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SESSÃO DE 7 DE ABRIL DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

Henrique da Cunha Matos de Mendia
Joaquim Augusto Ponces de Carvalho

SUMMARIO

O sr. presidente participou que o annuario da camara dos senhores deputados, relativo ao anuo de 1885, estava concluido e seria distribuido muito proximamente pelos srs. deputados. - Leram-se os seguintes officios: 1.° Do ministerio do reino, participando que Sua Magestade ElRei houve por bem decretar que a sessão de encerramento das côrtes geraes ordinarias se effectue ámanhã, 8 do corrente mez de abril, pelas cinco horas da tarde, na sala das sessões da camara electiva, reunindo ambos os corpos colegisladores sob a direcção do presidente da camara dos dignos pares e que por circumstancias occorrentes, que impedem Sua Magestadade assistir a esta solemnidade, assistam ao referido acto por commissão do mesmo augusto senhor, os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições; 2.° Do ministerio da marinha, devolvendo, informado, o requerimento do capellão naval de 3.ª classe. Joaquim Antonio de Sant'Anna, pedindo que se lhe conte para o effeito da promoção o tempo que serviu no exercito. - Por proposta, que foi approvada, do sr. Sebastião Centeno foram aggregados á commissão de inquérito parlamentar sobre emigração os srs. Adolpho Pimentel, Pereira dos Santos e Manuel d'Assumpção. - Entre os srs. Guilherme de Abreu, presidente do conselho, Adolpho Pimentel e Rocha Peixoto, trocam-se algumas reflexões, ácerca do conflicto entre Braga e Guimarães e os meios de o remediar. - O sr. visconde de Reguengos chamou a attenção do governo para as violencias que se estavam praticando no districto de Portalegre. - Responde-lhe o sr. presidente do conselho. - O sr. Firmino João Lopes referiu-se ao facto do administrador do concelho de Bragança ter mandado lavrar mandado em que se intimava o arrematante de uma obra; cuja construção tinha sido posta em praça, para não a levar a effeito, quando ella era feita em virtude de uma lei passada ha pouco em côrtes.- O sr. presidente do conselho prometteu informar-se e fazer com que fosse acatada a lei. - Depois de algumas considerações trocadas entre os srs. Consiglieri Pedroso e ministro da fazenda, foi approvada, com um additamento do sr. Avellar Machado, uma proposta do sr. Santos Viegas, auctorisando a mesa a nomear uma commissão de 30 deputados, para representarem a, camara nas solemnidades e festejos do consorcio de Sua Alteza Real o Senhor D. Carlos. Esta proposta era tambem assignada pelos srs. Lopes Navarro, Adolpho Pimentel e Rocha Peixoto. - Justificaram faltas os srs. Vieira das Neves e Pereira das Santos.
Na ordem do dia foi approvado o projecto n.° 36, que se não votara na sessão antecedente por falta de numero. - Entrou em discussão o projecto n.° 40, concedendo uma pensão ás familias de dois officiaes que falleceram em serviço no cordão sanitário. - A discussão ficou pendente, tendo-se apresentado differentes propostas: do sr. Goes Pinto, para que o beneficio concedido seja extensivo às praças de pret, nas mesmas circunstancias: do sr. Marçal Pacheco, applicando as disposições do projecto às praças e officiaes da guarda fiscal; do sr. Agostinho Luzio, tornando-o extensivo às familias dos facultativo civis, que falleceram em virtude de doença adquirida no serviço dos lazaretos e cordões sanitários; do sr. Ferreira de Almeida, sujeitando a materia do projecto a uma lei geral e convidando a commissão a formular essa lei. - Tomaram parte na discussão, alem dos auctores das propostas, o sr. Avellar Machado e Lobo Lamare (relator). - No fim da sessão leu-se na mesa um officio da camara dos dignos pares, participando que o digno par o sr. Jayme Moniz, director geral das repartições da camara dos senhores deputados, fora nomeado membro da commissão de regimento, a qual tinha de funccionar no intervallo das sessões.

Abertura - Ás tres horas e tres quartos da tarde.

Presentes á chamada - 74 srs. deputados.

São os seguintes: - Adolpho Pimentel, Agostinho Lucio, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Antonio Baptista, Antonio Candido, Pereira Côrte Real, Lopes Navarro, Pereira Borges, Pereira Mazziotti, Fontes Ganhado, Carrilho, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Pereira Leite, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Fernando Caldeira, Firmino Lopes, Correia Barata, Francisco de Campos, Castro Matoso, Guilherme de Abreu, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Melicio, Scarnichia, Franco Castello Branco, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Oliveira Peixoto, Pinto de Mascarenhas, Luciano Cordeiro, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, M, J. Vieira, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Moraes Sarmento, Cunha Bellem, Jalles, Sousa Pavão, Barão do Ramalho, Conde da Praia da Victoria, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Barros Gomes, Costa Pinto, D. Jorge de Mello, Borges de Faria, Laranjo, Lobo Lamare, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Santos Diniz e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Torres Carneiro, A, J. da Fonseca, Antonio Ennes, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Fuschini, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Albuquerque Calheiros, Carlos Roma du Bocage, Cypriano Jardim, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Silveira da Mota, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Souto Rodrigues, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Dias Ferreira, Ferreira Freire, José Maria Borges, Simões Dias, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Aralla e Costa, Pedro Correia, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde de Pindella e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio do reino, participando que Sua Magestade El-Rei houve por bem decretar que a sessão de encerramento das côrtes geraes ordinarias se effeitue ámanhã, 8 de corrente mez de abril, pelas cinco horas da tarde, na sala das sessões da camara electiva, reunidos ambos os corpos legisladores sob a direcção do presidente da camara dos dignos pares do reino, e que, por circunstancias occorrentes, que impedem Sua Magestade de assistir a esta solemnidade, assistam ao referido acto, por

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commissão do mesmo augusto senhor, os ministros e secretários d'estado de todas as repartições.
Inteirada.

2.° Do ministerio da marinha, devolvendo, informado, o requerimento do capellão naval de 3.ª classe, Joaquim António de Sant'Anna.
Á commissão de marinha.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, tenho deixado de comparecer às ultimas sessões. = Pereira dos Santos.

2.ª O nosso collega, sr. Fortunato Vieira das Neves, tem faltado às sessões por motivo justificado. = Antonio Freire Garcia Lobo.
Para a acta.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

1.° De Bernardo Alves Valente, presbytero, pedindo augmento do subsidio que lhe é dado, em virtude dos serviços prestados n'algumas colonias portuguezas.
Apresentado pelo sr. deputado Franco Castello Branco, enviado às commissões do ultramar, de fazenda e de instrucção e mandado publicar no Diario do governo.

2.° De Alfredo Henriques Tavares Horta, aspirante com o curso da arma de infanteria, pedindo que lhe sejam concedidas as vantagens que lhe conferia o decreto de 24 de dezembro de 1803.
Apresentado pelo sr. deputado Marçal Pacheco e enviado á commissão de petições.

O sr. Presidente: - Participo á camara que o annuario para 1886 está terminado e vae brevemente ser distribuido pelos srs. deputados.
Não póde ser distribuido ainda no dia de hoje, porque não vieram da imprensa o numero de exemplares sufficiente para esse fim.
O annuario este anno tem maior quantidade de matéria que nos annos anteriores.
Também participo á camara que a sessão de encerramento terá logar amanhã pelas cinco horas da tarde, na sala da camara dos senhores deputados.
O sr. Barbosa Centeno: - Mando para a mesa, por parte da commissão de emigração, uma proposta cuja urgência requeiro.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para requerer a v. exa. consulte a camara sobre se, dispensando o regimento, permitte que entre desde já em discussão o projecto n.° 165 da sessão anterior.
Este projecto é de toda a justiça, e parece-me que a camara, approvando-o, praticará um acto de perfeita equidade.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho, por parte da commissão do inquerito parlamentar sobre emigração, que á mesma commissão sejam aggregados os srs. deputados Adolpho da Cunha Pimentel, José Gonçalves Pereira dos Santos e Manuel d'Assumpção. = O secretario, Barbosa Centeno.
Foi approvada.

O sr. Presidente: - Tenho a observar ao illustre deputado, que me parecia mais conveniente seguir a discussão dos projectos que estão dados para ordem do dia, e consultar a camara para entrar tambem esse projecto na ordem do dia e pela ordem de numeração.
O sr. Barbosa Centeno: - V. exa. regulará os trabalhos como julgar mais conveniente.
O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa um requerimento de Bernardo Alves Valente, coadjuctor na freguezia de Villa Franca de Xira, em que pede lhe sejam tomados em attenção os serviços prestados por elle como parocho e professor.
Parece-me de toda a justiça este pedido, por isso peço a v. exa. se digne dar-lhe o devido seguimento, e consultar a camara se permitte que seja publicado no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Guilherme de Abreu: - Sr. presidente, ainda bem que v. exa. me dá a palavra, estando presente o nobre presidente do conselho, honra com que já não contava, depois de a haver infructuosamente solicitado, em todas as sessões antecedentes, desde 23 do mez do março ultimo!
O nobre presidente do conselho, respondendo na sessão de 22 d'esse mez a uma pergunta do meu illustre e muito prezado collega e amigo, o sr. Franco Castello Branco, sobre o modo como o governo tencionava resolver o conflicto entre Braga e Guimarães, declarou que havia de manter a integridade do districto de Braga, como promettera, mas que tambem daria satisfação às aspirações de Guimarães, concedendo a esta cidade, na reforma administrativa, que andava elaborando, um regimen municipal autónomo, modelado pelo da cidade de Lisboa e que seria igualmente applicavel ao Porto, a todas as demais capitães de districto e ainda a outros concelhos importantes, de forma que o município de Guimarães ficasse, não só emancipado da tutella districtal, mas até desobrigado de contribuir para as despezas do districto com um ceitil que fosse.
Tão estranha, e tão pouco conforme com as declarações anteriores de s. exa. sobre o mesmo assumpto, me pareceu esta solução que, recusando o testemunho dos meus ouvidos, quasi sempre obscuro e deficiente, só quiz convencer-me da triste realidade, quando o extracto official da sessão me veiu assegurar no dia seguinte, que dessa vez me não tinham elles enganado.
Constatado este facto o antes de qualquer outra observação, deixe-me v. exa. cumprir um dever de cortezia, endereçando daqui ao brilhante e estrénuo campeão de Guimarães os meus parabéns pelo seu extraordinário triumpho.
S. exa. obteve muito mais do que pedia no seu projecto e o que de certo nunca esperou que podesse conseguir.
Contentava-se com a transferencia pura e simples do concelho de Guimarães para o districto do Porto, nas mesmas condições em que elle actualmente pertence ao de Braga, e o governo vae dar a Guimarães completa franquia da superintendencia districtal e absoluta isenção de todos os encargos do districto, para os quaes, segundo a phrase do nobre presidente do conselho, não concorrerá nem com um ceitil.
D'este modo, Guimarães fica não só independente do districto, mas até suzerana d'elle; pois, por mais ténue que seja o laço, que tenha de a prender ao districto, não poderão deixar de ser communs a uma e outro; em primeiro logar, as repartições publicas districtaes, delegados do poder central que se alojam em edifícios construídos, conservados, reparados e mobilados á custa do districto e em segundo logar, os estabelecimentos e serviços, que as leis em vigor põem a cargo dos districtos e que não vejo meio de desannexar destes, em quanto no nosso mechanismo administrativo existir a entidade districto. (Apoiados.)
Mas se o municipio de Guimarães não ha de contribuir para essas despezas nem com um ceitil, segue-se que o districto pagará por aquelle concelho a quota, que elle devia

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fornecer para os gastos a beneficio commum, representando esta quota o tributo ou vassalagem do districto de Guimarães. (Apoiados.)
E em homenagem á altiva princeza do Ave, ou para colorir o privilegio que lhe é conferido, serão tambem elevados á categoria de municípios autonomos o Porto e outras cidades e concelhos importantes, que a bandeira de Guimarães, desfraldando-se victoriosa, cobrirá com a sua sombra protectora!
O nobre presidente do conselho disse, é verdade, que pela sua reforma administrativa de 1880 já tinham administração autonoma o Porto e demais concelhos de primeira ordem, que a reclamassem; mas, se bem me recordo, e salvo o devido respeito, labora s. exa. em manifesto equivoco, de que poderá dar testemunho o nobre ministro das obras publicas, que foi o brilhantíssimo relator d'aquella reforma nesta casa do parlamento.
Pela proposta inicial dessa reforma nem a Lisboa se outorgava um regimen autonomo, sendo este privilegio a favor da capital introduzido pela commissão de administração publica no seu projecto, como emenda á mesma proposta; e a commissão justificava esse favor excepcional, pelas circumstancias tambem excepcionaes e unicas do municipio de Lisboa em relação a todos os mais do reino, e sobre tudo pelo estado deploravel das suas finanças, e que a commissão entendia que so poderia melhorar-se, separando inteiramente o município do districto.
Tanto pela proposta inicial, como pelo projecto da commissão, o Porto ficava sujeito, do mesmo modo que os outros concelhos, á superintendencia da junta geral do districto, salvo dois casos, em que essa superintendencia era deferida ao governo.
Entre Lisboa e o Porto so havia de commum, que as camarás das duas cidades tinham uma organisação especial, que era o que os concelhos de primeira ordem podiam reclamar para as suas vereações, e não a independencia da tutella districtal.
A idéa da applicação do regimen autonomo de Lisboa a qualquer outro concelho não vem, portanto, da reforma administrativa de 1880, mas nasceu evidentemente da controvérsia entre Braga e Guimarães.
O triumpho alcançado por esta cidade é na verdade muito grande; mas, pois, que o obteve, não seria justo, nem cavalheiroso negal-o.
Agora, os meus sentidos pesames á cidade e ao districto de Braga, e tambem a mim os dou, que fui um dos infelizes advogados da sua causa, tão justa, quanto desditosa. (Muitos apoiados.)
Perdemos a demanda. Va victis!
Braga - a Brachara Augusta dos Cesares e imperadores romanos; a filha primogenita do christianismo na peninsula; a nobre e antiga cidade dos arcebispos-vae perder a preeminencia que, desde as eras mais remotas, sempre tivera entre as suas irmãs do Ave e do Cavado!
Da sua radiosa corôa de muitos séculos está prestes a desengastar-se a joia mais bella e mais preciosa; e oxalá que, das pérolas que ainda lhe restam, as mais finas lhe não caiam tambem a breve trecho!
A sua estrella, que era de primeira grandeza e tinha um cortejo brilhante, começa a impallidecer e a isolar-se, e Deus queira que, em curto praso, não fique de todo abandonada e escurecida pelas fulgurações de outra! (Vozes: - Muito bem.)
Sustentar-se-ha ao menos a integridade do districto?
Nem isso, que essa integridade é manifestamente incompativel com a autonomia de Guimarães e ainda de outros concelhos, nos termos em que o nobre presidente do conselho a esboçou. (Muitos apoiados.)
Manter a integridade do districto e dividir e fraccionar esse corpo, separando delle em cantões independentes os seus municípios mais importantes, é contradictorio e não se comprehende, é o simul esse et nom esse, que a logica e a dialéctica, qualificam de absurdo intuitivo.
O honrado presidente do conselho, replicando numa das sessões antecedentes, ao meu illustre collega e amigo, o sr. Rocha Peixoto, disse que a autonomia de Guimarães e mesmo a de outros concelhos, não prejudicavam a integridade do districto; porque nenhum saía delle, e todos continuavam a pertencer-lhe, como actualmente.
Mas este argumento pecca n'uma das premissas, e cáe pela base. O districto não é simplesmente uma área ou divisão de territorio, como o argumento suppõe; é também, e principalmente, uma associação ou collectividade de concelhos com o organismo proprio para o exercício de funcções de interesse commum. Os concelhos autonomos não fazem parte desta associarão, não se subordinam ao seu organismo, nem collaboram com os outros concelhos em cousa alguma; logo, não pertencem ao districto.
Que fiquem encravados no territorio delle ou se annexem a outro districto, pouco importa, desde que effectivamente não pertencem á associação districtal. (Apoiados.) A integridade, de que o nobre presidente do conselho falla agora, para o districto de Braga, e portanto, puramente nominal e fictícia, e tão irrisoria, como o sceptro de canna verde e a corôa de espinhos, que os phariseus collocaram na cabeça sacrosanta de Jesus.
Essa integridade é expoliadora e humilhante para o districto, que fica tributário e vassallo dos municípios previlegiados (Apoiados.), e a peior das soluções que o conflicto podia ter para os outros concelhos, sem exceptuar a do projecto do sr. Franco Gastei Io Branco, que apenas separava do districto o concelho de Guimarães, emquanto que a indicada pelo nobre presidente do conselho pode separar os quatro ou cinco mais importantes, conduzindo directa e fatalmente á suppressão do districto (Apoiados.) Senão vejamos.
Applicando-se a autonomia aos concelhos de Braga e Guimarães, será a população actual do districto desfalcada em pouco menos de um terço, e a sua riqueza collectavel em mais de uma terça parte. Mas se for ampliada aos outros concelhos de primeira ordem que, segundo a reforma administrativa de 1880, são os de Barcellos, Villa Verde, e talvez ainda o de Famalicão, ficará a collectividade districtal reduzida approximadamente a um terço da população presente, é a muito menos de uma terça parto da sua possibilidade tributável.
Na primeira hypothese, o districto poderá ainda viver por algum tempo, enfesado e anemico; mas nem mais um kilometro de viação districtal ou municipal, nem mais uma escola ou qualquer outro melhoramento nessa região amaldiçoada pelos poderes publicos; porque todos os seus recursos serão necessarios, e não bastarão para fazer face aos encargos da despeza ordinaria.
No segundo caso, a vida do districto torna-se impossível desde o primeiro momento, e o desgraçado implorará de mãos postas que lhe vibrem o golpe de misericordia.
Eis aqui ao que ficará reduzida a integridade do districto de Braga!
Não era esta a integridade que os povos do districto clamorosamente pediam nos seus comícios e representações. (Apoiados.)
Não era esta a integridade que o nobre presidente do conselho tão energicamente defendia dos bancos da opposição. (Apoiados.)
Não era esta a integridade que s. exa. lhes prometteu ainda, ao entrar nos conselhos da coroa. (Apoiados.)
Não era esta, finalmente, a integridade que Braga festejou com tanto jubilo e enthusiasmo, e Guimarães acolheu com o mais sepulcral e luctuoso silencio. (Apoiados.)
A integridade de então era outra e muito diversa: era a integridade real e verdadeira, a unica que interessa e aproveita ao districto.
Mas, pensa o nobre presidente do conselho, que tanto a

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cidade de Braga como a de Guimarães, devem ficar satisfeitas com o seu alvitre.
Guimarães, de certo, devia ficar satisfeita e até satisfeitíssima; pois se ella é equiparada, ou quasi equiparada á capital do reino!
Mas parece que não ficou, resolvendo conservar-se em pé de guerra para continuar a lucta, que infelizmente, se não pode já dizer incruenta.
E não ficou, dizem as correspondencias d'aquella cidade; porque uns não acreditam em tanta fortuna, como a que se lhes promette, e temem-se de alguma mistificação, outros preferem á autonomia municipal a sujeição ao Porto, e querem até morrer por esta, como os hungaros do seculo passado morriam pelo seu rei Maria Thereza, e outros, emfim, o maior numero não percebem nem comprehendem o que seja autonomia, e arreceiam-se d'ella, como de uma machina infernal ou bomba de dynamite. E creio que são estes os que fazem ao arbitrio governamentala critica mais discreta. (Apoiados.)
Mas Braga satisfeita?! So se ella já não prezasse os seus brios e quizesse mentir ás suas honradas e gloriosas tradições.
Braga satisfeita, quando se annuncia a separação do concelho de Guimarães, da sociedade e convivio com o districto, separação contra a qual ella tantas vezes e tão solemnemente protestou?!
Braga satisfeita, quando, como motivo d'essa separação, se adduz ainda uma injuria, que se ella repelliu indignada, a de a supporem participante ou cumplice nos insultos aos procuradores de Guimarães?!
Braga satisfeita, quando se vae crear uma situação economica, miseranda para os concelhos, que não lealmente a acompanharam em todas as phases da lucta, e que ella não pode, sem indecoro, abandonar agora á sua tristissima sorte?!
Não pode ser; resignada talvez, satisfeita não.(Apoiados.)
Dos outros concelhos, tão interessados no pleito, como as duas cidades, nem sequer se lembrou o nobre presidente do conselho, e por isso não curou de saber elles tambem ficariam satisfeitos. Coitados dos pobres parias, que não entram em linha de couta para cousa alguma!(Apoiados.)
Pois este lado da questão é importantissimo; porque se não trata apenas do destino dos conselhos não privilegiados do districto de Braga, o que já seria muito, mas da sorte de todos os não autonomos do paiz, e que constituem a grande maioria d'elle.(Apoiados.)
Peço ao honrado presidente do conselho que olhe tambem o problema por esta face, revendo e examinando de novo o processo antes de proferir sentença definitiva.
É appellar de Filippe para Filippe, mas creio na proficuidade do recurso, porque sei fazer justiça á rectidão das intenções de s. exa., como sempre a fiz aos altos dotes do seu espirito.
Quando, durante o ministerio transacto aqui se ventilou esta questão, disse eu que, nunca a discutiria na arena partidaria, e qualquer que fosse a minha posição politica n'esta casa, estaria sempre ao lado d'aquelles que pugnassem pela integridade do districto de Braga, viessem elles d'onde viessem, entendendo então por integridade como todos entendiamos, a real e verdadeira, e não a illusoria e mystificadora de que ora se falla.
O que n'essa epocha disse, repito-o hoje e hei de dizel-o ámanhã. Se o nobre presidente do conselho, reflexionando sobre o assumpto, descobrir uma formula de conciliação, que sem prejuizo d'aquelle principio - o da integridade do districto - seja equitativa e acceutavel para todos os interessados hei de apoial-o francamente n'esse pensamento.
Se persistir na que annunciou, desairosa para Braga e esmagadora e humilhante para o districto, e eu ainda tiver logar n'esta camara, quando aqui por qualquer modo, se debater essa parte da reforma administrativa, hei de oppugnal-a quanto nos minhas debeis forças couber, como igualmente a oppugnaria, se ella viesse dos meus amigos politicos.
E nada mais sobre este objecto, que não é opportuno o ensejo para entrar em desenvolvimento.
Permitta-me porém, v. exa. que sobre outro assumpto eu diga ainda duas palavras, duas palavras, duas só para informar o nobre presidente do conselho e ministro do reino do modo como os seus delegados no districto de Braga entendem e usão a tolerancia politica, proclamada pelo governo.
Não foi só em Fafe, em Vieira tambem houve ultimamente na secretario da administração do conselho uma verdadeira razzia, sendo demittidos de uma assentada os dois amanuenses e até o official de diligencias, não por erro de officio ou por outro motivo de serviço, de que haja noticia, mas ao que parece, pura e simplesmente por falta de confiança politica, se não tambem pelo empenho de collocar outros que tivessem bons padrinhos.
Os victimados, todos pobres, viviam dos proventos dos seus empregados, e um dos amanuenses tem familia numerosa, na maior parte inhabil para o trabalho, e que se sustentava pelo ordenado do seu chefe, ficando d'aqui em diante reduzida á miseria á miseria.
Nem por sobras faço ao respeitavel presidente do conselho a injuria de suppor que s. exa. a approva ou consente estes factos, porque de sobejo conheço a elevação e benignidade dos seus sentimentos, mas tambem me fallece o animo para lhe pedir que inquira e providenceie, se s. exa. ha de resolver afinal, unicamente pelas allegações dos que intervieram na hecatombe e são suspeitos para informarem dos seus actos.(Apoiados.)
Se houve erro de officio ou outra falta de serviço que legitime o procedimento, deve existir algum documento comprovativo, e esse documento seria o criterio e testemunho irrecusavel. S. exa. proverá como por melhor tiver. Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros(Luciano de Castro): - Eu, sr. presidente, vim á camara quasi que expressamente para responder ao illustre deputado que tinha por vezes annunciado n'esta camara vontade de me dirigir algumas perguntas sobre o conflito de Braga e Guimarães. Vim por contemplação com s. exa..
Na verdade, sr. presidente, nada tenho que acrescentar ás palavras que por vezes tenho pronunciado n'esta camara, onde já expuz as idéas geraes do meu projecto de reforma administrativa no que se pode referir ao conflito levantado entre aquellas duas cidades. Segundo essas idéas fica inteiramente salva a integridade do districto de Braga, como eu a entendo, não como a entende o illustre deputado.
Não posso acrescentar mais do que o que tenho dito, porque quando ao modo de realisar o meu pensamento, reservo-me perfeita e completa liberdade para o fazer como julgar mais conforme aos interesses publicos.
Quer o illustre deputado discutir apreciar as minhas idéas e conhecer a forma pratica da sua realisação? Parece-me que é cedo para isso. Espere s. exa. que eu apresente o meu trabalho e quando o podér examinar em todas as suas minuciosidades, então será occasião opportuna para fazer a sua critica, e ver se o meu pensamento satisfaz ás conveniencias geraes, e resolve o actual conflicto entre Braga e Guimarães.
Se eu mesmo, ainda que quizesse, não poderia expor no momento actual todos os promenores da execução do meu pensamento, como quer s. exa. discutil-o e aprecial-o já?
Portanto, tomando nota das considerações do illustre deputado, procurarei, na realisação da minha idéa, atalhar todos os inconvenientes a que s. exa. se referiu e quanto ao maisso posso dizer que não ha contradicção entre o

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que disse quando me apresentei á camara e o projecto que ha poucos dias expuz.
Quando o actual ministerio se apresentou á camara, a questão de Braga e Guimarães consistia na annexação ou não annexação do concelho de Guimarães ao districto do Porto.
Pelo meu projecto fica a cidade de Guimarães annexada ao Porto? Não. Sáe do districto de Braga? Não. Logo, o districto de Braga conserva a sua integridade.
Se o concelho de Guimarães não é annexado ao Porto, e não sáe do districto de Braga, como é que padece a integridade do districto? Não percebo.
Eu offereço á cidade de Braga o mesmo regimen autonomo que dou ao concelho de Guimarães, e já disse que hei de providenciar para que os outros concelhos do districto não possam ser esmagados pela acção tributaria da junta geral do districto.
Espere o illustre deputado a apresentação do meu trabalho, e se o modo de realisar as minhas idéas não satisfizer as conveniencias de Braga o de Guimarães, então terá s. exa. occasião de clamar contra mim e de me expor á indignação publica; antes d'isso, parece-me que s. exa. não tem rasão para estar tão impaciente.
Limito-me portanto a pedir por agora que seja adiada a discussão deste assumpto para a occasião em que o meu projecto for presente á camara e tiver de ser apreciado. Antes disso, parece me intempestiva qualquer discussão a este respeito. Eu tenho a profunda convicção de que, depois dos estudos a que vou proceder, depois do exame consciencioso, que hei de fazer de todas as observações feitas pelo illustre deputado e por outros, estou convencido, digo, de que o meu trabalho ha de apparecer, se não isento de defeitos, pelo menos rasoavel e conveniente, não só para Braga e Guimarães, mas tambem para os outros concelhos daquelle districto. Estas são as minhas aspirações; isto é o que eu pretendo e espero realisar. E dadas estas explicações, creio que s. exa. concordará commigo em que esta occasião não é a mais conveniente nem a mais própria para discutir o assumpto. O meu trabalho ainda não é conhecido. Aguardem os illustres deputados a sua apresentação, para então o examinarem, louvando-o ou condemnando-o, conforme entenderem, em sua consciência. (Apoiados.)
Quanto ao outro ponto a que o illustre deputado se referiu, isto ó, aos actos de intolerancia praticados pelos delegados do governo no concelho de Vieira, eu tenho a dizer a s. exa. que vou pedir informações a essas auctoridades, para poder apreciar o fundamento e plausibilidade das accusações feitas pelo illustre deputado, não contra mira, o que lhe agradeço, mas contra os meus delegados. O que eu posso assegurar a s. exa. é que, se os factos se passaram como s. exa. affirmou, e com isto não quero dizer que o illustre deputado faltou á verdade, mas póde estar enganado, podo ter sido mal informado; se os factos se passaram como s. exa. informou, eu hei de tomar as providencias necessárias para que sejam annullados esses actos e para que se de completa satisfação, não ao illustre deputado só, mas principalmente o primeiro que tudo aos principios de tolerancia, que eu aqui affirmei como dogma, como artigo essencial do programma do actual governo; (Apoiados.) programma que estou resolvido a manter, não só em Lisboa, mas em todos os pontos do reino. (Vozes: - Muito bem.) E até agora, posso assegurar ao illustre deputado que é possivel que se tenham praticado alguns actos de intolerancia mas eu não tenho conhecimento delles; porque desde que entrei no ministerio já tenho dado provas de que não cedo nem a conveniencias partidarias nem a instancias de correlegionarios, quando se trata de affirmar por actos o programma de tolerancia do governo. (Apoiados.)
Ainda não ha muito que eu tive de exonerar o administrador de um dos bairros do Porto, mas logo em seguida o governo praticou um acto de grande tolerancia, nomeando para um logar de alta importancia o exonerado. Quem procede assim para com os próprios adversários tem direito a fallar de cabeça levantada, e a dizer que nem o governo actual nem os delegados hão de praticar actos de intolerancia.
O governo de certo não os pratica, e se os seus funcionarios os praticassem, depois de Ter obtido as necessidades informações ha de proceder de maneira que não só o illustre deputado ha de ficar desaggravado, mas tambem o decoro e a honra do ministerio. (Apoiados.)
Tenho concluído.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Guilherme de Abreu: - Agradeço ao nobre presidente do conselho as explicações, que se dignou dar-me sobre a maneira, como se propõe dirimir o pleito entre Braga e Guimarães ou, mais propriamente, entre a cidade de Guimarães e o districto de Braga.
Concordo plenamente em que é inopportuno e prematuro o debate sobre a reforma administrativa, que se projecta, em quanto esta não for apresentada ao parlamento e sujeita ao seu exame e approvação.
Mas desde que s. exa. declarou que intentava resolver nella o conflicto, indicando, como base da solução, manter a integridade do districto e dar autonomia municipal a Guimarães, julguei que podia doído já refcrir-me a estas duas bases, mostrando como ellas reciprocamente se destruíam, se a integridade fusão real e effectiva e autonomia inteira e completa. (Apoiados.)
No entanto, como o nobre presidente do conselho affirma, que o seu pensamento e intenção é, estudar e propor um arbitrio, que, isento dos perigos e inconvenientes que expuz, resalve a integridade do districto de Braga e seja equitativo e acceitavel, tanto para as cidades de Braga e Guimarães, como para todos os demais conselhos do districto, aguardo a apresentação da proposta; e se ella vier n'estes termos, hei de dar-lhe o meu assentimento e humilde apoio.
Quanto á questão de Vieira, satisfez-me cabalmente a resposta do honrado presidente do conselho, que foi a que eu esperava da hombridade do seu elevado caracter, e confio em que s. exa. ha de proceder e decidir, como for justo.
O sr. Adolpho Pimentel (para um requerimento): - Pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se permittia que eu fallasse n'esta altura do debate. Depois que o sr. presidente do conselho fallou n'este assumpto é a quinta vez que peço a palavra para quando s. exa. estiver presente.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem v. exa. a palavra.
O sr. Adolpho Pimentel: - Antes das considerações que tenho a fazer em resposta às declarações do sr. presidente do conselho feitas ha dias n'esta casa e às de hoje, formulo tres perguntas esperando que s. exa. responda a ellas.
Vou formular essas perguntas no menor numero de palavras que poder e qualquer resposta de s. exa. me satisfaz para o momento.
Ainda que lhe faça estas perguntas, sou o primeiro a reconhecer que s. exa., não póde na sua resposta e na altura em que tem esse projecto, descer a umas certas minuciosidades; no entretanto as perguntas que faço são perfeitamente genericas.
Primeira pergunta. Posto em execução o systema que sobre este assumpto, s. exa. o sr. presidente do conselho e ministro do reino intenha elaborar, quem é que paga as despezas da construcção de estradas districtaes, principalmente das principalmente e ainda não concluidas, da cadeia districtal e as outras despezas a cargo do districto?
Segunda pergunta. Quem paga as despezas da policia civil de Braga?

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Terceira pergunta. Tendo s. exa. ha dias dito, que para o seu projecto esperava o auxilio de todos os que fossem mais interessados no assumpto, pergunto se s. exa. tenciona apresentar o seu projecto ao parlamento para ser devidamente estudado, ou tenciona fazel o executar em dictadura?
Aguardo a resposta do sr. presidente do conselho e peco a v. exa. que tenha a bondade de inscrever-me para depois de s. exa. fallar.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Perguntou-me o illustre deputado quem é que paga as despezas da construcção das estradas districtaes, em construcção ou por construir, bem como outras despezas a cargo do districto, se porventura for lei do estado o projecto de reforma administrativa que estou elaborando, e a que me referi ha dias.
Perdoe-me o illustre deputado, mas não posso satisfazer o seu desejo. O projecto está sendo elaborado, e parece-me altamente inconveniente comprometter desde já qualquer opinão sobre os pontos, a que alludiu o illustre deputado.
Creio que o melhor e o que é preciso, é que a acção do governo fique livre para proceder nestes assumptos conforme entender. (Apoiados.)
Quanto á pergunta, sobre a apresentação do projecto ao parlamento, não posso deixar de responder affirmativamente, nem outra resposta posso dar ao illustre deputado, no regimen constitucional, em que vivemos e fallando perante uma camara de deputados! (Apoiados.)
Não posso dizer senão que tenciono apresentar o projecto às cortes. (Apoiados.)
V. exa. sabe que as dictaduras nem se annunciam, nem se promettem, nem se improvisam; são creadas pelas necessidades publicas. (Apoiados.) Se porventura se derem essas necessidades instantissimas e inadiáveis, que nos imponham o dever de exercer a dictadura, certamente que o governo terá a coragem de assumir essas responsabilidades; não posso, porém, repito, antes de se darem essas circumstancias, dizer perante a camara, que hei de assumir a dictadura, porque seria isso um aggravo ao parlamento e aos princípios constitucionaes. (Apoiados.)
Termino, pois, dizendo ao illustre deputado que estou preparando o meu trabalho na idéa de o sujeitar ao exame do parlamento, segundo as regras estabelecidas na constituição do paiz.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Alfredo Peixoto: - Requeiro a v. exa. a bondade de manter a inscripção pela ordem em que se encontra.
O sr. Presidente: - Sei que é minha obrigação manter a inscripção pela ordem em que está feita, mas o sr. deputado sabe tambem que acima dessa minha obrigação, estão as deliberações tomadas pela camará. (Apoiados.)
O sr. Visconde de Reguengos: - Folguei muitíssimo de ouvir as palavras do sr. presidente do conselho proferidas ha pouco nesta casa, com relação á tolerancia política que s. exa., logo na primeira sessão em que se apresentou, como chefe do gabinete a esta camara, annunciou, como sendo um dos pontos principaes do programma do governo.
Creio que s. exa. tem procurado por todos os modos que as suas declarações tivessem resultados visíveis e não fossem vás declamações, mas tenho a lamentar que as suas auctoridades não sigam, já não digo á risca, mas ao menos por sombras, a parte desse programma que diz respeito a tolerancia. Refiro-me ao que se passa no districto de Portalegre.
Sei tambem que em outros districtos ha muitissimas queixas, e ainda ha pouco o sr. Guilherme de Abreu se queixou do que se passava no districto de Braga, fallando, tambem alguns dos nossos collegas do que succede no districto de Villa Real e outros.
No districto de Portalegre são inexcediveis as vinganças e as arbitrariedades que por parte das auctoridades se estão praticando. Os amanuenses e os officiaes de diligencias são ameaçados com a demissão. Os policias accusados de contrários são logo demittidos. Até na própria cidade o governador civil anda pelas das rodeado de grupos que insultam as pessoas que lhe são desaffectas.
Ha pouco tempo uns amigos meus, tendo ido passear fóra da cidade, foram insultados e provocados da maneira mais contraria às indicações de tolerancia feitas hoje pelo governo, repetindo o que havia dito no dia da sua apresentação nesta casa: de que havia de ser tolerantissimo e recommendar a tolerancia a todas as suas auctoridades.
Ultimamente foi dissolvida a mesa da misericórdia de Portalegre, e eu sei que vae ser remettida ao governo uma representação dos irmãos daquelle instituto, de que tenho aqui copia, e que peco licença a v. exa. e á camara para ler.
«Senhor. - Os abaixo assignados, irmãos da santa casa da misericórdia de Portalegre, vem perante Vossa Magestade representar contra a dissolução da mesa administrativa daquelle pio estabelecimento, levada a effeito pelo governador civil deste districto, em seu alvará de 31 de março ultimo, com preterição das formalidades legaes, e por uma forma irregular e tumultuaria.
«A mesa que os supplicantes, com outros irmãos da santa casa, elegeram em 2 de julho do anno pretérito, é, com pequenas excepções, a mesma que ha cinco annos tem merecido a confiança da maioria dos eleitores, dando exuberantes provas da sua piedade, zelo e excellente administração.
«E a ella e a uma commissão administrativa, nomeada em 1876, que se deve o estado, relativamente prospero dos negócios da santa casa.
«Foi tal, senhor, o cahos a que algumas administrações anteriores deixaram chegar similhante estabelecimento, o que melhor será apreciado em face do relatório impresso a este junto, que só uma dedicação extraordinária poderia conseguir remediar tanto erro, e cortar por tão grandes abusos.
«Essas administrações, que já vão longe, e de que fizeram parte alguns parentes do actual governador civil, deixaram a casa cheia de dividas, o hospital sem utensílios nem roupas, a botica sem remédios, e os archivos sem livros ou papeis de escripturação.
«Chegaram até a recusar-se, depois de dissolvida, a prestar contas de muitos annos da sua gerência, deixando de satisfazer às intimações das auctoridades; e se um dia vieram a prestal-as foi perante um tribunal a que presidia o actual governador civil!
«Aos abusos e á teimosia dessas administrações em querer á força impôr-se á vontade da maioria dos irmãos da santa casa, se devem attribuir tambem as scenas desgraçadas e pouco edificantes que esta cidade tem presenceado e que chegaram a produzir o espancamento de um governador civil, dos mais respeitáveis que aqui têem administrado o districto!
«E tudo isto se achava terminado, entrando a misericordia de Portalegre n'um periodo de paz e prosperidade, graças ao zelo e prudencia da mesa actual, quando o célebre alvará do governador civil veio reaccender antigas malquerenças e entregar, contra a vontade dos signatarios e da maioria dos irmãos, o governo desse estabelecimento a uma commissão administrativa, não só incompetente para bem gerir os negócios da santa casa, mas tirada exclusivamente de uma facção política a que pertenciam as taes administrações de ominosa lembrança.
«Senhor. Vão juntos o alvará e mais documentos que serviram de base á dissolução. São elles o corpo de delicto do magistrado que sacrificou o bom governo e a prosperi-

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dade de uma casa, que é asylo dos pobres, á irritabilidade do seu caracter e às imposições do facciosismo alheio. Veja Vossa Magestade: o governador civil foi de visita ao hospital com o seu administrador, e ali concertaram ambos o teor de um officio, que o mesmo administrador devia, dois dias depois, dirigir ao seu chefe, dando tambem ali este a ordem verbal para balanço ao cofre da misericordia, effectuado de surpreza no dia seguinte, E é esse officio o unico documento com que se pretende atacar a honra e boa administração da mesa dissolvida! Voltamos segundo parece, ao tempo dos corregedores e dos capitães mores!
«O governador civil de Portalegre dissolve as mesas gerentes das corporações de piedade e beneficencia, quando lhe apraz, e como lhe parece. Dispensa-se de obter provas da má gerencia dessas corporações. Elle e o seu delegado interino que foi um dos provedores das mesas, a que os signatarios já alludiram, são as testemunhas, os autos vivos, os julgadores e os executores.
«Nem se lavrou auto da syndicancia realisada pelo governador civil, nem se ouviram testemunhas sobre as irregularidades attribuidas á mesa, nem se formou auto do balanço dado ao cofre da misericordia, nem se ouviu consultivamente o conselho de districto sobre a dissolução, e finalmente nem se cumpriu a deliberação daquelle tribunal que julgou indispensável, para fundamentar o seu acto consultivo, a previa audiencia da mesa arguida.
«Só figuram neste processo extraordinarissimo duas pessoas: o governador civil e o administrador do concelho. Este depõe dos factos presenceados pelo outro: aquelle lavra a sentença com a única prova cia testemunha que elle industriou.
«Senhor. Um magistrado sério e recto não deve proceder assim.
«Informar sem provas, condemnar sem audiencia é systema que os povoa de hoje já não acceitam desde que a palavra liberdade entrou nos seus codigos, e a queda dos governos absolutos afundou consigo os tribunaes de officio.
«A dissolução das mesas gerentes das corporações de piedade e beneficencia, é uma faculdade excepcional deixada pelo codigo administrativo aos governadores civis para elles a usarem com prudencia, e quando d'esse remédio de tutella provenha vantagem e melhoria de administração. Praticar o contrario é um abuso de auctoridade e um excesso de jurisdicção.
«O ultimo documento que os supplicantes levam á presença de Vossa Magestade, é o completo desmentido das affirmações do administrador do concelho.
«Demonstra esse documento o estado actual da administração da santa casa, e o destino que têem tido os seus rendimentos.
«São estas, Real Senhor, as rasões que os signatários invocam para pedir a revogação do acto arbitrário praticado pelo governador civil, como lhe é facultado pelo artigo 189.° do codigo administrativo.
«Que esse magistrado seja compelido a restituir a mesa dissolvida ao logar que ella nobremente desempenhou, é um acto de justiça que Vossa Magestade não recusará aos signatarios, ordenando ao mesmo magistrado que mande syndicar convenientemente dos factos que se lhe afiguram menos regulares, que ouça as pessoas que forem acoutadas no processo, bem como o voto consultivo do conselho de districto, e que dissolva depois, se assim o julgar conveniente.
«Assim o esperam os supplicantes por ser de justiça.- E. R. M.ce - Portalegre, 6 de abra de 1886.» (Seguem as assignaturas).
Já ve v. exa. que nesta representação se diz que se não lavrou auto da syndicancia realisada pelo governador civil, nem se ouviram testemunhas sobre as irregularidades attribuidas á mesa, nem se formou auto do balanço dado ao cofre da misericordia, nem se ouviu consultivamente o conselho de districto sobre a dissolução, o finalmente não se cumpriu a deliberação d'aquelle tribunal que julgou indispensável a audiencia previa da mesa arguida, actos estes que são indispensáveis para se tomar uma medida tão melindrosa.
Parece-me que estes factos são bastante graves para que o governo, se pretende ter a tolerancia por timbre e por brazão, não consinta que as suas auctoridades pratiquem toda a casta de arbitrariedades sem vantagem alguma para as instituições nem para o andamento dos negocios públicos.
Também desejava dirigir a s. exa. uma pergunta.
Foi demittido o reitor do lyceu de Portalegre; o sr. ministro do reino usou para isso da faculdade que a lei lhe faculta, visto que o reitor é um empregado de confiança.
Parece, porém, que têem sido demittidos quasi todos os reitores dos lyceus. Vejo n'isto talvez a idéa de considerar o cargo de reitor de um lyceu, como uma entidade política, quando me parece que não deve ser considerado assim, mas somente ser encarregado de vigiar pelo bom andamento dos estudos sem n'isto entrar a política.
Sei que foi nomeado reitor do lyceu de Portalegre um facultativo, que nunca na sua vida leccionou. Ora, parece-me que para o cargo de reitor de um lyceu deve ser nomeado um membro do corpo docente desse estabelecimento ou um professor do outra escola superior.
Creio que este facto que se deu em Portalegre não será único. Consta-me que estão na forja nomeações identicas.
Eu não vejo na nomeação deste facultativo para reitor do lyceu de Portalegre, mais do que o ensejo de lhe dar uma gratificação. Repito, o logar de reitor devia ser exercido por um professor e não por um indivíduo estranho ao magistério.
Em todo o caso, o ponto para que eu chamo a attenção do governo é para que as auctoridades cumpram o lema de tolerancia que s. exa. o sr. presidente do conselho inscreveu no seu programma quando se apresentou á camara, e em que hoje fallou pugnando por ella com applauso geral.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Responderei muito summariamente às observações do illustre deputado. Accusou s. exa. varias demissões de amanuenses e de officiaes de diligencias, praticadas em Portalegre, e referiu-se tambem aos tumultos que lá terá havido.
Eu não tenho noticia dos factos a que s. exa. se refere; mas s. exa. sabe que os empregados das administrações da concelhos são nomeados pelos governadores civis. Se esses empregados foram demittidos por conveniencia do serviço devidamente comprovada, não tenho nada que objectar ao meu delegado; mas, se foram demittidos por política, isso é já um caso de intolerancia que não estou resolvido a admittir. (Apoiados.) Eu não admitto que por política sejam exonerados senão os empregados de pura confiança, mas os que não forem empregados de confiança política não estou resolvido a demittil-os so pelo facto de serem de partido diverso, (Apoiados.)
N'estes termos pode o illustre deputado estar certo de que, se as exonerações tiveram logar por outro motivo que não fosse o que acabo de dizer, eu tomarei as providencias necessárias para dar satisfação aos pedidos de s. exa. Agora o que o illustre deputado, não pode extranhar e que os empregados de confiança política sejam exonerados. (Apoiados.)
Disse mais o illustre deputado que foi dissolvida a mesa da misericordia de Portalegre. Esse acto pertence ao governador civil, e se houve abuso ou excesso da parte do governador civil, eu so posso proceder havendo reclamação; vindo ella, eu hei de procurar dar rasão ás queixas que forem justas.
Mas estas attribuição é como disse, do governador civil,

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e para eu proceder é necessario que haja reclamação fundamentada.
Também o illustre deputado fallou na exoneração do reitor do lyceu de Portalegre, e alludiu á exoneração de outros reitores. Devo dizer que, o logar de reitor de um lyceu é uma pura commissão, e eu não teria exonerado o reitor do lyceu de Portalegre, se quando em 1881 deixei o ministerio do reino, o ministro que me succedeu não tivesse demittido o que eu havia nomeado.
A pratica é esta. Todos os ministros do reino de todos os governos têem considerado os logares de reitores, como commissões, e temos exonerado quando julgam isso conveniente ao serviço.
Portanto, o reitor do lyceu de Portalegre tambem tinha sido demittido pelo ministro que em 1881 me succedeu, e parece-me que se eu exorbitei, o pecado não é só meu: peccámos ambos.
Mas torno a dizer, os logares do reitores têem sido considerados sempre como puras commissões. A lei é clara e não exige tambem que o reitor seja um professor. A lei dá ao governo o direito de escolher quem quizer; e se eu não infringi nenhuma lei não sei de que é que o illustre deputado me accusa. Usei do meu direito. Julguei conveniente exonerar o reitor do lyceu de Portalegre, do mesmo modo que o meu successor exonerou o que eu tinha nomeado em 1879.
Eis aqui as explicações que eu posso dar ao illustre deputado.
Eu não entro nas questões locaes. Não estou apaixonado nem por um lado nem pelo outro. Procuro fazer justiça; e sempre que me forem apresentadas reclamações fundadas contra qualquer acto injusto hei de tomar conhecimento dellas, e se ellas forem procedentes e devidamente fundamentadas, hei de fazer justiça e dar rasão a quem a tiver.
O sr. Laranjo: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se me permitte usar da palavra agora ou depois sobre este incidente.
O sr. Alfredo da Rocha Peixoto (sobre o modo de propor): - Eu pedi a palavra antes da ordem do dia com O propósito de dirigir algumas perguntas ao sr. presidente do conselho ácerca da questão que o sr. Guilherme de Abreu levantou, perguntas que julgo urgentes.
Ha pouco pedi a palavra para um requerimento e desisti della porque não queria preterir o meu amigo o sr. visconde de Reguengos, e agora peço a v. exa., caso isto não vá contra o desejo do sr. Laranjo, que mantendo a ordem da inscripção me dó a palavra porque era a mim a quem ella pertencia se não fosso a tolerância de v. exa. em admittir o requerimento do sr. Laranjo.
O sr. Laranjo: - Eu peço então a v. exa. que me reserve a palavra.
O sr. Presidente: - Fica inscripto.
O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Não venho discutir o programma concebido na mente esclarecida do sr. presidente do conselho de ministro; antes lamentar venho que os empregados de confiança do s. exa. sejam os primeiros a não esperar a solução completa d'esta questão, como s. exa. ha de effectual-a; assegurando imprudentemente num documento publico que o conflicto entre Braga e Guimarães foi a origem de grandes prosperidades para Guimarães.
Isto nunca nós dissemos aqui! sr. presidente do conselho de ministros; e todavia proclama-o o administrador de um concelho importante, que está ainda em lucta accesa de paixões violentas.
Antes de ler este estravagante documento, que vem publicado n'um jornal muito considerado do Porto, e do partido progressista, o Primeiro de Janeiro, quero dizer que, para a minha consciência é de fé que este documento não foi redigido pelo administrador do concelho de Guimarães, que é um brioso official de artilheria e um mancebo distincto.
Estou convencido de que foi escripto pelo governador civil interino de Braga, a quem conheço, ha muitos annos.
Sabe v. exa. o que diz um progressista de Guimarães, correspondente habitual do Primeiro de Janeiro, um dos primeiros jornaes do paiz e que foi muitos annos honrado com a penna brilhante e enérgica do sr. ministro das obras publicas?
Ouça, sr. presidente do conselho de ministros. Admire; e depois corrija a imprudência se para isso tem força.
(Lendo) «O lamentável conflicto levantado entre as duas mais importantes cidades da formosa província do Minho ...»
(Interrompendo a leitura) Se, como creio, o auctor deste estravagante officio é o governador civil interino do districto de Braga, como já está esquecido da princeza da foz do Lima!
(Continuando a ler)... «marcou para esta nobre cidade uma epocha de prosperidades que a tornarão em pouco tempo uma das mais importantes do paiz, pela autonomia que a nova reforma administrativa, projectada pelo actual governo, vae dar a este populoso concelho.»
O cumulo da imprudência!
Isto é da penna do governador civil interino do districto de Braga; não póde haver duvida.
Sabe v. exa., sr. presidente do conselho de ministros a quem o administrador do concelho de Guimarães dirige este officio?
A associação dos artistas vimaranenses!
Imagine v. exa. o effeito que estas palavras hão de ter produzido nos espíritos, naturalmente pouco esclarecidos, dos artistas daquella cidade.
Sabe v. exa. como elles as receberam?
Ouça a resposta, que vem neste mesmo jornal.
Não se esqueça de que é o Primeiro de Janeiro, do Porto, o jornal que nos dá tão preciosos esclarecimentos.
(Lendo) «Tambem nós, como v. exa., cremos que o lamentavel conflicto levantado entre as duas mais importantes cidades da formosa província do Minho marcou para Guimarães uma das epochas mais notáveis da sua historia.»
(Interrompendo a leitura) Admirem o estylo. Esta resposta ao officio do administrador do concelho do Guimarães parece resposta á falla do throno. Comparem o referido officio e esta resposta. (Riso.)
(Continuando a leitura) «Esse conflicto, para o qual Guimarães não concorreu, e que não creou, não significa tanto, da parte d'este concelho, a defeza dos interesses menos attendidos na distribuição dos encargos e benefícios districtaes, como a defeza da honra e da dignidade da nossa terra...»
(Interrompendo a leitura) Ouçam bem estas expressões delicadas, generosas, sobretudo sensatas, dirigidas a um delegado do governo, incumbido de uma missão pacificadora!
O sr. presidente do conselho de ministros quer a ordem; recommenda prudência; mas o seu delegado no concelho de Guimarães, ou antes o que o representa no districto de Braga, como bom creio, anima e promove a ordem por meio de cartas deste género, para as quaes acceita uma resposta em taes termos redigida! E notem v. exas. que o mesmo officio, com pretensões a estylo da proclamação dum antigo vice-rei da índia, (Riso) não se esquece da recommendação especial da ordem.
(Lendo.) «Vim administrar este povo...»
(Interrompendo a leitura.) Produziria melhor effeito no plural. (Riso.)
(Continuando a leitura.) «para fazer justiça e manter a ordem, para o que empregarei todos os meus esforços.»
(Interrompendo a leitura.) No officio publicado neste jornal houve o cuidado de pôr em italico estas expressões: para o que empregarei todos os meus esforços.

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(Continuando a leitura.) «e não para fazer interesses.»
Continuem a ouvir a resposta da associação dos artistas vimarenenses á falla da sua auctoridade administrativa.
(Lendo) «como a defeza da honra e da dignidade da nossa terra, indignamente ultrajada e a salvaguarda das franquias e garantias liberaes de que nos despojam. Por isso nos lançámos no conflicto com a energia verdadeiramente indomavel, que v. exa. justamente admira, porque prezâmos acima de tudo a nossa honra, porque prezâmos acima de tudo a nossa honra, porque amâmos a liberdade e porque não queremos que a gloriosa historia da nossa querida terra seja manchada com a nodoa d'um servilismo ignobil e de uma ainda mais ignobil indifferença perante os ultrajes que lhe têem sido arremessados.»
(Interrompendo a leitura.) Como em Guimarães estão bem esclarecidos, tranquillos e prudentemente dirigidos os animos! E ha quem pense que para Guimarães esta questão não passa de capricho e rancor!
Pois não são bem claros estes periodos que acabei de ler?
Querem ouvir outro do mesmo tom que vem no officio do administrador do concelho de Guimarães.
(Lendo.) «Coube-me por sorte...»
(Interrompendo a leitura.) Não diz se boa ou má; creio porém que ha de ser boa e até grande. (Riso.)
(Continuando a leitura.) «Coube-me por sorte administrar tão brioso povo, talvez n'um dos periodos mais difficeis que modernamente tenha atravessado. Não posso deixar de tornar bem publico que tenho admirado a energia verdadeiramente indomavel e ao mesmo tempo erdeira como tem sabido pugnar pela realisação da sua causa.»
Estes dois documentos foram, sem duvida, redigidos pela mesma penna!
E depois ainda mandam publical-os; e em que jornal? No jornal que mais conhecido é em todas as povoações do norte e lido por toda aquella gente!
Vejam v. exas. como o administrador do concelho espera a solução concebida ou emprehendida pelo sr. presidente do conselho de ministros! Vejam como a auctoridade se dobra diante da nobre cidade de Guimarães!
E quer o sr. presidente do conselho de ministros que nós esperemos!
Pois bem. Teremos por s. exa. a attenção que não têem tido os seus delegados; esperaremos. Até quando? Deus o sabe.
Pergunto porém ao sr. presidente do conselho de ministros se entende que este conflicto entre as cidades de Braga e Guimarães foi a fonte perenne de prospriedades para o concelho de Guimarães, a aurora do reinado de Astrêa.
Se s. exa. entende que estas palavras foram imprudentes, pergunto que tenciona o sr. ministro do reino fazer para corrigir taes demasias na imprensa praticadas, ou auctorisadas, ou recommendadas e solicitadas pelos seus delegados.
Rasão teve o sr. Guilherme de Abreu, este meu honrado amigo, o venerando decano dos parlamentares do districto de braga, sempre e para todos leal, (Apoiados) para affirmar o triumpho extraordinario da cidade de Guimarães, victoria que é uma afronta para a cidade de Braga.
Pois que? Guimarães ainda n'este mesmo officio da associação dos artistas vimaranenses, insiste, com severidade de accusador, em tornar Braga responsavel pelo que fizeram duzentos ou trezentos homens desconhecidos! Pois com a mesma rasão os de Braga podem dizer que os Guimarães mandaram esses duzentos homens a Braga provocar o conflito e injuriar os procuradores de Guimarães, para indispôr assim o paiz contra a capital do Minho.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Isso não é exacto.
O Orador: - Tanta rasão ha para esta conjectura como para se suspeitar que a cidade de Braga injuriou a de Guimarães. Ambas são conjecturas inverosimeis; é certo. Mas Braga nunca affirmou a conjectura desfavoravel para Guimarães; e Guimarães ainda agora, ao receber das tremulas mãos do sr. presidente do conselho de ministros a corôa dos louros triumphaes, está a insistir na conjectura desfovoravel para Braga.
Não é exacto que Guimarães haja promovido por uma insidia o lamentavel conflicto a que me refiro; mas tambem não é exacto que a Braga pertença a responsabilidade de Ter promovido ou tolerado as causas d'esse conflicto; nem esse mesmo conflito provocou; antes fez as mais dignas diligencias para evital-o.
Agora, sr. presidente do conselho de ministros, vamos até ao conselho de Alijó, se nos deixar chegar lá o administrador do conselho que v. exa. lá tem.
N'um jornal d'esta cidade e de hoje encontro, transcripta de um jornal de Villa Real, a seguinte extraordinaria noticia:
«Segundo lêmos no Districto de Villa Real o sr. Nobrega, administrador de Alijó, acaba de praticar um acto de inqualificavel despotismo.
«Estavam pronunciados sem fiança dois irmãos, Manuel Augusto Sampaio e Manuel Domingos Sampaio. Este ultimo, porém, tem a felicidade de ser favorito do administrador. O sr. Nobrega mandou Manuel Augusto para a cadeia; e encarregou Manuel Domingos de ir dar os sentimentos á mulher do preso.
«Esta veiu logo a casa do administrador, supplicando-lhe que a deixasse fallar ao marido. Foi-lhe isso recusado; e entretanto o administrador andava passeiando pela villa com Manuel Domingos. Este chegou a Ter vergonha de similhante procedimento, e espontaneamente se quis constituir preso; mas o sr. Nobrega não lh'o consentiu, dizendo-lhe que havia de ir para a cadeia quando elle o mandasse!»
Ao sr. presidente do conselho de ministros, peço me diga immediata e categoricamente se tem noticia d'este facto; e, no caso de tel-a, se é verdadeira em todas estas extraordinarias e repugnantes circumstancias.
O sr. Conde de Villa Real: - É falso, como são falsos todos os factos de que trata o jornal.
O orador: - Quem ouvir v. exa. n'essa geral negativa e formal accusação, contra o jornal que publicou esta noticia, póde suspeitar de que alguma cousa ha de verdade.
(Interrupção.)
V. exa. é muitissimo digno de tomar o logar de presidente do conselho de ministro; mas não o occupa ainda. Como deputado, v. exa. não tem a auctoridade que tenho o direito de invocar aqui, a primeira que deve acudir á minha invocação.(Muitos Apoiados)
A sua auctoridade pessoal é muita, principalmente para quem o conheces e tem relações com v. exa. (Apoiados.) Mas, Deus nos livre, de que essa actoridade seja invocada n'esta casa a qualquer de nós; porque, se v. exa. entendo que a sua auctoridade póde ser aqui discutida, v. exa. dá a esta camara o direito de pol-a em duvida.
Isto não póde ser. (Apoiados.)
Deixe v. exa. que me responda o sr. presidente do conselho de ministros, o unico que tem a sufficiente auctoridade para dar-me a resposta que peço e de que preciso.
É claro que estas reflexões excluem o caso de v. exa. poder exhibir documentos comprovativos da sua asserção. (Vozes - Muito bem.)
Como deputado, não posso contentar-me com a declaração de v. exa.; e continuo a dirigir-me ao sr. ministro responsavel.
Pergunto ao sr. presidente do conselho de ministros se tem noticia d'este facto; e, se isto é verdade, que providencias tenciona adoptar.
Compromette-se o sr. presidente do conselho de ministros

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a empregar todos seus os esforços para averiguar se estes factos são verdadeiros, esquecendo-se n'esta averiguação de que se trata de uma auctoridade nomeada como de sua confiança?
Compromette-se s. exa. a empregar toda a severidade contra esse administrador do concelho de Alijo, se esto funccionario praticou o acto de que assim é accusado?
São estas as perguntas que dirijo a s. exa.; não quero demorar-me mais n'estas considerações, porque a gravidade do assumpto exige que eu seja breve.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Eduardo José Coelho: - Mando para a mesa um requerimento:
É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que o requerimento de D. Joaquina Emilia de Sampaio Coelho Peixoto, que em 24 de abril de 1884 tinha sido enviado á commissão de fazenda, o seja novamente. = E. J. Coelho.
Mandou-se enviar.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - O illustre deputado não póde deixar de confessar que nenhum governo daria mais provas da sua consideração para com a camara, do que o actual.
Nós que ouvimos todos os dias s. exas. dizerem que não temos a confiança da maioria, e que não tornos direito a pedir-lhes mais do que as providencias indispensaveis para governar, ouvimol-os tambem todos os dias pedir a nossa responsabilidade politica, por factos da nossa administração!
Não é muito coherente esse procedimento de s. exas., mas eu com toda a boa vontade, acedendo aos seus desejos estou disposto a dar-lhes todas as explicações compatíveis com a minha dignidade.
(Interrupção do sr. Rocha Peixoto, que não se ouviu.)
S. exa. acaba de se queixar de umas violencias que attribue ao administrador do concelho do Alijo.
Não tenho conhecimento nem informação alguma dos factos a que s. exa. se refere.
O sr. Azevedo Castello Branco: - V. exa. dá-me licença?
Eu recebi hontem uma carta em que se me diz que estes factos são verdadeiros.
Eu, que conheço o administrador do concelho, ou por outra, estes tres homens, sei perfeitamente que isto está dentro das habilidades do actual administrador do concelho de Alijo.
O Orador: - Dizia eu que não tinha conhecimento, nem informação alguma dos factos, o agora acrescento que vou tomar as necessarias informações para em virtude d'ellas providenciar conforme for de justiça.
(Interrupção.)
Passemos agora a Guimarães.
O documento a que s. exa. se referiu é uma carta particular dirigida ao presidente de uma associação.
(Interrupção.)
Mas não é um documento official; é apenas uma carta particular, com a qual nada tenho.
Mas o que diz o administrador do concelho? Diz apenas que da reforma administrativa projectada pelo governo hão de resultar grandes prosperidades para o concelho de Guimarães.
Foi isto, pouco mais ou menos, o que eu disse tambem nesta casa do parlamento.
Se eu não estivesse convencido de que a minha reforma j administrativa, na parte em que se póde applicar ao conflicto levantado entre Braga e Guimarães, seria favorável a Guimarães, e que não prejudicaria Braga de modo algum, certamente não a propunha. Aquella auctoridade exagerou porventura os benefícios da reforma; mas eu não posso condemnar o seu procedimento porque reproduziu,
pouco mais ou menos, o pensamento que eu já tinha enunciado á camara; e, sendo assim, devo dizer ao illustre deputado que não acho rasão para desapprovar a doutrina do administrador do concelho, que é um homem illustrado, e um digno funccionario (Apoiados.) Tambem devo aproveitar esta occasião para dizer que elle tem prestado relevantes serviços á ordem publica na difficil e melindrosa situação em que se cem encontrado.
O sr. Marçal Pacheco: - Mando para a mesa um requerimento de Alfredo Henriques Tavares Horta, aspirante com o curso da arma de infanteria, pedindo que lhe sejam concedidas as vantagens que lho conferia o decreto de 24 de dezembro de 1853.
A commissão de petições.
O sr. Firmino João Lopes: - Sr. presidente agora não é a cidade de Guimarães nem a de Braga exigindo solução na triste pendência de que ainda hoje se tratou.
E simplesmente a camara municipal de Bragança reclamando contra a violência exercida pela auctoridade administrativa d'aquella localidade.
Não são declamações vagas, não é a leitura e apreciação dos artigos de jornaes desta ou daquella parcialidade politica, é a municipalidade da capital do districto que em respeitosa exposição recorra ao nobre ministro do reino para fazer advertir aquella auctoridade pelo seu procedimento sem precedentes, arbitrário e illegal.
Precedendo todas as formalidades, approvado o orçamento e planta, publicados com muita antecipação os respectivos editaes poz em praça a construcção do mercado.
Houve licitantes, e foi entregue o encargo de fazer a obra ao que melhores condições offereceu.
O administrador do concelho, porém, não digo se impensada se pensadamente, porque basta a existência do facto, mandou lavrar um mandado ou precatória e fez, sem hesitação, intimar o arrematante para que não fizesse trabalhos alguns, noticiando á camara para que não proseguisse na obra.
Segundo as condições do contrato já concluído e fechado resulta da demora ou a camara pagar uma precentagem de juro maior, ou o arrematante pagar 2$000 réis por cada dia alem do termo do contrato.
Pergunto, portanto, ao nobre presidente do conselho se, como ministro do reino, considera bom o procedimento da auctoridade administrativa de Bragança; e, no caso de não o achar bom, que providencias tenciona tomar para evitar um conflicto grave pela transgressão violenta das prescripções legaes, e grave porque os povos são excitados e não pouco agitados por causa deste acontecimento.
Segundo se vê da leitura da representação da referida camara municipal, a ordem publica chegará a ser alterada, se providencias governativas não interromperem o conflicto estabelecido entre a camara e a auctoridade administrativa.
Por agora não tem o nobre ministro responsabilidade, mas o conhecimento do attentado, que se começar, melhor descripto na representação da camara devidamente documentada, obrigam o governo, sem perda de tempo, ao que exige o cumprimento da lei.
O assumpto tem importância, e oxalá que o sr. ministro do reino assim o considere.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Digo ao illustre deputado que vou tomar informações sobre o assumpto a que s. exa. se referiu : o que, segundo essas informações, hei de tomar as providencias necessárias para evitar qualquer conflicto.
O sr. Firmino Lopes: - Se v. exa. me dá licença, eu entrego ao nobre presidente do conselho a contra-fé pela qual o arrematante foi intimado para dentro em três dias não fazer ou parar com todas as obras.
Do documento se vê que elle protesta e reage contra uma ordem tão arbitraria, que não será acatada pela ele-

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gitimidade manifesta e pela incompetencia da propria auctoridade.
Com a representação vem documentos que dispensam todas as indagações; a demora é sempre má.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Tomo conta dos documentos que o illustre deputado acaba de passar ás minhas mãos, e vou tratar de procuraras informações necessarias, para, segundo essas informações, proceder como for de justiça.
O sr. Santos Viegas: - Sr. presidente, eu desejava dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da marinha.
Já ha dias que eu tinha annunciado n'esta casa que era meu intento pedir a s. exa. esclarecimentos sobre alguns pontos da administração do ultramar.
Como s. exa. não está presente, desisto por agora da palavra, mandando todavia para a mesa a seguinte proposta:
«Propomos que a mesa seja auctorisada a nomear uma commissão de 30 deputados para representar esta camara nas solemnidades e nos festejos do consorcio faustissimo de Sua Alteza Real o Serenissimo Senhor D. Carlos Fernando. = Santos Viegas = Lopes Navarro = Adolpho Pimentel = Rocha Peixoto.»
Faço esta proposta, porque mo consta que na camara dos dignos pares foi feita uma proposta igual.
Deixo o numero do membros desta commissão á escolha de v. exa. ou da camara, e peco a urgência da proposta.
Foi declarada urgente e admittida a proposta.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa uma proposta para que a commissão, alem dos 30 deputados,seja composta pela mesa e por todos os deputados que estejam em Lisboa e que se lhe queiram aggregar.
Leu-se na mesa a proposta.

É a seguinte:

Proposta

Proponho que a commissão da camara dos senhores deputados seja composta, alem da mesa e dos 30 deputados a que se refere a proposta do sr. Santos Viegas, de todos os outros que se lhe queiram aggregar, conforme é praxe. = Avellar Machado.
Foi admittida.
O sr. Adolpho Pimentel: - Requeiro que a proposta seja approvada por acclamação.
O sr. Presidente: - Tenho de submetter á votação da camara o requerimento ; das tendo sido votada a urgencia da proposta do sr. Santos Viegas, e declarada em discussão, nos termos do regimento devem fallar os oradores que se inscreveram sobre ella para depois se votar. Ainda não está encerrada a discussão e por consequência não ha occasião de deliberar sobre o modo de por a proposta á votação da camara.
Em todo o caso vou consultar a camara sobre o requerimento do sr. Adolpho Pimentel, se s. exa. insiste n'elle.
O sr. Adolpho Pimentel: - Retiro o meu requerimento em virtude de já terem pedido a palavra alguns srs. deputados.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Desejo apenas dirigir uma pergunta ao sr. presidente, antes de fazer a minha declaração de voto.
(Interrupção do sr. Santos Viegas.)
A pergunta que faço a v. exa., é, se ha precedente parlamentar de ter sido nomeada uma commissão desta ordem para funccionar durante o periodo em que se a camara está fechada.
O sr. Presidente: - Por parte da mesa não posso dar resposta no momento actual e careço de indagar se ha precedente.
O Orador: - Não posso obrigar v. exa. a responder por aquillo que não sabe; em todo o caso o facto de partir esta resposta de um cavalheiro tão altamente illustrado na nossa historia constituciona, é a prova de que o precedente não está na memoria de ninguem ou, o que é mais provavel mesmo, que tal preccedente não existe.
Voto contra a nomeação da commissão, que se propõe, porque entendo tomo a camara nota das minhas palavras, que nas relações mutuas entre os poderes do estado não deve imperar outra ordem de conspirações que não sejam aquellas, que dimanam das relações officiaes d'esses mesmos poderes.
Estas cortezias ou melhor, estas cortezanias da parte que é indubitavelmente o mais alto em um paiz representativo, não me parecem dignas da magestade do parlamento.

imilhante proposta está em opposição com as normas de independente e nobre altivez, que nos legaram as cortes do antigo Portugal.
Nesse tempo os representantes do terceiro estado fallavam de cabeça erguida aos reis absolutos; hoje curvâmo-nos perante um rei constitucional como se fôramos uns cortezãos ou aulicos!
Pela minha parte protesto com o meu voto em contrario.
Tenho dito.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Na minha qualidade de deputado digo que as normas de altivez que os ramos dos poderes públicos devem sustentar na monarchia nas suas attribuições, nada têem com os deveres de cortezia.
A camara dos senhores deputados hade ser cortez com todos os poderes do estado, e até o tem sido com individuos: porque quando um illustre deputado brazileiro veiu a Portugal, a camara dos deputados, sem receio de abdicar dos seus direitos constitucionaes, fez uma excepção e concedeu a esse deputado a honra de o admittir na sala das sessões. (Apoiados.)
Em todos os paizes os poderes públicos podem manter integros os seus direitos e ao mesmo tempo podem e devem ser cortezes. (Apoiados.)
O sr. Adolpho Pimentel: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga suficientemente discutida a matéria.
O sr. Marçal Pacheco: - Requeiro que a votação sobre o requerimento do sr. Adolpho Pimentel seja nominal.
Consultada a camara, não houve vencimento.
O requerimento do sr. Adolpho Pimentel foi approvado.
O sr. Presidente: - Váe ler-se a proposta do sr. Avellar Machado, que é um additamento á do sr. Santos Viegas.
O sr. Santos Viegas: - Concordo com o additamento apresentado pelo sr. Avellar Machado, mas a minha proposta tem a prioridade.
Foi approvada a proposta do sr. Santos Viegas.
Foi approvado o additamento proposto pelo sr. Avellar Machado.

ORDEM DO DIA

Votação do projecto de lei n.° 36, cuja discussão ficou encerrada na sessão anterior

Approvado.
Entrou em discussão o projecto de lei n.° 40.
É o seguinte :

PROJECTO DE LEI N.° 40

Senhores. - No persistente e louvavel intuito de poupar o paiz á invasão do cholera, que nos ultimos annos flagelára atrozmente a vizinha Hespanha, tomou o governo transacto diversas providencias, que felizmente foram coroadas do melhor exito.
É sabido, que a vigilancia activa da fronteira terrestre fora confiada aos cuidados d'uma parte do nosso exercito, que mais uma vez cumpriu briosamente a ardua missão que lhe fora imposta, a despeito dos rigores do tempo, do

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clima, d'este serviço muito especial, e das enfermidades que em quasi todos os pontos a flagelaram.
O crescido numero de baixas aos hospitaes civis e militares, reunidos e permanentes, e o estado de saude em que retiraram muitas praças e alguns officiaes, attestam por uma forma irrecusavel quanto fora espinhosa e difficil. sob todos os pontos de vista, a missão com que os honraram, e os riscos que correram para salvar o paiz dos horrores de uma epidemia que por vexes estivera imminente.
Houve um pequeno numero de victimas, devido aos cuidados dispensados no tratamento dos doentes, mas e necessario garantir às suas famílias, e às de todos aquelles que de futuro expozerem a vida em serviços d'esta ordem para salvarem as dos seus concidadãos, uma remuneração, ainda que pequena, attendendo às circumstancias da fazenda publica, expostas pelo governo, mas que as colloque ao abrigo da fome e da miséria.
Neste intuito, examinou a vossa commissão, como lhe cumpria, o projecto de lei apresentado nesta camara em 2 do corrente pelo illustre deputado o sr. Francisco de Campos, e entende que com as pequenas alterações que lhe foram feitas, a fim de evitar futuros abusos, elle deve ser submettido á vossa approvação nos seguintes termos:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° As disposições do artigo 6.° da carta de lei de 11 de junho de 1867 serão applicadas, nos termos genéricos do mesmo artigo e do seu regulamento, às familias dos officiaes do exercito que tiverem fallecido na effectividade dos serviços dos cordões sanitários e dos lazaretos por effeitos de molestias adquiridas nos referidos serviços.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de guerra, em 22 de março de 1886. = Caetano Pereira Sanches de Castro = Avellar Machado (com declarações) = Thomás Frederico Pereira Bastos = Sebastião de Sousa Dantas Baracho = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas = António Joaquim da Fonseca = José da Gama Lobo Lamare, relator.

Senhores. - A commissão de fazenda, a quem foi presente o parecer da illustre commissão de guerra, ácerca do projecto de lei n.° 21-A, concorda em que deve ser approvado, visto que o governo está de accordo com a sua doutrina.
Sala da commissão, 26 de março de 1886. = Francisco de Castro Matoso = E. J. Coelho = Franco Castello Branco = M. d'Assumpção = Lopes Navarro - L. Cordeiro = Adolpho Pimentel = Moraes Carvalho = António M. P. Carrilho - António de Sousa Pinto de Magalhães, relator.

N.º 34-A

Artigo 1.° As disposições do artigo 6.° da carta de lei de 11 de junho do 1867, que a lei de 18 de julho de 1884 manda applicar ás pessoas de familia de militares mortos em consequencia de ferimentos recebidos em serviço, ou por causa do serviço, ficam extensivas ás dos militares que morreram, ou venham a fallecer por doença adquirida no serviço dos cordões sanitarios.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 2 de março de 1886. = Francisco de Campos.

O sr. Avellar Machado: - Pedi a palavra simplesmente para explicar o motivo por que assignei este parecer com declarações. A rasão é porque este projecto não está concebido com a generalidade com que eu desejaria que elle o estivesse. Assim, o projecto póde não satisfazer a todas as necessidades que occorrerem, e precisaremos estar a legislar todos os dias para casos especiaes. Foi por este motivo que eu assignei com declarações, visto não poder conseguir mais da commissão.

O sr. Goes Pinto: - Mando para a mesa o seguinte:

Additamento

Proponho que o beneficio concedido pelo projecto em discussão, seja extensivo às viuvas das praças de pret nas mesmas circumstancias. = Goes Pinto.
Foi admittido.

O sr. Lamare: - Não tenho que defender o projecto, visto que elle não foi impugnado; mas como o sr. Goes Pinto apresentou um additamento, eu peço a v. exa. que, sem prejudicar o regular andamento da discussão do additamento, este vá á commissão, e o projecto seja votado tal qual foi acceito pelas duas commissões de guerra e de fazenda.
O sr. Carrilho: - Eu fui prevenido pelo illustre deputado o sr. Lamare. O meu fim era tambem pedir que o projecto fosse votado independentemente do additamento, e este enviado á commissão de fazenda, porque eu não sei qual é o orçamento de despeza que póde resultar d'esse additamento, nem sei mesmo se o governo está de accordo com a matéria do additamento.
Portanto, estou inteiramente de accordo com o pedido feito pelo illustre deputado que me precedeu.
O sr. Marçal Pacheco: - Vou mandar para a mesa uma proposta, para que o beneficio concedido a estes militares seja extensivo aos guardas fiscaes.
Não concordo com a doutrina apresentada pelo meu amigo, o sr. Carrilho, de que é preciso que o additamento vá á commissão de fazenda para se saber qual é o orçamento, por isso que a camara ainda não sabe tambem qual é o orçamento do projecto que se discute. O illustre relator do projecto não está presente.
O sr. Carrilho: - As informações que a commissão de fazenda recebeu foram de que apenas a duas famílias se poderia applicar este beneficio; e foi n'estes termos que eu votei.
O Orador: - Eu tambem sou membro da commissão de fazenda, e não fui avisado para a discussão deste projecto.

O sr. Carrilho: - São as informações que eu recebi, e em virtude das quaes votei pelo projecto. Alem d'isso, as informações que o sr. Carrilho dá agora têem apenas o merecimento da fé que eu deposito nas tuas palavras.
O sr. Carrilho: - São as informações que eu recebi, e em virtude das quaes votei pelo projecto.
O Orador: - Mas eu tambem quero votar o projecto, e quero informações para mim, e essas informações é que não existem.
O sr. Carrilho : - Teve-as a commissão.
O Orador: - Tel-as-ía a commissão, mas não as tive eu. E não faltam só informações, falta mais alguma cousa. Pergunto: a quaes pessoas são applicaveis as disposições d'este projecto de lei?
O sr. Carrilho: - Só ás familias dos officiaes fallecidos no cordão sanitario.
O Orador: - Muito bem. É sómente em relação aos indivíduos que já estão comprehendidos nas disposições d'este projecto de lei; mas em relação aos que vierem a estar.
O sr. Carrilho: - E só para as famílias dos que já tiverem fallecido.
O Orador: - Isso não póde ser. É odioso.
Não é justo que estas disposições da lei sejam applicaveis unicamente aos individuos que estão já comprehendidos n'este caso. Os que vierem a estar também.
Uma Voz: - A todos que tiverem fallecido.
O Orador: - É claro que assim deve ser.
Se a lei é só applicavel a quatro ou cinco individuos então voto contra o projecto porque é uma medida de excepção odiosa.
(Interrupção.)
Uma voz: - E aos que tiverem fallecido.
O Orador: - Aos que tiverem fallecido, é verdade,

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mas não se diz no projecto aos que tiverem fallecido até á data da publicação d'esta lei. E de duas, uma: ou se diz que a lei se interpreta assim, com este caracter generico ou se diz que é restrictiva a certos individuos; qualquer das hypotheses me serve. Se se diz que se applica a todos os individuos fallecidos e que vierem a fallecer precisamos saber a quanto monta a despeza se é só applicavel a quatro ou cinco individuos, acho que a doutrina da lei é odiosa porque é uma excepção sem motivo legitimo.
Em todo o caso, visto que o projecto de lei se presta a estas interpretações, é preciso que elle volte á commissào para se lhe dar uma redacção clara. Ainda a doutrina está em. projecto e já temos duas maneiras de a interpretar.
É mais um motivo a justificar a necessidade de que o projecto volte, como disse, á commissão para se elaborar um outro em que seja attendido o additamento do sr. Goes Pinto e o meu.
Ainda ha poucos dias o governo pediu auctorisação a esta camara para pôr em pratica medidas extraordinárias tendentes a evitar a invasão do cholera, ou a combatel-a no caso de infelizmente nos visitar.
Nada mais natural do que suppor a camara e com bom fundamento de que o cordão sanitario ha de continuar, e sendo assim o illustre deputado e a camara vêem quanto é inconveniente que se vote agora um projecto de lei para acudir a um ou dois factos isolados, aos quaes eu reputo justissimo acudir, mas que o não podem ser com este caracter de excepção, sem ferirem os dictames da justiça distributiva. (Apoiados.)
As providencias legaes precisam de ser revestidas de um caracter generico e geral para serem justas e sensatas. Estamos a votar um projecto só para ser applicado a quatro ou cinco individuos, deixando de parte todos aquelles que venham a estar nas mesmas circumstancias, é uma excepção odiosa e injusta que o parlamento não deve sanccionar. E devendo ampliar-se a todos este beneficio, reclamo-o com rasão para os membros da guarda fiscal, que não foi instituida para fazer o cordão sanitario, como o exercito tambem não foi, e que só em nome da salvação publica são igualmente obrigados a prestar esse serviço (Apoiados.)
Peço portanto que conjunctamente com este projecto de lei sejam enviados á commissão os additamentos propostos, para que, depois de devidamente esclarecida, a commissão lhes de uma fórma generica e traga um novo parecer á camara para ser discutido e votado. (Apoiados.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que sejam applicadas as disposições do projecto de lei que se discute, ás praças e officiaes da guarda fiscal. = Marçal Pacheco.
Foi admittida.

O sr. Lobo Lamare: - Parece-me que até este momento ninguém tem contestado os altissimos serviços prestados pelo nosso exercito n'essa occasião verdadeiramente critica em que o cholera, invadindo a vizinha Hespanha, deixava como vestigio da sua terrivel passagem nas mais formosas provincias o luto, a fome, a desolação e a miseria.
Devemos principalmente á escrupulosa, activa e diligente vigilancia da extensa fronteira o terem-se evitado milhares de victimas, e poupado assim o paiz a uma grande calamidade. (Apoiados.)
O serviço feito pelas forças do exercito em trio difficil conjunctura e em condições por extremo violentas, foi tão grande, tão importante, que ninguem ousará de certo negar uma indemnisação ás familias d'aquelles que, morrendo nos seus postes de honra, concorreram até aos ultimos momentos para poupar ao seu paiz os estragos immensos de tão terrivel flagello.
A commissão a que me honro de pertencer iria mais longe, se os receios de futuros abusos, e as circumstancias da fazenda publica, indicadas pelo governo, lhes não aconselhassem as modificações que introduziu no projecto submettido ao seu exame e que n'este momento se discute. Entendeu-se que era conveniente o tornar o direito á pensão dependente de duas circumstancias:
1.ª Que o official fosse acommettido de doença no serviço effectivo dos cordões sanitarios ou dos lazaretos.
2.ª Que fallecesse n'esse serviço.
E uma das rasões que ponderaram no nosso espirito foi o fazer com que o projecto fosse viavel, que merecesse a approvação da commissão de fazenda e que não encontrasse difficuldades pelo augmento de despeza, nem n'esta, nem na outra camara. Creio que o conseguimos e folgaremos com o pequeno serviço prestado a duas familias que estão em lucta aberta com a miséria e das quaes os chefes pertenciam á classe que tanto se sacrifica pelo seu paiz.
Nos termos claros e precisos com que ficou redigido o artigo 1.° d'este projecto estão devidamente acautelados todos os abusos que poderiam resultar de uma errada interpretação da lei.
A fazenda publica não soffre largos encargos e a justiça pede essa remuneração ainda que pequena ás familias dos que falleceram no desempenho de serviços tão arriscados.
Parece-me que se não impugnou este projecto senão pela forma da sua redacção, mas esta julgo-a extremamente clara.
Vejamos o que se diz no artigo 1.°
«As disposições do artigo 6.° da carta de lei de 11 de junho de 1867 serão applicadas nos termos genericos do mesmo artigo e do seu regulamento, ás familias dos officiaes do exercito que tiverem fallecido na effectividade da serviços dos cordões sanitários e dos lazaretos por effeito de molestias adquiridas nos referidos serviços.»
Diz-se aqui muito claramente que tiverem fallecido. Isto não é, nem o podia ser, uma lei odiosa, de excepção; ao abrigo das suas disposições ficam todas as pessoas que se acharem em igualdade de circumstancias.
O governo foi ouvido ácerca do projecto, pediu algumas restricçõos, com as quaes a commissão concordou, no sentido de afastar difficuldades, mas no ponto em questão posso asseverar á camara que não houve a menor divergencia nem a mais pequena discordancia entre elle e os membros da commissão.
Creio bem que não poderá agora suscitar-se duvida a este respeito.
(Interrupção.)
São apenas dois os officiaes que falleceram neste serviço, e por isso se referiu a commissão ás duas familias. Por emquanto é a estes que aproveita o beneficio d'esta lei.
É claro, que tendo o exercito de ser chamado novamente ao serviço dos cordões sanitarios e dos lazaretos, póde acontecer que fiquem mais algumas familias nas circumstancias em que se encontram aquellas e seria então uma injustiça inqualificavel que esta lei lhes não aproveitasse.
Não me parece mesmo regular o exigir que se trouxesse a esta camara um novo projecto de lei, fazendo assim depender um direito igual por perfeita igualdade de circumstancias, do bom ou do mau humor dos diversos membros d'estas assembléas.
Esta lei deve ser applicavel a todos os que se encontrarem nas mesmas condições.
Os officiaes, quando partem para a fronteira no desempenho d'aquelles serviços tão difficeis, tão arriscados, levam a esperança, de que só fallecerem nos seus logares, legam ás suas familias uma pendão que, apesar de modesta, as colloque ao abrigo da miseria.
Parece-me que a camara não duvidará conceder esta pe-

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quena pensão ás pobres familias dos infelizes officiaes que pagaram com a vida a sua dedicação pelo serviço publico.
Declaro a v. exa. e á camara, por parte da commissão, que nenhuma duvida tenho em que o additamento do illustre deputado Marçal Pacheco vá á respectiva commissão, para ser devidamente estudado, sem que por esse facto se interrompa o regular andamento do projecto que se discute.
O sr. Ferreira de Almeida (sobre a ordem): - Leu a moção.
Que tendo alguns collegas impugnado o projecto por ter o caracter de uma lei de excepção, não podia deixar de notar que fôra esquecida a classe naval, que prestara tambem importantes serviços no cordão sanitario, sem melhoria alguma de vencimento, como os que extraordinariamente recebiam o exercito e a guarda fiscal.
Que muito mais só expõe, a marinha de guerra nos climas inhospitos o insaluberrimos de Africa, taes como o Zaire, Ajuda, Guiné, etc., onde se pretende tomar mais effectivo o nosso dominio, importando isso maior onus de serviço, e nunca ninguem veia pedir, nem propoz as melhorias que pedem no projecto em discussão para as familias dos infelizes que perderam prematuramente a vida sob a acção da insalubridade d'aquellas regiões.
Que o projecto de lei, para ser legitimo, era preciso que abrangesse todas as classes e todas as condições similhantes de vida e serviço em relação aos seus resultados nocivos.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

A camara dos senhores deputados, considerando que a materia sujeita deve importar uma lei geral e generica, convida a respectiva commissão a formular essa lei, e continua na ordem do dia.
7 de abril do 1886. = Ferreira de Almeida.
Foi admittida.

O sr. Lobo Lamare: - É notavel, sr. presidente, este zêlo extraordinario pela marinha de guerra! Este zêlo fervoroso e unico pelos officiaes o pela marinhagem! Mas, mais notavel é de certo que o illustre deputado que me precedeu, tendo, como creio, tão boas, tão santas, tão generosas aspirações, e desejando tão ardentemente que a doutrina do projecto que se discute fosse applicavel aos officiaes da nossa marinha do guerra e ás praças da armada, para que todos aproveitassem tão beneficas disposições, só agora surgisse com esse zêlo, só agora despertasse do letlhrgo em que se encontrou até ao fechar do parlamento, para apresentar idéas tão humanitãrias, tão justas, mas que pelo adiantado da hora não podem ser tomadas na devida consideração pelos corpos legislativos!
Se o illustre deputado que se levanta para combater este projecto tivesse ha mais tempo manifestado esses seus desejos e apresentado, como lhe cumpria, nesta casa, onde tem assento, um projecto de lei n'esse sentido, teria elle seguramente seguido os tramites legaes, as commissões de marinha e de fazenda teriam emittido com tempo a sua opinião, depois de prévio estudo, e a cambra estaria agora habilitada para o julgamento de tão importante causa: mas, como o illustre deputado se manteve em religioso silencio, soffre agora as duras consequencias de um procedimento que bem pouco está em harmonia com a sua prodigiosa actividade.
Mas é sobremaneira curiosa a moção que s. exa. acaba de mandar para a mesa!
Reduz-se a estes termos: como fui pouco activo, pouco diligente em solicitar a tempo e a horas tal beneficio para a marinha, não desejo que o exercito, apesar de ter tido aqui quem lhe advogasse a sua causa, aufira a menor vantagem. Isto é realmente espantoso!
Pois então, porque houve uma omissão da parte do illustre deputado, para com os officiaes da armada, deve esta prejudicar os do exercito, que, longe de serem esquecidos, tiveram n'esta casa quem lhes zelasse os seus interesses, empregando todos os esforços para que as familias dos seus camaradas se não vissem obrigados a estender a mão á caridade publica, em virtude da perda dos seus chefes, que succumbiram n'um serviço tão arduo, tão espinhoso, como foi o do cordão sanitario?
E o que tem a commissão de guerra com as pensões concedidas ou a conceder aos officiaes da armada?
Para que pede o illustre deputado que o projecto volte á commissão de guerra, se ella nada tem que ver com o assumpto a que principalmente se refere a sua moção de ordem?
Eu não pretendo aconselhar a camara, mas peço instantemente para que, no cumprimento das disposições do regimento, seja a commissão de marinha a ouvida sobre a proposta do meu illustre collega o sr. Ferreira de Almeida, isto sem prejuizo, é claro, do regular andamento d'este projecto.
Largos vencimentos! Fartas recompensas! Grandes commodidades! Tudo isto se adquire no serviço dos cordões sanitarios! Como se faz a historia! Como o illustre deputado se illudo ácerca do modo por que se fez aquelle serviço, e como ignora as privações de todo o género que ali se passam! O tempo lhe mostrará.
Vencimentos? Os unicos legaes, os da tarifa.
Eu desejo ser muito breve, porque não quero concorrer para que o projecto deixe de se votar; mas antes de concluir direi ao illustre deputado que não póde haver parallelo entre a marinha e o exercito, no que respeita ao serviço especial dos cordões sanitarios, e quero affirmar por um modo a não deixar duvida, de que na commissão de guerra não ha poderes occultos, nem ali se formulam pareceres nem projectos destinados a fins occultos.
Combati sempre os poderes occultos e gosto de tratar todas as questões á clara luz do dia.
É precisamente isto o que faz e o que tem feito sempre essa commissão a que me honro de pertencer.
O sr. Ferreira de Almeida: - Eu não fallei em poderes occultos.
O Orador: - O illustre deputado disse então que havia pensamentos occultos... que o que era para duas familias ...
Ora, o projecto de lei está bem claro.
(Interrupção.)
S. exa. diz o que entendo, e eu digo e sustento que por emquanto são duas familias, porque falleceram apenas dois officiaes n'aquelle serviço. É isto pelo menos o que se tem apurado das estações officiaes.
(Interrupção.)
Aqui applicam-se ás familias dos officiaes do exercito que fallecerem na effectividade dos serviços dos cordões sanitarios e dos lazaretos, por effeito de molestias ali adquiridas, as disposições do artigo 6.° da carta de lei de 11 de junho de 1867, nos termos do respectivo regulamento.
Até onde póde chegar a despeza? De futuro não o sei, ninguem o póde prever.
É impossivel mesmo o averiguar até que cifra será o paiz obrigado a despender com estas pensões. Nunca se pensou dessa maneira, nunca se entrou n'esses detalhes. Votaram-se depois de discutidas as pensões de sangue e nunca se formulou uma tal pergunta.
Póde, porventura, julgar-se antecipadamente dos resultados de uma campanha? Calcular se o numero de mortos

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SESSÃO DE 7 DE ABRIL DE 1886 845

e o numero de pensões a conceder? Póde apreciar se até onde chegam os encargos do thesouro com essas pensões? Como querem os illustres deputados que lhes fixe o numero de officiaes que têem de fallecer no serviço futuro dos cordões sanitarios ou dos lazaretos?
E maiores encargos resultariam, tomando extensiva esta lei a todas as praças de pret, como desejava um dos meus illustres collegas; refiro-me ao meu amigo o sr. Ferreira de Almeida, e preciso agora dizer lhe que a commissão de guerra se não esqueceu, como s. exa. suppoz, d'essas praças. Qual é a lei que concede pensões ás praças de pret?
O sr. Ferreira de Almeida: - Mas póde fazer-se.
O Orador: - Não serei eu quem deixe de acompanhar o illustre deputado n'esse rasgo de verdadeira generosidade; e se o governo entende que póde fazer-se ao projecto essa alteração, se o governo julga com os seus amigos que as circumstancias da fazenda publica já, não são angustiosas, se o paiz agora vae prosperar, nenhuma duvida tenho de acceitar essa emenda, pedindo, todavia, a s. exa. a fineza de a mandar para a mesa, porque não tomo a responsabilidade da sua apresentação.
A commissão não se oppõe a essa obra de caridade, mas como s. exa., o governo e os seus amigos pintaram com as mais negras cores, ainda ha bem poucos dias, a situação do thesouro, como se recommendavam os processos da mais austera economia, entendeu a commissão de guerra, não desejando crear embaraços á governação do estado, que convinha restringir a proposta aos termos do projecto em discussão.
Uma voz: - E os guardas fiscaes?
O Orador: - Comprehendo bem que o que v. exas. não querem é que o projecto se vote. Eu não discuto agora o que mais conviria fazer no interesse de todas as classes que prestam ao paiz diversas ordens de serviços; discuto apenas o projecto que respeita ás pensões a conceder ás familias dos officiaes do exercito fallecidos no serviço dos cordões sanitarios e dos lazaretos, e defendo como posso e como sei o trabalho da commissão especial que tem ouvido sobre o assumpto que prende n'este momento a attenção da camara.
Nenhuma duvida tenho em estudar detidamente as propostas apresentadas por todos os meus collogas que vieram illustrar o debate com os seus muitos talentos e os seus largos recursos parlamentares; mas peço a v. exa. que, para não prejudicar o projecto que se discute, sejam essas propostas enviadas ás commissões de guerra, de marinha e de fazenda, a fim de darem a seu tempo os seus pareceres sobre taes assumptos.
Tenho dito.
O sr. Agostinho Lucio: - Pedi a palavra sobre a ordem para mandar para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Não sou eu que vou fundamentar esta proposta; é o proprio relatorio que a defende no seguinte periodo: «mas é necessario garantir ás suas familias, e ás de todos aquelles que de futuro expozerem a vida em serviços d'esta ordem» etc.
Agora devo perguntar, estão excluidos os guardas fiscaes, os marinheiros, os facultativos civis, que aliás parece estarem comprehendidos n'este periodo do relatorio?
Pergunto isto ao illustre relator; porque é quem melhor póde explicar-me o sentido do periodo, que acabei de ler. Se não excluem, não mando a minha proposta, se se excluem, mando-a o submetto-a á apreciação da camara.
Eu bem sei que o artigo do projecto, que é bem claro, exclue estes funccionarios, porque apenas se refere; ás familias dos officiaes do exercito, que tiverem fallecido na effectividade dos serviços dos cordões sanitarios e lazaretos; mas então a que vem esta nuvem de esperanças, com que o illustre relator pretende envolver todos aquelles que no futuro expozerem a vida n'esta ordem de serviços?
O sr. Lamare: - V. exa. discute o relatorio ou o projecto?
O Orador: - Eu não posso deixar de alludir ao que se diz no relatorio, porque, segundo creio, o projecto está em discussão na generalidade e na especialidade, visto ter só dois artigos; portanto estou no direito de discutir relatorio e projecto ao mesmo tempo. É na verdade curiosa e original a redacção de um dos periodos do relatorio, quando se refere ás victimas dos cordões sanitarios. Eu peço licença para o ler á camara: «houve um pequeno numero de victimas, devido aos cuidados dispensados no tratamento dos decretos». Pois póde acreditar-se, que fossem os cuidados no tratamento dos doentes, que fizessem este pequeno de victimas? Se houve cuidado e morreram, o que succederia, se não houvesse o tal cuidado. Eu não tenho o gosto de conhecer os facultativos em serviço no cordão sanitario e lazaretos, mas estou certo, e appello para os meus collegas, que estão na camara, e os devem conhecer, que elles cumpriram dignamente o seu dever. (Apoiados.) E creio bem que não houve idéa de ironia ou de menos consideração para os medicos militares, aos quaes foi confiado o tratamento d'esses doentes, que foram victimas de doenças e não de cuidados, como aqui se diz. E se o illustre relator me permitte, eu desde já indico a correcção que se deve fazer n'este periodo. É a seguinte: onde se lê «devido aos cuidados», diga-se «apesar dos cuidados» e assim desapparecerá a inexactidão e dureza, que se sente ao ler aquelas palavras, que reputo injustas.
Não posso, por isso, deixar passar sem o devido reparo esta phrase, e espero que o illustre relator acceitará a substituição que proponho.
Quando eu fallei em facultativos civis é porque sabia que aos cordões sanitarios e nos lazaretos elles prestaram serviços, e por isso me pareceu justo que lhes fosse tambem applicavel o disposto no artigo do projecto. E realmente seria de uma desigualdade revoltante que não participassem dos mesmos beneficies, quando desempenharam os mesmos serviços.
Se estes medicos morressem em virtude do cholera ou outra doença ali contrahida, não lhes era applicavel esta lei? Parece que não: pois era um absurdo enorme que não posso deixar passar.
Qual é então o incentivo que têem os medicos civis para desempenharem este serviço, quando os militares não seam sufficientes ou o não possam desempenhar?
Tratasse aqui de uma remuneração, e portanto parece-me injusto que não se insiram n'esta lei estas disposições assim como não se insiram as apresentadas pelos illustres deputados os srs. Marçal Pacheco e Ferreira de Almeida.
Vou concluir, perguntando ao illustre relator se está de accordo em que se rectifique esta phrase do relatorio que se refere aos medicos, e que eu não posso, por obrigação e dignidade profissional, deixar de levantar. (Apoiados.)

Leu-se na mesa a proposta apresentada.
É a seguinte

Proposta

É extensiva ás familias dos facultativos civis, que fallecerem em virtude de doença adquirida no serviço dos lazaretos e cordões sanitarios a disposição do artigo 1.° do projecto n.º 40. = Agostinho Lucio.
Foi admittida.

O sr. Lobo Lamare: - Já depois disse que todas as proposta; apresentadas fossem enviadas á commissão para, a seu tempo, as estudar devidamente, mas sem prejuizo
do projecto que se discute.

Leu-se na mesa um officio da camara dos pares, participando que o digno par, o sr. Jayme Moniz, director geral das repartições da camara dos senhores deputados fôra no-

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846 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

meado membro da commissão de regimento, a qual tinha de, funccionar no intervallo das sessões.
O sr. Presidente: - A commissão da redacção não fez alteração ao projecto n.º 36.
A sessão ámanhã tem de se fechar mais cedo por causa do encerramento da sessão. Ha de fechar-se ás quatro horas, e por consequencias abrir-se mais cedo do que estes dias.
A ordem do dia para ámanhã é a que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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