escapado a circumstancia a que vou referir-me.
Em primeiro logar o regimen das zonas é a copia do que foi estabelecido na régie franceza.
Os illustres deputados d'aquelle lado da camara, (o direito) que têem argumentado constantemente n'este debate com o regimen francez, devem saber que em França a régie, depois da guerra de 1870-1871, diminuiu o numero das zonas, reduzindo-as de cinco a tres.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Hoje já não precisas.
O Orador: - Não precisas?! Como?!
(Interrupção.)
Mas admittamos por um momento, que o regimen das zonas se estabelece em Portugal e que a régie tem á sua disposição meios para produzir, como a França, tabaco barato, uma especie de tabaco de cantil.
Querem v. ex.as saber o que acontecerá n'este caso ? Estabelecido que seja o regimen das zonas em Portugal, na nossa raia secca, veremos immediatamente os lucros da régie serem diminuidos, porque o tabaco, em vez de só vender polo preço medio por que n'este momento se calcula a venda, terá necessariamente de produzir somma muito menor. (Apoiados.)
Mas alem d'isso, sr. presidente, o contrabando não cessará; continuará a fazer-se da zona privilegiada para o resto do paiz! Eis o que acontecerá! (Apoiados.)
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - E qual a maneira de o evitar?
O Orador: - A maneira de o evitar, assim como a maneira de evitar os perniciosos effeitos da legislação de 1879, vou dizel-a s. exa.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Dou-lhe um doce se a descobrir!
O Orador:- No preciso no desempenho do meu dever que me tentem com essas gulodices. (Riso) E sem que s. exa. me faça offerecimento algum, comprometto-me a indicar o meio de corrigir os perniciosos effeitos da legislação de 1879. Mas ouça s. exa., ouça a maioria e ouça o sr. presidente do conselho as palavras que
vou proferir.
Na minha posição de deputado opposicionista, não tenho obrigação de indicar alvitres ao governo, mas unicamente a de criticar os seus actos e de apreciar o valor das suas medidas.
Esta é a theoria, a jurisprudencia estabelecida pelo partido progressista e nomeadamente pelo sr. presidente do conselho, quando era opposição. (Apoiados.)
E o partido progressista era tão intransigente n'este seu modo de ver, que até n'uma questão de ordem publica, a proposito do conflicto entre Braga e Guimarães, manteve tenazmente a mesma doutrina
Recordo-me que o presidente do conselho de ministros de então, Fontes Pereira de Mello, perguntando com insistencia aos deputados progressistas qual era o alvitre que melhor lhes parecia, para pôr termo a esse triste acontecimento, só póde obter do sr. José Luciano de Castro a resposta evasiva de que o que se lhe pedia era o segredo que só revelaria quando fosse governo. (Apoiados.)
E cumpriu a sua promessa, porque até á ultima hora nunca disse, que tal resolução estava no codigo administrativo!... (Riso. - Apoiados.)
Eu podia, pois, manter-me exactamente n'esse papel negativo de criticar, sem fazer a vontade ao sr. Antonio Maria de Carvalho, apesar de s. exa. me offerecer um doce. (Riso.)
(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho.)
O sr. Arroyo: - S. exa. falia mais em apartes do que responde em discursos. (Riso.)
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Talvez; porque nos discursos não encontro nada que mereça resposta (Apoiados.) e nos apartes estou encontrando
O sr. Arroyo: - Isso só encontra commentario n'um codigo especial que s. exa. conhece.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Não sei qual é.
O Orador: - Eu disse que não tinha duvida alguma em indicar o remedio que se me afigura mais efficaz, não só para combater os effeitos de legislação de 1879, mas ainda os que hão de necessariamente advir do regimen da régie, ou de qualquer outro systema, uma vez que se conserve a elevação dos direitos que vae vigorar definitivamente se for approvado o presente projecto de lei.
N'estes ultimos annos têem-se feito três reformas successivas da fiscalisação externa das alfandegas. Fez a primeira reforma o sr. conselheiro Lopo Vaz; a segunda foi feita pelo sr. Hintze Ribeiro; a terceira, finalmente, pelo actual sr. ministro da fazenda.
Quando se tratou da primeira, não tinha eu então ainda a honra de ser deputado, e a ultima sabe v. exa. as condições especiaes em que ella foi decretada para que o parlamento não tivesse podido intervir na sua discussão. Mas
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tomei parte na discussão da reforma proposta pelo sr. Hintze Ribeiro e li cuidadosamente nos respectivos debates as rasões que o sr. Lopo Vaz adduziu para fazer a sua reforma. Todos alem d'isso sabem os motivos em que o sr. Marianno de Carvalho se fundou para decretar em dictadura a remodelação vigente.
Quer dizer em seis annos, dois annos em media para cada uma das reformas; temos remodelado com grande sacrificio do thesouro, por tres vezes, o serviço da fiscalisação externa das alfandegas, dando corno unica e suprema rasão a necessidade de acabar com o contrabando.
Eu não creio, sr. presidente, na possibilidade do uma boa fiscalisação quando os direitos pautaes forem crescendo n'uma escala de tal maneira ascendente que tornem as fraudes cada vez mais convidativas, quaesquer que sejam as penalidades que a essas fraudes se imponham na lei. (Apoiados.)
É principio de economia politica de ha muito passado em julgado em todas as escolas, que nenhuma fiscalisação póde reprimir o contrabando, quando o ganho proveniente d'esse roubo ao estado é deveras importante.
E sel-o-ha sempre que os direitos aduaneiros forem exageradamente elevados, como acontece entre nós com os direitos do tabaco.
Não sabemos nós todos como nos seculos XVII e XVIII o contrabando zombou das nossas rigorosas prescripções do systema colonial? Pois o que a Hespanha absolutista da casa de Austria não póde conseguir, será de certo impossivel de realisar hoje em pleno regimen da liberdade.
Estabeleçam-se, pois, rascáveis direitos e depois applique-se então uma fiscalisação rigorosa, porque temos a certeza de que será efficaz. E porque se não transformam as fabricas de tabaco em armazens alfandegados, cobrando-se-lhes o direito á saída em vez de ser á entrada e fiscalisando-se melhor por esta fórma, não só os interesses do thosouro, mas tambem os do consumidor, que lucra em não comprar productos adulterados? É evidente que com este systema deixariam as fabricas do empregar essas mil fraudes, que se resumem todas ellas em substituir em grande escala o tabaco, que paga um alto direito, por ou tras substancias, algumas até nocivas á saude. (Apoiados.) Aqui está, sr. presidente, a sumula da resposta que podia ser dada ao discurso do sr. Antonio Maria de Carvalho.
Não me allongo mais em considerações sobre a legislação de 1879, porque não é a legislação de 1879 que está em discussão. (Apoiados.) O que está em discussão é um regimen completamente diverso, que não tem nada com esta legislação, a qual só por incidente póde figurar no presente debate.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - V. exa. dá-me licença que lhe faça uma interrupção?
Nós para apreciarmos a medida que está sujeita ao debate, devemos ou não attender ao estado actual e ver qual elle é?
Elle é ou não o resultado exclusivamente da lei de 1879?
O Orador: - Exclusivamente, não.
O sr. Antonio Maria de Carvalho:- Encarregue-se v. exa. de mostrar que o estado actual não é devido á lei de 1879.
O Orador: - Eu não contesto que a legislação de 1879 esteja ligada com o assumpto que se debate, mas transformar o que deve ser um incidente da discussão em ponto capital d'ella, é deslocar completamente o terreno da controversia. (Apoiados.)
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - O que eu queria era ir buscar á legislação de 1879 a rasão da nova reforma.
O Orador: - Mas v. exa. foi buscar esse motivo o ficou lá! (Apoiados.)
Repito, não e a legislação do 1879 que está em discussão. (Apoiados.)
Julgo ter dito o sufficiente para que a camara comprehenda qual é a minha opinião acerca do modo como a legislação de 1879 poderia tornar-se menos desastrosa.
E dito isto, passai ei á justificação da minha moção de ordem.
Em primeiro logar eu não posso, como já disse, vir repetir calculos que já foram feitos o adduzir argumentos que já foram produzidos, principalmente quando esses calculos e argumentos estão perfeitamente de pé, por não terem soffrido impugnação. (Apoiados.)
Estou convencido, sr. presidente, é minha profunda convicção que a régie vae ser um verdadeiro malogro financeiro. (Apoiados.)
Entre a régie e o monopolio, e eu sou insuspeito porque combato ambas estas fórmas de resolver o problema, sob o ponto de vista financeiro e administrativo, eu opto pelo monopolio com as indispensaveis garantias. (Apoiados.)
A régie é o monopolio tambem, mas com todos os inconvenientes do monopolio, sem ter as suas vantagens financeiras, porque não dará tanto para o estado por motivos que são obvios! (Apoiados.)
Alem d'isso, no pensamento do governo, a régie não é um systema definitivo.
Acredito mesmo que o sr. ministro da fazenda pensa já a esta hora na fórma como dentro em pouco ha de transformar a régie em monopolio.
E comprehendo que s. exa. assim pense, do momento em que attenda unicamente ao aspecto financeiro da sua proposta, como é, do resto, costume velho dos ministros em Portugal.
Ora o monopolio dará incontestavelmente para o estado, maior rendimento do que a régie.
A passagem, porém, da régie para o monopolio, far se-ha em poiores condições, (Apoiados) porque o arrendamento futuro ha de tomar por base o que a régie tiver lucrado, e esses lucros hão de ser uma desillusão para todos, para os que estão realmente illudidos, e para os que fingem illudir-se, como o illustre ministro da fazenda. (Apoiados.)
O que vae ser a régie administrada pelo estado? Eu escuso de lembrar á camara os principios theoricos que em these condemnam este systema, escuso de chamar em meu auxilio os tratadistas de economia politica de quasi todas as escolas, para provar que as explorações por conta do estado são, em geral, as mais custosas e as menos perfeitas.
Para demonstrar a minha proposição é bastante auctoridade o sr. Marianno de Carvalho.
S. exa. vae dizer-nos o que será para o estado a administração da régie.
O que affirma o sr. ministro da fazenda no seu relatorio d'este anno a respeito da administração, do caminho de ferro do sul e sueste?
Note-se, o governo é o mesmo que ha de administrar a régie; os funccionarios subalternos são os mesmos, o hão de inspirar-se nos mesmos principios economicos e de administração.
Ouça a camara as palavras que vou ler, porque ellas hão de exactamente ser o preambulo de uma proposta de arrendamento do monopolio dos tabacos, que se apresentará para o anno ou para d'aqui a dois annos:
"Desde largos annos explora o estado as linhas ferreas do sul e sueste, sem que o rendimento liquido da rede construída tenha augmentado de modo importante, sem que a sua exploração possa apresentar-se como modelo, e sem que o impulso dos beneficios da viação accelerada, se haja no Alemtejo feito sentir tanto quanto se esperava e quanto era para desejar."
O futuro da régie é este, porque, se a exploração do caminho de ferro é delicada, a exploração da régie ha de ser delicadissima. (Apoiados.)
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E se o governo não póde apresentar a administração do caminho de ferro como modelo, não poderia apresentar de certo a administração da régie como modelo tambem. (Apoiados.)
E sabem s. ex.as porque? Passo a dizel-o. É o sr. ministro da fazenda que vem em meu auxilio, e é com as suas proprias palavras que eu posso argumentar.
Querem s. ex.as saber que cuidados, que precauções, podemos dizer quasi, que profunda transformação no modo de ser do nosso parlamento seria preciso para que a régie podesse produzir alguma cousa?
Repito, é o sr. ministro da fazenda quem nol-o vae dizer, nas considerações com que termina o relatorio das suas propostas de lei este anno:
"Concluo se, portanto, que a régie, como empreza industrial a beneficio do thesouro, é perfeitamente acceitavel, alem de que em todos os calculos apresentados nem se attendeu ao consumo nas colonias portuguezas, nem ao augmento de consumo no reino. Acceitando os ultimos dados acima expostos, teremos para receita provavel dos tabacos no proximo anno economico mais 560:000$000 réis, que a verba supposta no orçamento das receitas.
"São estes os fundamentos da proposta de lei, que tenho a honra de apresentar-vos, na qual muito se procurou attender á boa economia na administração e a isental-a do influxo damninho da politica. E convem não esquecer que os resultados previstos só podem manter-se favoraveis, quando a estas duas condições se attender essencial e constantemente; o unico perigo da administração por conta do estado consiste em que alguma vez venham a ser esquecidos. N'este ponto deve o parlamento, agora e sempre, exercer a mais minuciosa e severa fiscalisação."
Sr. presidente, se o bom exito da régie depende de uma rigorosa e constante fiscalisação parlamentar, que triste desillusão não vae ter o sr. ministro da fazenda, e que dolorosas ancias, que patrioticas angustias não vae s. exa. soffrer para preencher no orçamento o deficit produzido n'este capitulo das receitas publicas. (Apoiados.)
Ninguem como o sr. ministro da fazenda nos póde descrever o influxo damninho da politica em assumptos de administração. (Apoiados.)
Ora, francamente, e sem querer insistir de mais sobre o assumpto, peço á camara que considere o que será a régie, não digo com o sr. Marianno do Carvalho ministro da fazenda, incapaz, como todos nós o sabemos, de intrometter a politica na administração, (Riso.) mas com um ministro que possa parecer-se alguma cousa com elle. (Riso.)
Não estamos nós já a ver esse ministro oppôr uma barreira ferrea, impenetravel aos influxos damninhos da política, no pessoal da régie, por exemplo, em occasião de eleições geraes em Lisboa e Porto? (Apoiados.)
A tentação será tão grande, sr. presidente, que me parece que na primeira opportunidade a régie naufragará, sem que possam valer-lhe todos os cuidados da fiscalisação parlamentar! (Apoiados.)
O influxo damninho da politica na administração! Ninguem melhor do que o sr. ministro da fazenda poderá fallar com auctoridade a respeito d'este ponto! (Apoiados.)
Fiscalisação parlamentar! Ninguem como s. exa. póde melhor n'ella confiar!
Pois ha assumpto de administração mais grave, em que a fiscalisação parlamentar deva com maior empenho exercer-se, do que a elaboração e discussão do orçamento geral do estado, (Apoiados.) que é o transumpto da nossa civilisação e da nossa riqueza, e onde se deve discutir e apreciar o modo como estão organisados os diversos serviços publicos? (Apoiados)
O parlamento portuguez, no entretanto, ha quatro annos que demitte de si, por indicação dos governos, esta importantissima funcção, que por si só justifica a creação do parlamentarismo moderno! (Apoiados.)
Ha quatro annos que não se discute um orçamento n'esta camara, e os differentes ministerios em dictadura mansa, sem levantarem attritos, sem crearem resistencias e quasi que sem promoverem reparos, têem conseguido, apesar de não disporem nem de força nem de prestigio, o que o grande chanceller allemão, o principe de Bismarck, não póde conseguir no parlamento allemão sem embargo de elle apenas se contentar com orçamentos biennaes! (Apoiados.)
Então, é a um parlamento que dá exemplos d'este respeito e d'este amor pelas suas prerogativas, que o governo vem pedir por uma suprema irrisão a
fiscalisação da régie?! (Apoiados.)
Se este pedido não é uma pungente ironia dardejada pelo sr. Marianno de Carvalho á mansidão d'esta camara, não comprehendo eu qual seja a intenção do sr. ministro ao formulal-o!
A régie está, pois, condemnada, e por quem apparentemente parece que mais interesse tinha em defendel-a.
Mas argumenta-se com a régie franceza.
Invoca-se a França, e peço a v. exa. que attenda bem na força d'este argumento, o diz-se que se a régie franceza dá elevados lucros ao estado, tambem a régie portugueza os póde dar.
Admittamos por um momento que os calculos do sr. Marianno de Carvalho são absolutamente verdadeiros; admittamos por um momento que, guardadas as devidas proporções do consumo e da população, a régie portugueza possa vir a render tanto como à franceza, ainda assim teremos, conforme o demonstrou irrefutavelmente o sr. Moraes Carvalho, um rendimento muito inferior ao produzido pelo regimen da liberdade.
Mas a comparação da régie portugueza com a régie franceza só póde admittir-se com determinados coeficientes de correcção.
Em primeiro logar não devemos esquecer-nos que a régie franceza é uma das manifestações da grande centralisação que ha um século domina n'aquelle paiz.
Todos sabem que a França, atraves dos differentes regimens governativos, que ha cem annos tem tido; atraves das diversas dificuldades que tem atravessado a sua politica interna e externa; atraves de todas as suas revoluções; atraves de todas as convulsões sociaes que a têem dilacerado, salvou sempre o principio da centralisação, herança commum dos seus partidos de governo, quer se chamem radicaes quer conservadores.
Ora a régie é uma das manifestações d'esta centralisação, e ao mesmo tempo encontra n'ella o seu principal esteio.
Poderá a régie portugueza encontrar igual apoio? De certo que não!
Portugal não é, como a França, um paiz centralisado, Portugal ó um paiz administrativamente desorganisado!
Alem d'isso a régie franceza não é organismo que nascesse completo, de um só jacto, tal como hoje se encontra.
Essa régie tem-se aperfeiçoado pouco a pouco, e o que é no momento actual não o era em 1811, anno em que foi decretada! (Apoiados.)
Ora, admittmdo, na melhor das hypotheses, que Portugal possa vir a adquirir a capacidade administrativa sufficiente para, n'um certo tempo, ter a sua régie organisada como a franceza, ainda assim será necessaria a indispensavel aprendizagem, que levará annos, porque, apesar de todas as vantagens especiaes que tinha a França para tal organisação, passou por largos annos de aprendizado o actual regimen de tabacos que ali vigora.
O sr. Marianno de Carvalho, ou qualquer outro ministro da fazenda poderão no entretanto dispensar no orçamento o que nos primeiros tempo a régie nos vae custar? De certo que não, visto que foi para obter maior rendimento do que o produzido pelo regimen da liberdade que s. exa. alterou a legislação dos tabacos.
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Portanto, a régie, financeiramente considerada, digam o que disserem os calculos theoricos architectados em sua defeza, ha de ser necessariamente um malogro, vima desillusão para todos; e dentro em pouco será o proprio sr. ministro da fazenda quem terá de vir publicamente confessal-o! (Apoiados.)
É uma prophecia que fica feita!
Passo agora, sr. presidente, a tratar da régie debaixo de outro aspecto. A régie não póde nem deve ser considerada unicamente sob o ponto de vista financeiro; seria grave erro amesquinhar assim a questão. O lado economico d'esta medida governativa não é menos attendivel. (Apoiados.}
Eu sei, sr. presidente, que em economia politica não ha principios rigorosamente absolutos, porque esta sciencia é uma d'aquellas que, tendo como factor dos phenomonos que estuda o homem, como a sua liberdade mais ou menos completa, precisa de attender, no estabelecimento das suas conclusões, ás condições de cada paiz, do cada epocha e de cada raça ou nacionalidade.
E assim que a Allemanha, a patria classica d'estes estudos, de ha muito que abandonou o velho ponto do vista de uma economia política cosmopolita para acceitar a concepção mais verdadeira de uma economia politica nacional, isto é, de um conjuncto de principios economicos identicos para cada paiz, ou, pelo menos, por cada grupo de paizes no mesmo grau de civilisação.
Mas, entre o não acceitar em economia politica principios rigorosamente absolutos, como os podem ter as sciencias mathematicas, e o suppor que n'esta sciencia não ha já uma somma de principios geralmente acceitos, considerados quasi que como verdadeiros axiomas, vae uma grande, uma enorme differença! (Apoiados.)
Ora, um d'estes axiomas, comprovado por centenares de experiencias, é que constitue sempre grave erro administrativo fazer com que o estado, a menos que para isso não haja uma rasão de força maior, assuma attribuições que lhe não competem. O estado só pôde e deve exercer funcções que de direito pertençam a iniciativa particular em dois casos: ou quando essa iniciativa se mostre inhabil e incapaz de as desempenhar, ou quando do seu desempenho resulte a oppressão ou o prejuizo de alguma classe social. (Apoiados.)
Fóra d'estas duas hypotheses é sempre um erro que os poderes publicos se vão tornar emprezarios de industrias ou monopolisadores de serviços de utilidade geral.
O exemplo dos correios e telegraphos, explorados e administrados pelo estado com vantagem, não colhe.
No caso especial de que se trata, a industria particular não apresentava garantias sufficientes para se lhe confiar um serviço, ao qual os cidadãos entregam muitas vezes a sua honra, a sua propriedade e a sua fortuna.
Alem d'isso o serviço dos telegraphos não é bastante remunerador para que a iniciativa individual tenha interesse em desempenhal-o.
Mas devo lembrar á camara que o serviço dos telegraphos submarinos e o dos telephones, inteiramente analogo áquelle a que acabo de referir-me, está entregue á industria particular. (Apoiados.)
A não ser, pois, que o estado venha em auxilio da iniciativa particular, é um deploravel erro o ir matar essa iniciativa, quando ella começa a manifestar-se em um paiz industrialmente tão anemico como o nosso, que apenas quasi principia a balbuciar n'este ramo da actividade humana as suas primeiras tentativas! (Apoiados.)
Querem dizer que a industria do tabaco não está prospera no nosso paiz, e que por isso o estado vae exproprial-a?
Mas então onde fica o argumento financeiro?
Se a industria não está prospera, o estado vae perder financeiramente; se está prospera é um erro, quasi um crime ir matal-a.
D'este dilemma não ha que fugir! (Apoiados.) Outra questão emergente. A régie mantem-se como régie unicamente do fabrico, deixando a liberdade de venda e de importação? N'esse caso demonstrou o sr. Moraes Carvalho que a régie do fabrico pouco ha de produzir para o thesouro.
Deve a régie ser acompanhada de dois novos monopolios, senão explicites pelos menos implicitos, o monopolio da venda e o da importação? E preciso que isto se saiba, para que não vamos encobertamente: ferir interesses desprevenidos.
Depois das consequencias financeiras e economicas temos a considerar as consequencias sociaes do projecto, que se discute.
O que é, socialmente considerada, a régie? Socialmente considerada, a régie significa que cinco, seis ou sete mil empregados ou operarios, que até hoje viviam independentes dos poderes officiaes na industria particular, vão ser transformados em empregados do estado. (Apoiados.)
E sobre este ponto chamo a especial attenção do sr. Oliveira Martins.
Eu apprendi nos livros de s. exa. que um dos males de que enfermava o nosso paiz era a emprego-mania, a tendencia cada vez mais accentuada de todos quererem viver á custa do estado.
Pois n'um paiz, que padece d'esta enfermidade, n'um paiz de amanuenses, segundo o dizer do sr. Oliveira Martins, em que as creanças nos bancos das escolas já affirmam com precoce cynismo que estudam para empregados publicos, n'um paiz d'estes não será grave erro ir avocar ainda tão perniciosa tendencia, lançando na balança já tão pesada dos que vivem á custa do estado mais cinco, seis ou sete mil individuos, que até hoje do mesmo estado eram independentes?
Evidentemente! (Apoiados.)
O sr. Oliveira Martins: - Fui interpellado tão directamente por s. ex.ª...
O sr. Consiglieri Pedroso: - No bom sentido da palavra, já se vê.
O sr. Oliveira Martins: - Fui interpellado, repito, tão directamente por s. exa. que não posso deixar de dizer que os individuos que até aqui se occupavam na industria dos tabacos ás ordens de uma companhia, passam a occupar-se na industria dos tabacos ás ordens do estado. Parece que d'este modo se augmenta a necessidade de funcções que determinados individuos exerciam na industria particular, por isso que a situação é precisamente a mesma. Não vejo que haja alteração de circumstancias; agradeço cordialissimamente as palavras de s. exa.
O Orador: - Não sei se fui eu, que não comprehendi bem as explicações que acaba de dar o sr. Oliveira Martins, ou se foi s. exa., que não comprehendeu bem o meu argumento, e que portanto não póde attingir o seu verdadeiro alcance.
E claro o que s. exa. diz, mas não é essa a minha objecção. Até hoje os operarios eram empregados das fabricas particulares, hoje passam a ser empregados do estado. De certo! Mas é exactamente esta transformação que eu considero de funestas consequencias sociaes.
O sr. Oliveira Martins: - V. exa. dá-me licença?
O Orador: - Pois não! Se v. exa. não comprehende bem o meu pensamento, não tenho duvida em repetil-o.
O sr. Oliveira Martins: - Creio que v. exa. faz uma confusão profunda entre duas cousas absolutamente distinctas.
Uma cousa é a emprego-mania, quer dizer o abuso que se faz no sentido de crear logares ou empregos que não são productivos no ponto de vista economico, outra cousa é centralisar na mão do estado mais ou menos funcções economicas. São duas cousas absolutamente distinctas.
Emquanto á primeira, as minhas idéas são hoje as que foram sempre; emquanto á segunda, as minhas idéas são
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1110-H DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
tambem as que foram sempre, isto é, que a acção do estado tem de ser muitissimo mais larga, do que hoje é em geral nas sociedades anarchisadas, debaixo do regimen do capitalismo. (Apoiados.)
O Orador: - Perfeitamente de accordo. Simplesmente s. exa., em vez de responder ao meu argumento, produz uma argumentação que lhe é parallela, mas que em nada o destroe. Póde ser bom ou mau, conveniente ou inconveniente que o estado alargue as suas funcções. É ponto que não discuto agora. O que é mau com certeza é que n'um paiz corroido pelo mal da emprego-mania, se vão transformar em empregados do estado, sem uma forte rasão social, 5:000 ou 6:000 individuos mais!
Passemos a occupar-nos das garantias aos operarios.
Sei que a illustre commissão de fazenda apresenta no seu projecto de lei duas medidas que eu approvo em principio. Uma d'ellas mesmo não só a approvo em principio, mas defendo-a com todo o calor e enthusiasmo. E a que se refere ás oito horas de trabalho.
O motivo que determinou a commissão a adoptar esta disposição e o governo a acceital a é muito differente, não ha duvida, do que me inspirou ha dois annos um projecto de lei analogo. Mas que me importa o motivo se o resultado é o mesmo? Eu quero, como um maximo, as oito horas de trabalho, por medida de hygiene principalmente; porque quem trabalha em certos misteres doze horas e mais a fio, de sol a sol, ha do ser infelizmente um ente rachitico, desgraçado e miseravel de corpo e de espirito; de corpo, porque fica alquebrado por tão rude violencia; e de espirito, porque não tem o tempo suficiente para se illustrar, nem nos seus deveres civicos, nem nas suas occupações profissionaes.
Entendo por isso que a questão das oito horas de trabalho é uma medida de justiça, quasi direi de humanidade, com relação á classe operaria, e em especial com relação aos operarios empregados na industria dos tabacos.
A commissão de fazenda, porém, propõe as oito horas de trabalho apenas como um expediente financeiro, para que a régie não despenda em salarios mais do que está calculado.
Mas, repito, que me importa o motivo, se o resultado é o mesmo?
A minha questão, comtudo, é outra.
Seria indesculpavel o estabelecimento da régie para obter esta garantia aos operarios?
De modo nenhum!
Na Allemanha não foi necessaria a régie para o chanceller do imperio, que não póde ser acoimado de revolucionario, apresentar ao Reichstag propostas de caixas de aposentação para os operarios velhos, doentes e invalidos.
Ali não foi necessaria a régie para serem apresentadas ao parlamento as propostas cujo espirito constituo para aquelle illustre estadista uma gloria bem mais pura do que a que lhe póde provir dos louros adquiridos na diplomacia ou nos campos de batalha. (Apoiados.}
Na Suissa não foi preciso o estabelecimento da régie para que aquella florescente republica tenha um equitativo codigo do trabalho.
Nem nos Estados Unidos, por causa de qualquer régie, alcançaram os operarios americanos as oito horas de trabalho decretadas pelo governo federal.
Resta me considerar a régie sob o aspecto exclusivamente politico.
Tratarei rapidamente d'este ponto, não só porque as minhas considerações estão no animo de todos os que me escutam, mas ainda porque ha pouco, ao citar dois trechos do relatorio do sr. ministro da fazenda, tive occasião de incidentemente me referir a este assumpto.
O sr. ministro da fazenda declarou que, sem uma effectiva fiscalisação parlamentar, o systema da régie não podia dar aquillo que d'elle se espera.
Ora, não ha fiscalisação parlamentar sem independencia do parlamento, e não ha independencia do parlamento emquanto se fizerem as eleições como se fazem no nosso paiz. (Apoiados.)
Pergunto eu agora: haverá machina mais perfeita, mais completa e mais perigosa nas mãos de um governo pouco escrupuloso do que a régie, (Apoiados.) especialmente nos dois grandes centros, em Lisboa e no Porto? (Apoiados.)
Todos sabem que as eleições que mais custam aos governos são as das duas capitães do paiz.
O resultado das eleições n'estes dois centros de actividade intellectual, de actividade scientifica, de actividade commercial, de actividade industrial e de actividade politica são como que o veredictum da opinião nacional, pronunciado sobre os actos dos diversos governos.
Por isso elles as temem tanto. (Apoiados.)
Pois a régie vem exactamente pesar sobre estes dois centros, (Apoiados.) contribuindo para que os governos tenham mais um meio de se ingerirem na escolha dos eleitores, ou, diga-se a palavra, para que em mais larga escala exerçam a pressão e a corrupção eleitoral.
De maneira que a régie, que só com uma rigorosa fiscalisação do parlamento póde prosperar, é ella propria um dos elementos que mais efficazmente vae contribuir para que tal fiscalisação deixe de existir.
Tenho concluido as minhas considerações, sr. presidente.
Resumindo o discurso, que acabo de pronunciar, terminarei dizendo mais uma vez:
A régie vae ser financeiramente uma desillusão, o preludio de uma nova arrematação do monopolio, mas de um monopolio em peiores condições d'aquelle que foi proposto o anno passado, por isso que tomará por base os lucros problematicos auferidos pela régie. (Apoiados.)
A régie vae ser motivo de embaraços previstos e imprevistos; é um deploravel erro economico; muito pouco com ella lucrarão os operarios; e ha de converter-se, nas mãos de qualquer governo menos escrupuloso, em perigosa arma politica, que todos os partidos, sem distincção, deveriam querer quebrar nas mãos de quem se senta n'aquellas cadeiras (as do ministerio). Sendo assim, como eu creio, só resta á camara affirmar a sua adhesão aos principios de liberdade industrial, unicos e verdadeiros e passar á ordem do dia.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado.)